RECURSO ESPECIAL Nº 1.736.091 - PE (2017/0304773-5)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
PROCESSUAL CIVIL E CONSUMIDOR. RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS DE
DECLARAÇÃO. OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. NÃO
INDICAÇÃO. SÚMULA 284/STF. AÇÃO COLETIVA DE CONSUMO. SUJEIÇÃO À
PASSAGEM DO TEMPO. APURAÇÃO CONCEITUAL. DIREITO SUBJETIVO.
PRETENSÃO. DIREITO ABSTRATO DE AÇÃO. TEORIA DA ACTIO NATA. VIÉS
SUBJETIVO. ILÍCITO EXTRACONTRATUAL. EFETIVA POSSIBILIDADE DE
EXERCÍCIO DA PRETENSÃO. CONHECIMENTO DOS ELEMENTOS DA LESÃO E
DO DANO.
1. Ação coletiva de consumo por meio da qual questiona a venda de
suplemento alimentar sem registro na ANVISA e a prática de propaganda
enganosa, em virtude de o produto ser apresentado ao público consumidor
como se possuísse propriedades medicinais.
2. O propósito recursal consiste em determinar se: a) ocorreu negativa de
prestação jurisdicional; b) existe prazo para o ajuizamento de ação coletiva
de consumo e c) se, na hipótese concreta, o pedido de instauração de
inquérito civil representou marco apto a autorizar o início do fluxo de lapso
temporal para o exercício do direito processual ou do direito material.
3. Recurso especial interposto em: 09/08/2016; conclusão ao Gabinete em:
11/01/2018; aplicação do CPC/15.
4. A ausência de expressa indicação de obscuridade, omissão ou contradição
nas razões recursais enseja o não conhecimento do recurso especial.
5. O direito subjetivo é a extensão prática, concreta e de direito material da
previsão genérica do direito objetivo que define a possibilidade de um
indivíduo exigir de outro um certo agir, pressupondo, pois, a
intersubjetividade.
7. A pretensão, que também pertence ao direito material, está ligada
intimamente à responsabilidade (haftung), se relacionando à exigibilidade
da prestação.
8. O direito subjetivo nasce com o estabelecimento da relação jurídica, com
a previsão com base no direito objetivo do nascimento dos feixes
obrigacionais, ao passo que a pretensão somente surge no momento em que
a prestação, decorrente do direito subjetivo, passa a ser exigível, com sua
violação.
9. No Estado Democrático de Direito, em virtude do monopólio estatal da
violência, há o desdobramento do direito de ação, e a consequente a
previsão de um direito processual e abstrato de agir de titularidade de
qualquer sujeito e que é dirigido ao Estado, para a obtenção da prestação
jurisdicional.
10. O direito público subjetivo e processual de ação deve ser considerado,
em si, imprescritível, haja vista ser sempre possível requerer a manifestação
do Estado sobre um determinado direito e obter a prestação jurisdicional,
mesmo que ausente, por absoluto, o direito material.
11. O máximo que pode que ocorrer é a impossibilidade da satisfação de
uma determinada pretensão por meio de um específico procedimento
processual, ante a passagem do tempo qualificada pela inércia do titular,
caracterizadora da preclusão, o que, todavia, não impossibilita, em absoluto,
o uso da específica ação ou procedimento.
12. A ação do tempo somada à inércia do titular tem, portanto, em regra,
relação unicamente com a pretensão de direito material.
13. Pelo viés objetivo da teoria da actio nata, a prescrição começa a correr
com a violação do direito, assim que a prestação se tornar exigível.
14. Por outro lado, segundo a vertente subjetiva da actio nata, a contagem
do prazo prescricional exige a efetiva inércia do titular do direito, a qual
somente se verifica diante da inexistência de óbices ao exercício da
pretensão e a partir do momento em que o titular tem ciência inequívoca do
dano, de sua extensão, e da autoria da lesão.
15. Segundo a jurisprudência desta Corte, a aplicação da actio nata sob a
vertente subjetiva é excepcional, somente cabível nos ilícitos
extracontratuais. Precedentes.
16. Embora o inquérito civil tenha por objetivo apurar indícios para dar
sustentação a uma eventual ação coletiva, a fim de que não se ingresse em
demanda por denúncia infundada, sua instauração não é obrigatória,
podendo o autor coletivo pela presença de elementos suficientes para o
imediato exercício do direito de ação. Precedentes.
16. Na hipótese concreta, o Tribunal de origem concluiu que somente ao
final do inquérito civil o Ministério Público se convenceu da natureza
enganosa da publicidade. Assim, rever esse posicionamento demandaria o
reexame de fatos e provas, vedado pela Súmula 7/STJ.
17. Ademais, como se trata de ilícito extracontratual, o termo inicial do
prazo prescricional somente é contabilizado a partir do efetivo
conhecimento de todos os elementos da lesão, por aplicação da teoria da
actio nata sob viés subjetivo, da forma como concluiu o Tribunal de origem.
18. Recurso especial parcialmente conhecido e, no ponto, não provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira
Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas
taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, conhecer em parte do recurso
especial e, nesta parte, negar-lhe provimento, nos termos do voto da Sra. Ministra
Relatora. Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco
Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora.
Brasília (DF), 14 de maio de 2019(Data do Julgamento)
RELATÓRIO
A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI:
Cuida-se de recurso especial interposto por SUPLAN LABORATÓRIO
DE SUPLEMENTOS ALIMENTARES LTDA, com fundamento nas alíneas "a" e “c” do
permissivo constitucional.
Ação: coletiva de consumo, ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO
ESTADO DE PERNAMBUCO em face da recorrente, por meio da qual questiona a
venda de suplemento alimentar sem registro na ANVISA e a prática de propaganda
enganosa, em virtude de o produto ser apresentado ao público consumidor como
se possuísse propriedades medicinais.
Sentença: julgou procedentes os pedidos, para condenar a
recorrente a: a) não mais ofertar suplementos alimentares sem a autorização da
ANVISA, sob pena de multa diária; b) não mais realizar publicidades enganosas ou
abusivas, ainda que por omissão, também sob pena de multa diária; c) compensar
danos morais coletivos, fixados no valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais); e d)
reparar os danos morais e materiais experimentados individualmente pelos
consumidores, conforme apuração em liquidação de sentença.
Acórdão: por maioria, rejeitou a alegação de prescrição da ação
coletiva de consumo e negou provimento ao agravo retido e à apelação
interpostos pela recorrente.
Embargos de declaração: opostos pela recorrente, foram
rejeitados.
Recurso especial: aponta violação dos arts. 197 e 202 do CC/02; 7º,
27 e 90 do CDC e 21 da Lei 7.347/65, além de divergência jurisprudencial.
Aduz que, pelo princípio da actio nata, o termo inicial do prazo
prescricional é a data da efetiva lesão ou ameaça ao direito tutelado, o qual, na
hipótese concreta, ocorreu em 08/07/2003, ocasião em que foi requerida a
abertura da investigação junto ao Ministério Público Estadual e na qual já o
Ministério Público já possuía todas as informações necessárias ao ajuizamento de
ação civil pública.
Afirma, que o sujeito passivo não pode ser submetido à ação judicial
por prazo indefinido e que a abertura de inquérito civil público não tem o condão
de obstar o início do curso do prazo prescricional.
Sustenta que, como a denúncia do fato danoso e da autoria ocorreram
em 2003 e a ação coletiva somente foi ajuizada em 2009, mais de cinco anos após
a configuração da lesão, deveria ser reconhecida a prescrição da ação coletiva.
Decisão de admissibilidade: o TJ/PE inadmitiu o recurso especial.
Agravo: interposto pelo recorrente, determinei sua reautuação como
recurso especial.
Parecer do Ministério Público: opina pelo não conhecimento do
recurso especial.
É o relatório.
VOTO
A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):
O propósito recursal consiste em determinar se: a) ocorreu negativa
de prestação jurisdicional; b) existe prazo para o ajuizamento de ação coletiva de
consumo e c) na hipótese concreta, o pedido de instauração de inquérito civil
representou marco apto a autorizar o início do fluxo de lapso temporal para o
exercício do direito processual ou do direito material.
Recurso especial interposto em: 09/08/2016.
Conclusão ao Gabinete em: 11/01/2018.
Aplicação do CPC/15
1. DA NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL – DEFICIÊNCIA DA FUNDAMENTAÇÃO RECURSAL
No presente recurso especial, a recorrente não cuidou de evidenciar,
de forma clara, quais teriam sido as matérias omitidas pelo Tribunal de origem no
exame de seus embargos de declaração, limitando-se a defender o direito de ter
todos seus argumentos examinados, sob pena de ser reconhecido seu
prequestionamento.
Nessas circunstâncias, em que ausente expressa indicação de obscuridade, omissão ou contradição nas razões recursais, o recurso especial não
pode ser conhecido. Aplica-se, neste caso, a Súmula 284/STF.
2. DELIMITAÇÃO CONCEITUAL
A controvérsia devolvida à apreciação desta e. Corte não pode ser
enfrentada sem antes se proceder a uma apuração conceitual dos institutos
relacionados ao transcurso do tempo e seus efeitos sobre o exercício de direitos.
De fato, antes de se examinar a ocorrência, na presente hipótese, da
extinção do direito de ajuizar ação coletiva de consumo pelo efeito da passagem
do tempo, é necessário conceituar e distinguir os institutos: i) do direito subjetivo,
ii) da pretensão; e iii) do direito de ação, muitas vezes confundidos na doutrina e
na atuação jurisdicional.
2.1. Do direito subjetivo
O conceito de direito subjetivo, chave para entendimento do
fenômeno jurídico, já esteve sujeito a diversas e variadas concepções e teorias.
Apesar disso, em termos gerais, a adoção de referido conceito pela
dogmática jurídica é justificada pela necessidade de representação da
interdependência entre a normatividade positiva, prevista nos diplomas legais, e os
limites das liberdades individuais, o que ainda hoje é realizado pela adoção da
dicotomia “direito objetivo” X “direito subjetivo”.
Realmente, por força dessa relação entre normatividade e liberdade,
considera-se que “o direito subjetivo nada mais é do que essa garantia conferida
pelo direito objetivo, a qual se invoca quando a liberdade é violada”, de modo
que o direito subjetivo “corresponde a uma situação favorável na qual se
encontra determinada pessoa em relação a outra, por força da incidência do direito objetivo sobre a relação entre eles mantida” (FERRAZ JÚNIOR, Tércio
Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito – Técnica, Decisão, Dominação. 4ª ed.,
São Paulo: Atlas, 2003, p. 148).
Nesse sentido, portanto, o direito subjetivo é a extensão prática,
concreta e material da previsão genérica do direito objetivo que define a
possibilidade de um indivíduo exigir de outro um certo agir.
A intersubjetividade é, pois, elemento essencial da definição do
direito subjetivo, haja vista a doutrina, no esteio da lição de TÉRCIO SAMPAIO
FERRAZ JÚNIOR, inscrever o instituto na “situação jurídica [...] da perspectiva de
um sujeito a quem ela favorece”, e que “geralmente [...] surge em face de
normas que restringem o comportamento dos outros” (FERRAZ JÚNIOR,
Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito – Técnica, Decisão, Dominação.
4ª ed., São Paulo: Atlas, 2003, p. 150).
Destaca-se, assim, que “o uso do conceito [direito subjetivo]
pressupõe a possibilidade de fazer valer sua situação em face de outros, ou
seja, implica 'faculdade' ou poder' e ainda a afirmação autônoma do indivíduo”
(Idem, ibidem, p. 151, sem destaque no original).
O direito subjetivo não deve, no entanto, ser confundido nem
com a pretensão nem com o direito de ação.
De fato, “o direito subjetivo é conferido pelo ordenamento
objetivo e é pré-processual, isso porque o direito subjetivo surge a partir do
momento em que se estabelecem as relações de direito material” (Nery Junior,
Nelson. Abboud, Georges. Pontes de Miranda e o processo civil: a importância do
conceito da pretensão para compreensão dos institutos fundamentais do processo
civil. Revista de Processo: RePro, v. 39, n. 231, p. 89-107, maio 2014).
2.2. Da pretensão
Como demonstrado, o direito subjetivo tem como característica
essencial a intersubjetividade, razão pela qual seu exercício exige um determinado
poder de sujeição de um indivíduo em relação a outro.
Entre esses poderes de sujeição, o que interessa para fins de
prescrição é a pretensão, que representa a possibilidade juridicamente
reconhecida de se exigir a satisfação do direito subjetivo em virtude de sua
violação, estando, pois, diretamente referida à exigibilidade de uma prestação.
De fato, como definiu o mestre PONTES DE MIRANDA, a pretensão é “a posição subjetiva de poder exigir de outrem alguma prestação positiva ou
negativa” (PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado.
2. ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1955. p. 451. Vol. V, § 615).
O professor ÁLVARO VILAÇA DE AZEVEDO ressalta, quanto ao ponto, a
distinção germânica entre débito (Schuld) e responsabilidade (Haftung), estando a
primeira relacionada ao direito subjetivo obrigacional, e a segunda à violação desse
direito.
Esclarece o ilustre professor essa mencionada distinção, asseverando
que “se a relação jurídica originária não for cumprida, ou seja, se o devedor, por
ato espontâneo, não efetivar a prestação jurídica a que se obrigou junto a seu
credor, surge, em razão desse descumprimento, desse inadimplemento
obrigacional, a responsabilidade”, a qual é “uma relação jurídica derivada
do inadimplemento da obrigação jurídica originária (obrigação)”
(AZEVEDO, Álvaro Vilaça. Teoria Geral das Obrigações. 5ª ed., São Paulo: Revista
dos Tribunais, 1990, p. 39).
Assim, a pretensão está ligada intimamente à responsabilidade
(haftung), de modo que “não se pode cogitar de pretensão se não estiver presente a exigibilidade” (Silva, Ovídio Baptista da. Direito subjetivo, pretensão
de direito material e ação. Ajuris. n. 29. ano X. p. 102. Porto Alegre: Ajuris, nov.
1983).
A distinção entre o direito subjetivo e a pretensão é, portanto, a de
que o primeiro nasce com o estabelecimento da relação jurídica, com a previsão
com base no direito objetivo do nascimento dos feixes obrigacionais, ao passo que
a segunda somente surge no momento em que a prestação, decorrente do direito
subjetivo, passa a ser exigível, com sua violação.
2.3. Direito de ação e sua relação com a pretensão
Uma vez exigível a prestação, dando origem à pretensão, cabe
averiguar sua relação com o direito de ação.
No ponto, a doutrina vislumbra a existência de um direito de ação de
cunho material, o qual surge no momento em que a pretensão é exigida pelo
próprio sujeito ativo ao passivo, que se nega a adimpli-la.
Esse direito de ação de cunho material é, portanto, o agir do próprio
titular para a realização do direito em relação ao sujeito passivo e
independentemente da vontade do último. Realmente, a ação de direito material
pode ser definida como “exercício do próprio direito por ato de seu titular,
independentemente de qualquer atividade voluntária do obrigado” (NERY
JUNIOR, Nelson. ABBOUD, Georges. Pontes de Miranda e o processo civil: a
importância do conceito da pretensão para compreensão dos institutos
fundamentais do processo civil. Revista de Processo: RePro, v. 39, n. 231, p.
89-107, maio 2014).
2.4. Do direito de ação, de natureza material e processual
O campo de atuação do direito de ação de cunho material é, todavia,
bastante reduzido em razão da proibição da justiça com as próprias mãos e do
monopólio estatal da violência e da força física institucionalizada,
característicos do Estado Democrático de Direito.
Assim, segundo a lição de OVÍDIO BATISTA “pode-se afirmar que [...]
ocorreu uma duplicação do direito de ação que pode ser tanto a material
(possibilidade de obrigar o sujeito passivo a cumprir/adimplir a pretensão) quanto
a processual, que não é dirigida contra o particular obrigado a cumprir a
pretensão, mas sim contra o Estado, para que este, por meio do juiz,
pratique a ação cuja realização privada, pelo titular do direito, o próprio
Estado proibiu” (Apud: NERY JUNIOR, Nelson. ABBOUD, Georges. Pontes de
Miranda e o processo civil: a importância do conceito da pretensão para
compreensão dos institutos fundamentais do processo civil. Revista de Processo:
RePro, v. 39, n. 231, p. 89-107, maio 2014, sem destaque no original).
No Estado Democrático de Direito há, portanto, o desdobramento do
direito de ação e a consequente previsão de um direito processual e abstrato de
agir, de titularidade de qualquer sujeito e que é dirigido ao Estado, como forma de
obtenção da prestação jurisdicional.
Esse direito de ação processual é, segundo a mais moderna doutrina,
abstrato, pois não deriva diretamente da exigibilidade da prestação
(pretensão), mas sim da impossibilidade da exigência de quaisquer
prestações pela atuação autônoma do sujeito (ação de direito material)
e, assim, independe da procedência ou não do pedido deduzido pelo autor, não
tendo relação com o mérito da demanda.
Portanto, se de um lado o direito de ação material dirige-se contra o
particular sujeito passivo da relação de direito material, por outro, a ação processual é dirigida em face do Estado, em razão do monopólio da jurisdição, e
conduz a que o Estado forneça a prestação jurisdicional e, somente se for cabível,
faça o uso da força para tornar efetiva a pretensão de direito material.
Com efeito, sempre que o Judiciário é provocado e pronuncia-se,
ainda que para julgar improcedente a demanda, a ação processual foi exercida,
porque se obteve do Judiciário um pronunciamento, ainda que desfavorável.
Assim, o direito processual de ação: a) é dirigido contra o Estado, e
não contra o sujeito passivo da relação de direito material; b) não exige que o
sujeito que o exerce seja o efetivo titular do direito subjetivo material; c) não é um
poder de obter uma sentença favorável, senão unicamente o direito de obter uma
decisão; d) é uma relação e, nisso, distingue-se da pretensão, que é um ato, uma
exigência de subordinação.
2.5. Do direito público subjetivo e abstrato de ação e sua
relação com a passagem do tempo
É preciso, nesse ponto, verificar se o direito público subjetivo e
abstrato de ação, de cunho processual, dirigido ao Estado, se submete aos efeitos
da passagem do tempo e em quais circunstâncias, sobretudo porque, por ser
abstrato, não tem qualquer relação com o direito material deduzido pelo sujeito
que movimenta a máquina jurisdicional estatal.
É oportuna, novamente, a lição de OVÍDIO BATISTA, que, em
homenagem à concepção abstrata e ao Estado Democrático de Direito, esclarece
que o “direito subjetivo público de ação nasce no exato momento em que
é estabelecido o monopólio da jurisdição pelo Estado, ou seja, quando da
própria constituição deste; não necessita de norma expressa, por conseguinte,
para que reste plenamente caracterizado, já que a vedação à autotutela é pressuposto da própria existência do Estado” (SILVA, Ovídio Baptista da;
GOMES, Fábio. Teoria geral do processo civil. 3. ed. São Paulo: Ed. RT, 2002, p.
133).
Segundo essa definição mais moderna, portanto, o direito subjetivo
público e processual de ação está relacionado unicamente à ideia de inércia do
Poder Judiciário, de forma que o exercício desse direito público processual
representa a mera provocação do Judiciário para que saia de sua imobilidade e se
manifeste sobre o direito aplicável à relação jurídica deduzida em juízo.
Ao direito subjetivo público e processual de ação corresponde, via de
consequência, uma obrigação do Estado d e manifestar-se sobre o pedido
formulado, para, se chegar a examinar o mérito, conforme o caso, deferi-lo ou
indeferi-lo, segundo esteja ou não tutelado pelo direito objetivo.
Assim, a conclusão necessária e inafastável é de que, como não
depende da efetiva existência do direito subjetivo de cunho material vindicado por
aquele que o exerce, decorrendo do próprio Estado Democrático de Direito, o
direito subjetivo público de ação não se submete a passagem do tempo nos
moldes estabelecidos para o direito material.
Sendo uma consequência do próprio Estado Democrático de Direito,
o direito público subjetivo e processual de ação deve ser considerado,
em si, imprescritível, haja vista ser sempre possível requerer a manifestação do
Estado sobre um determinado direito e obter a prestação jurisdicional, mesmo que
ausente, por absoluto, o direito material.
De fato, o direito de obter do Estado uma manifestação jurisdicional é
imperecível, de forma que o máximo que pode que ocorrer é a impossibilidade
da satisfação de uma determinada pretensão por meio de um específico
procedimento processual, ante a passagem do tempo qualificada pela inércia do titular, apta a caracterizar a preclusão, a qual, todavia, por si só, não
impossibilita o uso abstrato da específica ação ou procedimento.
Um dos mais ilustrativos exemplos dessa circunstância é a da
obrigação consubstanciada em cheque, cuja prestação pode ser exigida pelos
procedimentos específicos da a) execução do art. 47 da Lei 7.357/85, no prazo de
6 (seis) meses contados do término do prazo para apresentação; b) ação de
enriquecimento, no prazo de 2 anos do término do prazo para a apresentação; c)
por meio de ação monitória (art. 1.102-A do CPC/73 e 700 do CPC/15, no prazo de
5 (cinco) anos (Súmula 503/STJ); ou ainda d) por meio de ação cobrança, de rito
ordinário.
Esse é o entendimento desta 2ª Seção, que vaticina que “prescrita a
ação executiva do cheque, assiste ao credor a faculdade de ajuizar a ação cambial
por locupletamento ilícito, no prazo de 2 (dois) anos (art. 61 da Lei 7.357/85); ação
de cobrança fundada na relação causal (art. 62 do mesmo diploma legal) e, ainda,
ação monitória, no prazo de 5 (cinco) anos, nos termos da Súmula 503/STJ” (REsp
1677772/RJ, Terceira Turma, DJe 20/11/2017). No mesmo sentido: REsp
926.312/SP, Quarta Turma, DJe 17/10/2011.
A cobrança da dívida inscrita no cheque ilustra que, de fato, o direito
abstrato de ação e a pretensão não se confundem, porquanto a prestação continua
a ser exigível, a despeito da perda do direito de utilização de um específico
procedimento e, de outro lado, o direito de requerer a prestação jurisdicional (de
ação) não está vinculado ao direito material vindicado (dívida inscrita em cheque),
que pode ser exercido por meio de diversas ações submetidas a diversos ritos.
2.6. Da inexistência de prazo para o ajuizamento de ação
coletiva de consumo
A aplicação analógica o prazo de cinco anos do art. 21 da Lei de Ação
Popular para a ação coletiva de consumo, reconhecida pela jurisprudência esta e.
Corte (AgInt no AREsp 872.801/SP, Terceira Turma, DJe 25/11/2016; REsp
1392449/DF, Segunda Seção, DJe 02/06/2017; AgRg nos EREsp 1070896/SC, Corte
Especial, DJe 10/05/2013 ), tem como pressuposto o fato de não existir na Lei de
Ação Civil Pública expresso prazo para o exercício dessa modalidade de direito
subjetivo público ação, tampouco a previsão expressa de perda da possibilidade de
uso desse específico rito processual pela mera passagem do tempo.
Todavia, conforme consigna a doutrina especializada e ao contrário do
entendimento prevalente, esse “silêncio do ordenamento é eloquente, ao não
estabelecer direta e claramente prazos para o exercício dos interesses
metaindividuais e para o ajuizamento das respectivas ações, permitindo o
reconhecimento da não ocorrência da prescrição” (LEONEL, Ricardo de
Barros. Manual do Processo Coletivo, 2ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais,
2011, p. 385, sem destaque no original).
Realmente, o silêncio do ordenamento deve ser considerado
intencional, pois o prazo de 5 anos para o ajuizamento da ação popular, contido no
art. 21 da Lei 4.717/65, foi previsto com vistas à concretização de uma única e
específica prestação jurisdicional.
Conforme dispõe expressamente o art. 1º da Lei 4.717/65, o desígnio
da ação popular é a anulação ou declaração de nulidade de atos lesivos ao
patrimônio público em sentido amplo, constatado a partir dos vícios
enumerados no art 2º de referido diploma legal, que consubstanciam as causas de
pedir passíveis de serem apuradas em referida modalidade de ação, a saber: a)
incompetência; b) vício de forma; c) ilegalidade do objeto; d) inexistência dos
motivos; e e) desvio de finalidade.
As ações coletivas de consumo, por sua vez, atendem a um espectro
de prestações de direito material muito mais amplo, podendo não só anular ou
declarar a nulidade de atos, como também quaisquer outras providências ou ações
capazes de propiciar a adequada e efetiva tutela dos consumidores, nos termos do
art. 83 do CDC.
Desse modo, ainda que a ação popular e a ação coletiva de consumo
componham o microssistema de defesa de interesses coletivos em sentido amplo,
é substancial a disparidade existente entre os objetos e causas de pedir de cada
uma dessas ações, o que demonstra a impossibilidade do emprego da analogia, que
pressupõe a “aplicação de um princípio jurídico estatuído para determinado caso
a outro que, apesar de não ser igual, é semelhante ao previsto pelo
legislador”, de modo que seja realizada a “extensão do tratamento jurídico,
previsto expressamente para determinado caso, a um semelhante, não previsto”
(GUSMÃO, Paulo Dourado de. Introdução à Ciência do Direito. 7ª ed., Rio de
Janeiro: Forense, 1976, p.278, sem destaque no original).
É, assim, necessária a superação (overruling) da atual orientação
jurisprudencial desta Corte, pois não há razão para se limitar o uso da ação coletiva
ou desse especial procedimento coletivo de enfrentamento de interesses
individuais homogêneos, coletivos em sentido estrito e difusos, sobretudo porque
o escopo desse instrumento processual é o tratamento isonômico e concentrado
de lides de massa relacionadas a questões de direito material que afetem uma
coletividade de consumidores, tendo como resultado imediato beneficiar a
economia processual.
De fato, submeter a ação coletiva de consumo a prazo determinado
tem como única consequência impor aos consumidores os pesados ônus do
ajuizamento de ações individuais, em prejuízo da razoável duração do processo e da primazia do julgamento de mérito, princípios expressamente previstos no atual
CPC em seus arts. 4º e 6º, respectivamente, além de prejudicar a isonomia, ante a
possibilidade de julgamentos discrepantes.
Portanto, como consignei em recentíssimo julgado, ainda não
concluído, a interpretação mais consentânea com o atual desenvolvimento do
direito processual é a de que, em regra, somente as pretensões de direito material
ficam submetidas à extinção pela inércia do titular por determinado tempo, haja
vista que:
[...] os direitos individuais homogêneos são os mesmos direitos
comuns ou afins, cuja defesa coletiva se legitima apenas do ponto de
vista instrumental, objetivando conferir maior efetividade à
prestação jurisdicional. Nesse aspecto, os direitos homogêneos são, por motivos
exclusivamente pragmáticos, transformados em estruturas
moleculares, não como fruto de sua indivisibilidade inerente ou natural ou da
organização ou da existência de uma relação jurídica base, mas por razões d e
facilitação de acesso à justiça, pela priorização da eficiência e da
economia processuais. (Resp 1.774.637/SP, 3ª Turma, pendente de publicação).
Ressalte-se, por fim, ser desnecessário, para a revisão dessa
orientação, a observância de procedimento específico, haja vista que o único
entendimento fixado sob o rito dos repetitivos pela e. Segunda Seção é o de que “no âmbito do Direito Privado, é de cinco anos o prazo prescricional para
ajuizamento da execução individual em pedido de cumprimento de
sentença proferida em Ação Civil Pública” (REsp 1273643/PR, Segunda Seção, DJe
04/04/2013), não havendo, assim, tese repetitiva sobre prazo para ajuizamento de
ação coletiva de consumo de conhecimento.
3. DA PRESCRIÇÃO E DA TEORIA DA ACTIO NATA NA FEIÇÃO SUBJETIVA
O Código Civil de 1916 ainda não albergava os avanços da moderna
ciência processual, assinalando, em seu art. 177, que a prescrição estaria
relacionada às “ações pessoais”, adotando, assim, a teoria imanentista da ação,
segundo a qual o direito de ação era indissociavelmente ligado ao direito material.
A Súmula 150/STF, de igual maneira, adotava a teoria imanentista, ao consignar
que “prescreve a execução no mesmo prazo de prescrição da ação” (sem
destaque no original).
O atual Código Civil adequou-se, todavia, à atual teoria do direito
subjetivo público e abstrato de ação, passando a prever, em seu art. 189, que “violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue,
pela prescrição” (sem destaque no original).
Como se vê, a perspectiva normativa foi modificada, haja vista no
CC/16 ser feita referência à ação do tempo sobre as “ações pessoais”, ao passo
que o CC/02 faz menção à prescrição da pretensão.
Com efeito, a doutrina ressalta no ponto que “o novo Código Civil
brasileiro esposou o entendimento antes consagrado pelo direito alemão, no
sentido de conectar a ideia de prescrição ao fenômeno da pretensão, ou da
'Anspruch', na linguagem tedesca” (Theodoro Júnior, Humberto. Prescrição: ação,
exceção e pretensão. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil, Porto
Alegre, v. 9, n. 51, p. 22-39, nov./dez. 2012).
Trata-se, pois, de um notável refinamento conceitual.
Nesse contexto, a prescrição gera a extinção da pretensão e se
relaciona unicamente à pretensão e, assim, a esse específico aspecto do
direito material violado, haja vista que o direito subjetivo material em si quanto
o direito subjetivo processual de ação permanecem incólumes.
De fato, a prescrição fulmina a pretensão, mantendo a existência do
direito subjetivo material, mas sem proteção jurídica para solucioná-lo. Tanto isso
é verdade que uma dívida prescrita pode ser paga, apesar de não poder ser exigida,
e, sendo paga, não caberá a ação de repetição de indébito, conforme previsão
expressa do art. 882 do CC/02.
Diante desses esclarecimentos, “a prescrição pode ser conceituada
como a perda da pretensão pelo seu não exercício em determinado lapso
temporal, estando relacionada a direitos subjetivos de cunho patrimonial”
(TARTUCE, Flávio. Direito Civil. Prescrição. Conceito e princípios regentes. Início do
prazo e teoria da Actio Nata, em sua feição subjetiva. Eventos continuados ou
sucessivos que geram o enriquecimento sem causa. Lucro da atribuição. Termo a
quo contado da ciência do último ato lesivo. Análise de julgado do Superior
Tribunal de Justiça e relação com eventos descritos. Revista Magister de Direito
Civil e Processual Civil, Porto Alegre, v. 12, n. 70, p. 98-126, jan./fev. 2016).
3.1. Da Teoria da actio nata
A Teoria da actio nata tem intrínseca relação com a distinção, no
campo material, entre o direito subjetivo e a pretensão, haja vista ter como pedra
fundamental o momento da exigibilidade da prestação – ou seja, a pretensão – para marcar o termo inicial da fluência do prazo prescricional.
Realmente, segundo referida teoria, o prazo prescricional somente
pode iniciar seu curso a partir do momento em que a prestação se torne exigível,
com a violação do direito subjetivo.
Desse modo, como afirmado por esta e. Terceira Turma, “o prazo
prescricional subordina-se ao princípio da actio nata: o prazo tem início a
partir da data em que a credora pode demandar [...] a satisfação do direito”, razão pela qual “antes que exista uma pretensão exercitável, não
pode correr a prescrição” (REsp 949.434/MT, Terceira Turma, DJe 10/06/2010,
sem destaque no original).
De igual forma, a Quarta Turma pontua que “o termo inicial da
contagem dos prazos de prescrição encontra-se na lesão ao direito, da qual
decorre o nascimento da pretensão, que traz em seu bojo a possibilidade de
exigência do direito subjetivo violado” (AgInt no REsp 1388503/RJ, Quarta Turma,
DJe 18/02/2019, sem destaque no original).
3.1. Da vertente subjetiva da teoria da actio nata
Embora, em regra, o início do prazo prescricional tenha início com o
nascimento da pretensão – ou seja, com a exigibilidade da prestação –, a vertente
subjetiva da teoria da actio nata ensina que a contagem do prazo prescricional
exige a efetiva inércia do titular do direito, a qual somente se verifica diante
da inexistência de óbices ao exercício da pretensão e a partir do momento em que
o titular tem ciência inequívoca do dano, de sua extensão, e da autoria da lesão.
Elaborando a ideia de “pretensão exercitável”, a doutrina salienta,
quanto ao tema, que “não basta surgir a ação (actio nata), mas é necessário o
conhecimento do fato” e que “trata-se de situação excepcional, pela qual o
início do prazo, de acordo com a exigência legal, só se dá quando a parte
tenha conhecimento do ato ou fato do qual decorre o seu direito de
exigir”, de modo que “não basta assim, que o ato ou fato violador do direito
exista para que surja para ela [a pretensão]” (SIMÃO, José Fernando. Tempo e
Direito Civil. Prescrição e Decadência. São Paulo: USP 2011, p. 268, sem destaque
no original).
Assim, conforme reconheceu esta e. 3ª Turma, adotando o escólio de CÂMARA LEAL (Da Prescrição e da Decadência. 4ª Edição. Editora Forense. Rio de
Janeiro. 1982. p. 20-24), são quatro as condições para o início do prazo
prescricional “a) existência de uma ação exercitável; b) inércia do titular da
ação pelo seu não-exercício; c) continuidade dessa inércia durante um certo
lapso de tempo; d) ausência de causas preclusivas de seu curso” (REsp
1.347.715/RJ, Terceira Turma, DJe 04/12/2014, sem destaque no original).
A aplicação da teoria da actio nata em sua vertente subjetiva – e a contagem do prazo a partir do momento em que o titular tem o total
conhecimento dos fatores que compõe a lesão e o dano – é, contudo,
excepcional.
Com efeito, segundo a jurisprudência desta 3ª Turma, “admite-se a
aplicação da chamada teoria da actio nata em seu viés subjetivo que, em
síntese, confere ao conhecimento da lesão pelo titular do direito subjetivo
violado a natureza de pressuposto indispensável para o início do prazo
de prescrição”, mas “essa teoria tem sido aplicada por esta Corte em casos de
ilícitos extracontratuais nos quais a vítima não tem como conhecer a
lesão a sua esfera jurídica no momento em que ocorrida” (REsp
1711581/PR, Terceira Turma, DJe 25/06/2018, sem destaque no original). No
mesmo sentido: REsp 1.645.746/BA, Terceira Turma, DJe 10/08/2017; e REsp
1354348/RS, Quarta Turma, DJe 16/9/2014.
4. DO INQUÉRITO CIVIL
O inquérito civil, inscrito pelo art. 129, III, da CF/88 entre as funções
institucionais do Ministério Público, é “uma investigação administrativa [...]
destinada basicamente a colher elementos de convicção para eventual
propositura de ação civil pública”, sobretudo para “determinar a materialidade e a autoria de fatos que possam ensejar o ajuizamento de processo coletivo”
(MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. 28ª ed., São Paulo:
Saraiva, 2015, p.511, sem destaque no original).
Ainda que não se trate de procedimento marcado pelo formalismo, é
imprescindível a presença de justa causa para a investigação, de modo que “pressuposto material ou substancial para sua instauração é a notícia da
existência de fatos ou situação determinada, que, ao menos em tese [...] sejam
aptos a justificar a propositura de determinada demanda coletiva, se comprovados
indiciariamente” (LEONEL, Ricardo de Barros. Manual do Processo Coletivo, 2ª ed.,
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 340)
Nos termos da jurisprudência desta Corte, “o inquérito civil,
promovido para apurar indícios que passam dar sustentação a uma eventual ação
civil pública, funciona como espécie de produção antecipada de prova, a fim de
que não ingresse o autor da ação civil em demanda por denúncia
infundada, o que levaria ao manejo de lides com caráter temerário” e que tem,
pois, “por escopo viabilizar o ajuizamento da ação civil pública” (REsp
1101949/DF, Quarta Turma, DJe 30/05/2016, sem destaque no original).
Todavia, se o Ministério Público entender já possuir elementos
suficientes para dar suporte a sua atuação, pode, desde logo, ajuizar a ação coletiva
de consumo, pois “a instauração de Inquérito Civil não é obrigatória para a
propositura de Ação Civil Pública” (AgRg no REsp 1225110/RS, Primeira
Turma, DJe 15/10/2015, sem destaque no original).
5. DA HIPÓTESE DOS AUTOS
Na hipótese em exame, o Ministério Público recebeu denúncia sobre
suposta prática de publicidade abusiva relacionada ao produto Suplan Mistura em 08/07/2003.
Como consignado no acórdão recorrido, “diante disso, em 15.07.2003
foi instaurado inquérito civil (fl. 19) para a devida apuração, com conclusão em
29.07.2008 (fl. 274) e, entendendo o Parquet, nessa ocasião, caracterizada a
veiculação de propaganda enganosa pelo investigado, em 27.11.2009 o órgão
ministerial competente aforou a ação civil pública” (e-STJ, fl. 655).
O Tribunal a quo concluiu que “apenas ao final das investigações
sobre a legalidade ou não da propaganda veiculada pelo Sr. José Brito da Cunha
Neto, o Ministério Público se convenceu da sua natureza enganosa em razão do
produto, cuja produção é de responsabilidade da apelante” (e-STJ, fl. 655), razão
pela qual a preliminar de prescrição foi rejeitada.
A pretensão do recorrente, de que fosse reconhecido que o
Ministério Público possuiria, desde o pedido de abertura de inquérito civil, em
08/07/2003, todas as informações necessárias para o ajuizamento de ação coletiva
de consumo, esbarra, portanto, no óbice da Súmula 7/STJ, haja vista a revisão das
conclusões da Corte de origem no ponto demandar o reexame de fatos e provas.
Assim, a aspiração do reconhecimento da prescrição da ação coletiva
como um todo não encontra respaldo na legislação de regência e na jurisprudência
desta Corte, pois, como demonstrado a) não há prazo de natureza processual para
o ajuizamento de ação coletiva de consumo ou para a utilização de seu rito
especial, não sendo possível a aplicação analógica do prazo do art. 21 da Lei
4.717/65; e, mesmo que houvesse, b) o termo inicial do prazo prescricional,
relacionado às pretensões ligadas a ilícitos extracontratuais – como o que foi
verificado na hipótese dos autos, consistente em propaganda abusiva e venda de
produto sem registro na ANVISA – somente é contabilizado a partir do efetivo
conhecimento de todos os elementos da lesão, do dano e de sua extensão, nos termos da teoria da actio nata, em sua vertente subjetiva.
Assim, não merece reforma o acórdão recorrido no ponto.
6. CONCLUSÃO
Forte nessas razões, NEGO PROVIMENTO ao presente recurso
especial.