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4 de setembro de 2021

A divulgação pelos interlocutores ou por terceiros de mensagens trocadas via WhatsApp pode ensejar a responsabilização por eventuais danos decorrentes da difusão do conteúdo

Processo

REsp 1.903.273-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 24/08/2021, DJe 30/08/2021.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL, DIREITO CONSTITUCIONAL

Tema

Whatsapp. Divulgação pública de mensagens privadas. Ilicitude. Quebra da legítima expectativa e da confidencialidade. Violação à privacidade e à intimidade. Dano configurado. Indenização. Cabimento.

 

DESTAQUE

A divulgação pelos interlocutores ou por terceiros de mensagens trocadas via WhatsApp pode ensejar a responsabilização por eventuais danos decorrentes da difusão do conteúdo.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

O sigilo das comunicações é corolário da liberdade de expressão e, em última análise, visa a resguardar o direito à intimidade e à privacidade, consagrados nos planos constitucional (art. 5º, X, da CF/1988) e infraconstitucional (arts. 20 e 21 do CC/2002).

No passado recente, não se cogitava de outras formas de comunicação que não pelo tradicional método das ligações telefônicas. Com o passar dos anos, no entanto, desenvolveu-se a tecnologia digital, o que culminou na criação da internet e, mais recentemente, da rede social WhatsApp, o qual permite a comunicação instantânea entre pessoas localizadas em qualquer lugar do mundo.

Nesse cenário, é certo que não só as conversas realizadas via ligação telefônica, como também aquelas travadas através do WhatsApp são resguardadas pelo sigilo das comunicações. Em consequência, terceiros somente podem ter acesso às conversas de WhatsApp mediante consentimento dos participantes ou autorização judicial.

Na hipótese em que o conteúdo das conversas enviadas via WhatsApp possa, em tese, interessar a terceiros, haverá um conflito entre a privacidade e a liberdade de informação, revelando-se necessária a realização de um juízo de ponderação. Nesse aspecto, há que se considerar que as mensagens eletrônicas estão protegidas pelo sigilo em razão de o seu conteúdo ser privado; isto é, restrito aos interlocutores.

Dessa forma, ao enviar mensagem a determinado ou a determinados destinatários via WhatsApp, o emissor tem a expectativa de que ela não será lida por terceiros, quanto menos divulgada ao público, seja por meio de rede social ou da mídia. Essa expectativa advém não só do fato de ter o indivíduo escolhido a quem enviar a mensagem, como também da própria encriptação a que estão sujeitas as conversas. De mais a mais, se a sua intenção fosse levar ao conhecimento de diversas pessoas o conteúdo da mensagem, decerto teria optado por uma rede social menos restrita ou mesmo repassado a informação à mídia para fosse divulgada.

Assim, ao levar a conhecimento público conversa privada, além da quebra da confidencialidade, estará configurada a violação à legítima expectativa, bem como à privacidade e à intimidade do emissor, sendo possível a responsabilização daquele que procedeu à divulgação se configurado o dano.

Por fim, é importante consignar que a ilicitude poderá ser descaracterizada quando a exposição das mensagens tiver como objetivo resguardar um direito próprio do receptor. Nesse caso, será necessário avaliar as peculiaridades concretas para fins de decidir qual dos direitos em conflito deverá prevalecer.

3 de setembro de 2021

Divulgação de mensagens do WhatsApp sem autorização pode gerar obrigação de indenizar

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que a divulgação pública de conversas pelo aplicativo WhatsApp sem autorização de todos os interlocutores é ato ilícito e pode resultar em responsabilização civil por eventuais danos, salvo quando a exposição das mensagens tiver o propósito de resguardar um direito próprio de seu receptor.

Para o colegiado, assim como as conversas por telefone, aquelas travadas pelo aplicativo de mensagens são resguardadas pelo sigilo das comunicações, de forma que a divulgação do conteúdo para terceiros depende do consentimento dos participantes ou de autorização judicial.

"Ao levar a conhecimento público conversa privada, além da quebra da confidencialidade, estará configurada a violação à legítima expectativa, bem como à privacidade e à intimidade do emissor, sendo possível a responsabilização daquele que procedeu à divulgação se configurado o dano", afirmou a relatora do processo, ministra Nancy Andrighi.

Divulgação prejudicou membros de clube do Paraná

Na origem do caso, um torcedor foi acusado de postar em redes sociais e de vazar para a imprensa mensagens trocadas em um grupo do WhatsApp, do qual ele participava com outros torcedores e dirigentes de um clube de futebol do Paraná (PR). Segundo os autos, os textos revelavam opiniões diversas, manifestações de insatisfação e imagens pessoais dos participantes, o que resultou no desligamento de alguns membros do clube.

Na primeira instância, o autor da divulgação foi condenado a pagar R$ 40 mil em danos morais aos integrantes do clube que se sentiram afetados pela sua atitude. A decisão foi mantida pelo Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR), sob o fundamento de que houve violação à privacidade dos participantes do grupo, que acreditaram que suas conversas ficariam restritas ao âmbito privado.

Em recurso ao STJ, o torcedor sustentou que a gravação de conversa por um dos interlocutores não constitui ato ilícito e que o conteúdo das mensagens era de interesse público.

Liberdade de informação e direito à privacidade

Ao proferir seu voto, Nancy Andrighi lembrou que o sigilo das comunicações está diretamente ligado à liberdade de expressão e visa resguardar os direitos à intimidade e à privacidade, protegidos tanto pela Constituição Federal quanto pelo Código Civil, em seus artigos 20 e 21.

Ela destacou que, se o conteúdo das conversas enviadas pelo aplicativo de mensagens puder, em tese, interessar a terceiros, haverá um conflito entre a privacidade e a liberdade de informação, o que exigirá do julgador um juízo de ponderação sobre esses direitos.

"É certo que, ao enviar mensagem a determinado ou a determinados destinatários via WhatsApp, o emissor tem a expectativa de que ela não será lida por terceiros, quanto menos divulgada ao público, seja por meio de rede social ou da mídia", observou a relatora.

No caso analisado, a magistrada ressaltou que, conforme o que foi apurado pelas instâncias ordinárias, o divulgador não teve a intenção de defender direito próprio, mas de expor as manifestações dos outros membros do grupo.

Leia o acórdão no REsp 1.903.273. 

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 1903273

9 de maio de 2021

INTERCEPTAÇÃO DE DADOS. ASTREINTES. POSSIBILIDADE EM ABSTRATO. CRIPTOGRAFIA DE PONTA A PONTA. IMPOSSIBILIDADE FÁTICA, NO CASO CONCRETO, DE CUMPRIMENTO DA ORDEM JUDICIAL.

RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 60.531 - RO (2019/0099392-7) 

RELATOR : MINISTRO NEFI CORDEIRO 

R.P/ACÓRDÃO : MINISTRO RIBEIRO DANTAS 

RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. INTERCEPTAÇÃO DE DADOS. ASTREINTES. POSSIBILIDADE EM ABSTRATO. CRIPTOGRAFIA DE PONTA A PONTA. IMPOSSIBILIDADE FÁTICA, NO CASO CONCRETO, DE CUMPRIMENTO DA ORDEM JUDICIAL. RECURSO PROVIDO. 

1. A possibilidade de aplicação, em abstrato, da multa cominatória foi reconhecida, por maioria, nesta Terceira Seção (REsp 1.568.445/PR, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Rel. p/ Acórdão Ministro RIBEIRO DANTAS, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 24/6/2020, DJe 20/8/2020). 

2. No caso concreto, porém, há de se fazer uma distinção ou um distinguishing entre o precedente citado e a situação ora em análise. Diversamente do precedente colacionado, a questão posta nestes autos objeto de controvérsia é a alegação, pela empresa que descumpriu a ordem judicial, da impossibilidade técnica de obedecer à determinação do Juízo, haja vista o emprego da criptografia de ponta a ponta. 

3. Criptografia de ponta a ponta é a proteção dos dados nas duas extremidades do processo, tanto no polo do remetente quanto no outro polo do destinatário. Nela, há "dois tipos de chaves são usados para cada ponta da comunicação, uma chave pública e uma chave privada. As chaves públicas estão disponíveis para as ambas as partes e para qualquer outra pessoa, na verdade, porque todos compartilham suas chaves públicas antes da comunicação. Cada pessoa possui um par de chaves, que são complementares. [...] O conteúdo só poderá ser descriptografado usando essa chave pública (...) junto à chave privada (...). Essa chave privada é o único elemento que torna impossível para qualquer outro agente descriptografar a mensagem, já que ela não precisa ser compartilhada." (COUTINHO, Mariana. O que é criptografia de ponta a ponta? Entenda o recurso de privacidade. Tectudo. Disponível em: . Acesso em: 24 mar. 2020). 

4. Não obstante a complexidade técnica, a resposta jurídica deve ser simples e direta: sim, é possível a aplicação da multa, inclusive nessa hipótese; ou, por outro lado, não, a realização do impossível, sob pena de sanção, não encontra guarida na ordem jurídica. Note-se que não há espaço hermenêutico para um meio termo. 

5. Em determinado aspecto, a solução parece ser pela negativa: ad impossibilia nemo tenetur, ou seja, ninguém pode ser obrigado a fazer o impossível. 

6. Porém, o Direito, como fruto do intelecto humano e indispensável ao convívio coletivo sadio e com capacidade prospectiva, nem sempre se contenta com o nexo natural das coisas. Ou seja, a responsabilidade jurídica nem sempre é derivada do raciocínio lógico. Por vezes, faz-se necessário o juízo de valor normativo, a exemplo da figura do garante no Código Penal, que, sem dar causa direta ao resultado típico, responde como se o tivesse (art. 13, §2º, “b”, do CP). 

7. Conforme relatado pelo em. Min. Edson Fachin, em seu voto, na ADPF 403, a Ciência corrobora a impossibilidade técnica de se interceptar dados criptografados de ponta a ponta. Realizadas audiências públicas para debate público sobre a matéria: "Um dos especialistas acadêmicos convocados para a audiência, o Professor Anderson Nascimento explicou em linhas gerais em que consiste a criptografia, afirmando que seu objetivo é a garantia da integridade, autenticidade e confidencialidade. Segundo ele, o WhatsApp utiliza a criptografia de chave pública ou assimétrica, onde cada usuário possui duas chaves, uma para cifrar e outra para decifrar. O objetivo de tais sistemas é criar um túnel criptográfico entre os usuários, sendo que as mensagens enviadas e recebidas passam por um servidor que tem a função de estabelecer protocolos de sinalização, descobrir os endereços IPs das partes, auxiliar na troca de chaves, dentre outros. O Professor esclareceu que não é possível a interceptação de mensagens criptografadas do WhatsApp devido à adoção de criptografia forte pelo aplicativo. Explica que esse tipo de criptografia utiliza o Protocolo Signal que, no entendimento da comunidade científica, não possui vulnerabilidade, ou seja, é um protocolo seguro, não podendo ser quebrado. Em relação às alternativas para a interceptação, discorreu o seguinte. Sobre a possibilidade de espelhamento das conversas travadas no aplicativo para outro smartphone ou computador em face de um usuário específico, indicou que seria preciso, para tal intento, que fosse criado um ponto central de falha, o qual, por sua vez, poderia ser utilizado por parte não autorizadas. Quanto à desabilitação da criptografia ponta a ponta de um ou mais usuários específicos, seria preciso modificar o protocolo criptográfico. Destacou, ainda, a existência de outros aplicativos de mensagens que não possuem representação no Brasil e que poderiam ser utilizados pelos usuários, inclusive com a possibilidade de facilmente criptografar as mensagens e, posteriormente, colar tal mensagem no WhatsApp, para enviá-la a outro usuário, de modo que, mesmo que houvesse a interceptação da mensagem pelo WhatsApp, seria impossível desencriptá-la. Quanto aos demais instrumentos que podem auxiliar as investigações, aponta a importância da utilização dos metadados e da geolocalização, ressaltando a riqueza de dados a serem explorados pelas autoridades públicas". 

8. Com forte apelo lógico, essa argumentação apresenta-se quase que irrefutável, não fossem as razões jurídicas relacionadas aos deveres e às obrigações derivadas do nexo causal normativo. Entretanto, é importante salientar que a tese contrária à imposição da multa também é prodigiosa em fundamentos jurídicos. 

9. Inicio dizendo que, ao buscar mecanismos de proteção à liberdade de expressão e comunicação privada, por meio da criptografia de ponta a ponta, as empresas estão protegendo direito fundamental, reconhecido expressamente na Carta Magna. A propósito, confira-se interessante reflexão da em. Min. Relatora Rosa Weber, em seu voto na ADI 5527: "Considerações sobre o direito às liberdades de expressão e de comunicação (art. 5º, IX, da CF). Integra o pleno exercício das liberdades de expressão e de comunicação a capacidade das pessoas de escolherem livremente as informações que pretendem compartilhar, as ideias que pretendem discutir, o estilo de linguagem empregado e o meio de comunicação. O conhecimento de que a comunicação é monitorada por terceiros interfere em todos esses elementos componentes da liberdade de informação: os cidadãos podem mudar o modo de se expressar ou até mesmo absteremse de falar sobre certos assuntos, no que a doutrina designa por efeito inibitório (chilling effect) sobre a liberdade de expressão. Nesse sentido, 'A comunicação desinibida é também uma precondição do desenvolvimento pessoal autônomo. Seres humanos desenvolvem suas personalidades comunicando-se com os demais.' As consequências da ausência dessa precondição em uma sociedade vão desde a desconfiança em relação às instituições sociais, à apatia generalizada e a debilitação da vida intelectual, fazendo de um ambiente em que as atividades de comunicação ocorrem de modo inibido ou tímido, por si só, uma grave restrição à liberdade de expressão. Sob enfoque diverso, considerando que software é linguagem, e como tal, protegido pela liberdade de expressão, indaga-se se compelir o desenvolvimento compulsório de uma aplicação para se implementar a vulnerabilidade desejada, a determinação para a escrita compulsória de um programa de computador não configuraria, ela mesma, uma violação do direito à liberdade de expressão do desenvolvedor? De toda sorte, transformar o Brasil em um país avesso à liberdade de expressão não é o melhor caminho para combater os usos irresponsáveis das ferramentas de comunicação." 

10. Ainda nos valendo do valoroso trabalho citado, tem-se a seguinte indagação: de que vale a liberdade de expressão sem o resguardo devido à intimidade privada? A propósito: "Se aos cidadãos não for assegurada uma esfera de intimidade privada, livre de ingerência externa, um lugar onde o pensamento independente e novo possa ser gestado com segurança, de que servirá a liberdade de expressão? O direito à privacidade tem como objeto, na quase poética expressão de Warren e Brandeis, 'a privacidade da vida privada'. O escopo da proteção são os assuntos pessoais, em relação aos quais não se vislumbra interesse público legítimo na sua revelação, e que o indivíduo prefere manter privados. 'É a invasão injustificada da privacidade individual que deve ser repreendida e, tanto quanto possível, prevenida'. Vale observar, ainda, que os maiores desafios contemporâneos à proteção da privacidade nada têm a ver com a imposição de restrições à liberdade de manifestação, enquanto relacionados, isto sim, aos imperativos da segurança nacional e da eficiência do Estado, à proliferação de sistemas de vigilância e à emergência das mídias sociais, juntamente com a manipulação de dados pessoais em redes computacionais por inúmeros, e frequentemente desconhecidos, agentes públicos e privados. Nesse contexto, pertinente, ainda, a contribuição de Alan Westing à doutrina jurídica da privacidade no mundo contemporâneo, ao caracterizar a estrutura desse direito como controle sobre os usos da informação pessoal. Nesse sentido, a privacidade, afirma, 'é a pretensão de indivíduos, grupos ou instituições de determinarem para si quando, como e em que extensão a informação sobre eles será comunicada a outros'. Tal concepção do direito à privacidade está alinhada com o reconhecimento do seu papel social na própria preservação da personalidade e no desenvolvimento da autonomia individual." (Voto da em. Min. Relatora Rosa Weber na ADI 5527). 

11. Complementando os fundamentos expostos até aqui, o em. Ministro Edson Fachin, na Ação de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 403, traz três balizas necessárias para o exame da questão: "A precisa definição do objeto da arguição permite, de plano, identificar três premissas que emergem da manifestação dos amici curiae e que orientam a presente manifestação. A primeira conclusão é a de que, como atestam os participantes da sociedade civil que participaram da audiência, a demanda pela criptografia é especialmente derivada da proteção que se espera ter da liberdade de expressão em uma sociedade democrática. A criptografia é, portanto, um meio de se assegurar a proteção de direitos que, em uma sociedade democrática, são essenciais para a vida pública. A segunda é a de que todos os órgãos de Estado, assim como a sociedade civil, reconhecem que a criptografia protege os direitos dos usuários da internet, garantindo a privacidade de suas comunicações, e que, portanto, é do interesse do Estado brasileiro encorajar as empresas e as pessoas a utilizarem a criptografia e manter o ambiente digital com a maior segurança possível para os usuários. Essa premissa é evidenciada tanto pela manifestação dos peritos da Polícia Federal que participaram da audiência pública e quanto da Associação de Magistrados Brasileiros: a internet segura é direito de todos. A terceira é a de que o desafio a esse modelo de proteção da privacidade emerge basicamente de casos como o dos autos, isto é, quando o acesso a mensagens protegidas por criptografia depende da autorização exclusiva do próprio usuário do serviço. Ele também se faz presente na proteção de criptografia que fica disponível para equipamento específicos, como um telefone celular smartphone, ou um computador portátil. Em ambos os casos a preocupação é justificada pelas dificuldades técnicas na apuração de crimes que gravemente violam direitos fundamentais, como, por exemplo, os casos de pornografia infantil e de condutas antidemocráticas, como manifestações xenófobas, racistas e intolerantes, que ameaçam o Estado de Direito. Os órgãos de segurança do Estado ficam, pois, privados de instrumento tido por indispensável – e que é reconhecido como plenamente legítimo em relação às chamadas telefônicas – na solução dessas violações." 

12. A partir daí, o Ministro lança a questão: "a partir das premissas aqui indicadas é possível localizar a questão que se afigura chave para enfrentar o mérito desta arguição, qual seja, saber se o risco público representado pelo uso da criptografia justifica a restrição desse direito por meio da imposição de soluções de software, como, por exemplo, a proibição da criptografia ou a criação de canais excepcionais de acesso ou pela diminuição do nível de proteção"? 

13. Antes de apresentar sua conclusão, Fachin ressalta a importância do direito à privacidade na internet, cita inclusive, Relatório Especial do Conselho de Direitos Humanos da ONU: "Na linha inaugurada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, o Conselho de Direitos Humanos aprovou o Relatório Especial sobre o Direito à Liberdade de Expressão na Era Digital. Nele, o Relator Especial David Kaye reconhece que o alcance do direito à privacidade na internet é instrumental para a garantia da liberdade de expressão. O receio da exposição que diminui a riqueza do ambiente plural da internet decorre tanto de ingerências governamentais, quanto da possibilidade de manipulação de dados, diminuindo a própria esfera de autonomia e determinação, ou, nos termos da jurisprudência alemã, diminuindo o direito à autodeterminação informacional". 

14. Convém ressaltar que, tanto o Ministro Edson Fachin quanto a Ministra Rosa Weber, ao fim de seus votos, chegam, ambos, à mesma conclusão: o ordenamento jurídico brasileiro não autoriza, em detrimento da proteção gerada pela criptografia de ponta a ponta, em benefício da liberdade de expressão e do direito à intimidade, sejam os desenvolvedores da tecnologia multados por descumprirem ordem judicial incompatível com encriptação. 

15. Após pedido de vista do em. Min. Alexandre de Moraes, porém, ambas as ações constitucionais foram suspensas, aguardando-se, portanto, a matéria a posição definitiva dos demais membros da Corte. 

16. Entretanto, não é mais possível esperar. Diante desse estado de coisas, esta Corte de justiça é posta a decidir sobre o tema: é ou não legal aplicar astreintes ao agente econômico que desenvolve e aplica a criptografia de ponta-a-ponta em seus serviços de comunicação. A vedação ao non liquet, prevista no art. 140 do CPC, nos impede de nos abster. É nosso dever julgar. 

17. Por isso, embora chamando atenção para os graves aspectos que neste meu voto inicialmente levantei, curvo-me aos argumentos apresentados pelos em. Ministros Rosa Weber e Edson Fachin, os quais representam, ao menos até a presente altura, o pensamento do Supremo Tribunal Federal na matéria. E, assim, endosso a ponderação de valores realizada pelos aludidos Ministros, que, em seus votos, concluíram que os benefícios advindos da criptografia de ponta a ponta se sobrepõem às eventuais perdas pela impossibilidade de se coletar os dados das conversas dos usuários da tecnologia. 

18. Recurso ordinário provido, para afastar a multa aplicada ante a impossibilidade fática, no caso concreto, de cumprimento da ordem judicial, haja vista o emprego da criptografia de ponta-a-ponta.

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, após o voto-vista divergente, quanto à fundamentação, do Sr. Ministro Ribeiro Dantas, dando provimento ao recurso ordinário para afastar a multa aplicada ante a impossibilidade fática, no caso concreto, de cumprimento da ordem judicial, haja vista o emprego da criptografia de ponta-a-ponta, e os votos dos Srs. Ministros Antonio Saldanha Palheiro, Joel Ilan Paciornik, Laurita Vaz, Sebastião Reis Júnior (com ressalva) e Rogerio Schietti Cruz no mesmo sentido, por maioria, dar provimento ao recurso ordinário para afastar a multa aplicada ante a impossibilidade fática, no caso concreto, de cumprimento da ordem judicial, haja vista o emprego da criptografia de ponta-a-ponta, nos termos do voto do Sr. Ministro Ribeiro Dantas, que lavrará o acórdão. Votou vencido o Sr. Ministro Nefi Cordeiro. Votaram com o Sr. Ministro Ribeiro Dantas os Srs. Ministros Antonio Saldanha Palheiro, Joel Ilan Paciornik, Laurita Vaz, Sebastião Reis Júnior (com ressalva) e Rogerio Schietti Cruz. Não participaram do julgamento os Srs. Ministros Felix Fischer e João Otávio de Noronha. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca. 

Brasília (DF), 09 de dezembro de 2020 (data do julgamento)

21 de abril de 2021

PRESTADOR DE SERVIÇOS; CONTA COMERCIAL; APLICATIVO WHATSAPP; BANIMENTO; TERMO DE SERVIÇOS DO APLICATIVO; INOBSERVÂNCIA; INDEFERIMENTO DA TUTELA DE URGÊNCIA

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE PROCEDIMENTO COMUM. DEMANDANTE PRESTADORA DE SERVIÇOS DE TATUAGEM, PIERCING, BARBEARIA E BAR. CONTA COMERCIAL BANIDA DE APLICATIVO MULTIPLATAFORMA DE MENSAGENS INSTANTÂNEAS E CHAMADAS DE ÁUDIO E/OU VÍDEO ("WHATSAPP BUSINESS"). PEDIDO DE CONSTITUIÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER (RESTABELECIMENTO DA CONTA COMERCIAL), EM CÚMULO SUCESSIVO COM RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. INTERLOCUTÓRIA QUE INDEFERE A ANTECIPAÇÃO DE TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA. IRRESIGNAÇÃO. BANIMENTO QUE OCORREU APÓS ALTO VOLUME DE RECLAMAÇÕES DE TERCEIROS. INDÍCIOS DE TRANSMISSÃO DE VÍRUS E SPAMS, PROPAGAÇÃO DE FAKE NEWS E, AINDA, ENVIO DE MENSAGENS EM MASSA E DE FORMA AUTOMÁTICA. INOBSERVÂNCIA DO TERMO DE SERVIÇOS DO WHATSAPP". INEXISTÊNCIA DE PERIGO DE DANO OU RISCO AO RESULTADO ÚTIL DO PROCESSO (ART. 300, CAPUT DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL). AGRAVANTE QUE JÁ DISPÕE DE OUTROS MEIOS DE COMUNICAÇÃO COM OS CLIENTES (TELEFONES MÓVEL E FIXO, ALÉM DE CONTA EM REDE SOCIAL (INSTAGRAM). SÚMULA N.º 59-TJRJ. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E DESPROVIDO.



0074961-43.2019.8.19.0000 - AGRAVO DE INSTRUMENTO

DÉCIMA QUARTA CÂMARA CÍVEL

Des(a). GILBERTO CAMPISTA GUARINO - Julg: 11/11/2020 - Data de Publicação: 12/11/2020


17 de abril de 2021

Banco é condenado a indenizar cliente vítima de golpe do WhatsApp

 Correntista logo informou o ocorrido, mas instituição não agiu.

A 45ª Vara Cível Central da Capital condenou banco a pagar indenização por danos morais, fixada em R$ 5 mil, a cliente que sofreu golpe da clonagem do WhatsApp. A instituição também deverá restituir o valor indevidamente retirado da conta.
Consta nos autos que uma amiga da autora da ação teve seu WhatsApp clonado e um estelionatário, se passando pela amiga, pediu para que a vítima depositasse aproximadamente R$ 3 mil em sua conta. Apenas três minutos após o depósito, a correntista percebeu que se tratava de um golpe e entrou em contato com o banco pedindo o estorno do valor. Entretanto, o pedido foi ignorado.
Segundo o juiz Guilherme Ferreira da Cruz, a própria instituição financeira arguiu que se trata de um golpe comum. Ou seja, afirmou o magistrado, os consumidores possuem a legítima expectativa de “terem à sua disposição mecanismos aptos a agir eficazmente para impedir ou, no mínimo, minimizar as consequências lesivas dessa fraude já tão conhecida do sistema financeiro nacional”.
O juiz destacou a “inação do banco diante da prática de conhecida fraude”, já que em seu entender não é razoável que uma instituição do porte do réu não consiga agir para atender reclamação feita três minutos após o golpe. Assim, “caracteriza-se o ato ilícito diante da ofensa danosa à esfera de dignidade e aos direitos básicos da consumidora, a quem o Estado deve defender, reprimindo todos os abusos praticados no mercado, tanto que, a partir da consagração do direito subjetivo constitucional à dignidade, o dano moral deve ser entendido como sua mera violação”, afirmou Guilherme Ferreira da Cruz. “O dever de indenizar decorre – de modo imediato – da quebra da confiança e da justa expectativa da consumidora, vítima direta do conhecido estelionato”, completou.
Cabe recurso de decisão.

Apelação 1006245-69.2021.8.26.0100

Fonte: TJSP

10 de abril de 2021

HC 641.877: Validade de citação via WhatsApp

HABEAS CORPUS Nº 641.877 - DF (2021/0024612-7) 

RELATOR : MINISTRO RIBEIRO DANTAS


PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO. INADEQUAÇÃO. CITAÇÃO VIA WHATSAPP. NULIDADE. PRINCÍPIO DA NECESSIDADE. INADEQUAÇÃO FORMAL E MATERIAL. PAS DE NULlITÉ SANS GRIEF. AFERIÇÃO DA AUTENTICIDADE. CAUTELAS NECESSÁRIAS. NÃO VERIFICAÇÃO NO CASO CONCRETO. WRIT NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. 

1. Esta Corte - HC 535.063/SP, Terceira Seção, Rel. Ministro Sebastião Reis Junior, julgado em 10/6/2020 - e o Supremo Tribunal Federal - AgRg no HC 180.365, Primeira Turma, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 27/3/2020; AgR no HC 147.210, Segunda Turma, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 30/10/2018 -, pacificaram orientação no sentido de que não cabe habeas corpus substitutivo do recurso legalmente previsto para a hipótese, impondo-se o não conhecimento da impetração, salvo quando constatada a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado. 

2. A citação do acusado revela-se um dos atos mais importantes do processo. É por meio dela que o indivíduo toma conhecimento dos fatos que o Estado, por meio do jus puniendi lhe direciona e, assim, passa a poder demonstrar os seus contra-argumentos à versão acusatória (contraditório, ampla defesa e devido processo legal). 

3. No Processo Penal, diversamente do que ocorre na seara Processual Civil, não se pode prescindir do processo para se concretizar o direito substantivo. É o processo que legitima a pena. 

4. Assim, em um primeiro momento, vários óbices impediriam a citação via Whatsapp, seja de ordem formal, haja vista a competência privativa da União para legislar sobre processo (art. 22, I, da CF), ou de ordem material, em razão da ausência de previsão legal e possível malferimento de princípios caros como o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa. 

5. De todo modo, imperioso lembrar que "sem ofensa ao sentido teleológico da norma não haverá prejuízo e, por isso, o reconhecimento da nulidade nessa hipótese constituiria consagração de um formalismo exagerado e inútil" (GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antonio Magalhães; FERNANDES, Antonio Scarance. As nulidades no processo penal. 11. ed. São Paulo: RT, 2011, p. 27). Aqui se verifica, portanto, a ausência de nulidade sem demonstração de prejuízo ou, em outros termos, princípio pas nullité sans grief. 

6. Abstratamente, é possível imaginar-se a utilização do Whatsapp para fins de citação na esfera penal, com base no princípio pas nullité sans grief. De todo modo, para tanto, imperiosa a adoção de todos os cuidados possíveis para se comprovar a autenticidade não apenas do número telefônico com que o oficial de justiça realiza a conversa, mas também a identidade do destinatário das mensagens. 

7. Como cediço, a tecnologia em questão permite a troca de arquivos de texto e de imagens, o que possibilita ao oficial de justiça, com quase igual precisão da verificação pessoal, aferir a autenticidade da conversa. É possível imaginar-se, por exemplo, a exigência pelo agente público do envio de foto do documento de identificação do acusado, de um termo de ciência do ato citatório assinado de próprio punho, quando o oficial possuir algum documento do citando para poder comparar as assinaturas, ou qualquer outra medida que torne inconteste tratar-se de conversa travada com o verdadeiro denunciado. De outro lado, a mera confirmação escrita da identidade pelo citando não nos parece suficiente. 

8. Necessário distinguir, porém, essa situação daquela em que, além da escrita pelo citando, há no aplicativo foto individual dele. Nesse caso, ante a mitigação dos riscos, diante da concorrência de três elementos indutivos da autenticidade do destinatário, número de telefone, confirmação escrita e foto individual, entendo possível presumir-se que a citação se deu de maneira válida, ressalvado o direito do citando de, posteriormente, comprovar eventual nulidade, seja com registro de ocorrência de furto, roubo ou perda do celular na época da citação, com contrato de permuta, com testemunhas ou qualquer outro meio válido que autorize concluir de forma assertiva não ter havido citação válida. 

9. Habeas corpus não conhecido, mas ordem concedida de ofício para anular a citação via Whatsapp, porque sem nenhum comprovante quanto à autenticidade da identidade do citando, ressaltando, porém, a possibilidade de o comparecimento do acusado suprir o vício, bem como a possibilidade de se usar a referida tecnologia, desde que, com a adoção de medidas suficientes para atestar a identidade do indivíduo com quem se travou a conversa. 

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, não conhecer do pedido e conceder "Habeas Corpus" de ofício, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Joel Ilan Paciornik, Felix Fischer, João Otávio de Noronha e Reynaldo Soares da Fonseca votaram com o Sr. Ministro Relator. 

Brasília (DF), 09 de março de 2021 (data do julgamento)


RELATÓRIO 

O EXMO. SR. MINISTRO RIBEIRO DANTAS (Relator): Trata-se de habeas corpus substitutivo, com pedido liminar, impetrado em favor de MAURO DE JESUS GOMES DOS SANTOS, apontando como autoridade coatora o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. 

O acórdão supostamente violador do direito de ir e vir do paciente restou assim ementado: 

"HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. VIAS DE FATO. CITAÇÃO POR MEIO ELETRÔNICO. CIÊNCIA PELO PACIENTE DA ACUSAÇÃO QUE RECAI CONTRA SI. ALEGAÇÃO DE NULIDADE. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO AO CONTRADITÓRIO E À AMPLA DEFESA. COAÇÃO ILEGAL. INOCORRÊNCIA. ORDEM DENEGADA. 

1. Diante da Covid-19, a citação eletrônica por Whatsapp deixa de ser suscitada por uma questão de modernização da Justiça e passa a ser necessária por uma questão de segurança e integridade física do ser humano, ambos direitos fundamentais previstos no artigo 5º da CF/88. 

2. A ciência do teor da denúncia é inequívoca, consoante demonstra a troca de mensagens entre o denunciado e a oficial de justiça pelo aplicativo Whatsapp, ocasião em que o paciente inclusive manifestou interesse em ser representado pela Defensoria Pública. 

3. Conforme dispõe o artigo 563 do CPP, “nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa”. No caso concreto, nota-se que não houve prejuízo processual objetivamente demonstrado que importe em nulidade do ato de citação, uma vez que os elementos necessários para o conhecimento da denúncia foram devidamente encaminhados ao denunciado e não há dúvidas quanto à ciência, pelo acusado, do ato da citação e do teor da acusação. 

4. Habeas Corpus admitido e ordem denegada." (e-STJ, fl. 159). 

Irresignada, a defesa impetra o presente writ alegando a nulidade da citação por telefone, via WhatsApp. 

Nesse sentido, afirma, incialmente, ser a citação um dos mais importantes atos atos de comunicação processual. Adverte que a legislação que dispõe sobre a informatização do processo judicial (Lei n.º 11.419/06) veda expressamente, sem qualquer ressalva, a realização de citações por meio eletrônico em processo criminal, no seu art. 6º. E, nestes termos, conclui que a portaria que autorizou esse método citatório (Portaria GC nº 155/2020) é incompatível com o processo criminal. 

Explica não existir qualquer diligência no sentido de confirmar os dados pessoais do citando, nem tampouco qualquer documento escrito no qual se possa verificar a resposta dele ao oficial de justiça:

"Ainda, sequer existe nas diligências de ID 76314845 qualquer informação acerca de ter-se procedida a confirmação de dados pessoais, na verdade sequer existe no documento resposta escrita do paciente sobre a ciência do processo, ou seja, não há como aferir a resposta deste tendo em vista que o conteúdo da sua resposta inexiste no processo. Ora, Excelências?, uma vez não praticado o ato em conformidade com a lei, caberia, no mínimo, a demonstração inequívoca nos autos do cumprimento do mandado?, sob pena do não conhecimento do acusado sobre os fatos a ele imputado." (e-STJ, fl. 8). 

Requer, liminarmente, a suspensão do processo. 

E, no mérito, a anulação do ato citatório, determinando-se a feitura de nova comunicação. 

A liminar foi indeferida. 

O Ministério Público Federal ofertou parecer pelo não conhecimento do remédio constitucional ou pela denegação. 

É o relatório.


VOTO 

O EXMO. SR. MINISTRO RIBEIRO DANTAS (Relator): Esta Corte - HC 535.063/SP, Terceira Seção, Rel. Ministro Sebastião Reis Junior, julgado em 10/6/2020 - e o Supremo Tribunal Federal - AgRg no HC 180.365, Primeira Turma, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 27/3/2020; AgR no HC 147.210, Segunda Turma, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 30/10/2018 -, pacificaram orientação no sentido de que não cabe habeas corpus substitutivo do recurso legalmente previsto para a hipótese, impondo-se o não conhecimento da impetração, salvo quando constatada a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado. 

Assim, passo à análise das razões da impetração, de forma a verificar a ocorrência de flagrante ilegalidade a justificar a concessão do habeas corpus, de ofício. 

Inicialmente, destaque-se que o tema dos autos é bastante novo e motivado em grande medida pelo estado atual de coisas, notadamente pelas restrições de locomoção impostas pela pandemia da Covid-19. Nesta Corte, foi possível encontrar os seguintes habeas corpus com tema semelhante: HC 633.317/DF; HC 644.629/RJ; HC 644.544/DF; e HC 644.543/DF. Assim, diante da potencialidade de futuras nulidades em cascata, decidi submeter o tema a este colendo Colegiado. 

De fato, a citação do acusado revela-se um dos atos mais importantes do processo. É por meio dela que o indivíduo toma conhecimento dos fatos que o Estado, por meio do jus puniendi lhe direciona e, assim, passa a poder demonstrar os seus contra-argumentos à versão acusatória estatal. Aperfeiçoa-se, assim, a relação jurídico-processual penal ensejadora do contraditório e da ampla defesa, por meio do devido processo legal (art. 5º, LIV e LV, da CF). 

É essa versão estatal devidamente contraditada pelo acusado que torna possível, eventualmente, impor-se pena ao indivíduo (Princípio da necessidade). Diversamente do que se verifica na seara Processual Civil, em que se pode prescindir do Direito adjetivo para se concretizar determinado direito substantivo, no processo penal, o processo penal, para que se possa falar em pena, é indelével. 

Nas precisas palavras de Aury Lopes Júnior, podemos dizer que: 

"Existe uma íntima relação e interação entre a história das penas e o nascimento do processo penal, na medida em que o processo penal é um caminho necessário para alcançar-se a pena e, principalmente, um caminho que condiciona o exercício do poder de penar (essência do poder punitivo) à estrita observância de uma série de regras que compõe o devido processo penal (ou, se preferirem, são as regras do jogo, se pensarmos no célebre trabalho Il processo come giuoco de CALAMANDREI). Esse é o núcleo conceitual do 'Princípio da Necessidade'." (LOPES JR., Aury. Direito processual penal, 15ª ed., São Paulo: Saraiva, 2018. p. 22; grifou-se). 

Veja-se que a citação produz vários efeitos no processo penal. Após ser citado, o réu que deixar de comparecer sem motivo justificado para qualquer ato ou mudar-se sem comunicar o novo endereço ao juízo sofrerá o efeito processual da revelia, não sendo mais intimados dos demais atos processuais (art. 367 do CPP). Note-se que o ato citatório é tão importante que o acusado citado por edital (citação ficta) tem a seu favor, desde que não constitua advogado, a suspensão do processo (o prazo prescricional, nessa hipótese, também é suspenso), de modo que a persecução penal só continue quando ele, ciente da acusação, possa exercer a sua defesa. 

Com efeito, não se pode prescindir, de maneira alguma, da autêntica, regular e comprovada citação do acusado, sob pena de se infringir a regra mais básica do processo penal, qual seja a da observância ao princípio do contraditório. Como explica Eugênio Pacelli, "O contraditório, ... junto ao princípio da ampla defesa, institui-se como a pedra fundamental ... do processo penal. E assim é porque, como cláusula de garantia instituída para a proteção do cidadão diante do aparato persecutório penal, encontra-se solidamente encastelado no interesse público da realização de um processo justo e equitativo, único caminho para a imposição da sanção de natureza penal." (PACELLI, Eugênio. Curso de Processo Penal. 24ª ed. São Paulo: Atlas, 2020, p. 76). 

Note-se, portanto, que, a princípio, vários óbices impediriam a citação via Whatsapp, seja de ordem formal, haja vista a competência privativa da União para legislar sobre processo (art. 22, I, da CF), ou de ordem material, em razão da ausência de previsão legal e possível malferimento de princípios como o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa. 

De todo modo, saliente-se que, apesar de a infringência à norma constitucional com conteúdo de garantia acarretar como sanção a nulidade absoluta, a doutrina corretamente indica ser "preciso examinar, caso a caso, se o vício ou ausência do ato processual defensivo prejudica a ampla defesa como um todo, ou se não têm eles esse alcance" (GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antonio Magalhães; FERNANDES, Antonio Scarance. As nulidades no processo penal. 11. ed. São Paulo: RT, 2011, p. 75). Nessa obra, encontra-se a seguinte explanação: 

"Com a evolução dos estudos em torno do procedimento, motivados pela ideia de que ele constitui um dos elementos essenciais da relação jurídica processual, caminha-se para o exame da invalidade não mais com base apenas na atipicidade do ato, visto isoladamente, mas em face de sua função dentro do procedimento, realidade unitária de formação sucessiva." (Ob. cit., p. 22) 

Com isso, é lícito assinalar que "sem ofensa ao sentido teleológico da norma não haverá prejuízo e, por isso, o reconhecimento da nulidade nessa hipótese constituiria consagração de um formalismo exagerado e inútil" (GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antonio Magalhães; FERNANDES, Antonio Scarance. Ibidem, p. 27). Aqui se verifica, portanto, a ausência de nulidade sem demonstração de prejuízo ou, em outros termos, princípio pas nullité sans grief. 

Nessa senda, registre-se não ser adequado fechar-se os olhos para a realidade. Excluir peremptória e abstratamente a possibilidade de utilização do Whatsapp para fins da prática de atos de comunicação processuais penais, como a citação e a intimação, não se revelaria uma postura comedida. Não se trata de autorizar a confecção de normas processuais por tribunais, mas sim o reconhecimento, em abstrato, de situações que, com os devidos cuidados, afastariam, ao menos, a princípio, possíveis prejuízos ensejadores de futuras anulações. Isso porque a tecnologia em questão permite a troca de arquivos de texto e de imagens, o que possibilita ao oficial de justiça, com quase igual precisão da verificação pessoal, aferir a autenticidade do número telefônico, bem como da identidade do destinatário para o qual as mensagens são enviadas. 

É possível, assim, imaginar-se, por exemplo, que, após o agente público comunicar sua qualidade e a sua pretensão citatória, requeira a emissão, via Whatsapp, de arquivo com a foto de documento de identificação do acusado, um termo de ciência do ato citatório assinado de próprio punho, quando o oficial eventualmente possuir algum documento do citando para comparar as assinaturas, ou qualquer outra medida que torne inconteste tratar-se de conversa travada com o verdadeiro denunciado.

Destaque-se, aqui, que a mera confirmação escrita da identidade pelo citando não nos parece suficiente para a finalidade de tornar o acusado ciente da imputação, especialmente quando não houver foto individual do citando no aplicativo que permita identificá-lo. 

Necessário distinguir, porém, essa situação daquela em que, além da escrita pelo citando, há no aplicativo foto individualizada dele. Nesse caso, ante a mitigação dos riscos, diante da concorrência de três elementos indutivos da autenticidade do destinatário, número de telefone, confirmação escrita e foto individual, entendo possível presumir-se que a citação se deu de maneira válida, ressalvado o direito do citando de, posteriormente, comprovar eventual nulidade, seja com registro de ocorrência de furto, roubo ou perda do celular na época da citação, com contrato de permuta da linha telefônica, com testemunhas ou qualquer outro meio válido que autorize concluir de forma assertiva não ter havido citação válida. 

No caso concreto, às fl. 93 e 94 (e-STJ), é possível observar a certidão de intimação via Whatsapp, bem como imagem da conversa travada entre oficial de justiça e acusado. Na conversa, verifica-se que o citando não possui foto que diminuiria os riscos de uma citação inválida. Além disso, apesar de poder constatar o envio de documentos ao citando, este não encaminha nenhuma prova de sua identidade. 

Note-se que as instâncias de origem consideraram inequívoca a ciência do teor da denúncia: 

"No caso dos autos, observa-se que a ciência do teor da denúncia é inequívoca, consoante demonstra a troca de mensagens entre o denunciado e a Oficiala de Justiça (ID: Num. 21761937 - Pág. 70). Ademais, nos termos da certidão de ID: Num. 21761937 - Pág. 69, a Oficiala de Justiça, que goza de fé pública, informou "Certifico e dou fé que, em cumprimento ao r. mandado, no dia 03.11.2020, às 16h30, PROCEDI A CITAÇÃO E INTIMAÇÃO (por meio do whatsapp -99559-4281) DE MAURO DE JESUS GOMES DOS SANTOS CPF nº 035.282.441-78, e diante da concordância do intimando, encaminhei contrafé para o seu whatsapp. (cópia anexa). Certifico que após o recebimento do mandado, o intimando informou estar ciente e informou ainda que não tem condições de pagar advogado particular e deseja ter a sua defesa realizada pela assistência judiciária gratuita"." (e-STJ, fl. 126; grifou-se). 

Apesar disso, diante da ausência de dado concreto que autorize deduzir tratar-se efetivamente do citando, não se pode aferir com certeza que o indivíduo com quem se travou o diálogo via Whatsapp era efetivamente o acusado. Destaque-se que a presunção de fé pública não se revela suficiente para o ato. Por isso, na hipótese, imperiosa a decretação da nulidade. 

Porém, se, eventualmente, in concreto, o indivíduo compareça em juízo, mesmo sem qualquer cautela adotada pelo oficial de justiça, o vício estará sanado, pois atendida a finalidade do ato (cientificar o acusado sobre a imputação). 

Ante o exposto, não conheço do habeas corpus, mas concedo a ordem de ofício, para anular a citação via Whatsapp, porque, in casu, foi feita sem nenhum comprovante quanto à autenticidade da identidade do citando, ressaltando, porém, a possibilidade do uso da referida tecnologia, desde que, com a adoção de medidas suficientes para atestar a identidade do indivíduo com quem se travou a conversa. 

É o voto


5 de abril de 2021

Justiça do Trabalho reconhece áudios de WhatsApp como um meio de prova

 A utilização de gravação ou registro de conversa por meio telefônico por um dos participantes, ainda que sem o conhecimento do outro, é meio lícito de prova. Esse entendimento relativo às conversas por telefone aplica-se igualmente às novas ferramentas de comunicação, tais como as mensagens e áudios enviados por aplicativos, como o WhatsApp, de forma que não há vedação ao uso do conteúdo por um dos interlocutores como prova em processo judicial.

Com essa explicação, julgadores da Sexta Turma do TRT de Minas consideraram válidas como provas as mensagens trocadas por meio do aplicativo WhatsApp, apresentadas por um trabalhador em ação ajuizada na Justiça do Trabalho contra a ex-empregadora, uma grande empresa do ramo de alimentos.

A utilização dos áudios trocados entre empregados foi contestada pela empresa, ao argumento de se tratar de prova ilícita, em face da proteção ao sigilo da correspondência, das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, prevista no artigo 5º, inciso XII, da Constituição. No entanto, o desembargador César Machado, atuando como relator do caso, negou provimento ao recurso da empresa no aspecto.

Para o magistrado, o artigo 5º, inciso XII, da CF, não se aplica ao caso, uma vez que o preceito constitucional se dirige à inadmissibilidade da violação do sigilo das comunicações por terceiros, estranhos ao diálogo, o que não é o caso dos autos, já que o reclamante era um dos interlocutores da conversa. Nesse sentido, destacou jurisprudência do TST.

O reclamante havia apresentado os áudios para provar a existência de assédio moral, pleiteando indenização, determinada pelo juízo de primeiro grau. No entanto, quanto ao conteúdo dos áudios, o relator entendeu que as conversas nada revelaram que pudesse ensejar a condenação da empresa por danos morais.

O relator reconheceu que, entre os áudios apresentados, houve o emprego de termos de baixo calão durante a troca de mensagens entre os empregados. Porém, o magistrado entendeu que não continham ofensas ou agressão ao reclamante nem evidenciavam constrangimento. “Note-se que em nenhum momento se pediu ao reclamante que prestasse declarações falsas em favor da reclamada, apenas se sugeriu que seria conveniente que participasse de audiência”, ponderou.

Uma das gravações mostrou um descontentamento com o desempenho de vendedores, que foi expresso com uso de algumas expressões vulgares.

No entanto, ao ouvir o áudio, o relator enfatizou: “percebe-se que a entonação de quem fala não denota tom manifestamente agressivo nem indica ofensa direcionada e deliberada”.

O pressuposto da indenização por danos morais é o ato ilícito capaz de ensejar violação dos direitos da personalidade, como a honra ou a imagem, conforme frisou o relator.

No caso dos autos, ainda que a pessoa apontada como empregado da reclamada tenha enviado áudio com algumas palavras chulas, o contexto não indica insulto ou humilhação nem agressividade, e sim expressão de descontentamento com uma situação no trabalho. Para o desembargador, apesar de “certa falta de cortesia” identificada na fala não ser a mais apropriada para o ambiente profissional, provoca, no máximo, mero aborrecimento pelo empregado, e não efetiva violação aos direitos da personalidade.

Nesse contexto, o relator deu provimento ao recurso da empresa para excluir da condenação o pagamento de indenização por danos morais. A decisão foi unânime.

TRT-MG