8 de novembro de 2017

OS RECURSOS CÍVEIS NO PROJETO DE NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL; Revista de Processo, vol. 207, p. 265 - 278, Maio / 2012

OS RECURSOS CÍVEIS NO PROJETO DE NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

Revista de Processo | vol. 207/2012 | p. 265 - 278 | Maio / 2012
DTR\2012\44625
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Cintia Regina Guedes
Mestranda em Direito Processual pela UERJ. Professora da Fundação Escola Superior da Defensoria Pública do Rio de Janeiro. Defensora Pública no Estado do Rio de Janeiro.

Área do Direito: Processual

Resumo: O presente artigo busca examinar, em linhas gerais, os dispositivos que tratam dos recursos no Projeto do novo CPC que se encontra em tramitação no Congresso Nacional, apresentando comentários, críticas e sugestões para o aprimoramento da futura legislação.

 Palavras-chave:  Processo civil - Recursos - Projeto de novo CPC - Apelação - Agravo - Embargos - Recurso especial - Recurso extraordinário.

Abstract: This paper aims to examine the principal characteristics of the project of a new Brazilian's code of civil procedure, specially the chapter of the recourses against judgments, by commenting the principal innovations and presenting critiques and suggestions for the refinement of the future codification.

 Keywords:  Civil Procedure - The system of recourse - Project for a new Code of Civil Procedure - Appeal - Special recourse - Extraordinary recourse.

Recebido em: 19.01.2012 Aprovado em: 28.03.2012

Sumário:  
1.CONSIDERAÇÕES INICIAIS - 2.PARTE GERAL - 3.APELAÇÃO - 4.AGRAVO DE INSTRUMENTO - 5.AGRAVO INTERNO - 6.EMBARGOS DE DECLARAÇÃO - 7.RECURSO ESPECIAL E RECURSO EXTRAORDINÁRIO - 8.AGRAVO DE ADMISSÃO - 9.EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA


1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O Projeto de novo Código de Processo Civil (LGL\1973\5) deslocou as normas que tratam dos meios de impugnação às decisões judiciais para a parte final da codificação, no Livro IV, após o Livro I (que traz normas reunidas sob o título de parte geral), o Livro II (que trata do processo de conhecimento e cumprimento de sentença), e o Livro III (que versa sobre o processo de execução). O Livro IV do Projeto trata dos processos nos tribunais e dos meios de impugnação das decisões judiciais. Neste, o Capítulo I traz algumas disposições gerais, a serem aplicadas ao julgamento dos processos nos tribunais, seguindo-se então dispositivos específicos sobre os diversos meios de impugnação das decisões judiciais.
No Capítulo I do Livro IV já se antevê um dos principais escopos do Projeto, que é o fortalecimento da jurisprudência, principalmente dos tribunais superiores, o que fica claro desde o primeiro artigo deste capítulo, que determina que os juízes e tribunais devem seguir a jurisprudência dos tribunais a que estão vinculados, e que as decisões dos tribunais superiores devem servir de norte à todas as demais decisões, tanto de seus órgãos fracionários quanto dos juízes e tribunais a ele vinculados.
A grande preocupação do Projeto do novo CPC (LGL\1973\5) em conferir maior força cogente à jurisprudência vem sofrendo críticas de parte da doutrina, face à diminuição da autonomia e da liberdade decisória dos demais julgadores, em decorrência da imposição das decisões dos tribunais superiores. Entretanto, cumpre examinar-se o tema sob a ótima dos princípios da isonomia e da segurança jurídica. Com efeito, em uma sociedade plasmada pelos princípios da isonomia e da segurança jurídica, todos os seus sujeitos devem ter o direito de planejarem suas atividades, especialmente em matéria econômica, de acordo com a orientação dos tribunais superiores sobre temas repetitivos, tendo o direito também de não serem surpreendidos (e muitas vezes extremamente prejudicados) por uma decisão judicial, proferida em seu caso concreto, que contrarie toda a jurisprudência já sedimentada sobre o tema, assim como as legítimas expectativas do jurisdicionado. O fortalecimento do respeito e obediência à jurisprudência dos tribunais superiores preserva, assim, a segurança jurídica, eis que as decisões judiciais passam a ser aquelas já esperadas pelos cidadãos em demandas de massa. Ademais, evita-se também a quebra da isonomia, que decorre da chamada jurisprudência lotérica, que se traduz pelas hipóteses em que sujeitos diferentes, mas em situações jurídicas iguais, são beneficiados ou prejudicados com soluções judiciais distintas para os mesmos casos.
O princípio da segurança jurídica pressupõe, contudo, que as decisões dos tribunais superiores sejam proferidas após amplo debate colegiado sobre o tema, com a democrática participação dos interessados (inclusive sob a forma dos amici curiae), e sem açodamento, de modo a se obter a melhor solução possível sobre o tema, do ponto de vista da maturação e da qualidade da decisão. Desta forma, o precedente obtido pode passar a gozar de estabilidade e credibilidade, o que fará com que seja de fato respeitado não somente pelos demais órgãos judicantes, como pelos próprios tribunais superiores, vez que não se pode admitir que a jurisprudência desses tribunais Superiores seja descumprida pelos seus próprios órgãos fracionários, como ocorre hoje com frequência superior ao ideal.
Tal sistema, como é óbvio, somente vai ter aplicação às chamadas demandas de massa, ou seja, aquelas que versam idênticas teses jurídicas, não havendo grande controvérsia quanto à matéria de fato. Para as demais causas, ditas de varejo, continuarão os julgadores a decidir de acordo com as peculiaridades e circunstâncias do caso concreto, o mesmo devendo ocorrer nas hipóteses que, embora a tese jurídica tangencie as demandas de massa, apresentem em seu bojo uma peculiaridade ou especificidade, que torne a decisão justa necessariamente diferente do precedente antes construído para a hipótese-padrão. Trata-se da necessidade de exame minucioso das circunstâncias da causa, pelos juízes, bem como do fornecimento de decisão diferente daquela traduzida pela jurisprudência dominante, em clara aplicação do procedimento do distinguish, extraído do direito anglo-saxão.
Destarte, a fim de tentar melhorar o sistema recursal, e em consonância com a maior força emprestada à jurisprudência, neste ponto, o Projeto do novo CPC (LGL\1973\5) prevê que as alterações na jurisprudência devem ser fundamentadas de forma específica, sendo justificada a necessidade de mudança (art. 882, V, e § 1.º). Tal medida visa garantir a estabilidade da jurisprudência, evitando decisões que contrariem a jurisprudência já sedimentada sobre determinado tema.
Por outro lado, como a realidade da vida é dinâmica, não se pode provocar o engessamento da atuação do próprio Judiciário, sendo necessária a previsão de hipóteses em que se faça necessária a alteração da jurisprudência. Destarte, exige o Projeto do novo CPC (LGL\1973\5) que esta mudança deva ser justificada (art. 882, §§ 1.º e 2.º), criando, assim, a necessidade de apresentação de novos fundamentos para a adoção de uma nova solução judicial pelo tribunal competente, abandonando claramente a decisão anterior, nos moldes do procedimento adotado para a substituição do precedente (o overruling) existente nos países do common law.
Ademais, prevê também a necessidade de ser realizada, pelos tribunais superiores, quando houver alteração da jurisprudência já pacificada, a modulação dos efeitos da mudança de jurisprudência (art. 882, V). Trata-se de medida bastante adequada, e que deve ser usada pelos tribunais superiores sempre que houver alteração na jurisprudência já pacificada sobre determinado assunto, e esta mudança puder causar surpresa aos cidadãos, alterando o planejamento legitimamente desenvolvido sobre aquela matéria, evitando, assim, que situações já consolidadas possam vir a ser atingidas pelo novo paradigma. A alteração da jurisprudência deve levar em conta, portanto, a repercussão desta mudança de paradigma na vida das centenas de pessoas (físicas e jurídicas) que organizaram seu planejamento, de forma legítima, levando em conta a jurisprudência anterior do mesmo tribunal.
Note-se que tal arcabouço principiológico, típico dos sistemas que fazem uso dos precedentes judiciais, somente se justifica, como já dito, se os tribunais (principalmente os tribunais superiores, no julgamento de causas repetitivas) puderem efetivamente produzir decisões-paradigmas de qualidade, com aprofundamento do debate entre todos os pontos de vista das teses conflitantes e oitiva dos interessados, e não decisões meramente superficiais, que tenham por escopo unicamente aumentar o número de processos julgados, mormente sem a atenção necessária a tais julgamentos.
Ressalta-se, por fim, que com o incremento do respeito à jurisprudência dos tribunais superiores, prestigia-se também a duração razoável dos processos, com a diminuição do número de recursos que venham a ser julgados em questões que já possuem jurisprudência pacificada pelos tribunais superiores. Atende o Projeto, assim, aos anseios de celeridade e efetividade, um dos seus objetivos declarados na Exposição de Motivos.
A Exposição de Motivos deixa claro, ainda, que a grande preocupação do legislador em relação ao sistema recursal foi diminuir a sua complexidade, simplificando o sistema e resolvendo problemas de ordem prática que impedem a realização dos direitos. Ou seja, ver o processo como “método de resolução dos conflitos, por meio do qual se realizam valores constitucionais” (Exposição de Motivos do novo CPC (LGL\1973\5)).

2. PARTE GERAL

Na abertura do Título II do Livro IV, que versa sobre os recursos, o Projeto do novo CPC (LGL\1973\5) contém algumas normas gerais, com várias alterações em relação à legislação vigente, entre as quais algumas serão destacadas neste trabalho.
Inicialmente, destaca-se a extinção do recurso de embargos infringentes, que deixa de existir, posto não estar previsto no rol dos recursos existente no art. 948 do Projeto, não havendo menção a ele na novel codificação. Porém, nos casos em que houver voto vencido no julgamento de apelação, determina o Projeto que este deve ser declarado e integra o acórdão, inclusive para efeitos de prequestionamento (art. 896, § 3.º).
O art. 948, § 1.º, unifica os prazos recursais em 15 dias, excetuando apenas os embargos de declaração, que continuam a ter prazo de 5 dias (art. 977 do Projeto). Tal norma encontra-se de acordo com a ideia de simplificação de formalidades do Código, especialmente de diminuição da complexidade das normas em matéria recursal. Destarte, com o Projeto, todos os recursos (à exceção, repita-se, dos embargos de declaração) passam a ter prazo de 15 dias, sendo alterados, portanto, os prazos para interposição do agravo de instrumento, do agravo interno e do agravo de admissão. Cumpre lembrar, ainda, que nos prazos para interposição dos recursos somente se contabilizam os dias úteis, assim como todos os prazos para a prática de atos processuais, na forma prevista no art. 186 do Projeto.
O Projeto contém também uma mudança de paradigma em relação ao efeito suspensivo dos recursos, formulando o art. 949, como regra geral, a eficácia imediata das decisões sujeitas a qualquer tipo de recurso, acabando, portanto, com o efeito suspensivo op legis. Tal regra rompe com a tradição processual civil brasileira, de conferir efeito suspensivo ao recurso de apelação, bem como com o sistema do atual CPC (LGL\1973\5), no qual, no silêncio da lei, o recurso deve ser dotado de efeito suspensivo, estando os casos em que não há efeito suspensivo expressamente previstos em lei.1
O projeto, contudo, firme no escopo de imprimir celeridade ao processo, acompanha os anseios de boa parte da doutrina e até mesmo de legislações estrangeiras, no sentido de prestigiar os julgamentos de 1.ª instância, dada a maior proximidade do juiz com as partes e os fatos a serem examinados, o que poderia acarretar em maior acerto das decisões. Ademais, a retirada do efeito suspensivo dos recursos tende, ao menos em tese, a inibir a interposição de recursos meramente procrastinatórios, diminuindo o tão propalado “congestionamento” dos tribunais. Por outro lado, o aumento das hipóteses em que se admite o exaurimento da execução provisória sem o oferecimento de caução, realizada pelos quatro incisos do art. 507 do Projeto, implica em maior risco para a parte sucumbente, em claro comprometimento do princípio da segurança jurídica.
Não havendo efeito suspensivo op legis, prevê o Projeto a possibilidade de sua concessão, qualquer que seja o recurso, por meio de decisão do relator. O procedimento para postulação de efeito suspensivo aos recursos está previsto no § 2.º do mesmo dispositivo legal (art. 949), o que dispõe que o pedido de concessão de efeito suspensivo será formulado em petição autônoma, dirigida ao relator. Tal regra merece ser revista, haja vista que em alguns recursos (como o agravo de instrumento) o pedido poderia ser feito na própria petição de interposição recursal. Já em outros, como a apelação, tratada especificamente no § 3.º, a imposição de o pleito de concessão de efeito suspensivo ser realizada por petição autônoma certamente irá gerar um trabalho em duplicidade tanto para o apelante (que terá que interpor a apelação junto ao juízo a quo, e a petição autônoma – com cópias dos autos – no tribunal) quanto para os relatores nos tribunais, que terão que analisar primeiro a petição autônoma, para conceder ou não o efeito suspensivo (em decisão irrecorrível) e somente depois o recurso de apelação.
O § 3.º, também do mesmo artigo, afirma que o mero protocolo da petição pedindo efeito suspensivo à apelação já suspende a eficácia da sentença. Tal norma, se por um lado resguarda o direito do recorrente de evitar o cumprimento imediato da sentença e talvez a impossibilidade de revertê-la (como uma sentença de despejo, por exemplo), por outro lado também incentiva manobras protelatórias, principalmente se houver demora do relator em apreciar o pedido de efeito suspensivo, ou se este for mal instruído, caso em que a sentença permanecerá com sua eficácia indevidamente suspensa por prazo indeterminado, contrariando a expectativa do Código de conferir efetividade às sentenças.
Ressalta-se, ainda, que não há previsão de contraditório no pedido de efeito suspensivo, posto que o Projeto não traz previsão de que o relator deva intimar o recorrido a se manifestar sobre o preenchimento ou não das condições necessárias à concessão de efeito suspensivo ao recurso.

3. APELAÇÃO

Em relação ao recurso de apelação, além da ausência do efeito suspensivo, já comentada, o Projeto introduz grande alteração, permitindo a sua utilização também para impugnar decisões interlocutórias. Tal decorre do fato de que o Projeto acaba com o agravo retido, mas torna as decisões interlocutórias insuscetíveis de preclusão (art. 963, parágrafo único), sendo impugnáveis, portanto, se houver interesse, em preliminar da apelação dirigida contra sentença.
Parte da doutrina critica essa mudança, haja vista a possibilidade de trazer insegurança ao próprio resultado final do processo, eis que este vai seguir seu curso até a sentença com a possibilidade de todos os atos processuais serem anulados, caso acolhida, em preliminar do julgamento da apelação, uma irresignação contra uma decisão interlocutória. Contra esta crítica, deve-se lembrar que esse risco já existe na legislação atual, com a possibilidade de interposição de agravo retido, haja vista que de qualquer jeito a decisão sobre os pontos impugnáveis por agravo retido não são imediatas, mas somente vão ser tomadas com o julgamento da apelação, e podem levar à anulação da sentença e de atos processuais anteriores a ela.
A opção do Projeto, contudo, por um sistema em que não haja preclusão das decisões interlocutórias, deveria ter sido acompanhada por alterações no procedimento ordinário, de modo que fosse criado um procedimento concentrado, com poucas decisões interlocutórias, e com menor dilação temporal até a sentença, o que, certamente, seria favorecido pela irrecorribilidade imediata das decisões interlocutórias. Entretanto, em um procedimento muito fragmentado (como é o atual, e como será o procedimento ordinário previsto pelo Projeto), a sucessão de decisões interlocutórias não cobertas pela preclusão pode efetivamente gerar insegurança para o curso do processo, principalmente se houver demora no julgamento final da causa, o que poderá implicar na perda de grande tempo para os litigantes.
Outra desvantagem apontada pela doutrina em relação ao fim do agravo retido é a impossibilidade de se provocar o juízo de retratação. Não custa mencionar, contudo, que este efeito sempre pode ser provocado por simples petição dirigida ao juiz que proferiu a decisão, sem que se precise chamá-la de agravo retido.
Na realidade, o que se percebe é que a escolha do Projeto pela extinção do agravo retido encontra-se de acordo com um de seus principais escopos, principalmente em matéria recursal, que é a de simplificação dos procedimentos e diminuição do formalismo. Ao invés de ser interposto agravo retido 10 dias após a decisão, e posteriormente reiterado em razões ou contrarrazões de apelação, basta que a decisão seja impugnada já nas razões ou contrarrazões, simplificando a recorribilidade.
Uma falha que realmente deveria ser alterada pelo Projeto é a falta de contraditório em relação à impugnação das decisões interlocutórias quando feita nas contrarrazões de apelação, haja vista que, nessas hipóteses, o apelante não vai ter como impugnar as razões apresentadas para a reforma da interlocutória. Nestes casos, deve ser dada oportunidade ao apelante, após a apresentação das contrarrazões, para impugnar o pleito de reforma ou anulação das decisões interlocutórias.
O ponto mais polêmico em relação ao recurso de apelação, no Projeto do novo Código, diz respeito à forma de sua interposição. A redação do Projeto prevê que a apelação seja interposta perante o juízo a quo, que deve também intimar o apelado para apresentar suas contrarrazões, mas sem realizar qualquer juízo de admissibilidade recursal. Este juízo de admissibilidade continua sendo exclusivamente do relator, como constava do Anteprojeto, assim como a decisão sobre os efeitos em que o recurso será recebido. Esta forma de interposição do recurso de apelação apresenta grandes problemas quando se pretende a obtenção de efeito suspensivo à apelação, como já visto, vez que obrigará o relator a decidir sobre a concessão do efeito suspensivo antes mesmo de haver qualquer decisão sequer sobre a admissibilidade da própria apelação.
O art. 472, em seu § 5.º, determina que nos casos de extinção do processo sem exame de mérito, a interposição do recurso de apelação provoca a obrigação do julgador de realizar um juízo de retratação, devendo, no prazo de três dias, decidir se mantém ou revê a sua sentença. Tal juízo de retratação também se encontra previsto nas hipóteses de apelação contra sentença que indefere a petição inicial (art. 306) e apelação interposta contra sentença de improcedência liminar do pedido (art. 307, § 3.º), sendo estas duas últimas hipóteses já previstas na legislação atual.
Por fim, ressalta-se que o Projeto manteve a regra do julgamento do mérito da lide pelo tribunal, nas hipóteses em que a sentença houver julgado o feito extinto sem exame de mérito, e a causa estiver madura para tanto, hoje contida no art. 515, § 3.º, do CPC (LGL\1973\5). Na realidade, o art. 965, no § 3.º, acrescentou outras hipóteses (além da extinção sem mérito) em que é possível o imediato julgamento da lide, como naquelas em que a sentença apelada tiver reconhecido a prescrição ou a decadência, e nos casos de anulação da sentença por falta de fundamentação ou por exceder os limites do pedido.

4. AGRAVO DE INSTRUMENTO

Em relação ao agravo de instrumento, o Projeto, ao invés de condicionar seu cabimento às hipóteses em que haja risco de dano irreparável ou de difícil reparação, opta por criar um rol das decisões que passam a ser impugnáveis por agravo de instrumento, inserto no art. 969. Destarte, de acordo com o sistema proposto para o novo CPC (LGL\1973\5), as decisões interlocutórias contra as quais não haja previsão legal expressa de cabimento de agravo de instrumento são insuscetíveis de preclusão, podendo ser impugnadas nas razões ou contrarrazões de apelação. Já aquelas decisões contra as quais haja previsão de impugnação por meio de agravo de instrumento restarão preclusas em caso de não interposição do recurso.
O art. 969, que traz o rol das decisões impugnáveis por agravo de instrumento, foi ampliado em relação ao rol existente no Anteprojeto enviado ao Senado, mas deixa de contemplar, ainda, decisões que merecem ser impugnadas por agravo de instrumento, como as decisões sobre a competência do juízo, por exemplo, o que seria resolvido com uma cláusula geral de cabimento do agravo de instrumento em casos de risco de lesão grave ou de difícil reparação.
Entre as alterações promovidas pelo Projeto no recurso de agravo de instrumento merecem destaque algumas normas que têm por escopo evitar, sempre que possível, o não conhecimento do agravo em razão de irregularidades na sua interposição ou na formação do instrumento. Percebe-se que o Projeto, em consonância com os objetivos declarados na exposição de motivos (em especial o de simplificação de formalidades em matéria recursal) contém dispositivos claramente inspirados pelo princípio da instrumentalidade das formas, como por exemplo a regra inserta no art. 971, que determina que a tempestividade do recurso de agravo pode ser comprovada por qualquer documento oficial, e não necessariamente pela certidão cartorária de publicação da decisão.
Da mesma forma, o art. 971, no seu § 3.º, contém regra importante, trazendo o direito de o agravante ser intimado para complementar o instrumento caso deixe de juntar peças obrigatórias ao seu conhecimento. De acordo com o Projeto, somente poderá ser decretada a inadmissibilidade do recurso se, após a intimação, não houver a complementação do instrumento, com as peças necessárias.
Note-se que o dispositivo legal impõe a intimação do agravante para a juntada das peças obrigatórias, o que torna a norma aplicável também, por uma interpretação lógica, para a falta de peças que a lei considere facultativas, mas que o relator julgue necessárias para a compreensão da causa, evitando que o recurso venha a ser inadmitido por má-formação do instrumento. Tal norma visa a evitar o não conhecimento do recurso por falta de cópias das peças dos autos, minorando, assim, uma das principais causas de inadmissibilidade do agravo, principalmente diante do excesso de rigor com que os tribunais vêm procedendo à análise deste requisito de admissibilidade.
Por fim, a providência contida no art. 526 do CPC (LGL\1973\5) atual (referente à exigência de comunicação da interposição do agravo ao juízo a quo) passa a ser facultativa, e a inércia do agravante passa a ter como única consequência a falta do juízo de retratação, não servindo mais como causa para a inadmissão do agravo (art. 972 do Projeto).
O art. 892, V, determina que somente cabe sustentação oral no agravo de instrumento interposto contra decisão interlocutória que verse tutela de urgência ou de evidência, mas não ampliou a possibilidade de sustentação oral para outros casos também relevantes, como as decisões que versem sobre o mérito da causa, o que seria aconselhável.

5. AGRAVO INTERNO

O Projeto do novo CPC (LGL\1973\5) dedica um capítulo autônomo ao recurso de agravo interno; entretanto, este capítulo é constituído de apenas um artigo (art. 975), dispondo sobre o cabimento do agravo interno contra as decisões do relator, mas deixando as regras sobre o seu processamento para os regimentos internos dos tribunais.
O § 2.º do referido artigo mantém a determinação de aplicação de multa ao agravante, sempre que o agravo interno for considerado manifestamente inadmissível. Há, contudo, uma previsão importante, consubstanciada na parte final deste parágrafo, que ressalva ao beneficiário da gratuidade de justiça o direito de somente pagar esta multa ao final, não sendo os seus recursos posteriores, portanto, condicionados ao depósito prévio da multa sancionatória. Ressalta-se que o Código atual não possui norma semelhante a esta, e o STJ possui entendimento sedimentado no sentido de que o beneficiário da gratuidade de justiça não está dispensado do depósito prévio das multas decorrentes de sanção pela interposição de recursos considerados manifestamente inadmissíveis ou protelatórios. A dispensa de depósito prévio da multa aos beneficiários da gratuidade de justiça também é prevista para a multa pela interposição de embargos de declaração procrastinatórios, como se observa do disposto no § 6.º do art. 980 do Projeto.

6. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO

No capítulo destinado aos embargos de declaração, o Projeto traz algumas alterações relevantes. Deixa claro, por exemplo, no art. 980, que os embargos de declaração não possuem efeito suspensivo, ressalvando, contudo, que este efeito pode ser concedido pelo juiz ou relator, para a suspensão da eficácia da decisão embargada, nas hipóteses em que for demonstrada a “probabilidade de provimento do recurso”, ou, pela dicção do projeto, “sendo relevante a fundamentação, houver risco de dano grave ou de difícil reparação”.
No Capítulo dos embargos de declaração há também duas regras, que em boa hora merecem ser incorporadas ao Código, e que visam evitar que os recursos especiais e extraordinários deixem de ser conhecidos: a primeira é a regra do art. 979, que assevera que, mesmo que o tribunal não admita os embargos de declaração interpostos para fins de prequestionamento de determinados dispositivos legais ou constitucionais, se o STJ ou STF entenderem que houve omissão, contradição ou obscuridade, os referidos dispositivos são considerados incluídos no acórdão. Tal norma visa evitar o não conhecimento dos recursos especiais e extraordinários, por falta de prequestionamento, nas hipóteses em que não houve manifestação expressa dos tribunais sobre os dispositivos impugnados, embora pedida pelo recorrente. Trata-se de norma necessária, que deverá implicar no abandono da Súmula 211 (MIX\2010\1463) do STJ, que impõe à parte interessada o ônus de interpor recurso especial pela violação do art. 535 do CPC (LGL\1973\5), a fim de obter a anulação do acórdão que não conheceu dos embargos de declaração quando presentes os seus requisitos legais. Prestigia-se, assim, a Súmula 356 (MIX\2010\2) do STF.
Outro dispositivo com intenção semelhante (qual seja, evitar decisões de não conhecimento dos demais recursos, cujo prazo foi interrompido pelos embargos de declaração) é aquela contida no § 3.º do art. 980 do Projeto, que determina que se não houver mudança na decisão embargada por força do julgamento dos embargos de declaração, não é preciso ratificar um recurso anteriormente interposto, que será então considerado tempestivo. Tal regra confirma aquela disposta no art. 186, § 1.º, do Projeto, que considera tempestivo o ato processual praticado antes da ocorrência do termo inicial do prazo, e tem finalidade também muito importante, haja vista o entendimento que vem sendo perfilhado por parte da jurisprudência de considerar intempestivo o recurso interposto antes do julgamento dos embargos de declaração, se não for ratificado depois do julgamento deste.
O art. 980 também trouxe alterações relativas à punição pela litigância de má-fé, feita através da interposição de embargos de declaração com caráter procrastinatório. Seguindo a linha que já vinha sendo traçada pelo CPC (LGL\1973\5) atual, e pela legislação reformista, o Projeto eleva o percentual máximo da multa que pode ser cominada ao embargante para 5% do valor da causa, e vai além, posto que ao invés de condicionar a interposição de novos embargos ao prévio depósito da multa, simplesmente proíbe a interposição de novos embargos de declaração. Tal norma parece exagerada, posto que suprime da parte o direito de questionar, através de novos embargos, a própria decisão que considerou seu recurso como procrastinatório, como se esta não pudesse conter contradição, obscuridade ou omissão.

7. RECURSO ESPECIAL E RECURSO EXTRAORDINÁRIO

Na Seção que trata dos recursos especial e extraordinário, o Código contém uma Subseção com disposições gerais sobre os dois recursos, sendo certo que, seguindo a tendência já anotada em outros Capítulos, o Projeto introduz algumas regras que têm como escopo diminuir as hipóteses de não conhecimento dos recursos excepcionais motivadas por vícios formais, ampliando, assim, as hipóteses de julgamento de mérito destes. Norma reveladora desta intenção é a disposta no § 2.º do art. 983, que permite que os tribunais superiores possam sanar um defeito formal (ao que parece, defeito na interposição do recurso, desde que não se trate de intempestividade) que não seja considerado grave, para que se possa efetivamente obter o julgamento do mérito do recurso. A consideração acerca da gravidade ou não do defeito de forma, para fins de ser sanado, ficará a cargo do relator de cada recurso, dado o grau de subjetividade do conceito.
Com o mesmo escopo, de evitar juízos de inadmissibilidade por erro de interpretação da questão legal ou constitucional no momento da interposição, os arts. 986 e 987 permitem a “conversão” do recurso especial em recurso extraordinário, e vice-versa, nas hipóteses em que o tribunal superior a quem o recurso for dirigido considerar que se trata de recurso que deveria ter sido dirigido ao outro tribunal.
O Projeto do novo CPC (LGL\1973\5) estende ao julgamento dos recursos extraordinários o rito já previsto no atual art. 543-C para os recursos especiais repetitivos. Os dispositivos que versam sobre o rito de julgamento dos recursos repetitivos, por outro lado, apresentam algumas alterações que reforçam um dos principais escopos do Projeto, de fortalecimento da jurisprudência dos tribunais superiores, aumentando sua imposição aos demais julgadores. Neste sentido, no julgamento dos recursos especial e extraordinários repetitivos, permite o projeto a suspensão não apenas dos recursos que versem sobre a mesma questão controvertida sujeita a julgamento por este rito, como também dos processos que ainda estejam no primeiro grau de jurisdição sobre o mesmo tema, limitando o período de suspensão destes, contudo, ao máximo de 12 meses (art. 991, § 3.º).
Além disso, em outra inovação do Projeto, o art. 994, no inc. II, permite que após a publicação do acórdão paradigma os tribunais inferiores possam aplicar diretamente a tese fixada pelo tribunal superior, independentemente do juízo de admissibilidade do recurso especial ou extraordinário. Nesta norma, mais uma vez o legislador do Projeto deixa claro que sua intenção é de que todas as demandas que versem sobre a mesma questão de direito tenham a mesma solução, ou seja, aquela decidida pelo tribunal superior, ainda que para tanto se tenha que ultrapassar até mesmo o juízo de admissibilidade dos recursos. Com a mesma ratio, o disposto no art. 995, que determina que o juiz de 1.º grau, aplique a tese fixada no julgamento de recurso especial ou extraordinário repetitivo aos processos que se encontravam suspensos, de modo a proferir sentença no mesmo sentido daquela decisão paradigma.
Cabe ressaltar, ainda, o disposto no art. 952, parágrafo único, do Projeto, que prevê que no caso de um recurso extraordinário que já tenha tido repercussão geral reconhecida, ainda que o recorrente venha a desistir do seu recurso, o STF prosseguirá no julgamento da questão jurídica objeto da repercussão geral. Trata-se de mais uma norma que tende a aproximar o julgamento dos recursos dirigidos aos tribunais superiores de um processo objetivo, em que interessa a tese jurídica a ser discutida e fixada, e não as partes envolvidas no processo.

8. AGRAVO DE ADMISSÃO

O Projeto passa a chamar de agravo de admissão o recurso interposto contra a decisão do presidente ou do vice-presidente do tribunal local que não admite o recurso especial ou o recurso extraordinário (art. 996). Este agravo possui regulamentação semelhante a que existe hoje, após a edição da Lei 12.322, de 10.09.2011, que alterou em especial o art. 544 do CPC (LGL\1973\5).

9. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA

Na seção destinada aos embargos de divergência, o projeto trouxe alterações relevantes (art. 997 e 998). A primeira delas consiste em que, após a entrada em vigor do novo CPC (LGL\1973\5), somente serão admissíveis embargos de divergência para o STJ, acabando o Projeto com a possibilidade de interposição destes embargos para o STF.
Em relação aos requisitos de admissibilidade do recurso, percebe-se que o Projeto enumera as hipóteses de cabimento do recurso contra decisões proferidas no julgamento de recurso especial, admitindo tanto em decisões de mérito quanto em decisões que versem sobre a admissibilidade do recurso especial, Além disso, amplia as situações em que o recurso será possível para as decisões colegiadas proferidas no âmbito do julgamento de causas de competência originária do STJ, o que não se admite no direito vigente. Prioriza-se, com o Projeto, a existência de decisões conflitantes sobre o mesmo tema como fonte para a interposição dos embargos de divergência, o que atende à finalidade principal deste recurso, de uniformização da jurisprudência interna do STJ quanto à aplicação do direito federal, em detrimento de regras formais acerca dos julgados que podem dar ensejo à interposição dos embargos. Tal postura encontra-se de acordo com o escopo que norteia todo o Projeto, de fortalecer a jurisprudência dos tribunais superiores, de modo a que seus precedentes venham a ser seguidos pelos demais órgãos judiciais. Nesta linha de raciocínio, torna-se imperativa a existência de meios de extirpar as divergências de entendimento, sobre o mesmo tema, dentro dos órgãos fracionários do próprio STJ, o que levaria à ineficácia do sistema de prevalência dos precedentes deste tribunal para os demais. Assim, correta a ampliação das hipóteses de cabimento dos embargos de divergência, bem como a especificação destas hipóteses, de molde a se tentar evitar problemas na concretização da norma.
Por outro lado, merece ser repensada a exclusão do cabimento de embargos de divergência no âmbito do STF, haja vista que, embora se reconheça que a possibilidade de divergência dentro do STF seja menor, dado o menor número de ministros e de órgãos fracionários, estaria mais de acordo com o espírito adotado pelo projeto a manutenção dos embargos de divergência também para o STF.
   
1 Neste sentido: Barbosa Moreira, José Carlos. Comentários ao Código de Processo Civil (LGL\1973\5). Rio de Janeiro: Forense. 2001. p. 465.



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