RECURSO ESPECIAL Nº 1.827.553 - RJ (2019/0212134-8)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE NULIDADE DE CONTRATO CUMULADA COM REPETIÇÃO DE INDÉBITO E REPARAÇÃO DE DANOS MORAIS. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA QUE MAJORA A MULTA FIXADA PARA A HIPÓTESE DE DESCUMPRIMENTO DA ORDEM JUDICIAL. RENITÊNCIA DA PARTE ADVERSA QUE REVELOU A INSUFICIÊNCIA DA TÉCNICA DE APOIO ADOTADA. DECISÃO MODIFICADORA DA DECISÃO INTERLOCUTÓRIA ANTERIORMENTE PROFERIDA, EM QUE FOI CONCEDIDA A TUTELA PROVISÓRIA. RECORRIBILIDADE IMEDIATA. DECISÃO QUE MAJORA A MULTA FIXADA ANTERIORMENTE VERSA SOBRE TUTELA PROVISÓRIA. AGRAVO DE INSTRUMENTO CABÍVEL. ART. 1.015, I, DO CPC/15. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL PREJUDICADA.
1- Ação proposta em 29/01/2013. Recurso especial interposto em 08/02/2019 e atribuído à Relatora em 30/07/2019.
2- O propósito recursal é definir se a decisão interlocutória que majora a multa fixada para a hipótese de descumprimento de decisão interlocutória antecipatória de tutela anteriormente proferida também versa sobre tutela provisória e, assim, se é recorrível por agravo de instrumento com base no art. 1.015, I, do CPC/15.
3- O conceito de “decisão interlocutória que versa sobre tutela provisória” abrange as decisões que examinam a presença ou não dos pressupostos que justificam o deferimento, indeferimento, revogação ou alteração da tutela provisória e, também, as decisões que dizem respeito ao prazo e ao modo de cumprimento da tutela, a adequação, suficiência, proporcionalidade ou razoabilidade da técnica de efetivação da tutela provisória e, ainda, a necessidade ou dispensa de garantias para a concessão, revogação ou alteração da tutela provisória, motivo pelo qual o art. 1.015, I, do CPC/15, deve ser lido e interpretado como uma cláusula de cabimento de amplo espectro, de modo a permitir a recorribilidade imediata das decisões interlocutórias que digam respeito não apenas ao núcleo essencial da tutela provisória, mas também que se refiram aos aspectos acessórios que estão umbilicalmente vinculados a ela. Precedente.
4- Hipótese em que, após a prolação da primeira decisão interlocutória que deferiu a tutela de urgência sob pena de multa, sobreveio a notícia de descumprimento da ordem judicial, motivando a prolação de subsequente decisão interlocutória que, ao majorar a multa fixada anteriormente, modificou o conteúdo da primeira decisão e, consequentemente, também versou sobre tutela provisória, nos moldes da hipótese de cabimento descrita no art. 1.015, I, do CPC/15.
5- Recurso especial conhecido e provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, conhecer e dar provimento ao recurso especial nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora. Impedido o Sr. Ministro Marco Aurélio Bellizze.
Brasília (DF), 27 de agosto de 2019(Data do Julgamento)
RELATÓRIO A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora): Cuida-se de recurso especial interposto por BV FINANCEIRA S/A – CRÉDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO, com base nas alíneas “a” e “c” do permissivo constitucional, em face de acórdão do TJ/RJ que, por unanimidade, negou provimento ao agravo interno interposto em face de decisão unipessoal que não conheceu do agravo de instrumento interposto pela recorrente.
Recurso especial interposto e m: 08/02/2019.
Atribuído ao gabinete e m: 30/07/2019.
Ação: de nulidade de contrato cumulada com repetição do indébito e reparação de danos morais, ajuizada por ALEXANDRE DE SOUZA SERRA em face do recorrido, ao fundamento de que não teria havido a contratação de empréstimo consignado com desconto em folha de pagamento.
Decisão interlocutória: em razão de descumprimento da tutela antecipatória anteriormente deferida, em que se determinou a suspensão dos descontos na folha de pagamento do recorrido sob pena de pagamento em dobro daquilo que viesse a ser descontado, determinou o juízo de 1º grau a majoração da multa diária e a restituição em triplo dos valores indevidamente descontados do recorrido (fl. 11, e-STJ).
Acórdão: por unanimidade, negou provimento ao agravo interno interposto em face de decisão unipessoal que não conheceu do agravo de instrumento interposto pela recorrente, nos termos da seguinte ementa:
AGRAVO INTERNO EM EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. DECISÃO MONOCRÁTICA QUE REJEITOU OS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO OPOSTOS CONTRA O JULGAMENTO MONOCRÁTICO QUE NÃO CONHECEU DO RECURSO DO RÉU POR SER O MESMO INADMISSÍVEL. AGRAVANTE QUE ALEGA QUE O AGRAVO DE INSTRUMENTO DEVE SER CONHECIDO EM VIRTUDE DA POSSIBILIDADE DE INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA DO ARTIGO 1.015 DO CPC. RECURSO QUE NÃO MERECE PROSPERAR UMA VEZ QUE A DECISÃO AGRAVADA NÃO SE ENQUADRA NA HIPÓTESE DO INCISO I DO ALUDIDO DISPOSITIVO LEGAL, JÁ QUE NÃO SE TRATA DE DEFERIMENTO DE TUTELA PROVISÓRIA. APESAR DA MATÉRIA EM DISCUSSÃO TER SIDO AFETADA AO RITO DOS RECURSOS REPETITIVOS NO RESP 1.696.396 -MT, AINDA NÃO JULGADO, O ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL PERMANECE NO SENTIDO DE INTERPRETAÇÃO TAXATIVA DO ROL DO ART. 1.015 DO CPC, NÃO SE ADMITINDO A EXTENSÃO INTERPRETATIVA QUE ALCANCE A DECISÃO AGRAVADA. DESTARTE, NÃO TROUXE A AGRAVANTE RAZÕES RECURSAIS CAPAZES DE MODIFICAR A DECISÃO, QUE ASSIM RESTOU EMENTADA: "AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO CONTRA DECISÃO QUE MAJOROU A MULTA COMINATÓRIA PARA O TRIPLO DO VALOR DESCONTADO INDEVIDAMENTE NO CONTRACHEQUE DO AUTOR/AGRAVADO. ANTERIOR DETERMINAÇÃO JUDICIAL NO SENTIDO DE SUSPENDER DESCONTOS REALIZADOS NO CONTRACHEQUE DO AUTOR. ROL DO ARTIGO 1.015 DO CPC/2015. DECISÃO QUE NÃO SE ENQUADRA EM NENHUMA DAS HIPÓTESES ELENCADAS NO REFERIDO ARTIGO, NÃO SE CONFUNDINDO COM A DECISÃO QUE DEFERIU A TUTELA ANTECIPADA. MANIFESTA INADMISSIBILIDADE DO AGRAVO DE INSTRUMENTO. NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO, NA FORMA DO DISPOSTO NO ART. 932, III, DO CPC/15." AGRAVO INTERNO IMPROCEDENTE. (fls. 88/100, e-STJ).
Embargos de declaração: opostos pela recorrente, foram rejeitados por unanimidade (fls. 115/119, e-STJ).
Recurso especial: alega-se violação ao art. 1.015, I, do CPC/15, ao fundamento de que a decisão interlocutória impugnada versaria sobre tutela provisória e que seria admissível a interpretação extensiva, bem como dissídio jurisprudencial com os precedentes em que se fixou a tese jurídica da taxatividade mitigada (fls. 133/149, e-STJ).
É o relatório.
VOTO
A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora):
O propósito recursal é definir se a decisão interlocutória que majora a multa fixada para a hipótese de descumprimento de decisão interlocutória antecipatória de tutela anteriormente proferida também versa sobre tutela provisória e, assim, se é recorrível por agravo de instrumento com base no art. 1.015, I, do CPC/15.
1. CONTEXTUALIZAÇÃO DA CONTROVÉRSIA.
Inicialmente, é necessário que se faça um breve histórico dos atos processuais em 1º grau de jurisdição para melhor compreensão da controvérsia e do conteúdo da decisão interlocutória impugnada.
O recorrido ajuizou ação de nulidade de contrato cumulada com repetição do indébito e reparação de danos morais em face da recorrente, ao fundamento de que não teria havido a contratação de empréstimo consignado com desconto em folha de pagamento, tendo sido deferida tutela provisória de urgência para cessar os descontos na folha do recorrido, para a qual a recorrente foi regularmente intimada (fl. 12, e-STJ).
Ato contínuo, sobreveio manifestação com documentos do recorrido em que se alega que, conquanto regularmente intimada da tutela deferida, a recorrente não havia cessado os descontos em folha e estaria descumprimento a tutela anteriormente deferida. Em razão disso, o juízo de 1º grau proferiu nova decisão interlocutória, por meio da qual foi majorada a multa inicialmente fixada.
É contra essa decisão interlocutória que se insurgiu a recorrente, em agravo de instrumento não conhecido ao fundamento de que a majoração da multa não está contemplada pela lista do art. 1.015 do CPC/15.
2. DA RECORRIBILIDADE DA DECISÃO INTERLOCUTÓRIA QUE, NA FASE DE CONHECIMENTO, MAJORA A MULTA ANTERIORMENTE FIXADA. ALEGADA VIOLAÇÃO AO ART. 1.015, I, DO CPC/15.
De início, lembre-se que a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento dos recursos especiais representativos da controvérsia nº 1.696.396/MT e 1.704.520/MT, ambos com acórdãos publicados no DJe de 19/12/2018, pronunciou-se expressamente pela impossibilidade de uso da interpretação extensiva e da analogia para alargar as hipóteses de cabimento do recurso de agravo de instrumento.
No ponto, aliás, anote-se ter havido unanimidade da Corte Especial, na medida em que os e. Ministros que foram contrários à tese vencedora – taxatividade mitigada – filiaram-se ao entendimento de que o rol do art. 1.015 do CPC/15 era de taxatividade irrestrita, negando, consequentemente, a possibilidade de interpretação extensiva ou de uso da analogia, de modo que o recurso especial não pode ser provido sob esse fundamento.
Contudo, considerando que também se veicula tese relacionada à abrangência e ao exato conteúdo do art. 1.015, I, do CPC/15, merece trânsito o recurso especial sob esse enfoque.
Em se tratando de ação de conhecimento que tramita pelo procedimento comum e na qual se requer a prolação de sentença de mérito que promova o acertamento da relação jurídica mantida entre as partes, é certo afirmar que a adoção de técnica antecipatória de natureza satisfativa pressupõe, ou deve pressupor, que estão presentes elementos fático-probatórios e razões jurídicas que justifiquem a excepcional antecipação da fruição do bem da vida pelo autor antes do término do processo. Dito de outra maneira: a satisfação prematura da pretensão deduzida em ação de conhecimento, a rigor, ocorre por meio de tutela provisória.
Partindo dessa premissa, e sabendo-se o CPC/15 estruturou o gênero tutelas provisórias contendo duas espécies (urgência e evidência), residindo na primeira a clássica subdivisão entre cautelares e antecipatórias (ou satisfativas), é preciso examinar se a decisão interlocutória que majora a multa que havia sido fixada inicialmente para a hipótese de descumprimento de uma decisão de natureza antecipatória também versa sobre o gênero tutela provisória e, consequentemente, se é recorrível por agravo de instrumento com base no art. 1.015, I, do CPC/15.
Nesse particular, anote-se que esta Corte se pronunciou, em recente julgado, que “o conceito de “decisão interlocutória que versa sobre tutela provisória” abrange as decisões que examinam a presença ou não dos pressupostos que justificam o deferimento, indeferimento, revogação ou alteração da tutela provisória e, também, as decisões que dizem respeito ao prazo e ao modo de cumprimento da tutela, a adequação, suficiência, proporcionalidade ou razoabilidade da técnica de efetivação da tutela provisória e, ainda, a necessidade ou dispensa de garantias para a concessão, revogação ou alteração da tutela provisória”, motivo pelo qual “é possível concluir que o art. 1.015, I, do CPC/15, deve ser lido e interpretado como uma cláusula de cabimento de amplo espectro, de modo a permitir a recorribilidade imediata das decisões interlocutórias que digam respeito não apenas ao núcleo essencial da tutela provisória, mas também que se refiram aos aspectos acessórios que estão umbilicalmente vinculados a ela, porque, em todas essas situações, há urgência que justifique o imediato reexame da questão em 2º grau de jurisdição”. (REsp 1.752.049/PR, 3ª Turma, DJe 15/03/2019).
No mesmo sentido, assim se pronunciou a doutrina:
Qualquer decisão interlocutória que verse sobre tutela provisória permite a interposição do recurso de agravo de instrumento. O dispositivo é suficientemente claro em submeter ao âmbito dos agravos as decisões interlocutórias que versarem sobre tutelas provisórias. Desde que a decisão interlocutória enfrente o tema da tutela provisória, independentemente da consequência, viável a interposição do recurso de agravo de instrumento. Sem pretensão de exaurimento, podemos lembrar das decisões que: deferem o pedido de tutela provisória; rejeitem o pedido de tutela provisória; determinem medidas para efetivação da tutela provisória; modifiquem a tutela provisória antes concedida; revoguem a tutela provisória anteriormente deferida; determinem a conversão do rito antecedente de cautelar para antecipação de tutela ou vice-versa; designem audiência de justificação antes da apreciação da tutela provisória; estabeleçam caução para a concessão da tutela provisória. (GAJARDONI, Fernando da Fonseca; DELLORE, Luiz; ROQUE, André Vasconcelos; OLIVEIRA JR., Zulmar. Execução e recursos: comentários ao CPC de 2015. São Paulo: Método, 2017. p. 1.071/1.072).
Na hipótese em exame, não há dúvida de que o conteúdo da primeira decisão interlocutória proferida no processo – deferindo a tutela de urgência satisfativa para sustar os descontos do empréstimo na folha de pagamento do recorrido sob pena de multa – amolda-se integralmente à hipótese de cabimento do art. 1.015, I, do CPC/15.
Ocorre que as subsequentes decisões interlocutórias cujos conteúdos se relacionem diretamente com àquele primeiro pronunciamento jurisdicional versarão, de igual modo, sobre a tutela provisória, especialmente quando a decisão posterior alterar a decisão anterior – na hipótese, houve a majoração da multa anteriormente fixada em razão da renitência da recorrente – e, inclusive, porque a alegação da recorrente é justamente de que houve o cumprimento tempestivo da tutela provisória e, consequentemente, não apenas inexistiriam fundamentos para a incidência da multa, como também não existiriam razões para majorá-la.
Dessa forma, o agravo de instrumento interposto pela recorrente era indiscutivelmente cabível e, assim, a conclusão é de que o acórdão recorrido violou o art. 1.015, I, do CPC/15.
3. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL.
Finalmente, na esteira da jurisprudência desta Corte, o provimento do recurso especial por um dos fundamentos torna despiciendo o exame dos demais suscitados pelos recorrentes (na hipótese, divergência jurisprudencial). Nesse sentido: AgInt no REsp 1.528.765/RS, 2ª Turma, DJe 17/06/2019 e REsp 1.738.756/MG, 3ª Turma, DJe 22/02/2019.
4. CONCLUSÃO.
Forte nessas razões, CONHEÇO e DOU PROVIMENTO ao recurso especial, determinando o retorno do processo ao TJ/RJ para que, afastado o óbice do cabimento, examine o agravo de instrumento interposto pela recorrente no qual se alega que houve o cumprimento tempestivo da tutela provisória anteriormente deferida.
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