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5 de abril de 2022

É cabível a homologação pelo juízo do plano de recuperação judicial rejeitado pelos credores em assembleia (cram down), cumpridos os requisitos legais previstos no art. 58 da Lei n. 11.101/2005

Processo

REsp 1.788.216-PR, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 22/03/2022.

Ramo do Direito

DIREITO EMPRESARIAL, RECUPERAÇÃO JUDICIAL

  • Paz, Justiça e Instituições Eficazes
Tema

Recuperação judicial. Assembleia geral de credores. Rejeição do plano. Declaração de falência. Inocorrência. Faculdade do juiz. Cram down. Cabimento. Art. 58 da Lei n. 11.101/2005. Período anterior à Lei n. 14.112/2020.

 

DESTAQUE

É cabível a homologação pelo juízo do plano de recuperação judicial rejeitado pelos credores em assembleia (cram down), cumpridos os requisitos legais previstos no art. 58 da Lei n. 11.101/2005.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Registra-se, inicialmente, que as normas analisadas e as suas redações são aquelas vigentes quando da prolação do acórdão recorrido, ou seja, antes da entrada em vigor da Lei n. 14.112/2020.

A legislação de regência, mediante o enunciado normativo do art. 58, §1º, da Lei n. 11.101/2005, permitiu que o juiz, inobstante a rejeição pela assembleia geral de credores do plano de recuperação proposto, concedesse a recuperação, deixando, assim, de declarar a falência da sociedade empresária.

Referido instituto tem a sua nomenclatura importada do direito americano, denominando-se cram down.

A doutrina esclarece didaticamente as peculiaridades do instituto. Assim, "terá o juiz, no entanto, a faculdade de impor a aceitação de um plano não aprovado pelos credores, desde que os demais requisitos tenham sido atendidos e seja 'fair and equitable' (justo e equitativo) em relação a cada uma das classes que o tiverem rejeitado. O plano deve obedecer à regra 'in the best interest of creditors'(no melhor interesse dos credores), ou seja, deve proporcionar-lhes pelo menos o que lhes caberia na hipótese de liquidação (falência) da empresa. Ao juiz competirá homologar (confirm) o plano".

O objetivo do plano de recuperação não é outro senão alcançar aos credores, que agora decidem os rumos da empresa em precária situação econômico-financeira, ferramenta para alterar amplamente as obrigações, novando as dívidas de que são titulares, pelo que submetem a minoria à vontade da maioria, tendo em vista o propósito maior de superação da crise.

Assim, não se pode pretender que o prazo de solvabilidade esteja amarrado ao prazo de fiscalização pelo juízo dentro da recuperação de judicial, até mesmo porque tal conclusão não fora expressada pelo legislador, que deixou ao alvedrio dos contratantes, quando da celebração do plano, o estabelecimento das regras que lhe são pertinentes.

A Assembleia é soberana para a aprovação do plano que se mantenha dentro da legalidade e dos princípios gerais de direito e, no que concerne, não há empecilho legal à previsão de carência assíncrona à fiscalização judicial do juízo da recuperação.

O plano de recuperação é um negócio jurídico celebrado entre o devedor e os credores (a maioria deles, pelo menos), tendo convolado vontades de ambas as partes no sentido de estender carências.

Por outro lado, não houve um total e irrestrito estabelecimento de carências para após o prazo de fiscalização.

O que se quer, afinal, dizer é que, primeiro, não se pode pretender que a liberdade contratual - que deve sobrelevar entre credores e devedor no estabelecimento de uma reengenharia dos débitos para o alcance do propósito final da recuperação judicial - possa estar vinculada inexoravelmente ao biênio de fiscalização legalmente previsto.

Por outro lado, mesmo que adotada a premissa de que a fiscalização iniciasse apenas quando do início dos pagamentos, ainda assim, a amortização remanesceria por multifários meses sem a referida fiscalização.

A alteração por que passara a Lei n. 11.101/2005, mediante a Lei n. 14.112/2020, evidencia o propósito que era latente do legislador de 2005, no sentido de que o biênio fiscalizatório não possui sincronicidade com o início do pagamento.

A atual redação do art. 61 estabeleceu que aprovado o plano "o juiz poderá determinar a manutenção do devedor em recuperação judicial até que sejam cumpridas todas as obrigações previstas no plano que vencerem até, no máximo, 2 (dois) anos depois da concessão da recuperação judicial, independentemente do eventual período de carência."

Por derradeiro, não se pode fazer tábula rasa do que disposto no art. 62 da Lei n. 11.101/2005, que previra, mesmo ao final do biênio da recuperação concedida, o dever de cumprimento das obrigações traçadas no plano, pois, ocorrido o inadimplemento, o credor poderá ajuizar ação de execução de título judicial ou requerer a falência da sociedade por impontualidade. Esta a sua redação, que há de ser lida conjuntamente à norma do art. 94, III, "g" da Lei n. 11.101/2005.



16 de fevereiro de 2022

A cessão fiduciária de título de crédito não se submete à recuperação judicial, independentemente de registro em cartório

 STJ. 2ª Seção. REsp 1.629.470-MS, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 30/11/2021 (Info 721)

A cessão fiduciária de título de crédito não se submete à recuperação judicial, independentemente de registro em cartório

Caso Julgado

empresa recebeu mútuo bancário

empresa cedeu ao banco títulos e direitos que ela possuía para receber (operações de desconto de recebíveis de cartões de crédito)

empresa tinha valores para receber no futuro (daqui a alguns dias, meses ou anos) de alguns devedores e cedeu fiduciariamente tais créditos para o banco

Sendo pago o empréstimo, o banco “devolveria” os créditos

caso se tornasse inadimplente, o banco se tornaria, em definitivo, proprietário dos valores

Alguns meses após a assinatura desse contrato, a referida empresa entrou em recuperação judicial

Estes créditos cedidos ao banco fiduciariamente como garantia da dívida não deverão entrar na recuperação judicial

se enquadram na exceção à regra do caput do art. 49, nos termos do § 3º do mesmo artigo

Não é necessário que a cessão de crédito realizada tenha sido registrada em cartório

A cessão fiduciária de título de crédito não depende de registro em RTD para ser constituída, não se lhe aplicando a regra do art. §1º do art. 1.361 do CC, regente da cessão fiduciária de coisa móvel infungível

Recuperação judicial

recuperação judicial surgiu para substituir a antiga “concordata”

objetivo de viabilizar a superação da situação de crise do devedor

Finalidade de permitir que a atividade empresária se mantenha e, com isso, sejam preservados os empregos dos trabalhadores e os interesses dos credores

Consiste em um processo judicial, no qual será construído e executado um plano com o objetivo de recuperar a empresa que está em vias de efetivamente ir à falência

Plano de recuperação

Em até 60 dias após o despacho de processamento da recuperação judicial

devedor deverá apresentar em juízo um plano de recuperação da empresa

sob pena de convolação (conversão) do processo de recuperação em falência

plano deve conter

discriminação pormenorizada dos meios de recuperação a serem empregados (art. 50);

demonstração de sua viabilidade econômica; e

laudo econômico-financeiro e laudo de avaliação dos bens e ativos do devedor, subscrito por profissional legalmente habilitado ou empresa especializada

créditos sujeitos à recuperação judicial

Na recuperação judicial, a empresa devedora, que está “sufocada” por dívidas

irá pagar os seus credores de uma forma mais “suave”

para que consiga quitar todos os débitos e se manter funcionando

credores da empresa em recuperação judicial são inscritos no “quadro geral de credores”

Cada um receberá seu crédito de acordo com o que for definido no plano de recuperação

Definir quais créditos / credores terão que receber seus créditos conforme o plano de recuperação

Regra

estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido de recuperação judicial, ainda que não vencidos

art. 49, caput, da Lei nº 11.101/2005

em regra, as ações e execuções que tramitam contra a empresa em recuperação são suspensas para poder não atrapalhar a execução do plano (art. 6º, LRF)

Exceções

art. 49, §§ 3º e 4º, da Lei nº 11.101/2005

determinados créditos que não se sujeitam aos efeitos da recuperação judicial.

Art. 49, § 3º, LRF: “Tratando-se de credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou de proprietário em contrato de venda com reserva de domínio, seu crédito não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, observada a legislação respectiva, não se permitindo, contudo, durante o prazo de suspensão a que se refere o § 4º do art. 6º desta Lei, a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais a sua atividade empresarial”.

créditos cedidos ao banco fiduciariamente como garantia da dívida não deverão entrar na recuperação judicial, ou seja, estarão excluídos das regras da recuperação judicial

propriedade fiduciária

alienação fiduciária de coisa fungíve

cessão fiduciária de direitos sobre coisas móveis

cessão fiduciária de títulos de créditos

não se sujeitam aos efeitos da recuperação judicial (art. 49, §3º, LRF)

não precisa de registrado no cartório do Registro de Títulos e Documentos (CRD)

alienação fiduciária bens móveis fungíveis, credor fiduciário instituição financeira: art. 66-B, Lei 4728/65

A lei não prevê o registro como requisito para essa garantia

direitos cedidos fiduciariamente

integram patrimônio credor fiduciário e não empresa em recuperação

não se enquadram como bens de capital essenciais à atividade empresarial

10 de fevereiro de 2022

Em se tratando de crédito trabalhista por equiparação (honorários advocatícios de alta monta), é possível a aplicação do limite previsto no art. 83, I, da Lei nº 11.101/2005 por deliberação da Assembleia Geral de Credores, desde que devido e expressamente previsto no plano de recuperação judicial

 STJ. 4ª Turma. REsp 1.812.143-MT, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 09/11/2021 (Info 718).

Em se tratando de crédito trabalhista por equiparação (honorários advocatícios de alta monta), é possível a aplicação do limite previsto no art. 83, I, da Lei nº 11.101/2005 por deliberação da Assembleia Geral de Credores, desde que devido e expressamente previsto no plano de recuperação judicial.

Art. 83, Lei nº 11.101/2005: “A classificação dos créditos na falência obedece à seguinte ordem:

I - os créditos derivados da legislação trabalhista, limitados a 150 (cento e cinquenta) salários-mínimos por credor, e aqueles decorrentes de acidentes de trabalho”;

créditos de honorários advocatícios

classificados como créditos trabalhistas

STJ. Corte Especial. REsp 1152218-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 7/5/2014 (Recurso Repetitivo - Tema 637) (Info 540): “Os créditos resultantes de honorários advocatícios têm natureza alimentar e equiparam-se aos trabalhistas para efeito de habilitação em falência, seja pela regência do Decreto-Lei n. 7.661/1945, seja pela forma prevista na Lei n. 11.101/2005, observado, neste último caso, o limite de valor previsto no artigo 83, inciso I, do referido Diploma legal”

É possível a aplicação do art. 83, I, da Lei nº 11.101/2005 para a recuperação judicial, mas sua aplicação não é automática, pois a forma de pagamento dos créditos é estabelecida consensualmente pelos credores e pela recuperanda no plano de recuperação judicial.

Em se tratando de verbas honorárias de quantia elevada (crédito trabalhista por equiparação), o STJ tem admitido a estipulação forma diferenciada pagamento pela deliberação consensual Assemb. Geral Credores

Permitido à Assembleia Geral de Credores - AGC, em determinados créditos e situações específicas, a liberdade de negociar prazos de pagamentos, diretriz, inclusive, que serve de referência à elaboração do plano de recuperação judicial da empresa.

é possível, por deliberação da AGC, a aplicação do limite previsto no art. 83, I, da Lei nº 11.101/2005 às empresas em recuperação judicial, desde que devida e expressamente previsto pelo plano de recuperação judicial, instrumento adequado para dispor sobre forma de pagamento das dívidas da empresa em soerguimento (princípio da preservação da empresa).

A preferência legal conferida à classe dos empregados e equiparados justifica-se pela necessidade de se privilegiar aqueles credores que se encontram em situação de maior debilidade econômica e possuem como fonte de sobrevivência, basicamente, a sua força de trabalho, devendo-se, por isso, abarcar o maior número de pessoas que se encontrem em tal situação.

STJ. 4ª Turma. AgInt no REsp 1924178/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 14/09/2021: “Possibilidade de estabelecer o limite previsto no art. 83, I, da Lei n. 11.101/2005 às empresas em recuperação judicial, mas desde que devidamente previsto pelo respectivo Plano, instrumento adequado para dispor sobre forma de pagamento dos créditos”.

4 de janeiro de 2022

Em se tratando de crédito trabalhista por equiparação (honorários advocatícios de alta monta), é possível a aplicação do limite previsto no art. 83, I, da Lei n. 11.101/2005 por deliberação da Assembleia Geral de Credores, desde que devido e expressamente previsto no plano de recuperação judicial

Processo

REsp 1.812.143-MT, Rel. Min. Marco Buzzi, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 09/11/2021, DJe 17/11/2021.

Ramo do Direito

DIREITO EMPRESARIAL, DIREITO FALIMENTAR

  • Paz, Justiça e Instituições Eficazes
Tema

Recuperação judicial. Honorários advocatícios. Crédito trabalhista por equiparação. Limitação de pagamento. Possibilidade. Art. 83, I, da Lei n. 11.101/2005. Assembleia Geral de Credores. Previsão no plano. Necessidade.

 

DESTAQUE

Em se tratando de crédito trabalhista por equiparação (honorários advocatícios de alta monta), é possível a aplicação do limite previsto no art. 83, I, da Lei n. 11.101/2005 por deliberação da Assembleia Geral de Credores, desde que devido e expressamente previsto no plano de recuperação judicial.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

O Superior Tribunal de Justiça possui jurisprudência firmada no sentido de que não há aplicação automática do limite previsto no art. 83, I, da Lei n. 11.101/2005 às empresas em recuperação judicial, pois a forma de pagamento dos créditos é estabelecida consensualmente pelos credores e pela recuperanda no plano de recuperação judicial.

É permitido, portanto, à Assembleia Geral de Credores, dentro dos limites de sua autonomia de deliberação participativa, negociar prazos de pagamentos, diretriz, inclusive, que serve de referência à elaboração do plano de recuperação judicial da empresa.

Todavia, a consensualidade não é absoluta, pois também é certo que os créditos essencialmente trabalhistas, entendidos como aqueles que estão ligados à subsistência dos empregados, gozam de tratamento diferenciado na Lei n. 11.101/2005, mormente quanto ao reconhecimento de seu privilégio de pagamento preferencialmente aos demais (art. 83 da LRF). Isso porque, como restou asseverado no julgamento do REsp 1.924.164/SP, "tal privilégio encontra justificativa por incidir sobre verba de natureza alimentar, titularizada por quem goza de proteção jurídica especial em virtude de sua maior vulnerabilidade".

O caso em exame apresenta, entretanto, uma particularidade importante que não pode deixar de ser consignada: trata-se de crédito de honorários advocatícios de alta monta, ou seja: verba trabalhista por equiparação (Tema Repetitivo 637 do STJ).

Cumpre destacar que a presente distinção é capaz de lançar novas luzes sobre a questão ora controvertida, isso porque, em julgamento realizado no REsp 1.649.774/SP, em que se discutia o pagamento da quantia de dois milhões de reais de verbas honorárias, a Terceira Turma decidiu que a proteção focada pela Lei n. 11.101/2005 se destina a garantir o pagamento prévio dos credores trabalhistas e equiparados e nisso reside o privilégio legal de uma quantia suficiente e razoável que lhe garanta a subsistência, um mínimo para o seu sustento. Em relação àquilo que excede esse montante, mormente nos créditos trabalhistas por equiparação, ainda que se revista da natureza alimentar, seu titular - na maioria das vezes, os escritórios de advocacia - não faz jus ao tratamento privilegiado de receber com precedência aos demais credores.

Consequentemente, o excesso decotado, respeitado o limite previsto no art. 83, I, da Lei n. 11.101/2005, será convertido em crédito quirografário e, assim, aguardará o seu momento apropriado de pagamento. Cumpre destacar que, especificamente sobre a possibilidade de limitação quantitativa do crédito trabalhista e a conversão do excedente em crédito quirografário, não somente a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça acolheu, de forma uníssona, esse entendimento, mas também, a sua constitucionalidade, foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI 3.934/DF, restando asseverado pelo STF, naquela oportunidade, que "igualmente não existe ofensa à Constituição no tocante ao limite de conversão de créditos trabalhistas em quirografários".

Assim, em se tratando de verbas honorárias de quantia elevada (crédito trabalhista por equiparação), o Superior Tribunal de Justiça tem admitido, em julgados de ambas as Turmas de Direito Privado, a estipulação da forma diferenciada de seu pagamento pela deliberação consensual da Assembleia Geral de Credores.

15 de outubro de 2021

É possível que, no plano de recuperação judicial, fique combinado que os credores que tinham garantias reais e fidejussórias perderão essas garantias, desde que haja concordância expressa

  Fonte: Dizer o Direito

Referência:  https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/10/info-703-stj-1.pdf


RECUPERAÇÃO JUDICIAL - É possível que, no plano de recuperação judicial, fique combinado que os credores que tinham garantias reais e fidejussórias perderão essas garantias, desde que haja concordância expressa 

A supressão de garantias reais e fidejussórias decididas em assembleia-geral de credores de sociedade submetida a regime de recuperação judicial não pode ser estendida aos credores ausentes ou divergentes. STJ. 4ª Turma. REsp 1.828.248-MT, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Rel. Acd. Min. Raul Araújo, julgado em 05/08/2021 (Info 703). 

Recuperação judicial 

A recuperação judicial surgiu para substituir a antiga “concordata” e tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise do devedor, a fim de permitir que a atividade empresária se mantenha e, com isso, sejam preservados os empregos dos trabalhadores e os interesses dos credores. A recuperação judicial consiste, portanto, em um processo judicial, no qual será construído e executado um plano com o objetivo de recuperar a empresa que está em vias de efetivamente ir à falência. 

Fases da recuperação 

De forma resumida, a recuperação judicial possui três fases: 

a) postulação: inicia-se com o pedido de recuperação e vai até o despacho de processamento; 

b) processamento: vai do despacho de processamento até a decisão concessiva; 

c) execução: da decisão concessiva até o encerramento da recuperação judicial. 

Plano de recuperação 

Em até 60 dias após o despacho de processamento da recuperação judicial, o devedor deverá apresentar em juízo um plano de recuperação da empresa, sob pena de convolação (conversão) do processo de recuperação em falência (art. 53 da Lei nº 11.101/2005). Este plano deverá conter: 

• discriminação pormenorizada dos meios de recuperação a serem empregados (art. 50); 

• demonstração de sua viabilidade econômica; e 

• laudo econômico-financeiro e de avaliação dos bens e ativos do devedor, subscrito por profissional legalmente habilitado ou empresa especializada. 

“O plano de recuperação judicial não é uma mera formalidade, devendo ser encarado pelo devedor como a coisa mais importante para o eventual sucesso de seu pedido. Portanto, é interessante que o plano seja minuciosamente elaborado, se possível por profissionais especializados em administração de empresas ou áreas afins, e que proponha medidas viáveis para a superação da crise que atinge a empresa.” (RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Falência e Recuperação de Empresas. 3ª ed., Salvador: Juspodivm, 2012, p. 87). Os credores analisam o plano apresentado, que pode ser aprovado ou não pela assembleia geral de credores. Se nenhum credor apresentar objeções ao plano, significa que houve aprovação tácita e, neste caso, nem mesmo é necessário que seja convocada uma assembleia geral. 

É possível que, no plano de recuperação judicial, fique combinado que os credores que tinham garantias reais e fidejussórias perderão essas garantias? 

SIM. Isso é possível, considerando que o plano de recuperação representa uma negociação feita entre a empresa devedora e seus credores. 

Por que se faria isso? Por que isso seria interessante? 

Porque é possível, por exemplo, que a empresa em recuperação venda o bem que foi dado em garantia e, com o dinheiro, continue sua atividade produtiva e, assim, possa pagar os credores. Ex: a empresa “ABC Ltda” tem uma dívida com o banco e deu um imóvel em garantia. Ocorre que essa empresa está em processo de recuperação judicial e precisa de capital de giro para comprar matéria-prima e continuar produzindo. É possível que se ajuste, no plano de recuperação, que essa garantia da dívida será suprimida (deixará de existir) e, com isso, a empresa poderá alienar o bem para conseguir esse dinheiro necessário à aquisição dos insumos. 

Isso será possível mesmo que o credor que tenha essa garantia não participe das negociações do plano ou mesmo que ele discorde dessa providência? 

NÃO. É indispensável a sua concordância. Foi o que decidiu o STJ: 

A supressão de garantias reais e fidejussórias decididas em assembleia-geral de credores de sociedade submetida a regime de recuperação judicial não pode ser estendida aos credores ausentes ou divergentes. STJ. 4ª Turma. REsp 1.828.248-MT, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Rel. Acd. Min. Raul Araújo, julgado em 05/08/2021 (Info 703). 

Arts. 49, §§ 1º e 3º, e 50, § 1º exigem concordância expressa 

A Lei nº 11.101/2005, nos arts. 49, §§ 1º e 3º, e 50, § 1º, é expressa ao dispor que a alienação de bem objeto de garantia real, a supressão de garantia ou sua substituição somente serão admitidas mediante aprovação expressa do credor titular da respectiva garantia: 

Art. 49. Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos. 

§ 1º Os credores do devedor em recuperação judicial conservam seus direitos e privilégios contra os coobrigados, fiadores e obrigados de regresso. (...) 

§ 3º Tratando-se de credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou de proprietário em contrato de venda com reserva de domínio, seu crédito não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, observada a legislação respectiva, não se permitindo, contudo, durante o prazo de suspensão a que se refere o § 4º do art. 6º desta Lei, a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais a sua atividade empresarial. 

Art. 50 (...) § 1º Na alienação de bem objeto de garantia real, a supressão da garantia ou sua substituição somente serão admitidas mediante aprovação expressa do credor titular da respectiva garantia. 

Art. 49, § 2º deve ser interpretado em conjunto com o art. 50, § 1º 

O art. 49, § 2º da Lei nº 11.101/2005 afirma que “as obrigações anteriores à recuperação judicial observarão as condições originalmente contratadas ou definidas em lei, inclusive no que diz respeito aos encargos, salvo se de modo diverso ficar estabelecido no plano de recuperação judicial”. Todavia, essa parte final da norma tem que ser interpretada em harmonia com a regra do já citado art. 50, § 1º, a qual, seguindo o critério da especialidade, trata de modo específico e inequívoco acerca da subordinação da deliberação assemblear de supressão ou substituição da garantia à concordância expressa do credor titular da respectiva garantia. 

Desconsiderar a vontade dos credores geraria insegurança jurídica 

Sob a ótica do mercado, é evidente que a supressão de garantias reais e fidejussórias contra a vontade dos credores dissidentes traria evidente insegurança jurídica e profundo abalo ao mercado de crédito, essencial para o financiamento do setor produtivo da economia, fornecedor de imprescindível apoio à continuidade e expansão das atividades das sociedades empresárias saudáveis, assim como para o saneamento financeiro e revitalização das próprias sociedades em recuperação judicial. Enquanto se perceberem dotados de garantias sólidas quanto ao retorno de seus aportes e investimentos, os financiadores da atividade produtiva, integrantes do mercado financeiro, fornecedores de insumos ou de bens de capital, sentirão segurança em disponibilizar às empresas tomadoras capital mais barato, com condições mais favoráveis e prazos mais longos, o que, até mesmo, contribui para a atração de investimentos e de capitais estrangeiros, cuja falta é sentida na economia nacional. O desprestígio das garantias será danoso para toda a atividade econômica do país, trazendo insegurança jurídica e econômica, com a elevação dos juros e do spread bancário, especialmente para aqueles submetidos justamente ao regime de recuperação judicial. Em outras palavras, existe uma grande dificuldade de as sociedades empresárias que estão em recuperação judicial obter financiamento. Essa dificuldade seria ainda maior se as garantias não fossem respeitadas. 

Lei nº 14.112/2020 

O financiamento da sociedade em recuperação judicial é tão vital para o sucesso do fortalecimento da atividade produtiva no País que a Lei nº 14.112/2020, ao modificar a Lei nº 11.101/2005, concebeu modalidade específica de financiamento aos recuperandos, introduzindo no Direito Pátrio os institutos do “Dip (debtor-in-possession) Finance” e do “Credor Parceiro”. A nova redação do parágrafo único do art. 67 da Lei nº 11.101/2005 prestigia o chamado “Credor Parceiro” ou “Credor Estratégico”, que é aquele que recebe vantagens e privilégios caso continue a fornecer insumos, mercadorias, créditos ou que adquira papéis e debêntures da recuperanda. 

Explicando melhor este ponto. O que são os “credores parceiros”? 

Quando uma sociedade empresária entra em recuperação judicial, é comum que os antigos parceiros comerciais não queiram mais manter contratos e fornecer bens e serviços para a empresa em dificuldades. Isso ocorre porque muitas vezes tais fornecedores ainda possuem créditos a receber e também pelo fato de que temem que a empresa vá à falência e que, por consequência, as dívidas não sejam satisfeitas. Ocorre que, se a empresa não tiver mais fornecedores, ela realmente irá quebrar, de forma que a recuperação judicial não terá êxito. Com o objetivo de evitar que isso aconteça, alguns planos de recuperação judicial preveem preferências para o pagamento de credores que, mesmo após a deflagração do processo de recuperação, continuam fornecendo para a empresa. São vantagens concedidas aos “credores parceiros”, expressão que acabou sendo consagrada na prática recuperacional. Não havia previsão para isso na Lei nº 11.101/2005. Apesar disso, a jurisprudência reconhecia a sua validade. Exemplo real de uma cláusula presente em um plano de recuperação judicial: 

“1.3.18. “Credores Parceiros”: são os Credores Concursais ou Credores Extraconcursais Aderentes que colaborarem com a recuperação judicial do Grupo XXXXX mediante a (i) concessão de financiamentos em valor igual ou superior ao valor de seus Créditos; (ii) manutenção e/ou a renovação dos contratos celebrados com o Grupo XXXXX em condições iguais aos atualmente em vigor ou mais vantajosas para o Grupo XXXXX, pelo prazo mínimo de 5 (cinco) anos; ou (iii) liberação de garantias reais ou fiduciárias sobre imóveis, em valor igual ou superior ao valor dos Créditos do respectivo Credor, de cuja venda possa decorrer ativos financeiros ao Grupo XXXXX.” 

O que fez a Lei nº 14.112/2020? Previu a possibilidade de concessão dessa prioridade aos “credores parceiros”, a despeito de não ter utilizado essa nomenclatura. Confira a nova redação do parágrafo único do art. 67: 

LEI DE FALÊNCIA E RECUPERAÇÃO JUDICIAL (LEI 11.101/2005) 

Art. 67. Os créditos decorrentes de obrigações contraídas pelo devedor durante a recuperação judicial, inclusive aqueles relativos a despesas com fornecedores de bens ou serviços e contratos de mútuo, serão considerados extraconcursais, em caso de decretação de falência, respeitada, no que couber, a ordem estabelecida no art. 83 desta Lei. 

Antes da Lei 14.112/2020 

Parágrafo único. Os créditos quirografários sujeitos à recuperação judicial pertencentes a fornecedores de bens ou serviços que continuarem a provê-los normalmente após o pedido de recuperação judicial terão privilégio geral de recebimento em caso de decretação de falência, no limite do valor dos bens ou serviços fornecidos durante o período da recuperação. 


Depois da Lei 14.112/2020 

Parágrafo único. O plano de recuperação judicial poderá prever tratamento diferenciado aos créditos sujeitos à recuperação judicial pertencentes a fornecedores de bens ou serviços que continuarem a provê-los normalmente após o pedido de recuperação judicial, desde que tais bens ou serviços sejam necessários para a manutenção das atividades e que o tratamento diferenciado seja adequado e razoável no que concerne à relação comercial futura. 

Dip (debtor-in-possession) Finance 

A preservação da atividade produtiva, um dos principais objetivos da recuperação judicial, necessita, assim como o enfermo de oxigênio, da continuidade da cadeia de fornecimento de insumos, mercadorias e crédito. Em troca, se deve assegurar condições diferenciadas de pagamento e fortalecimento de garantias a tais credores e fornecedores, essenciais à continuidade da atividade produtiva, atribuindo-se-lhes a natureza de parceiros essenciais. As assinaladas vantagens e privilégios podem compreender melhores condições para recebimento dos créditos, menores deságios do que aqueles impostos aos demais credores, ou mesmo, tudo “ad exemplum”, a redução das parcelas de resgate do crédito. A permissão legal para essas negociações acarreta significativa melhora nos relacionamentos no ambiente empresarial. Na mesma esteira, outra essencial inovação foi inserida na Lei n. 11.101/2005 pela Lei n. 14.112/2020, com os arts. 69-A e seguintes: 

Art. 69-A. Durante a recuperação judicial, nos termos dos arts. 66 e 67 desta Lei, o juiz poderá, depois de ouvido o Comitê de Credores, autorizar a celebração de contratos de financiamento com o devedor, garantidos pela oneração ou pela alienação fiduciária de bens e direitos, seus ou de terceiros, pertencentes ao ativo não circulante, para financiar as suas atividades e as despesas de reestruturação ou de preservação do valor de ativos. 

Art. 69-B. A modificação em grau de recurso da decisão autorizativa da contratação do financiamento não pode alterar sua natureza extraconcursal, nos termos do art. 84 desta Lei, nem as garantias outorgadas pelo devedor em favor do financiador de boa-fé, caso o desembolso dos recursos já tenha sido efetivado. 

Art. 69-C. O juiz poderá autorizar a constituição de garantia subordinada sobre um ou mais ativos do devedor em favor do financiador de devedor em recuperação judicial, dispensando a anuência do detentor da garantia original. 

§ 1º A garantia subordinada, em qualquer hipótese, ficará limitada ao eventual excesso resultante da alienação do ativo objeto da garantia original. 

§ 2º O disposto no caput deste artigo não se aplica a qualquer modalidade de alienação fiduciária ou de cessão fiduciária. 

Art. 69-D. Caso a recuperação judicial seja convolada em falência antes da liberação integral dos valores de que trata esta Seção, o contrato de financiamento será considerado automaticamente rescindido. Parágrafo único. As garantias constituídas e as preferências serão conservadas até o limite dos valores efetivamente entregues ao devedor antes da data da sentença que convolar a recuperação judicial em falência. 

Art. 69-E. O financiamento de que trata esta Seção poderá ser realizado por qualquer pessoa, inclusive credores, sujeitos ou não à recuperação judicial, familiares, sócios e integrantes do grupo do devedor. 

Art. 69-F. Qualquer pessoa ou entidade pode garantir o financiamento de que trata esta Seção mediante a oneração ou a alienação fiduciária de bens e direitos, inclusive o próprio devedor e os demais integrantes do seu grupo, estejam ou não em recuperação judicial. 

Trata-se do instituto, de comum aplicação no direito estadunidense, do “Dip (debtor-in-possession) Finance”, o que revela a hercúlea preocupação do legislador com a continuidade do fluxo de caixa e de novos financiamentos (Fresh Money) para a recuperação judicial. Segundo a doutrina mais especializada e moderna da matéria, nesta modalidade de financiamento, a recuperanda mantém a posse e controle dos bens ou direitos dados em garantia, para que a empresa possa se manter operante. Com isso, é possível suprir a falta de fluxo de caixa para cobrir as despesas operacionais, de reestruturação e de preservação do valor dos ativos. Assim, o Dip Finance permite que o juiz, eventualmente, depois de ouvir o comitê de credores, caso constituído, autorize a contratação de novos financiamentos pela recuperanda, que sejam garantidos pela oneração ou pela alienação fiduciária de bens e direitos, próprios (pertencentes ao ativo não circulante do devedor) ou de terceiros, desde que o “dinheiro novo” (Fresh Money) seja utilizado para financiar as atividades e as despesas de reestruturação ou de preservação do valor de ativos da recuperanda. 

Manutenção das garantias é pilar da economia de mercado 

Desse modo, pode-se concluir que a manutenção das garantias reais e fidejussórias em favor do credor dissidente é pilar da economia de mercado, assentada na ponderação de oportunidade e risco feita pelo financiador da atividade produtiva, seja na época de fartura, seja em momento de dificuldade. Outrossim, os institutos do Dip Finance e do Credor Parceiro são a viga mestra (chão da fábrica) da recuperação judicial, sem quebra das garantias dos investidores e sem abalo do mercado de crédito. De outro modo, a extensão da supressão das garantias ao credor discordante impacta negativamente o ambiente econômico empresarial, especialmente os mercados de crédito e de fornecimento de insumos e mercadorias, que, junto à força de trabalho, representam os elementos mínimos para a continuidade da atividade produtiva, um dos princípios fundantes do processo de recuperação judicial.


O crédito fiscal não tributário não se submete aos efeitos do plano de recuperação judicial

 Fonte: Dizer o Direito

Referência:  https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/10/info-703-stj-1.pdf


RECUPERAÇÃO JUDICIAL - O crédito fiscal não tributário não se submete aos efeitos do plano de recuperação judicial 

O art. 187 do CTN prevê expressamente que o crédito tributário não é sujeito a concurso de credores. Esse dispositivo nada fala sobre os créditos de natureza não tributária. A despeito disso, os créditos de natureza não tributária não se submetem aos efeitos do plano de recuperação judicial, por força do art. 6º, § 7º-B da Lei nº 11.101/2005. Além disso, o art. 29 da Lei nº 6.830/80 afirma, de forma ampla, que a cobrança judicial da dívida ativa da Fazenda Pública não está sujeita a habilitação em concordata (atual recuperação judicial). A dívida ativa abrange tanto débitos tributários como não tributários. Assim, por exemplo, o crédito concernente à multa administrativa aplicada pela ANVISA não se submete aos efeitos da recuperação judicial da devedora. STJ. 3ª Turma. REsp 1.931.633-GO, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 03/08/2021 (Info 703). 

O crédito fiscal tributário não se submete aos efeitos do plano de recuperação judicial 

A Fazenda Pública não é obrigada a habilitar seus créditos fiscais no processo falimentar ou de recuperação judicial. O art. 187 do CTN afirma expressamente que o crédito tributário não é sujeito a concurso de credores: 

Art. 187. A cobrança judicial do crédito tributário não é sujeita a concurso de credores ou habilitação em falência, recuperação judicial, concordata, inventário ou arrolamento. 

O STJ entende, contudo, que esse dispositivo não proíbe que a Fazenda Pública faça a habilitação dos créditos tributários na falência. O art. 187 do CTN garante ao ente público a prerrogativa de escolher entre receber o pagamento de seu crédito pelo rito da execução fiscal ou mediante habilitação nos autos da falência. Assim, muito embora o processamento e o julgamento das execuções fiscais não se submetam ao juízo universal da falência, compete à Fazenda Pública optar por ingressar com a cobrança judicial ou requerer a habilitação de seu crédito na ação falimentar. A Lei nº 14.112/2020, alterando a Lei nº 11.101/2005, criou, inclusive, um incidente de classificação de crédito público para que a Fazenda Pública informe ao juízo da falência a relação completa de seus créditos inscritos em dívida ativa: 

Art. 7º-A. Na falência, após realizadas as intimações e publicado o edital, conforme previsto, respectivamente, no inciso XIII do caput e no § 1º do art. 99 desta Lei, o juiz instaurará, de ofício, para cada Fazenda Pública credora, incidente de classificação de crédito público e determinará a sua intimação eletrônica para que, no prazo de 30 (trinta) dias, apresente diretamente ao administrador judicial ou em juízo, a depender do momento processual, a relação completa de seus créditos inscritos em dívida ativa, acompanhada dos cálculos, da classificação e das informações sobre a situação atual. (Incluído pela Lei nº 14.112/2020) (...) 

E o crédito fiscal não tributário, segue a mesma regra? O crédito fiscal não tributário se submete, ou não, aos efeitos do plano de recuperação judicial? Ex: a ANVISA aplicou multa administrativa contra a ML Operações Logísticas Ltda; posteriormente, foi deferida a recuperação judicial da empresa; esse crédito terá que, obrigatoriamente, ser cobrado na recuperação judicial? NÃO. 

O crédito fiscal não tributário não se submete aos efeitos do plano de recuperação judicial STJ. 3ª Turma. REsp 1.931.633-GO, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 03/08/2021 (Info 703). 

Como vimos acima, o art. 187, caput, do Código Tributário Nacional exclui os créditos de natureza tributária dos efeitos da recuperação judicial do devedor. Esse dispositivo, contudo, nada fala sobre os créditos de natureza não tributária. A despeito disso, os créditos de natureza não tributária não se submetem aos efeitos do plano de recuperação judicial, por força do art. 6º, § 7º-B da Lei nº 11.101/2005. Explicando melhor. O art. 6º, II, da Lei nº 11.101/2005 afirma que, em regra, todas as execuções ajuizadas contra o devedor deverão ficar suspensas: 

Art. 6º A decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial implica: I - suspensão do curso da prescrição das obrigações do devedor sujeitas ao regime desta Lei; II - suspensão das execuções ajuizadas contra o devedor, inclusive daquelas dos credores particulares do sócio solidário, relativas a créditos ou obrigações sujeitos à recuperação judicial ou à falência; III - proibição de qualquer forma de retenção, arresto, penhora, sequestro, busca e apreensão e constrição judicial ou extrajudicial sobre os bens do devedor, oriunda de demandas judiciais ou extrajudiciais cujos créditos ou obrigações sujeitem-se à recuperação judicial ou à falência. 

O § 7º-B do art. 6º, contudo, prevê uma exceção. Esse dispositivo prevê que essa suspensão não se aplica às execuções fiscais: 

Art. 6º (...) § 7º-B. O disposto nos incisos I, II e III do caput deste artigo não se aplica às execuções fiscais, admitida, todavia, a competência do juízo da recuperação judicial para determinar a substituição dos atos de constrição que recaiam sobre bens de capital essenciais à manutenção da atividade empresarial até o encerramento da recuperação judicial, a qual será implementada mediante a cooperação jurisdicional, na forma do art. 69 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), observado o disposto no art. 805 do referido Código. (Incluído pela Lei nº 14.112/2020) 

Logo, as execuções fiscais não ficam sobrestadas mesmo que tenha havido o deferimento de recuperação judicial. 

Entendi até aqui... as execuções fiscais não são suspensas... no entanto, estamos falando de um crédito não tributário... 

É neste ponto que reside um erro comum de muitos: considerar que a execução fiscal cobra apenas créditos fiscais (créditos tributários). Isso não é verdade. Execução fiscal é a ação judicial proposta pela Fazenda Pública (União, Estados, DF, Municípios e suas respectivas autarquias e fundações) para cobrar do devedor créditos (tributários ou não tributários) inscritos em dívida ativa, conforme se observa pelo art. 1º c/c art. 2º da Lei nº 6.830/80: 

Art. 1º A execução judicial para cobrança da Dívida Ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e respectivas autarquias será regida por esta Lei e, subsidiariamente, pelo Código de Processo Civil. 

Art. 2º Constitui Dívida Ativa da Fazenda Pública aquela definida como tributária ou não tributária na Lei nº 4.320, de 17 de março de 1964, com as alterações posteriores, que estatui normas gerais de direito financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal. § 1º Qualquer valor, cuja cobrança seja atribuída por lei às entidades de que trata o artigo 1º, será considerado Dívida Ativa da Fazenda Pública. § 2º A Dívida Ativa da Fazenda Pública, compreendendo a tributária e a não tributária, abrange atualização monetária, juros e multa de mora e demais encargos previstos em lei ou contrato. (...) 

Assim, o art. 6º, § 7º-B da Lei nº 11.101/2005, ao se referir a “execuções fiscais”, está tratando do instrumento processual que o ordenamento jurídico disponibiliza aos respectivos titulares para cobrança dos créditos públicos, independentemente de sua natureza, podendo ser créditos tributários ou não tributários. Desse modo, se, por um lado, o art. 187 do CTN estabelece que os créditos tributários não se sujeitam ao processo de soerguimento - silenciando quanto àqueles de natureza não tributária -, por outro lado verifica-se que a Lei nº 11.101/2005 não estabeleceu distinção entre a natureza dos créditos que deram ensejo ao ajuizamento do executivo fiscal para afastá-los dos efeitos do processo de soerguimento. Como reforço de argumentação, veja que a Lei nº 10.522/2002 - que trata do parcelamento especial previsto no art. 68, caput, da LFRE - prevê, em seu art. 10-A, que tanto os créditos de natureza tributária quanto não tributária poderão ser liquidados de acordo com uma das modalidades ali estabelecidas, de modo que admitir a submissão destes ao plano de soerguimento equivaleria a chancelar a possibilidade de eventual cobrança em duplicidade. Outro ponto muito importante está no fato de que o art. 29 da Lei nº 6.830/80 afirma, de forma ampla, que a cobrança judicial da dívida ativa da Fazenda Pública não está sujeita a habilitação em concordata (atual recuperação judicial): 

Art. 29. A cobrança judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública não é sujeita a concurso de credores ou habilitação em falência, concordata, liquidação, inventário ou arrolamento. 

A dívida ativa, como já vimos, abrange tanto débitos tributários como não tributários. Assim, em que pese a dicção aparentemente restritiva da norma do caput do art. 187 do CTN, a interpretação conjugada das demais disposições que regem a cobrança dos créditos da Fazenda Pública insertas na Lei de Execução Fiscal, bem como daquelas integrantes da própria Lei nº 11.101/2005 e da Lei nº 10.522/2002, autorizam a conclusão de que, para fins de não sujeição aos efeitos do plano de recuperação judicial, a natureza tributária ou não tributária do valor devido é irrelevante.