30 de abril de 2021

É possível que o magistrado, a qualquer tempo, e mesmo de ofício, revise o valor desproporcional das astreintes

 Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/04/info-691-stj.pdf


ASTREINTES - É possível que o magistrado, a qualquer tempo, e mesmo de ofício, revise o valor desproporcional das astreintes 


O valor das astreintes é estabelecido sob a cláusula rebus sic stantibus, de maneira que, quando se tornar irrisório ou exorbitante ou desnecessário, pode ser modificado ou até mesmo revogado pelo magistrado, a qualquer tempo, até mesmo de ofício, ainda que o feito esteja em fase de execução ou cumprimento de sentença, não havendo falar em preclusão ou ofensa à coisa julgada. STJ. Corte Especial. EAREsp 650.536/RJ, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 07/04/2021 (Info 691). 

Astreintes 

A multa cominatória, também conhecida como astreinte, é prevista no art. 537 do CPC/2015: 

Art. 537. A multa independe de requerimento da parte e poderá ser aplicada na fase de conhecimento, em tutela provisória ou na sentença, ou na fase de execução, desde que seja suficiente e compatível com a obrigação e que se determine prazo razoável para cumprimento do preceito. 

Assim, a multa coercitiva pode ser aplicada pelo magistrado como uma forma de pressionar o devedor a cumprir: 

• uma decisão interlocutória que concedeu tutela provisória; ou 

• uma sentença que julgou procedente o pedido do autor. 

Ex: em uma ação envolvendo contrato empresarial, o juiz determinou que a empresa “XX” entregasse para a empresa “YY” 8 mil sacas de soja em determinado prazo, sob pena de multa diária de R$ 16 mil. Essa multa é chamada de astreinte. 

Principais características da multa cominatória (astreinte) 

• Essa multa coercitiva tornou-se conhecida no Brasil pelo nome de astreinte em virtude de ser semelhante (mas não idêntica) a um instituto processual previsto no direito francês e que lá assim é chamado. 

• A finalidade dessa multa é coercitiva, isto é, pressionar o devedor a realizar a prestação. Trata-se de uma técnica judicial de coerção indireta.

• Apresenta um caráter híbrido, possuindo traços de direito material e também de direito processual. 

• Não tem finalidade ressarcitória, tanto é que pode ser cumulada com perdas e danos. 

• Pode ser imposta pelo juiz de ofício ou a requerimento, na fase de conhecimento ou de execução. 

• Apesar de no dia-a-dia ser comum ouvirmos a expressão “multa diária”, essa multa pode ser estipulada também em meses, anos ou até em horas. O CPC 2015, corrigindo essa questão, não fala mais em “multa diária”, utilizando simplesmente a palavra “multa”. 

• O valor da multa deve ser revertido em favor do credor, ou seja, o destinatário das astreintes é a pessoa que seria beneficiada com a conduta que deveria ter sido cumprida (STJ REsp 949.509-RS / art. 537, § 2º do CPC 2015). Geralmente, as astreintes foram impostas para que o réu cumprisse determinada conduta, de forma que a multa será revertida em favor do autor. No entanto, é possível imaginar alguma situação na qual, durante o processo, o juiz imponha uma obrigação ao autor sob pena de multa. Neste caso, o beneficiário das astreintes seria o réu. 

• A parte beneficiada com a imposição das astreintes somente continuará tendo direito ao valor da multa se sagrar-se vencedora. Se no final do processo essa parte sucumbir, não terá direito ao valor da multa ou, se já tiver recebido, deverá proceder à sua devolução. 

É possível a imposição de astreintes contra a Fazenda Pública? 

SIM. É perfeitamente possível ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, fixar multa diária cominatória (astreintes) contra a Fazenda Pública, em caso de descumprimento de obrigação de fazer (STJ. 2ª Turma. REsp 1654994/SE, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 06/04/2017). Vale mencionar esse importante precedente: 

É permitida a imposição de multa diária(astreintes) a ente público para compeli-lo a fornecer medicamento a pessoa desprovida de recursos financeiros. STJ. 1ª Seção. REsp 1474665-RS, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 26/4/2017 (recurso repetitivo) (Info 606). 

 (DPE/MG 2019) É possível ao julgador determinar o bloqueio de verba pública para garantir o cumprimento da obrigação do Poder Público de fornecer medicamento para portadores de doença grave, desde que comprovada a desídia do ente público e o risco à vida do paciente, podendo, ainda, haver cumulação referente a aplicação de astreintes. (certo) 

Pode ser imposta multa ao agente público pelo descumprimento da obrigação de fazer? 

Depende. Se ele foi parte na ação, sim. Caso não tenha sido parte, não é possível, por ofensa aos princípios do contraditório e da ampla defesa. Confira: 

Conforme jurisprudência deste Tribunal Superior, inexiste óbice a que as astreintes possam também recair sobre a autoridade coatora recalcitrante que, sem justo motivo, cause embaraço ou deixe de dar cumprimento à decisão judicial proferida no curso da ação mandamental. Assim, o agente público que participou da relação processual mandamental detém legitimidade para figurar no polo passivo da pretensão que visa à execução das astreintes. STJ. 1ª Turma. AgInt no REsp 1405170/PR, Rel. Min. Sérgio Kukina, julgado em 11/06/2019. 

Não é possível a responsabilização pessoal do agente público pelo pagamento das astreintes quando ele não figure como parte na ação, sob pena de infringência ao princípio da ampla defesa. STJ. 2ª Turma. REsp 1633295/MG, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 17/04/2018. 

É possível que o juiz, após o devedor já ter descumprido a multa fixada, reduza o seu valor? 

SIM. É possível que o juiz, adotando os critérios da razoabilidade e da proporcionalidade, possa limitar o valor da astreinte, a fim de evitar o enriquecimento sem causa do exequente. Essa possibilidade está prevista no CPC: 

Art. 537 (...) 

§ 1º O juiz poderá, de ofício ou a requerimento, modificar o valor ou a periodicidade da multa vincenda ou excluí-la, caso verifique que: 

I - se tornou insuficiente ou excessiva; 

II - o obrigado demonstrou cumprimento parcial superveniente da obrigação ou justa causa para o descumprimento. 

Diante disso, pode-se dizer que a decisão que comina astreintes não preclui e não faz coisa julgada. Assim, o juiz poderá, mesmo na fase de execução, alterar o valor da multa. Confira: 

A decisão que comina astreintes não preclui, não fazendo tampouco coisa julgada. A jurisprudência do STJ é pacífica no sentido de que a multa cominatória não integra a coisa julgada, sendo apenas um meio de coerção indireta ao cumprimento do julgado, podendo ser cominada, alterada ou suprimida posteriormente. STJ. 2ª Seção. REsp 1.333.988-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 9/4/2014 (Recurso Repetitivo – Tema 706) (Info 539). 

Vale ressaltar que, mesmo se a multa foi fixada em sentença transitada em julgado, será possível a modificação de seu valor e/ou periodicidade, considerando que o que se tornou imutável foi a obrigação reconhecida na sentença, mas não a multa. Em outras palavras, o que fez coisa julgada foi a obrigação, sendo a multa apenas uma forma executiva de cumpri-la. A Corte Especial do STJ reafirmou esse entendimento: 

É possível que o magistrado, a qualquer tempo, e mesmo de ofício, revise o valor desproporcional das astreintes. STJ. Corte Especial. EAREsp 650.536/RJ, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 07/04/2021 (Info 691). 

Assim, é possível a revisão do quantum fixado a título de multa cominatória especialmente diante do flagrante exagero da quantia alcançada, em afronta aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade e à vedação do enriquecimento sem causa. 

 (Juiz TJ/RS 2016) Na vigência do Novo Código de Processo Civil, instituído pela Lei nº 13.105/2015, Antônio propõe ação em face de Ovídio, pedindo ordem para cumprimento de obrigação de fazer cumulada com indenização por danos materiais. Após a regular instrução do feito, passa-se à fase decisória. Nesse caso, quanto à sentença, assinale a alternativa correta. Se, após contraditório prévio e efetivo, o juiz absolutamente competente fixar, na sentença, a técnica da multa diária para o cumprimento da obrigação de fazer, uma vez transitada em julgado a decisão, a técnica executiva não poderá ser alterada, por estar protegida pela coisa julgada. (errado) 

Astreintes não podem servir para o enriquecimento imotivado do credor 

A finalidade das astreintes é conferir efetividade ao comando judicial, coibindo o comportamento desidioso da parte contra a qual foi imposta obrigação judicial. Seu escopo não é indenizar ou substituir o adimplemento da obrigação, tampouco servir ao enriquecimento imotivado da parte credora, devendo, portanto, serem observados os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Nesse sentido, a própria legislação que prevê a possibilidade de imposição de multa cominatória autoriza o magistrado, a requerimento da parte ou de ofício, alterar o valor e a periodicidade da multa, quando, em observância aos referidos princípios, entender ser esta insuficiente ou excessiva, nos termos do art. 537, § 1º, do CPC/2015. 

Valor é estabelecido sob a cláusula rebus sic stantibus 

Desse modo, pode-se dizer que o valor das astreintes é estabelecido sob a cláusula rebus sic stantibus, de maneira que, quando se tornar irrisório ou exorbitante ou desnecessário, pode ser modificado ou até mesmo revogado pelo magistrado, a qualquer tempo, até mesmo de ofício, ainda que o feito esteja em fase de execução ou cumprimento de sentença, não havendo falar em preclusão ou ofensa à coisa julgada. 

Valor pode ser aumentado ou diminuído, a requerimento ou de ofício 

Nesse contexto, com respaldo na legislação e na jurisprudência do STJ, o julgador pode, a requerimento da parte ou de ofício, a qualquer tempo, ainda que o feito esteja em fase de cumprimento de sentença, modificar o valor das astreintes, seja para majorá-lo, para evitar a conduta recalcitrante do devedor em cumprir a decisão judicial, seja para minorá-lo, quando seu montante exorbitar da razoabilidade e da proporcionalidade, ou até mesmo para excluir a multa cominatória, quando não houver mais justa causa para sua mantença. 

É possível uma nova diminuição do valor mesmo que já tenha havido uma redução anterior 

Ainda que já tenha havido redução anterior do valor da multa cominatória, não há vedação legal a que o magistrado, amparado na constatação de que o total devido a esse título alcançou montante elevado, reexamine a matéria novamente, caso identifique, diante de um novo quadro, que a cominação atingiu patamar desproporcional à finalidade da obrigação judicial imposta. Nesse diapasão, em atenção aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, é recomendável a redução, quantas vezes forem necessárias, do valor das astreintes, sobretudo nas hipóteses em que a sua fixação ensejar valor superior ao discutido na ação judicial em que foi imposta, a fim de evitar eventual enriquecimento sem causa. 

Critérios para adequar o valor quando ele se tornar excessivo ou irrisório 

O STJ afirma que o julgador deverá utilizar dois vetores de ponderação para analisar se o valor da multa se tornou excessivo ou irrisório: 

1) a efetividade da tutela prestada, para cuja realização as astreintes devem ser suficientemente persuasivas; e 

2) a vedação ao enriquecimento sem causa do beneficiário, considerando que a multa não é, em si, um bem jurídico perseguido em juízo. 

Esses dois vetores são desdobrados em quatro parâmetros, que devem ser examinados no caso concreto: 

i) valor da obrigação e importância do bem jurídico tutelado; 

ii) tempo para cumprimento (prazo razoável e periodicidade); 

iii) capacidade econômica e de resistência do devedor; 

iv) possibilidade de adoção de outros meios pelo magistrado e dever do credor de mitigar o próprio prejuízo (duty to mitigate de loss). 

Nesse sentido: STJ. 4ª Turma. AgInt no REsp 1733695/SC, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 22/03/2021. 

Vale ressaltar que esses vetores e parâmetros são difíceis de serem analisados de forma objetiva na prática forense, no entanto, mostram-se muito importantes em provas de concurso.

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