11 de maio de 2021

REsp 1.788.950/MT: DAS MEDIDAS EXECUTIVAS ATÍPICAS NO CPC/15

DAS MEDIDAS EXECUTIVAS ATÍPICAS NO CPC/15 

O Código de Processo Civil de 2015, a fim de garantir maior celeridade e efetividade ao processo, positivou regra segundo a qual incumbe ao juiz “determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária”. 

Trata-se das chamadas medidas executivas atípicas, previstas no art. 139, IV, do novo Código, cláusula geral que confere poder ao julgador para a adoção de meios necessários à satisfação da obrigação não delineados previamente no diploma legal. 

O legislador optou, desse modo, por abandonar o princípio até então vigente (ao menos para as hipóteses envolvendo obrigação de pagar quantia), da tipicidade das formas executivas, conferindo maior elasticidade ao desenvolvimento do processo satisfativo, de acordo com as circunstâncias de cada caso e com as exigências necessárias à tutela do direto material. 

A atipicidade dos meios executivos, portanto, “defere ao juiz o poder-dever para determinar medidas de apoio tendentes a assegurar o cumprimento de ordem judicial, independentemente do objeto da ação processual” (ALVIM, Angélica Arruda (Coord.). Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 214 - sem destaque no original). 

Isso não significa, todavia, que qualquer modalidade executiva possa ser adotada de forma indiscriminada, independentemente de balizas ou meios de controle efetivos. Quanto ao ponto, a lição de MARINONI é bastante elucidativa: 

Quando o uso das modalidades executivas está subordinado ao que está na lei, a liberdade do litigante está garantida pelo princípio da tipicidade. Mas se esse princípio foi abandonado ao se concluir que a necessidade de meio de execução - e, assim, a efetividade da tutela do direito material - varia conforme as circunstâncias dos casos concretos, é preciso não esquecer que o poder executivo não pode ficar destituído de controle. Como é evidente, jamais o vencedor ou o juiz poderão eleger modalidade executiva qualquer, uma vez que o controle do juiz, quando não é feito pela lei, deve tomar em conta as necessidades de tutela dos direitos, as circunstâncias do caso e a regra da proporcionalidade. Em outras palavras, a adoção dos meios executivos obviamente ainda pode ser controlada pelo executado. A diferença é que esse controle, atualmente, é muito mais sofisticado e complexo do que aquele que simplesmente indagava se o meio executivo era o previsto na lei para a específica situação. (MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos. 5ª ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018, p. 426) 

Tive a oportunidade de esclarecer, quando do julgamento do RHC 99.606/SP (3ª Turma, DJe 20/11/2018) que, como obstáculo à adoção dos meios atípicos e coercitivos indiretos na exequibilidade de obrigações de pagar quantia, parcela respeitável da doutrina aponta como óbice uma possível violação ao princípio da patrimonialidade da execução. 

Todavia, não se pode confundir a natureza jurídica das medidas de coerção psicológica, que são apenas medidas executivas indiretas, com sanções civis de natureza material, essas sim capazes de ofender a garantia da patrimonialidade, por configurarem punições em face do não pagamento da dívida. 

A diferença mais notável entre os dois institutos acima enunciados é a de que, na execução de caráter pessoal e punitivo, as medidas executivas sobre o corpo ou a liberdade do executado tem como característica substituírem a dívida patrimonial inadimplida, nela sub-rogando-se, circunstância que não se verifica quando se trata da adoção de meios de execução indiretos. 

É o que se observa, por exemplo, na prisão civil decorrente de dívida alimentar – medida coercitiva indireta –, na qual a privação temporária da liberdade do devedor de alimentos não o exime do pagamento das prestações vencidas ou vincendas (art. 528, § 5º, do CPC/15), inexistindo, destarte, sub-rogação. 

A demonstrar a ausência de substituição da dívida por uma punição corporal, deve-se ter em vista, também, que o pagamento da dívida alimentar autoriza a suspensão da ordem de prisão (art. 528, § 6º, do CPC/15), da mesma forma que, cuidando-se de astreintes, o juiz pode excluir a multa ou modificar seu valor ou periodicidade na hipótese de o executado demonstrar o cumprimento, mesmo que parcial, ou a existência de justa causa para o descumprimento (art. 537, § 1º, I e II, do CPC/15). 

Na execução indireta, portanto, as medidas executivas não possuem força para satisfazer a obrigação inadimplida, atuando tão somente sobre a vontade do devedor. 

Conforme ressalta a doutrina, “a adoção de medidas executivas coercitivas que recaiam sobre a pessoa do executado não significa que seu corpo passa a responder por suas dívidas”, uma vez que, na verdade, “são apenas medidas executivas que pressionam psicologicamente o devedor para que esse se convença de que o melhor a fazer é cumprir voluntariamente a obrigação” (NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Medidas executivas coercitivas atípicas na execução de obrigação de pagar quantia certa: Art. 139, IV, do novo CPC. Revista de Processo: RePro, São Paulo, n. 264, p. 107-150). 

Do mesmo modo, não se pode falar em inaplicabilidade das medidas executivas atípicas meramente em razão de sua potencial intensidade quanto à restrição de direitos fundamentais. Isso porque o ordenamento jurídico pátrio prevê a incidência de diversas espécies de medidas até mesmo mais gravosas do que essas, como bem anotado em artigo publicado por AZEVEDO e GAJARDONI: 

[...] no plano pragmático, desconsidera-se que há diversas medidas no ordenamento jurídico que tipicamente se equiparam ou apresentam maior intensidade em termos de restrição de direitos fundamentais do que as medidas executivas atípicas. Basta pensar nas hipóteses de despejo forçado, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, ou mesmo nas medidas protetivas para proteção do patrimônio de grupos vulneráveis (mulheres, idosos, crianças e adolescentes etc.). Há, ainda, inúmeras medidas administrativas coercitivas, adotadas em razão do interesse público, decorrentes de relações fiscais, aduaneiras, urbanísticas ou de trânsito, as quais, embora representem restrições a direitos fundamentais, não carregam a pecha da inconstitucionalidade. (AZEVEDO, Júlio Camargo de; GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Um novo capítulo na história das medidas executivas atípicas. Disponível em https://goo.gl/VAY72D. Consulta realizada em 28/3/2019) 

Não se nega, no entanto, que, em certas ocasiões, a adoção de coerção indireta ao pagamento voluntário possa se mostrar desarrazoada ou desproporcional, sendo passível, nessas situações, de configurar medida comparável à punitiva. 

A ocorrência dessas situações deve ser, contudo, examinada caso a caso, e não aprioristicamente, por se tratar de hipótese excepcional que foge à regra de legalidade e boa-fé objetiva estabelecida pelo CPC/15. 

Não por outro motivo, o STJ vem entendendo que “as modernas regras de processo [...], ainda respaldadas pela busca da efetividade jurisdicional, em nenhuma circunstância, poderão se distanciar dos ditames constitucionais, apenas sendo possível a implementação de comandos não discricionários ou que restrinjam direitos individuais de forma razoável” (RHC 97.876/SP, 4ª Turma, DJe 9/8/2018). 

Para que seja adotada qualquer medida executiva atípica, portanto, deve o juiz intimar previamente o executado para pagar o débito ou apresentar bens destinados a saldá-lo, seguindo-se, como corolário, os atos de expropriação típicos. 

O contraditório prévio é, aliás, a regra no CPC/15, em especial diante da previsão do art. 9º, que veda a prolação de decisão contra qualquer das partes sem sua prévia oitiva fora das hipóteses contempladas em seu parágrafo único. 

A decisão que autorizar a utilização de medidas coercitivas indiretas deve, ademais, ser devidamente fundamentada, a partir das circunstâncias específicas do caso, não sendo suficiente para tanto a mera indicação ou reprodução do texto do art. 139, IV, do CPC/15 ou mesmo a invocação de conceitos jurídicos indeterminados sem ser explicitado o motivo concreto de sua incidência na espécie (art. 489, § 1º, I e II, do CPC/15). 

De se observar, igualmente, a necessidade de esgotamento prévio dos meios típicos de satisfação do crédito exequendo, tendentes ao desapossamento do devedor, sob pena de se burlar a sistemática processual longamente disciplinada na lei adjetiva. 

Vale destacar, por oportuno, que o CPC/15, em seu art. 8º, estabeleceu com norma fundamental do processo civil o atendimento aos fins sociais do ordenamento jurídico e às exigências do bem comum, observado o resguardo e a promoção da dignidade da pessoa humana, assim como da proporcionalidade, da razoabilidade, da legalidade, da publicidade e da eficiência. 

Respeitado esse contexto, portanto, o juiz está autorizado a adotar medidas que entenda adequadas, necessárias e razoáveis para efetivar a tutela do direito do credor em face de devedor que, demonstrando possuir patrimônio apto a saldar o débito em cobrança, intente frustrar sem razão o processo executivo. 

Frise-se, aqui, que a possibilidade do adimplemento – ou seja, a existência de indícios mínimos que sugiram que o executado possui bens aptos a satisfazer a dívida – é premissa que decorre como imperativo lógico, pois não haveria razão apta a justificar a imposição de medidas de pressão na hipótese de restar provada a inexistência de patrimônio hábil a cobrir o débito. 

Em suma, é possível ao juiz adotar meios executivos atípicos desde que, verificando-se a existência de indícios de que o devedor possua patrimônio apto a cumprir a obrigação a ele imposta, tais medidas sejam adotadas de modo subsidiário, por meio de decisão que contenha fundamentação adequada às especificidades da hipótese concreta, com observância do contraditório substancial e do postulado da proporcionalidade. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário