10 de maio de 2021

O prazo de 30 dias do art. 529 do CPP não afasta a decadência pelo não exercício do direito de queixa em 6 meses (art. 38), contados da ciência da autoria do crime

Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/05/info-692-stj.pdf 


PROCEDIMENTO - O prazo de 30 dias do art. 529 do CPP não afasta a decadência pelo não exercício do direito de queixa em 6 meses (art. 38), contados da ciência da autoria do crime 

Nos crimes contra a propriedade imaterial que deixam vestígios, depois que o ofendido tem ciência da autoria do delito, ele possui o prazo decadencial de 6 meses para a propositura da ação penal, nos termos do art. 38 do CPP. Se, antes desses 6 meses, o laudo pericial for concluído, o ofendido terá 30 dias para oferecer a queixa crime. Assim, em se tratando de crimes contra a propriedade imaterial que deixem vestígio, a ciência da autoria do fato delituoso dá ensejo ao início do prazo decadencial de 6 meses (art. 38 do CPP), sendo tal prazo reduzido para 30 dias (art. 38) se homologado laudo pericial nesse ínterim. STJ. 6ª Turma. REsp 1.762.142/MG, Rel. Min. Sebastião Reis Junior, julgado em 13/04/2021 (Info 692). 

Crimes contra a propriedade imaterial 

O CPP, em seus arts. 524 a 530-I, trata sobre o processo e julgamento dos crimes contra a propriedade imaterial. Quais são esses delitos? 1) crime de violação de direito autoral (art. 184 do CP); 2) crimes contra a propriedade industrial, previstos nos arts. 183 a 195 da Lei nº 9.279/96. 

Qual é a natureza da ação penal nesses crimes? 

• art. 184, caput, do CP: ação penal privada. • art. 184, §§ 1º e 2º, do CP (ex.: venda de DVD pirata): ação pública incondicionada. • art. 184, § 3º, do CP: ação penal pública condicionada. • em qualquer uma das figuras do art. 184, do CP, se o crime for cometido em desfavor de entidades de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou fundação instituída pelo Poder Público, a ação será pública incondicionada. • art. 191 da Lei nº 9.279/96: ação pública incondicionada. • demais crimes da Lei nº 9.279/96: ação penal privada. 

Imagine agora a seguinte situação hipotética: 

João praticou crime contra registro de marca, previsto no art. 189, I, da Lei nº 9.279/96: 

Art. 189. Comete crime contra registro de marca quem: I - reproduz, sem autorização do titular, no todo ou em parte, marca registrada, ou imita-a de modo que possa induzir confusão; ou Informativo comentado (...) 

A vítima desse delito foi a empresa FS Ltda, que é a titular da marca. A situação foi descoberta em 20/02, quando, em uma fiscalização da Receita Federal, foram apreendidos, em poder de João, diversos produtos nos quais houve a imitação da marca. Apesar disso, neste primeiro momento, a empresa não tomou nenhuma providência. Em 20/09, a empresa pediu a realização de perícia nos produtos apreendidos. A perícia foi realizada e o laudo, constatando a imitação da marca, foi entregue em 01/10. Em 05/10, a empresa ofereceu queixa crime contra João. A defesa do querelado arguiu a decadência afirmando que a queixa deveria ter sido ajuizada em um prazo máximo de 6 meses, contados do conhecimento dos fatos. Isso com base no art. 38 do CPP: 

Art. 38. Salvo disposição em contrário, o ofendido, ou seu representante legal, decairá no direito de queixa ou de representação, se não o exercer dentro do prazo de seis meses, contado do dia em que vier a saber quem é o autor do crime, ou, no caso do art. 29, do dia em que se esgotar o prazo para o oferecimento da denúncia. 

Como os fatos foram conhecidos em 20/02 e a empresa ajuizou a ação penal privada em 05/10, já teriam se passado os 6 meses, devendo ser reconhecida a decadência, com a extinção da punibilidade (art. 107, IV, do CP). A empresa refutou essa argumentação alegando que existe um prazo decadencial específico para os casos de crimes contra a propriedade imaterial. O art. 529 do CPP afirma que, depois que o laudo da perícia ficar pronto e for homologado, a vítima terá um prazo decadencial de 30 dias para oferecer a queixa crime: 

Art. 529. Nos crimes de ação privativa do ofendido, não será admitida queixa com fundamento em apreensão e em perícia, se decorrido o prazo de 30 dias, após a homologação do laudo. 

Assim, o art. 529 do CPP foi cumprido e ele exclui o prazo do art. 38 do CPP. 

A tese da empresa foi acolhida pelo STJ? NÃO. 

O prazo do art. 529 do CPP não afasta a decadência pelo não exercício do direito de queixa em seis meses, contados da ciência da autoria do crime. STJ. 6ª Turma. REsp 1.762.142/MG, Rel. Min. Sebastião Reis Junior, julgado em 13/04/2021 (Info 692). 

O prazo decadencial previsto no art. 529 do CPP - 30 dias após homologação do laudo pericial - consubstancia norma especial, NÃO AFASTA a incidência do art. 38 do mesmo código (decadência em 6 meses contados da ciência da autoria do crime). Ambos os prazos convivem e devem ser aplicados. Desse modo, em se tratando de crimes contra a propriedade imaterial que deixem vestígio, a ciência da autoria do fato delituoso dá ensejo ao início do prazo decadencial de 6 meses, sendo tal prazo reduzido para 30 dias se homologado laudo pericial nesse ínterim. Exemplificando: 

• em 20/02, houve a ciência da autoria do fato delituoso. Isso significa que, neste dia, começou o prazo decadencial de 6 meses do art. 38 do CPP. 

• o “normal” seria esse prazo decadencial terminar em 20/08. 

• se, hipoteticamente, o laudo tivesse ficado pronto em 20/03, neste caso, o prazo da ofendida (empresa) seria reduzido e ela só teria mais 30 dias para ajuizar a queixa crime (terminaria por volta de 20/04, mais ou menos). 

Conforme explica a doutrina: 

(...) Saliente-se, ainda, que a ciência do ofendido da autoria de crime contra a propriedade imaterial faz desencadear o prazo decadencial de seis meses para a propositura da ação penal. Ocorre que, se tomar providências nesse prazo de seis meses, solicitando as diligências preliminares e o laudo for concluído, tem, a partir daí, 30 dias para agir. Neste prisma: Greco Filho (Manual de processo penal, p. 389); Tourinho Filho (Código de Processo Penal comentado, v. 2, p. 186); Espínola Filho (Código de Processo Penal brasileiro anotado, v. V, p. 218) (...) (NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 15ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, ebook) 

(...) Em se tratando de crimes contra a propriedade imaterial que deixem vestígios, o art. 529, caput, do CPP, dispõe que, nos crimes de ação privativa do ofendido, não será admitida queixa com fundamento em apreensão e em perícia, se decorrido o prazo de 30 (trinta) dias, após a homologação do laudo. Não obstante o teor do referido dispositivo, pensamos que, a fim de compatibilizá-lo com o do art. 38 do CPP, continua válido o raciocínio de que o oferecimento dessa queixa não poderá ultrapassar o prazo decadencial de 6 (seis) meses, contado do conhecimento da autoria. Em síntese, conhecida a autoria do fato delituoso, o prazo decadencial de 6 (seis) meses começa a fluir. Iniciadas as diligências investigatórias e homologado o laudo pericial, o ofendido passa a dispor de 30 (trinta) dias para oferecer a queixa-crime. (...) (LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal. 8ª ed. rev., ampl. e atual. Salvador: JusPodivm, 2020, p. 352) 

A adoção de interpretação distinta, de modo a afastar o prazo previsto no art. 38 do CPP em prol daquele preconizado no art. 529 do CPP, afigura-se desarrazoada, pois implicaria sujeitar à vontade de querelante o início do prazo decadencial. Isso porque o querelante, a qualquer tempo, mesmo que passados anos após ter tomado ciência dos fatos e de sua autoria, poderia pleitear a produção do laudo pericial, vindo a se reabrir, a partir da data da ciência da homologação deste elemento probatório, o prazo para oferecimento de queixa-crime. Desse modo, o que se verifica é que a exegese defendida vulnera a própria natureza jurídica do instituto (decadência), cujo escopo é punir a inércia do querelante. 



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