Fonte: Dizer o Direito
Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2020/07/info-980-stf-3.pdf
IMPENHORABILIDADE - São inconstitucionais quaisquer medidas de constrição judicial em desfavor do Estado-membro, das Caixas Escolares ou das Unidades Descentralizadas de Execução da Educação UDEs, que recaiam sobre verbas destinadas à educação
As Unidades Executoras Próprias (UEx), como, por exemplo, Caixas Escolares, podem receber recursos públicos destinados à educação, via transferência, para a melhoria da infraestrutura física e pedagógica, o reforço da autogestão escolar e a elevação dos índices de desempenho da educação básica, por meio da gestão descentralizada. A Justiça do Trabalho, em processos de execução, não pode decretar medidas de constrição judicial que recaiam sobre essas verbas recebidas pelas Caixas Escolares destinadas à educação. Esses valores são impenhoráveis porque estão afetados a finalidades públicas e à realização das atividades e serviços públicos decorrentes do exercício obrigatório da função administrativa. Vale ressaltar, no entanto, que não se aplica o regime de precatório para as Caixas Escolares ou Unidades Descentralizadas de Educação (UDEs). Isso porque tais entes possuem natureza jurídica de direito privado, não integram a Administração Pública e não compõem o orçamento público. As Caixas Escolares recebem doações particulares, e assumem outras obrigações não necessariamente vinculadas com a educação pública. Em relação a essas obrigações, calcadas em patrimônio decorrente de doações privadas, não é razoável que devam ser pagas por precatório. STF. Plenário. ADPF 484/AP, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 4/6/2020 (Info 980).
Unidades Executoras Próprias (UEx)
Unidades Executoras Próprias (UEx) são entidades privadas (pessoas jurídicas de direito privado), sem fins lucrativos, que recebem recursos financeiros da União, Estados, DF ou Municípios para auxiliarem na prestação dos serviços de educação pública. Exs: Associação de Pais e Mestres, Caixas Escolares, Conselhos de Escola, entre outros.
As Unidades Executoras Próprias (UEx) recebem recursos públicos destinados à educação, via transferência, para a melhoria da infraestrutura física e pedagógica, o reforço da autogestão escolar e a elevação dos índices de desempenho da educação básica, por meio da gestão descentralizada. Encontram-se inseridas em uma política de descentralização dos recursos destinados às escolas, intitulada Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE), que presta assistência financeira às escolas públicas da educação básica das redes estaduais, municipais e do Distrito Federal e às escolas privadas de educação especial mantidas por entidades sem fins lucrativos. Os recursos do programa são transferidos de acordo com o número de alunos e com o censo escolar do ano anterior ao do repasse. Por sua vez, a assistência financeira a ser concedida a cada estabelecimento de ensino é admitida via repasse diretamente à unidade executora ou à entidade representativa da comunidade escolar. As unidades executoras das escolas instituídas e mantidas pelo Poder Público consistem em sociedades civis com personalidade jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, que têm por finalidade receber e gerenciar os recursos destinados às escolas, inclusive aqueles recebidos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE).
Imagine agora a seguinte situação:
No Estado do Amapá foram criadas “Caixas Escolares”, ou “Unidades Descentralizadas de Educação” (UDEs), para funcionarem como Unidades Executoras Próprias (UEx). Diversos juízes trabalhistas, no âmbito de processos de execução, determinaram a penhora on line (bacenjud) de valores depositados nas contas bancárias das Caixas Escolares. Alegaram que, em razão de serem pessoas jurídicas de direito privado, as execuções contra as Caixas Escolares não precisaria seguir a regra dos precatórios (art. 100 da CF/88), podendo ocorrer normalmente a penhora. O TRT da 8ª Região confirmou essas decisões em recurso.
ADPF
Diante desse cenário, o Governador do Estado do Amapá ajuizou ADPF para questionar esse conjunto de decisões da Justiça trabalhista da 8ª Região que determinaram o bloqueio de verbas estaduais sob o argumento de que os valores subtraídos corresponderiam a uma dívida do estado em ações trabalhistas. Na ação, o Governador afirma que toda e qualquer verba repassada pelo Estado ou União aos Caixas Escolares é destinada integral e exclusivamente ao ensino público e que são impenhoráveis os valores repassados a instituições privadas para aplicação compulsória na educação. Além disso, afirmou que as execuções contra as Caixas Escolares deveriam ser feitas, obrigatoriamente, pelo regime de precatórios.
Vejamos o que o STF decidiu sobre o tema.
Cabe ADPF neste caso?
SIM. É cabível o ajuizamento de ADPF contra interpretação judicial de que possa resultar lesão a preceito fundamental. STF. Plenário. ADPF 144, Rel. Min. Celso de Mello, julgado em 06/08/2008. Assim, é cabível o ajuizamento de ADPF contra inúmeras decisões judiciais que violem preceito fundamental da Constituição Federal (STF. Plenário. ADPF 33, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 07/12/2005). Trata-se de via processual que atende ao requisito da subsidiariedade, considerando que não existe outro meio para sanar a controvérsia com caráter abrangente e imediato, ou com a mesma eficácia e celeridade.
É possível que essas Caixas Escolares recebam recursos públicos para desempenho de atividades relacionadas com a educação?
SIM. O STF afirmou inicialmente que é possível que os recursos destinados à educação sejam repassados a associações privadas sem fins lucrativos, às quais cabe geri-los em benefício da escola. A inovação deste programa reside justamente na descentralização da gestão financeira de recursos da educação para a sociedade civil. Assim, as Caixas Escolares, enquanto unidades executoras próprias (UEx), foram criadas para viabilizar o repasse de verbas públicas diretamente às escolas, conferindo-lhes maior autonomia na aplicação dos recursos de acordo com as necessidades particulares de cada localidade. A ratio é a descentralização da gestão da educação para maior agilidade e eficiência. As UEx funcionam por meio de repasses de verbas para associações privadas sem fins lucrativos. Essa medida de descentralização da gestão financeira na prestação de serviços educacionais configura escolha de alocação de recursos plenamente legítima, inserida na margem de conformação das decisões de agentes políticos. Essa sistemática não encontra óbice na Constituição, que, ao contrário, estabelece, em seu art. 205, que “a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. Portanto, o experimentalismo do administrador público caminha no sentido da descentralização da execução, mantido o controle normativo e fiscalizador dos entes públicos. No caso, ao se estabelecer a transferência direta de recursos para as escolas, pretende-se atingir ganhos de agilidade e eficiência, além de democratizar a administração da escola. Como o recurso é público deve haver forte fiscalização, responsabilização e submissão aos princípios gerais da administração pública e o controle por parte do Tribunal de Contas e do Ministério Público.
A Justiça do Trabalho poderia ter determinado a penhora desses recursos?
NÃO. O Plenário do STF, por maioria, declarou a inconstitucionalidade de quaisquer medidas de constrição judicial que recaiam sobre verbas destinadas à educação. Os princípios da separação dos poderes e do fomento à educação são violados por decisões judiciais que gerem bloqueio, penhora ou sequestro, para fins de quitação de débitos trabalhistas, de verbas públicas destinadas à merenda, ao transporte de alunos e à manutenção das escolas públicas. O direito social à educação, bem como a prioridade absoluta de proteção às crianças e aos adolescentes, em respeito à condição peculiar de pessoas em desenvolvimento que são, justificam a especial proteção constitucional dos valores necessários à aplicação efetiva dos recursos públicos destinados à concretização dos efetivos direitos.
No caso, a destinação específica das verbas bloqueadas em juízo para aplicação em educação se verifica no manual de orientação para as UEx, que exige que a entidade, quando da formalização do cadastro, deve indicar o banco e a agência de sua preferência para abertura pelo FNDE de conta corrente específica para o programa, e que a conta é exclusiva, sendo vedada a movimentação de recursos próprios por meio de depósito, transferência, doação ou saque em espécie.
Em caso de descumprimento, o FNDE fica autorizado a suspender o repasse dos recursos, assim como em caso de omissão na prestação de contas ou rejeição da prestação de contas. Ademais, qualquer irregularidade identificada na aplicação dos recursos destinados à execução do PDDE pode ser denunciada ao FNDE, ao TCU, aos órgãos de controle interno do Poder Executivo da União e ao Ministério Público, a quem cabe o controle da prestação de contas.
As penhoras determinadas pela Justiça trabalhista acarretaram o indesejado comprometimento do equilíbrio e da harmonia entre os Poderes, além de prejuízo à continuidade dos serviços públicos, em ofensa ao direito social à educação, transporte e alimentação escolar, preceitos fundamentais agasalhados na Constituição. Desse modo, esses valores são impenhoráveis porque estão afetados a finalidades públicas e à realização das atividades e serviços públicos decorrentes do exercício obrigatório da função administrativa.
Vale ressaltar também que a Constituição proíbe a transposição, o remanejamento ou a transferência de recursos de uma categoria de programação para outra ou de um órgão para outro, sem prévia autorização legislativa, mandamento esse que também vincula o Judiciário. Nesse sentido, as regras sobre aprovação e gestão orçamentárias consagram mecanismos de freios e contrapesos essenciais ao regular o funcionamento das instituições republicanas e democráticas e à concretização do princípio da separação dos poderes.
A execução contra essas Unidades Executoras Próprias (UEx) deve ser feita por meio de precatórios?
NÃO. O STF afastou a submissão ao regime de precatório das Caixas Escolares ou Unidades Descentralizadas de Educação (UDEs). Isso porque tais entes possuem natureza jurídica de direito privado, não integram a Administração Pública, não compõem o orçamento público e a ratio que inspira a gestão descentralizada da coisa pública. As Caixas Escolares recebem doações particulares, e assumem outras obrigações não necessariamente vinculadas com a educação pública. Em relação a essas obrigações, calcadas em patrimônio decorrente de doações privadas, não é razoável que devam ser pagas por precatório. Destaque-se que essas Caixas têm personalidade jurídica de direito privado. Assim, embora as Caixas Escolares do Amapá sejam entidades voltadas diretamente à prestação de serviços de educação e recebam recursos públicos via conta específica, já não se pode afirmar que dependem totalmente de recursos públicos e atuam em regime de exclusividade na gestão de recursos públicos destinados à educação. As Caixas Escolares contam com recursos provenientes do próprio do Estado do Amapá e dos Municípios, bem como com rendas decorrentes de atividades realizadas no ambiente escolar e auxílios financeiros de particulares. Essas verbas privadas não estão imunes aos atos de constrição judicial. Dessa forma, considerando-se que as Caixas Escolares consistem em sociedades civis com personalidade jurídica de direito privado, bem como que tais entidades não possuem os qualificativos necessários para serem enquadradas no regime especial de pagamento de débitos por precatórios, sabidamente diante da possibilidade de gerirem recursos privados, elas não se sujeitam ao regime referido independentemente da natureza dos recursos submetidos à execução judicial. É assim que a proteção constitucional a direitos individuais e a garantias fundamentais, inclusive de ordem trabalhista, convive com o princípio da impenhorabilidade dos recursos públicos recebidos por instituições privadas para aplicação compulsória em educação, saúde ou assistência social.
Em suma: As Unidades Executoras Próprias (UEx), como, por exemplo, Caixas Escolares, podem receber recursos públicos destinados à educação, via transferência, para a melhoria da infraestrutura física e pedagógica, o reforço da autogestão escolar e a elevação dos índices de desempenho da educação básica, por meio da gestão descentralizada. A Justiça do Trabalho, em processos de execução, não pode decretar medidas de constrição judicial que recaiam sobre essas verbas recebidas pelas Caixas Escolares destinadas à educação. Esses valores são impenhoráveis porque estão afetados a finalidades públicas e à realização das atividades e serviços públicos decorrentes do exercício obrigatório da função administrativa. Vale ressaltar, no entanto, que não se aplica o regime de precatório para as Caixas Escolares ou Unidades Descentralizadas de Educação (UDEs). Isso porque tais entes possuem natureza jurídica de direito privado, não integram a Administração Pública e não compõem o orçamento público. As Caixas Escolares recebem doações particulares, e assumem outras obrigações não necessariamente vinculadas com a educação pública. Em relação a essas obrigações, calcadas em patrimônio decorrente de doações privadas, não é razoável que devam ser pagas por precatório. STF. Plenário. ADPF 484/AP, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 4/6/2020 (Info 980)
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