OS RECURSOS CÍVEIS NO PROJETO DE NOVO
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Revista de Processo | vol. 207/2012 | p. 265 - 278 | Maio / 2012
DTR\2012\44625
_____________________________________________________________________________________
Cintia
Regina Guedes
Mestranda em
Direito Processual pela UERJ. Professora da Fundação Escola Superior da
Defensoria Pública do Rio de Janeiro. Defensora Pública no Estado do Rio de
Janeiro.
Área
do Direito: Processual
Resumo:
O presente artigo busca examinar, em
linhas gerais, os dispositivos que tratam dos recursos no Projeto do novo CPC
que se encontra em tramitação no Congresso Nacional, apresentando comentários,
críticas e sugestões para o aprimoramento da futura legislação.
Palavras-chave:
Processo civil - Recursos - Projeto de novo CPC - Apelação - Agravo -
Embargos - Recurso especial - Recurso extraordinário.
Abstract:
This paper aims to examine the
principal characteristics of the project of a new Brazilian's code of civil
procedure, specially the chapter of the recourses against judgments, by
commenting the principal innovations and presenting critiques and suggestions
for the refinement of the future codification.
Keywords:
Civil Procedure - The system of recourse - Project for a new Code of
Civil Procedure - Appeal - Special recourse - Extraordinary recourse.
Recebido em:
19.01.2012 Aprovado em: 28.03.2012
Sumário:
1.CONSIDERAÇÕES
INICIAIS - 2.PARTE GERAL - 3.APELAÇÃO - 4.AGRAVO DE INSTRUMENTO - 5.AGRAVO
INTERNO - 6.EMBARGOS DE DECLARAÇÃO - 7.RECURSO ESPECIAL E RECURSO
EXTRAORDINÁRIO - 8.AGRAVO DE ADMISSÃO - 9.EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA
1.
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O Projeto de
novo Código de Processo Civil (LGL\1973\5) deslocou as normas que tratam dos
meios de impugnação às decisões judiciais para a parte final da codificação, no
Livro IV, após o Livro I (que traz normas reunidas sob o título de parte
geral), o Livro II (que trata do processo de conhecimento e cumprimento de
sentença), e o Livro III (que versa sobre o processo de execução). O Livro IV
do Projeto trata dos processos nos tribunais e dos meios de impugnação das
decisões judiciais. Neste, o Capítulo I traz algumas disposições gerais, a
serem aplicadas ao julgamento dos processos nos tribunais, seguindo-se então
dispositivos específicos sobre os diversos meios de impugnação das decisões
judiciais.
No Capítulo I
do Livro IV já se antevê um dos principais escopos do Projeto, que é o
fortalecimento da jurisprudência, principalmente dos tribunais superiores, o
que fica claro desde o primeiro artigo deste capítulo, que determina que os
juízes e tribunais devem seguir a jurisprudência dos tribunais a que estão
vinculados, e que as decisões dos tribunais superiores devem servir de norte à
todas as demais decisões, tanto de seus órgãos fracionários quanto dos juízes e
tribunais a ele vinculados.
A grande
preocupação do Projeto do novo CPC (LGL\1973\5) em conferir maior força cogente
à jurisprudência vem sofrendo críticas de parte da doutrina, face à diminuição
da autonomia e da liberdade decisória dos demais julgadores, em decorrência da
imposição das decisões dos tribunais superiores. Entretanto, cumpre examinar-se
o tema sob a ótima dos princípios da isonomia e da segurança jurídica. Com
efeito, em uma sociedade plasmada pelos princípios da isonomia e da segurança
jurídica, todos os seus sujeitos devem ter o direito de planejarem suas
atividades, especialmente em matéria econômica, de acordo com a orientação dos
tribunais superiores sobre temas repetitivos, tendo o direito também de não
serem surpreendidos (e muitas vezes extremamente prejudicados) por uma decisão
judicial, proferida em seu caso concreto, que contrarie toda a jurisprudência
já sedimentada sobre o tema, assim como as legítimas expectativas do
jurisdicionado. O fortalecimento do respeito e obediência à jurisprudência dos
tribunais superiores preserva, assim, a segurança jurídica, eis que as decisões
judiciais passam a ser aquelas já esperadas pelos cidadãos em demandas de
massa. Ademais, evita-se também a quebra da isonomia, que decorre da chamada
jurisprudência lotérica, que se traduz pelas hipóteses em que sujeitos
diferentes, mas em situações jurídicas iguais, são beneficiados ou prejudicados
com soluções judiciais distintas para os mesmos casos.
O princípio da
segurança jurídica pressupõe, contudo, que as decisões dos tribunais superiores
sejam proferidas após amplo debate colegiado sobre o tema, com a democrática
participação dos interessados (inclusive sob a forma dos amici curiae),
e sem açodamento, de modo a se obter a melhor solução possível sobre o tema, do
ponto de vista da maturação e da qualidade da decisão. Desta forma, o
precedente obtido pode passar a gozar de estabilidade e credibilidade, o que
fará com que seja de fato respeitado não somente pelos demais órgãos
judicantes, como pelos próprios tribunais superiores, vez que não se pode
admitir que a jurisprudência desses tribunais Superiores seja descumprida pelos
seus próprios órgãos fracionários, como ocorre hoje com frequência superior ao
ideal.
Tal sistema,
como é óbvio, somente vai ter aplicação às chamadas demandas de massa, ou seja,
aquelas que versam idênticas teses jurídicas, não havendo grande controvérsia
quanto à matéria de fato. Para as demais causas, ditas de varejo, continuarão
os julgadores a decidir de acordo com as peculiaridades e circunstâncias do
caso concreto, o mesmo devendo ocorrer nas hipóteses que, embora a tese
jurídica tangencie as demandas de massa, apresentem em seu bojo uma
peculiaridade ou especificidade, que torne a decisão justa necessariamente
diferente do precedente antes construído para a hipótese-padrão. Trata-se da
necessidade de exame minucioso das circunstâncias da causa, pelos juízes, bem
como do fornecimento de decisão diferente daquela traduzida pela jurisprudência
dominante, em clara aplicação do procedimento do distinguish, extraído
do direito anglo-saxão.
Destarte, a
fim de tentar melhorar o sistema recursal, e em consonância com a maior força
emprestada à jurisprudência, neste ponto, o Projeto do novo CPC (LGL\1973\5)
prevê que as alterações na jurisprudência devem ser fundamentadas de forma
específica, sendo justificada a necessidade de mudança (art. 882, V, e § 1.º).
Tal medida visa garantir a estabilidade da jurisprudência, evitando decisões
que contrariem a jurisprudência já sedimentada sobre determinado tema.
Por outro
lado, como a realidade da vida é dinâmica, não se pode provocar o engessamento
da atuação do próprio Judiciário, sendo necessária a previsão de hipóteses em
que se faça necessária a alteração da jurisprudência. Destarte, exige o Projeto
do novo CPC (LGL\1973\5) que esta mudança deva ser justificada (art. 882, §§
1.º e 2.º), criando, assim, a necessidade de apresentação de novos fundamentos
para a adoção de uma nova solução judicial pelo tribunal competente,
abandonando claramente a decisão anterior, nos moldes do procedimento adotado
para a substituição do precedente (o overruling) existente nos países do
common law.
Ademais, prevê
também a necessidade de ser realizada, pelos tribunais superiores, quando
houver alteração da jurisprudência já pacificada, a modulação dos efeitos da
mudança de jurisprudência (art. 882, V). Trata-se de medida bastante adequada,
e que deve ser usada pelos tribunais superiores sempre que houver alteração na
jurisprudência já pacificada sobre determinado assunto, e esta mudança puder
causar surpresa aos cidadãos, alterando o planejamento legitimamente
desenvolvido sobre aquela matéria, evitando, assim, que situações já
consolidadas possam vir a ser atingidas pelo novo paradigma. A alteração da
jurisprudência deve levar em conta, portanto, a repercussão desta mudança de
paradigma na vida das centenas de pessoas (físicas e jurídicas) que organizaram
seu planejamento, de forma legítima, levando em conta a jurisprudência anterior
do mesmo tribunal.
Note-se que
tal arcabouço principiológico, típico dos sistemas que fazem uso dos
precedentes judiciais, somente se justifica, como já dito, se os tribunais
(principalmente os tribunais superiores, no julgamento de causas repetitivas)
puderem efetivamente produzir decisões-paradigmas de qualidade, com
aprofundamento do debate entre todos os pontos de vista das teses conflitantes
e oitiva dos interessados, e não decisões meramente superficiais, que tenham
por escopo unicamente aumentar o número de processos julgados, mormente sem a
atenção necessária a tais julgamentos.
Ressalta-se,
por fim, que com o incremento do respeito à jurisprudência dos tribunais
superiores, prestigia-se também a duração razoável dos processos, com a
diminuição do número de recursos que venham a ser julgados em questões que já
possuem jurisprudência pacificada pelos tribunais superiores. Atende o Projeto,
assim, aos anseios de celeridade e efetividade, um dos seus objetivos
declarados na Exposição de Motivos.
A Exposição de
Motivos deixa claro, ainda, que a grande preocupação do legislador em relação
ao sistema recursal foi diminuir a sua complexidade, simplificando o sistema e
resolvendo problemas de ordem prática que impedem a realização dos direitos. Ou
seja, ver o processo como “método de resolução dos conflitos, por meio do qual
se realizam valores constitucionais” (Exposição de Motivos do novo CPC
(LGL\1973\5)).
2.
PARTE GERAL
Na abertura do
Título II do Livro IV, que versa sobre os recursos, o Projeto do novo CPC
(LGL\1973\5) contém algumas normas gerais, com várias alterações em relação à
legislação vigente, entre as quais algumas serão destacadas neste trabalho.
Inicialmente,
destaca-se a extinção do recurso de embargos infringentes, que deixa de
existir, posto não estar previsto no rol dos recursos existente no art. 948 do
Projeto, não havendo menção a ele na novel codificação. Porém, nos casos em que
houver voto vencido no julgamento de apelação, determina o Projeto que este
deve ser declarado e integra o acórdão, inclusive para efeitos de
prequestionamento (art. 896, § 3.º).
O art. 948, §
1.º, unifica os prazos recursais em 15 dias, excetuando apenas os embargos de
declaração, que continuam a ter prazo de 5 dias (art. 977 do Projeto). Tal
norma encontra-se de acordo com a ideia de simplificação de formalidades do
Código, especialmente de diminuição da complexidade das normas em matéria
recursal. Destarte, com o Projeto, todos os recursos (à exceção, repita-se, dos
embargos de declaração) passam a ter prazo de 15 dias, sendo alterados,
portanto, os prazos para interposição do agravo de instrumento, do agravo
interno e do agravo de admissão. Cumpre lembrar, ainda, que nos prazos para
interposição dos recursos somente se contabilizam os dias úteis, assim como
todos os prazos para a prática de atos processuais, na forma prevista no art.
186 do Projeto.
O Projeto
contém também uma mudança de paradigma em relação ao efeito suspensivo dos
recursos, formulando o art. 949, como regra geral, a eficácia imediata das
decisões sujeitas a qualquer tipo de recurso, acabando, portanto, com o efeito
suspensivo op legis. Tal regra rompe com a tradição processual civil
brasileira, de conferir efeito suspensivo ao recurso de apelação, bem como com
o sistema do atual CPC (LGL\1973\5), no qual, no silêncio da lei, o recurso
deve ser dotado de efeito suspensivo, estando os casos em que não há efeito
suspensivo expressamente previstos em lei.1
O projeto,
contudo, firme no escopo de imprimir celeridade ao processo, acompanha os
anseios de boa parte da doutrina e até mesmo de legislações estrangeiras, no
sentido de prestigiar os julgamentos de 1.ª instância, dada a maior proximidade
do juiz com as partes e os fatos a serem examinados, o que poderia acarretar em
maior acerto das decisões. Ademais, a retirada do efeito suspensivo dos
recursos tende, ao menos em tese, a inibir a interposição de recursos meramente
procrastinatórios, diminuindo o tão propalado “congestionamento” dos tribunais.
Por outro lado, o aumento das hipóteses em que se admite o exaurimento da
execução provisória sem o oferecimento de caução, realizada pelos quatro
incisos do art. 507 do Projeto, implica em maior risco para a parte sucumbente,
em claro comprometimento do princípio da segurança jurídica.
Não havendo
efeito suspensivo op legis, prevê o Projeto a possibilidade de sua
concessão, qualquer que seja o recurso, por meio de decisão do relator. O
procedimento para postulação de efeito suspensivo aos recursos está previsto no
§ 2.º do mesmo dispositivo legal (art. 949), o que dispõe que o pedido de
concessão de efeito suspensivo será formulado em petição autônoma, dirigida ao
relator. Tal regra merece ser revista, haja vista que em alguns recursos (como
o agravo de instrumento) o pedido poderia ser feito na própria petição de
interposição recursal. Já em outros, como a apelação, tratada especificamente
no § 3.º, a imposição de o pleito de concessão de efeito suspensivo ser
realizada por petição autônoma certamente irá gerar um trabalho em duplicidade
tanto para o apelante (que terá que interpor a apelação junto ao juízo a quo,
e a petição autônoma – com cópias dos autos – no tribunal) quanto para os
relatores nos tribunais, que terão que analisar primeiro a petição autônoma,
para conceder ou não o efeito suspensivo (em decisão irrecorrível) e somente
depois o recurso de apelação.
O § 3.º,
também do mesmo artigo, afirma que o mero protocolo da petição pedindo efeito
suspensivo à apelação já suspende a eficácia da sentença. Tal norma, se por um
lado resguarda o direito do recorrente de evitar o cumprimento imediato da
sentença e talvez a impossibilidade de revertê-la (como uma sentença de
despejo, por exemplo), por outro lado também incentiva manobras protelatórias,
principalmente se houver demora do relator em apreciar o pedido de efeito
suspensivo, ou se este for mal instruído, caso em que a sentença permanecerá
com sua eficácia indevidamente suspensa por prazo indeterminado, contrariando a
expectativa do Código de conferir efetividade às sentenças.
Ressalta-se,
ainda, que não há previsão de contraditório no pedido de efeito suspensivo,
posto que o Projeto não traz previsão de que o relator deva intimar o recorrido
a se manifestar sobre o preenchimento ou não das condições necessárias à
concessão de efeito suspensivo ao recurso.
3.
APELAÇÃO
Em relação ao
recurso de apelação, além da ausência do efeito suspensivo, já comentada, o
Projeto introduz grande alteração, permitindo a sua utilização também para
impugnar decisões interlocutórias. Tal decorre do fato de que o Projeto acaba
com o agravo retido, mas torna as decisões interlocutórias insuscetíveis de
preclusão (art. 963, parágrafo único), sendo impugnáveis, portanto, se houver
interesse, em preliminar da apelação dirigida contra sentença.
Parte da
doutrina critica essa mudança, haja vista a possibilidade de trazer insegurança
ao próprio resultado final do processo, eis que este vai seguir seu curso até a
sentença com a possibilidade de todos os atos processuais serem anulados, caso
acolhida, em preliminar do julgamento da apelação, uma irresignação contra uma
decisão interlocutória. Contra esta crítica, deve-se lembrar que esse risco já
existe na legislação atual, com a possibilidade de interposição de agravo
retido, haja vista que de qualquer jeito a decisão sobre os pontos impugnáveis
por agravo retido não são imediatas, mas somente vão ser tomadas com o julgamento
da apelação, e podem levar à anulação da sentença e de atos processuais
anteriores a ela.
A opção do
Projeto, contudo, por um sistema em que não haja preclusão das decisões
interlocutórias, deveria ter sido acompanhada por alterações no procedimento
ordinário, de modo que fosse criado um procedimento concentrado, com poucas
decisões interlocutórias, e com menor dilação temporal até a sentença, o que,
certamente, seria favorecido pela irrecorribilidade imediata das decisões
interlocutórias. Entretanto, em um procedimento muito fragmentado (como é o
atual, e como será o procedimento ordinário previsto pelo Projeto), a sucessão
de decisões interlocutórias não cobertas pela preclusão pode efetivamente gerar
insegurança para o curso do processo, principalmente se houver demora no
julgamento final da causa, o que poderá implicar na perda de grande tempo para
os litigantes.
Outra
desvantagem apontada pela doutrina em relação ao fim do agravo retido é a
impossibilidade de se provocar o juízo de retratação. Não custa mencionar,
contudo, que este efeito sempre pode ser provocado por simples petição dirigida
ao juiz que proferiu a decisão, sem que se precise chamá-la de agravo retido.
Na realidade,
o que se percebe é que a escolha do Projeto pela extinção do agravo retido
encontra-se de acordo com um de seus principais escopos, principalmente em
matéria recursal, que é a de simplificação dos procedimentos e diminuição do
formalismo. Ao invés de ser interposto agravo retido 10 dias após a decisão, e
posteriormente reiterado em razões ou contrarrazões de apelação, basta que a
decisão seja impugnada já nas razões ou contrarrazões, simplificando a
recorribilidade.
Uma falha que
realmente deveria ser alterada pelo Projeto é a falta de contraditório em
relação à impugnação das decisões interlocutórias quando feita nas
contrarrazões de apelação, haja vista que, nessas hipóteses, o apelante não vai
ter como impugnar as razões apresentadas para a reforma da interlocutória.
Nestes casos, deve ser dada oportunidade ao apelante, após a apresentação das
contrarrazões, para impugnar o pleito de reforma ou anulação das decisões
interlocutórias.
O ponto mais
polêmico em relação ao recurso de apelação, no Projeto do novo Código, diz
respeito à forma de sua interposição. A redação do Projeto prevê que a apelação
seja interposta perante o juízo a quo, que deve também intimar o apelado
para apresentar suas contrarrazões, mas sem realizar qualquer juízo de
admissibilidade recursal. Este juízo de admissibilidade continua sendo
exclusivamente do relator, como constava do Anteprojeto, assim como a decisão
sobre os efeitos em que o recurso será recebido. Esta forma de interposição do
recurso de apelação apresenta grandes problemas quando se pretende a obtenção
de efeito suspensivo à apelação, como já visto, vez que obrigará o relator a
decidir sobre a concessão do efeito suspensivo antes mesmo de haver qualquer
decisão sequer sobre a admissibilidade da própria apelação.
O art. 472, em
seu § 5.º, determina que nos casos de extinção do processo sem exame de mérito,
a interposição do recurso de apelação provoca a obrigação do julgador de
realizar um juízo de retratação, devendo, no prazo de três dias, decidir se
mantém ou revê a sua sentença. Tal juízo de retratação também se encontra
previsto nas hipóteses de apelação contra sentença que indefere a petição
inicial (art. 306) e apelação interposta contra sentença de improcedência
liminar do pedido (art. 307, § 3.º), sendo estas duas últimas hipóteses já
previstas na legislação atual.
Por fim,
ressalta-se que o Projeto manteve a regra do julgamento do mérito da lide pelo
tribunal, nas hipóteses em que a sentença houver julgado o feito extinto sem
exame de mérito, e a causa estiver madura para tanto, hoje contida no art. 515,
§ 3.º, do CPC (LGL\1973\5). Na realidade, o art. 965, no § 3.º, acrescentou
outras hipóteses (além da extinção sem mérito) em que é possível o imediato
julgamento da lide, como naquelas em que a sentença apelada tiver reconhecido a
prescrição ou a decadência, e nos casos de anulação da sentença por falta de
fundamentação ou por exceder os limites do pedido.
4.
AGRAVO DE INSTRUMENTO
Em relação ao
agravo de instrumento, o Projeto, ao invés de condicionar seu cabimento às
hipóteses em que haja risco de dano irreparável ou de difícil reparação, opta
por criar um rol das decisões que passam a ser impugnáveis por agravo de
instrumento, inserto no art. 969. Destarte, de acordo com o sistema proposto
para o novo CPC (LGL\1973\5), as decisões interlocutórias contra as quais não
haja previsão legal expressa de cabimento de agravo de instrumento são
insuscetíveis de preclusão, podendo ser impugnadas nas razões ou contrarrazões
de apelação. Já aquelas decisões contra as quais haja previsão de impugnação
por meio de agravo de instrumento restarão preclusas em caso de não
interposição do recurso.
O art. 969,
que traz o rol das decisões impugnáveis por agravo de instrumento, foi ampliado
em relação ao rol existente no Anteprojeto enviado ao Senado, mas deixa de
contemplar, ainda, decisões que merecem ser impugnadas por agravo de
instrumento, como as decisões sobre a competência do juízo, por exemplo, o que
seria resolvido com uma cláusula geral de cabimento do agravo de instrumento em
casos de risco de lesão grave ou de difícil reparação.
Entre as
alterações promovidas pelo Projeto no recurso de agravo de instrumento merecem
destaque algumas normas que têm por escopo evitar, sempre que possível, o não
conhecimento do agravo em razão de irregularidades na sua interposição ou na
formação do instrumento. Percebe-se que o Projeto, em consonância com os
objetivos declarados na exposição de motivos (em especial o de simplificação de
formalidades em matéria recursal) contém dispositivos claramente inspirados
pelo princípio da instrumentalidade das formas, como por exemplo a regra
inserta no art. 971, que determina que a tempestividade do recurso de agravo
pode ser comprovada por qualquer documento oficial, e não necessariamente pela
certidão cartorária de publicação da decisão.
Da mesma
forma, o art. 971, no seu § 3.º, contém regra importante, trazendo o direito de
o agravante ser intimado para complementar o instrumento caso deixe de juntar
peças obrigatórias ao seu conhecimento. De acordo com o Projeto, somente poderá
ser decretada a inadmissibilidade do recurso se, após a intimação, não houver a
complementação do instrumento, com as peças necessárias.
Note-se que o
dispositivo legal impõe a intimação do agravante para a juntada das peças
obrigatórias, o que torna a norma aplicável também, por uma interpretação lógica,
para a falta de peças que a lei considere facultativas, mas que o relator
julgue necessárias para a compreensão da causa, evitando que o recurso venha a
ser inadmitido por má-formação do instrumento. Tal norma visa a evitar o não
conhecimento do recurso por falta de cópias das peças dos autos, minorando,
assim, uma das principais causas de inadmissibilidade do agravo, principalmente
diante do excesso de rigor com que os tribunais vêm procedendo à análise deste
requisito de admissibilidade.
Por fim, a providência
contida no art. 526 do CPC (LGL\1973\5) atual (referente à exigência de
comunicação da interposição do agravo ao juízo a quo) passa a ser
facultativa, e a inércia do agravante passa a ter como única consequência a
falta do juízo de retratação, não servindo mais como causa para a inadmissão do
agravo (art. 972 do Projeto).
O art. 892, V,
determina que somente cabe sustentação oral no agravo de instrumento interposto
contra decisão interlocutória que verse tutela de urgência ou de evidência, mas
não ampliou a possibilidade de sustentação oral para outros casos também
relevantes, como as decisões que versem sobre o mérito da causa, o que seria
aconselhável.
5.
AGRAVO INTERNO
O Projeto do
novo CPC (LGL\1973\5) dedica um capítulo autônomo ao recurso de agravo interno;
entretanto, este capítulo é constituído de apenas um artigo (art. 975),
dispondo sobre o cabimento do agravo interno contra as decisões do relator, mas
deixando as regras sobre o seu processamento para os regimentos internos dos
tribunais.
O § 2.º do
referido artigo mantém a determinação de aplicação de multa ao agravante,
sempre que o agravo interno for considerado manifestamente inadmissível. Há,
contudo, uma previsão importante, consubstanciada na parte final deste
parágrafo, que ressalva ao beneficiário da gratuidade de justiça o direito de
somente pagar esta multa ao final, não sendo os seus recursos posteriores,
portanto, condicionados ao depósito prévio da multa sancionatória. Ressalta-se
que o Código atual não possui norma semelhante a esta, e o STJ possui
entendimento sedimentado no sentido de que o beneficiário da gratuidade de
justiça não está dispensado do depósito prévio das multas decorrentes de sanção
pela interposição de recursos considerados manifestamente inadmissíveis ou protelatórios.
A dispensa de depósito prévio da multa aos beneficiários da gratuidade de
justiça também é prevista para a multa pela interposição de embargos de
declaração procrastinatórios, como se observa do disposto no § 6.º do art. 980
do Projeto.
6.
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO
No capítulo
destinado aos embargos de declaração, o Projeto traz algumas alterações
relevantes. Deixa claro, por exemplo, no art. 980, que os embargos de
declaração não possuem efeito suspensivo, ressalvando, contudo, que este efeito
pode ser concedido pelo juiz ou relator, para a suspensão da eficácia da
decisão embargada, nas hipóteses em que for demonstrada a “probabilidade de
provimento do recurso”, ou, pela dicção do projeto, “sendo relevante a
fundamentação, houver risco de dano grave ou de difícil reparação”.
No Capítulo
dos embargos de declaração há também duas regras, que em boa hora merecem ser
incorporadas ao Código, e que visam evitar que os recursos especiais e
extraordinários deixem de ser conhecidos: a primeira é a regra do art. 979, que
assevera que, mesmo que o tribunal não admita os embargos de declaração
interpostos para fins de prequestionamento de determinados dispositivos legais
ou constitucionais, se o STJ ou STF entenderem que houve omissão, contradição
ou obscuridade, os referidos dispositivos são considerados incluídos no
acórdão. Tal norma visa evitar o não conhecimento dos recursos especiais e
extraordinários, por falta de prequestionamento, nas hipóteses em que não houve
manifestação expressa dos tribunais sobre os dispositivos impugnados, embora
pedida pelo recorrente. Trata-se de norma necessária, que deverá implicar no
abandono da Súmula 211 (MIX\2010\1463) do STJ, que impõe à parte interessada o
ônus de interpor recurso especial pela violação do art. 535 do CPC
(LGL\1973\5), a fim de obter a anulação do acórdão que não conheceu dos
embargos de declaração quando presentes os seus requisitos legais.
Prestigia-se, assim, a Súmula 356 (MIX\2010\2) do STF.
Outro
dispositivo com intenção semelhante (qual seja, evitar decisões de não
conhecimento dos demais recursos, cujo prazo foi interrompido pelos embargos de
declaração) é aquela contida no § 3.º do art. 980 do Projeto, que determina que
se não houver mudança na decisão embargada por força do julgamento dos embargos
de declaração, não é preciso ratificar um recurso anteriormente interposto, que
será então considerado tempestivo. Tal regra confirma aquela disposta no art.
186, § 1.º, do Projeto, que considera tempestivo o ato processual praticado
antes da ocorrência do termo inicial do prazo, e tem finalidade também muito
importante, haja vista o entendimento que vem sendo perfilhado por parte da
jurisprudência de considerar intempestivo o recurso interposto antes do
julgamento dos embargos de declaração, se não for ratificado depois do
julgamento deste.
O art. 980
também trouxe alterações relativas à punição pela litigância de má-fé, feita
através da interposição de embargos de declaração com caráter procrastinatório.
Seguindo a linha que já vinha sendo traçada pelo CPC (LGL\1973\5) atual, e pela
legislação reformista, o Projeto eleva o percentual máximo da multa que pode
ser cominada ao embargante para 5% do valor da causa, e vai além, posto que ao
invés de condicionar a interposição de novos embargos ao prévio depósito da
multa, simplesmente proíbe a interposição de novos embargos de declaração. Tal
norma parece exagerada, posto que suprime da parte o direito de questionar,
através de novos embargos, a própria decisão que considerou seu recurso como
procrastinatório, como se esta não pudesse conter contradição, obscuridade ou
omissão.
7.
RECURSO ESPECIAL E RECURSO EXTRAORDINÁRIO
Na Seção que
trata dos recursos especial e extraordinário, o Código contém uma Subseção com
disposições gerais sobre os dois recursos, sendo certo que, seguindo a
tendência já anotada em outros Capítulos, o Projeto introduz algumas regras que
têm como escopo diminuir as hipóteses de não conhecimento dos recursos
excepcionais motivadas por vícios formais, ampliando, assim, as hipóteses de
julgamento de mérito destes. Norma reveladora desta intenção é a disposta no §
2.º do art. 983, que permite que os tribunais superiores possam sanar um
defeito formal (ao que parece, defeito na interposição do recurso, desde que
não se trate de intempestividade) que não seja considerado grave, para que se
possa efetivamente obter o julgamento do mérito do recurso. A consideração
acerca da gravidade ou não do defeito de forma, para fins de ser sanado, ficará
a cargo do relator de cada recurso, dado o grau de subjetividade do conceito.
Com o mesmo
escopo, de evitar juízos de inadmissibilidade por erro de interpretação da
questão legal ou constitucional no momento da interposição, os arts. 986 e 987
permitem a “conversão” do recurso especial em recurso extraordinário, e
vice-versa, nas hipóteses em que o tribunal superior a quem o recurso for
dirigido considerar que se trata de recurso que deveria ter sido dirigido ao
outro tribunal.
O Projeto do
novo CPC (LGL\1973\5) estende ao julgamento dos recursos extraordinários o rito
já previsto no atual art. 543-C para os recursos especiais repetitivos. Os
dispositivos que versam sobre o rito de julgamento dos recursos repetitivos,
por outro lado, apresentam algumas alterações que reforçam um dos principais
escopos do Projeto, de fortalecimento da jurisprudência dos tribunais
superiores, aumentando sua imposição aos demais julgadores. Neste sentido, no
julgamento dos recursos especial e extraordinários repetitivos, permite o
projeto a suspensão não apenas dos recursos que versem sobre a mesma questão
controvertida sujeita a julgamento por este rito, como também dos processos que
ainda estejam no primeiro grau de jurisdição sobre o mesmo tema, limitando o
período de suspensão destes, contudo, ao máximo de 12 meses (art. 991, § 3.º).
Além disso, em
outra inovação do Projeto, o art. 994, no inc. II, permite que após a
publicação do acórdão paradigma os tribunais inferiores possam aplicar
diretamente a tese fixada pelo tribunal superior, independentemente do juízo de
admissibilidade do recurso especial ou extraordinário. Nesta norma, mais uma
vez o legislador do Projeto deixa claro que sua intenção é de que todas as
demandas que versem sobre a mesma questão de direito tenham a mesma solução, ou
seja, aquela decidida pelo tribunal superior, ainda que para tanto se tenha que
ultrapassar até mesmo o juízo de admissibilidade dos recursos. Com a mesma ratio,
o disposto no art. 995, que determina que o juiz de 1.º grau, aplique a tese
fixada no julgamento de recurso especial ou extraordinário repetitivo aos
processos que se encontravam suspensos, de modo a proferir sentença no mesmo
sentido daquela decisão paradigma.
Cabe
ressaltar, ainda, o disposto no art. 952, parágrafo único, do Projeto, que
prevê que no caso de um recurso extraordinário que já tenha tido repercussão
geral reconhecida, ainda que o recorrente venha a desistir do seu recurso, o
STF prosseguirá no julgamento da questão jurídica objeto da repercussão geral.
Trata-se de mais uma norma que tende a aproximar o julgamento dos recursos
dirigidos aos tribunais superiores de um processo objetivo, em que interessa a
tese jurídica a ser discutida e fixada, e não as partes envolvidas no processo.
8.
AGRAVO DE ADMISSÃO
O Projeto
passa a chamar de agravo de admissão o recurso interposto contra a decisão do
presidente ou do vice-presidente do tribunal local que não admite o recurso
especial ou o recurso extraordinário (art. 996). Este agravo possui
regulamentação semelhante a que existe hoje, após a edição da Lei 12.322, de
10.09.2011, que alterou em especial o art. 544 do CPC (LGL\1973\5).
9.
EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA
Na seção
destinada aos embargos de divergência, o projeto trouxe alterações relevantes
(art. 997 e 998). A primeira delas consiste em que, após a entrada em vigor do
novo CPC (LGL\1973\5), somente serão admissíveis embargos de divergência para o
STJ, acabando o Projeto com a possibilidade de interposição destes embargos
para o STF.
Em relação aos
requisitos de admissibilidade do recurso, percebe-se que o Projeto enumera as
hipóteses de cabimento do recurso contra decisões proferidas no julgamento de
recurso especial, admitindo tanto em decisões de mérito quanto em decisões que
versem sobre a admissibilidade do recurso especial, Além disso, amplia as
situações em que o recurso será possível para as decisões colegiadas proferidas
no âmbito do julgamento de causas de competência originária do STJ, o que não
se admite no direito vigente. Prioriza-se, com o Projeto, a existência de
decisões conflitantes sobre o mesmo tema como fonte para a interposição dos
embargos de divergência, o que atende à finalidade principal deste recurso, de
uniformização da jurisprudência interna do STJ quanto à aplicação do direito
federal, em detrimento de regras formais acerca dos julgados que podem dar
ensejo à interposição dos embargos. Tal postura encontra-se de acordo com o
escopo que norteia todo o Projeto, de fortalecer a jurisprudência dos tribunais
superiores, de modo a que seus precedentes venham a ser seguidos pelos demais
órgãos judiciais. Nesta linha de raciocínio, torna-se imperativa a existência
de meios de extirpar as divergências de entendimento, sobre o mesmo tema,
dentro dos órgãos fracionários do próprio STJ, o que levaria à ineficácia do
sistema de prevalência dos precedentes deste tribunal para os demais. Assim,
correta a ampliação das hipóteses de cabimento dos embargos de divergência, bem
como a especificação destas hipóteses, de molde a se tentar evitar problemas na
concretização da norma.
Por outro
lado, merece ser repensada a exclusão do cabimento de embargos de divergência
no âmbito do STF, haja vista que, embora se reconheça que a possibilidade de
divergência dentro do STF seja menor, dado o menor número de ministros e de
órgãos fracionários, estaria mais de acordo com o espírito adotado pelo projeto
a manutenção dos embargos de divergência também para o STF.
1 Neste
sentido: Barbosa Moreira, José Carlos. Comentários ao Código de Processo
Civil (LGL\1973\5). Rio de Janeiro: Forense. 2001. p. 465.
Nenhum comentário:
Postar um comentário