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1 de maio de 2021

Cabe mandado de injunção em face da ausência de fixação do valor da renda básica de cidadania, instituída pela Lei 10.835/2004, cuja omissão é atribuída ao Presidente da República.

DIREITO CONSTITUCIONAL – ORDEM SOCIAL

DIREITO CONSTITUCIONAL – PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS; DIREITOS SOCIAIS

 

Programa Renda Básica de Cidadania e combate à pobreza - MI 7300/DF 

 

Resumo:

Cabe mandado de injunção em face da ausência de fixação do valor da renda básica de cidadania, instituída pela Lei 10.835/2004, cuja omissão é atribuída ao Presidente da República.

A ausência de fixação do valor é forma de esvaziar o mandamento constitucional de combate à pobreza, além de fazer letra morta ao disposto no referido diploma legal. Compete ao Supremo Tribunal Federal (STF) processar e julgar mandado de injunção quando a elaboração da norma regulamentadora for atribuição do Presidente da República [Constituição Federal (CF), art. 102, I, q].

A falta de norma disciplinadora dá ensejo ao conhecimento do mandado de injunção apenas quanto à implementação do referido benefício assistencial para pessoas em situação de vulnerabilidade socioeconômica.

Um dos objetivos da República brasileira é “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais” (CF, art. 3º, III), cuja determinação é repassada a todos os níveis da Federação [CF, art. 23, X (1)], com auxílio da sociedade. Na forma da CF e do ordenamento jurídico, a assistência aos desamparados é direito social básico [CF, art. 6º (2)].

Com a Lei 10.835/2004, adveio uma das formas de concretização do mandamento constitucional. Contudo, não se considera que decorra omissão inconstitucional para as demais hipóteses previstas na lei “não importando sua condição socioeconômica” [art. 1º, caput (3)]. O Estado não pode ser segurador universal e distribuir renda a todos os brasileiros, independentemente de critério socioeconômico. Na CF, não há qualquer determinação de atuação estatal nesse sentido.

Constata-se existir proteção insuficiente de combate à pobreza, a recomendar a correção de rumos.

Não se desconhece que a Lei 10.836/2004 estabeleceu o Programa Bolsa Família como um conjunto de “ações de transferência de renda com condicionalidade” e que, dentre seus objetivos básicos, está o de “combater a pobreza” (Decreto 5.209/2004, art. 5º, IV). Entretanto, há tutela insuficiente quanto ao combate à pobreza e à extrema pobreza. A respeito, registra-se que os direitos fundamentais também podem ser traduzidos como proibições de proteção insuficiente ou imperativos de tutela.

Conforme o Decreto 5.209/2004, caracteriza-se renda familiar mensal em situação de pobreza e de extrema pobreza o valor per capita de até R$ 178,00 (cento e setenta e oito reais) e de até R$ 89,00 (oitenta e nove reais), respectivamente (Decreto 5.209/2004). Nas atualizações ao longo do tempo, houve indiretamente diminuição real do valor limite para fins de enquadramento na linha de corte. Milhões de pessoas foram excluídas dele, embora estivessem abaixo da linha da pobreza, segundo critérios socioeconômicos mundiais. Como se não fosse o bastante, houve perda significativa do poder de compra em si dos benefícios — básico e variáveis — concedidos.

Diante de distorções verificadas, é caso de fazer-se apelo aos Poderes Legislativo e Executivo a fim de que reformulem os programas sociais de transferência de renda em vigor e atualizem as quantias do Programa Bolsa Família.

Presente estado de mora inconstitucional, deve ser fixado o valor da renda básica de cidadania para o estrato da população brasileira em condição de vulnerabilidade socioeconômica — pobreza e extrema pobreza — a ser efetivado, pelo Presidente da República, no exercício fiscal seguinte ao da conclusão do julgamento de mérito (2022).

A inércia do Poder Executivo em implementar a renda básica ocasiona efeitos deletérios ao sistema de proteção social instituído pela CF. Não obstante a clareza da determinação legal, passados mais de dezessete anos da promulgação da Lei 10.835/2004, o Programa Renda Básica de Cidadania remanesce desprovido de qualquer regulamentação. Programas sociais de transferência de renda servem, fundamentalmente, para reduzir o fosso de desigualdade. A lacuna deve ser colmatada com o objetivo de atender à camada da população que necessita do auxílio estatal e não possui meios de autossubsistência.

A atuação do STF foi voltada à realidade econômica e social, na quadra atual vivenciada e agravada pelas consequências da pandemia do novo coronavírus (Covid-19). No mais, a essencialidade do sistema de proteção social não afasta o dever de consideração das possibilidades materiais e financeiras do Estado. Agrega-se a isso que o diploma legislativo impõe a necessidade de observância das condições econômicas do País e da Lei de Responsabilidade Fiscal. É preciso reconhecer que, em determinados casos, a implementação de políticas públicas unilateralmente pelo Poder Judiciário, em substituição ao crivo político dos representantes eleitos, pode conduzir a um estado de coisas ainda mais inconstitucional que a falta de norma regulamentadora. Evidentemente, eventual concessão da tutela invocada pelo impetrante, mediante fixação arbitrária dos valores da renda básica de cidadania e dos critérios de elegibilidade das primeiras etapas, fatalmente levaria ao desarranjo das contas públicas e, no limite, à desordem do sistema de proteção social brasileiro.

Afinal, a fixação de prazo razoável para a elaboração da norma regulamentadora encontra amparo na legislação do mandado de injunção e se revela providência capaz de realizar a vocação constitucional do writ e de preservar as bases da democracia representativa. Com a determinação do prazo estabelecido, objetiva-se preservar o exercício fiscal em andamento.

Na espécie, trata-se de ação constitucional em que requerida a colmatação de omissão administrativa do Poder Executivo federal em implementar renda básica de cidadania instituída pela Lei 10.835/2004, consistente, em suma, no pagamento de benefício de igual valor a todos brasileiros residentes no País e estrangeiros residentes há pelo menos cinco anos, independentemente da condição socioeconômica. Dentre outros pedidos, foi postulado o deferimento da renda básica ao autor, adotando-se como valor o montante de, ao menos, um salário mínimo mensal ou, subsidiariamente, meio salário, enquanto não suprida a lacuna.

O Plenário, por maioria, concedeu parcialmente a ordem em mandado de injunção, para: (i) determinar ao Presidente da República que, nos termos do art. 8º, I, da Lei 13.300/2016 (4), implemente, no exercício fiscal seguinte ao da conclusão do julgamento do mérito (2022), a fixação do valor disposto no art. 2º da Lei 10.835/2004 (5) para o estrato da população brasileira em situação de vulnerabilidade socioeconômica (extrema pobreza e pobreza — renda per capita inferior a R$ 89,00 e R$ 178,00, respectivamente — Decreto 5.209/2004), devendo adotar todas as medidas legais cabíveis, inclusive alterando o Plano Plurianual, além de previsão na Lei de Diretrizes Orçamentárias e na Lei Orçamentária Anual de 2022; e (ii) realizar apelo aos Poderes Legislativo e Executivo para que adotem as medidas administrativas e/ou legislativas necessárias à atualização dos valores dos benefícios básico e variáveis do Programa Bolsa Família (Lei 10.836/2004), isolada ou conjuntamente, e, ainda, para que aprimorem os programas sociais de transferência de renda atualmente em vigor, mormente a Lei 10.835/2004, unificando-os, se possível. Vencidos os ministros Marco Aurélio (relator), Edson Fachin, Rosa Weber e Ricardo Lewandowski.

(1) CF/1988: “Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: (...) X – combater as causas da pobreza e os fatores de marginalização, promovendo a integração social dos setores desfavorecidos;”

(2) CF/1988: “Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.”

(3) Lei 10.835/2004: “Art. 1º É instituída, a partir de 2005, a renda básica de cidadania, que se constituirá no direito de todos os brasileiros residentes no País e estrangeiros residentes há pelo menos 5 (cinco) anos no Brasil, não importando sua condição socioeconômica, receberem, anualmente, um benefício monetário.”

(4) Lei 13.300/2016: “Art. 8º Reconhecido o estado de mora legislativa, será deferida a injunção para: I – determinar prazo razoável para que o impetrado promova a edição da norma regulamentadora;”

(5) Lei 10.835/2004: “Art. 2º Caberá ao Poder Executivo definir o valor do benefício, em estrita observância ao disposto nos arts. 16 e 17 da Lei Complementar 101, de 4 de maio de 2000 – Lei de Responsabilidade Fiscal.”

MI 7300/DF, relator Min. Marco Aurélio, redator do acórdão Min. Gilmar Mendes, julgamento virtual finalizado em 26.4.2021 (segunda-feira), às 23:59

11 de abril de 2021

DIREITO CONSTITUCIONAL – CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE: A arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) é instrumento eficaz de controle da inconstitucionalidade por omissão

 DIREITO CONSTITUCIONAL – CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

 

Ministério Público junto ao Tribunal de Contas Municipal e princípio da simetria - ADPF 272/DF 

 

Resumo:

 

A arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) é instrumento eficaz de controle da inconstitucionalidade por omissão (1).

Com efeito, a ADPF pode ter por objeto as omissões do poder público, quer totais ou parciais, normativas ou não normativas, nas mesmas circunstâncias em que ela é cabível contra os atos em geral do poder público, desde que essas omissões se afigurem lesivas a preceito fundamental, a ponto de obstar a efetividade de norma constitucional que o consagra.

O preceito veiculado pelo art. 75 da Constituição Federal (CF) (2) aplica-se, no que couber, à organização, composição e fiscalização dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal e dos Tribunais e Conselhos de Contas dos Municípios, excetuando-se ao princípio da simetria os Tribunais de Contas do Município (3).

De fato, a Constituição da República de 1988 manteve em funcionamento os Tribunais de Contas do Município existentes na data da sua promulgação (Tribunal de Contas do Município de São Paulo e do Rio de Janeiro), vedando a criação de novos Tribunais de Contas municipais, nos termos do § 4º do seu art. 31 (4). A existência especial de dois Tribunais de Contas municipais, absorvidos pela CF/1988, consagram o caráter sui generis e excepcional desses órgãos de controle remanescentes do modelo antes vigente.

Os Tribunais de Contas do Município — órgãos autônomos e independentes, com atuação circunscrita à esfera municipal, compostos por servidores municipais, com a função de auxiliar a Câmara Municipal no controle externo da fiscalização financeira e orçamentária do respectivo Município —, distinguem-se, portanto, dos Tribunais de Contas dos Municípios — órgãos estaduais, cuja área de abrangência coincide com o território do estado ao qual vinculados.

Inexiste paralelismo entre o modelo federal estabelecido ao Tribunal de Contas da União e o do Tribunal de Contas do Município, sendo essa mais uma das assimetrias constitucionais entre os entes federados, como, por exemplo, a ausência de Poder Judiciário, Ministério Público e Polícia Militar na esfera municipal. Ausente a instituição no plano municipal, não há o que se instituir, menos ainda sob o argumento de ausência de simetria do que se tem no estado e na União sobre o Ministério Público. Dessa forma, no caso, não é obrigatória a instituição e regulamentação do Ministério Público especial junto ao Tribunal de Contas do Município de São Paulo (5).

Com base nesse entendimento, o Plenário, por unanimidade, conheceu de ADPF e julgou improcedente o pedido nela formulado, por não vislumbrar omissão da Câmara de Vereadores e do Tribunal de Contas do Município de São Paulo na criação do Ministério Público especial junto ao Tribunal de Contas Municipal.

(1) Precedentes citados: ADPF 237 AgR/SC, relator Min. Celso de Mello (DJe de 30.10.2014); ADPF 109/SP, relator Min. Edson Fachin (DJe de 1.2.2019); ADPF 4/DF, relatora Min. Ellen Gracie (DJ de 1.8.2000), ADPF 45/DF, relator Min. Celso de Mello (DJ de 4.5.2004).

(2) CF: “Art. 75. As normas estabelecidas nesta seção aplicam-se, no que couber, à organização, composição e fiscalização dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, bem como dos Tribunais e Conselhos de Contas dos Municípios.”

(3) Precedentes citados: ADI 346/SP, relator Min. Gilmar Mendes (DJe de 2.10.2020); ADI 154/RJ, relator Min. Octavio Gallotti (DJ de 11.10.1991); ADI 789/DF, relator Min. Celso de Mello (DJ de 19.12.1994); ADI 3.315/CE, relator Min. Ricardo Lewandowski (DJe de 11.4.2008);  ADI 2.884/RJ, relator Min. Celso de Mello (DJ de 20.5.2005); ADI 4.416/PA, relator Min. Edson Fachin (DJe de 9.9.2019); ADI 3.307/MT, relatora Min. Cármen Lúcia (DJe de 29.5.2009); ADI 3.276/CE, relator Min. Eros Grau (DJe de 1.2.2008).

(4) CF: “Art. 31. A fiscalização do Município será exercida pelo Poder Legislativo Municipal, mediante controle externo, e pelos sistemas de controle interno do Poder Executivo Municipal, na forma da lei. (...) § 4º É vedada a criação de Tribunais, Conselhos ou órgãos de Contas Municipais.”

(5) Precedente citado: ADI 4.776/SP, relator Min. Gilmar Mendes (DJe de 2.10.2020).

ADPF 272/DF, relatora Min. Cármen Lúcia, julgamento em 25.3.2021