2 de abril de 2021

CRIME DE AMEAÇA; COMARCAS DIVERSAS; CRIME FORMAL; CONSUMAÇÃO; CONFLITO DE COMPETÊNCIA

Conflito Negativo de Jurisdição nº 0001338-72.2020.8.19.9000 Suscitante: Juízo de Direito do IX Juizado Especial Criminal da Comarca da Capital Suscitado: Juízo de Direito do Juizado da Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher e Especial Adjunto Criminal da Comarca de Magé Processo de Origem no. 0009924-79.2019.8.19.0029 R E L A T Ó R I O Cuida-se de Conflito Negativo de Jurisdição em que figura na qualidade de suscitante o Juízo de Direito da IX Juizado Especial Criminal da Comarca da Capital, e na condição de Suscitado, o Juízo de Direito do Juizado da Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher e Especial Adjunto Criminal da Comarca de Magé, oriundo do procedimento instaurado a partir do termo circunstanciado lavrado pela autoridade policial ao tomar conhecimento do crime de ameaça em que figura na condição de vítima Adrião Ribeiro Neto, supostamente cometido por André Amaro da Silva. Aduz o juízo suscitante que recebeu os autos do procedimento no. 0009924-79.2019.8.19.0029, remetidos pelo juízo suscitado, que acolheu os argumentos da 2ª. Promotoria de Justiça Criminal da Comarca de Magé(fl.8), que requereu o declínio de competência ao Juizado Suscitante, porque, no seu entender, o crime de ameaça seria formal e consuma-se no momento em que a vitima dela toma conhecimento, situação que fixaria o foro competente para processar e julgar o feito. Os autos foram encaminhados ao Promotor de Justiça Titular do Juizado Especial Criminal da Comarca da Capital(fl. 3), que, por sua vez, entende ser aplicável o disposto no art. 63 da Lei no 9.099/1995, que estabelece que a competência dos Juizados Especiais Criminais é determinada pelo lugar em que foi praticada a infração penal e não pelo local da consumação do delito, prevalecendo a teoria da atividade para fins de fixação da competência, com o que concorda o juízo suscitante e ensejou o presente Conflito(fls. 6-7 e 9-10). Parecer do Ministério Público que atua na Turma Recursal a fls. 22-23, em que calcado no princípio da especialidade, pugna seja o conflito julgado procedente com a fixação da competência do juízo suscitado. VOTO Os elementos contidos nos autos permitiram dispensar a requisição de informações usualmente solicitadas na forma do art. 116, parágrafo 3º do Código de Processo Penal, aplicável aos Juizados Especiais Criminais subsidiariamente na forma do art. 92 da Lei 9.099/1995, de forma a observar o critério de celeridade que deve orientar o processo de origem, previsto no art. 2º da mencionada lei específica. De acordo com o termo circunstanciado de fls. 13/14 e termo de declarações de fls. 15-16, o Sr. Adrião, suposta vítima, estava em sua residência situada na Barra da Tijuca, nesta comarca, no dia 23/11/2019, já havia sido comunicado por seu irmão Paulo sobre problemas envolvendo um imóvel de sua propriedade localizado no município de Magé e um vizinho de prenome André, tendo deste recebido um telefonema, ocasião em que André lhe falou: " Isto aqui é meu e se você criar confusão aqui tem matador e vocês podem morrer!". Esta foi a frase ameaçadora. A vítima reside na Comarca do Rio de Janeiro, e o suposto autor do fato, na Comarca de Magé, de onde teria partido a ligação telefônica com a intimidação. A partes envolvidas estavam em comarcas diversas. O crime de ameaça é formal, não exige o resultado para a sua consumação, que ocorre no momento em que a vítima dela tem ciência. Dispõe o art. 63 da Lei 9.099/1995 que: " A competência do Juizado será determinada pelo lugar em que foi praticada a infração penal." Já o art. 70 do Código de Processo Penal prevê que: "A competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração, ou, no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução." Na situação apresentada, o anúncio feito à vítima da prática de mal injusto e grave ocorreu em Magé, momento em que o ofendido estava no Rio de Janeiro, local em que ouviu a ameaça. Temos dois dispositivos diferentes sobre a fixação da competência. Enquanto a lei especifica dos Juizados estabelece que competente seria o local onde foi praticada a infração penal, o art. 70 do CPP prevê que será aquele em que se consumar a infração, ou, no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução. A esse respeito não é pacífico o entendimento na doutrina, que se divide na aplicação das teorias da atividade, do resultado e da ubiquidade. Conforme a teoria da atividade (ou da ação), lugar do crime é aquele em que foi praticada a conduta (ação ou omissão). Para a Teoria do Resultado (ou do evento) não importa o local da prática da conduta, mas sim, o lugar onde se produziu ou deveria ter se produzido o resultado do crime (adotada pelo artigo 70 do Código de Processo Penal). A Teoria da Ubiquidade (ou mista) é a fusão das duas anteriores, pela qual lugar do crime é tanto aquele em que se produziu (ou deveria ter se produzido) o resultado, bem como onde foi praticada a ação ou omissão. Esta última teoria foi adotada no art. 6º. do Código Penal, que diz respeito aos chamados delitos praticados à distância, ou seja, aqueles em que a conduta criminosa é cometida em um país e o resultado é produzido em outro. Cito apenas o doutrinador Júlio Fabbrini Mirabete, que adota a teoria da ubiquidade, o que se concluiu quando afirma que: "A competência ratione loci dos Juizados Especiais é determinada pelo princípio da ubiquidade, ou seja, pelo lugar em que foram praticados um ou mais atos de execução ou em que ocorreu o resultado total ou parcial". Os Juizados Especiais Criminais têm como critérios norteadores a oralidade, a informalidade, a simplicidade, a economia processual e a celeridade. A interpretação do art. 63 da Lei 9.099/95, no sentido da teoria da ubiquidade, é a que melhor soluciona os casos em que a ação ou omissão ocorre em uma jurisdição e o resultado em outra, preferindo-se a competência do lugar em que se consumou a infração penal. Além da teoria da ubiquidade, tem especial relevância a classificação do delito que será apurado nos autos do processo de origem, no caso, crime de ameaça, que é formal e se consuma quando a vítima dela tem ciência. Em se tratando de infração penal cuja intimidação fora ouvida quando o ofendido estava em sua casa, na Comarca do Rio de Janeiro, este foi o momento a ser considerado, o da consumação, e portanto, deve incidir a regra do art. 70 do Código de Processo Penal, primeira parte: " A competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração(...)", compatível com a Lei 9.099/1995, não obstante o disposto no art. 63 da referida lei específica. Neste sentido, levando em conta a classificação de crime formal do fato típico sub judice, transcrevo abaixo as ementas dos julgados do Superior Tribunal de Justiça em casos semelhantes: "CONFLITO DE COMPETÊNCIA. CRIME DE AMEAÇA PRATICADO POR WHATSAPP E FACEBOOK. ÂMBITO DE APLICAÇÃO DA LEI MARIA DA PENHA. DELITO FORMAL. CONSUMAÇÃO NO LOCAL ONDE A VÍTIMA CONHECE DAS AMEAAS. CONFLITO DE COMPETÊNCIA CONHECIDO. DECLARADA A COMPETÊNCIA DO JUÍZO SUSCITADO. 1. O crime de natureza formal, tal qual o tipo do art. 147 do Código Penal, se consuma no momento em que a vítima toma conhecimento da ameaça. 2. Segundo o art. 70, primeira parte, do Código de Processo Penal, "A competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração". 3. No caso, a vítima tomou conhecimento das ameaças, proferidas via Whatsapp e pela rede social Facebook, na Comarca de Naviraí, por meio do seu celular, local de consumação do delito e de onde requereu medidas protetivas. 4. Independentemente do local em que praticadas as condutas de ameaça e da existência de fato anterior ocorrido na Comarca de Curitiba, deve-se compreender a medida protetiva como tutela inibitória que prestigia a sua finalidade de prevenção de riscos para a mulher, frente à possibilidade de violência doméstica e familiar. 5. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo da 1º Vara Criminal da Comarca de Naviraí/MS, ora suscitado.(Conflito de Competência 156.284/PR- Superior Tribunal de Justiça. Rel. Ministro Ribeiro Dantas-Julgamento: 28/02/2018). No mesmo teor transcrevo outra ementa relativo a crime diferente, porém da mesma classificação: "CONFLITO DE COMPETÊNCIA. DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. EXTORSÃO. CRIME FORMAL. CONSUMAÇÃO NO LOCAL DO CONSTRANGIMENTO. SÚMULA Nº 96/STJ. 1. O crime de extorsão é formal e consuma-se no momento e no local em que ocorre o constrangimento para se faça ou se deixe de fazer alguma coisa. Súmula nº 96 do Superior Tribunal de Justiça. 2. Hipótese em que a vítima foi coagida a efetuar o depósito, mediante ameaça proferida por telefone, quando estava em seu consultório, em Rio Verde/GO. Independentemente da efetivação do depósito ou do local onde se situa a agência da conta bancária beneficiada, foi ali que se consumou o delito. Precedentes. 3. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo de Direito da 4ª Vara Criminal de Rio Verde/GO, o suscitado. (Superior Tribunal de Justiça-Conflito de Competência no. 115.006/RJ- Ministra Maria Thereza de Assis Moura- Julgamento : 14/03/2011). A amparar tal entendimento, cito o Conflito de Competência no. 001962-92.2018.8.19.9000-Juiza Elen de Freitas Barbosa-Jultamento:19/12/2018 - Primeira Turma Recursal estadual dos Juizados Especiais Criminais. Por essas razões, voto no sentido de conhecer do conflito e para que lhe seja negado provimento, firmando-se a competência do IX Juizado Especial Criminal da Comarca da Capital, nos termos colocados. Rio de Janeiro, 17 de dezembro de 2020. RUDI BALDI LOEWENKRON Juiz de Direito Relator ESTADO DO RIO DE JANEIRO PODER JUDICIÁRIO SEGUNDA TURMA RECURSAL CRIMINAL



0001338-72.2020.8.19.9000 - CONFLITO DE COMPETÊNCIA

CAPITAL 2a. TURMA RECURSAL DOS JUI ESP CRIMINAIS

Juiz(a) RUDI BALDI LOEWENKRON - Julg: 28/12/2020 - Data de Publicação: 03/02/2021

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