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10 de outubro de 2021

Não é possível a penhora de percentual do auxílio emergencial para pagamento de crédito constituído em favor de instituição financeira

 O que é o chamado “auxílio emergencial”

O Auxílio Emergencial é um benefício financeiro, instituído pela Lei nº 13.982/2020, pago pela União a trabalhadores informais, microempreendedores individuais (MEI), autônomos e desempregados, e que foi criado com o objetivo de fornecer proteção emergencial, pelo prazo de poucos meses, às pessoas que perderam sua renda em virtude da crise causada pela Covid-19.

 

O valor do auxílio emergencial pode ser penhorado?

Em regra, não. Isso porque se trata de verba de natureza alimentar, sendo impenhorável, nos termos do art. 833, IV, do CPC:

Art. 833. São impenhoráveis:

(...)

IV - os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, ressalvado o § 2º ;

 

O CNJ expediu, inclusive, a Resolução nº 318/2020, na qual recomenda que os magistrados não efetuem a penhora do auxílio emergencial para pagamento de dívidas:

Art. 5º Recomenda-se que os magistrados zelem para que os valores recebidos a título de auxílio emergencial previsto na Lei no 13.982/2020 não sejam objeto de penhora, inclusive pelo sistema BacenJud, por se tratar de bem impenhorável nos termos do art. 833, IV e X, do CPC.

Parágrafo único. Em havendo bloqueio de valores posteriormente identificados como oriundos de auxílio emergencial, recomenda-se que seja promovido, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, seu desbloqueio, diante de seu caráter alimentar.

 

Vale ressaltar que esta recomendação tem um caráter mais orientativo do que compulsório, considerando que a decisão sobre o enquadramento ou não da referida parcela como impenhorável está dentro do livre convencimento judicial, não podendo ser punido disciplinarmente o magistrado que, de forma fundamentada, decida em sentido contrário à orientação do CNJ que, como se sabe, é um órgão administrativo.

 

A hipótese de impenhorabilidade do inciso IV do art. 833 do CPC é absoluta ou admite exceções?

Há duas exceções previstas no § 2º do art. 833:

Art. 833 (...)

§ 2º O disposto nos incisos IV e X do caput não se aplica à hipótese de penhora para pagamento de prestação alimentícia, independentemente de sua origem, bem como às importâncias excedentes a 50 (cinquenta) salários-mínimos mensais, devendo a constrição observar o disposto no art. 528, § 8º, e no art. 529, § 3º .

 

Desse modo, é possível a penhora de verbas salariais em duas hipóteses:

1) para pagamento de prestação alimentícia (qualquer que seja a sua origem, ou seja, pode ser pensão alimentícia decorrente de poder familiar, de parentesco ou mesmo derivada de um ato ilícito).

 

Observação: essa primeira exceção é plenamente aplicável para o caso do auxílio emergencial. Assim, se o sujeito recebeu os R$ 600,00 do auxílio emergencial, mas está devendo pensão alimentícia, é possível, de acordo com o CPC, que o juiz determine a penhora de até metade desse valor para pagamento da dívida.

 

2) sobre o montante que exceder 50 salários-mínimos.

 

Observação: essa segunda hipótese não se aplica para o caso do auxílio emergencial, considerando que seu valor era, inicialmente, de apenas R$ 600,00 e com duração inicial de 3 meses. Mesmo com as prorrogações, ainda que a pessoa acumulasse no banco o valor das parcelas do auxílio, isso não superaria 50 salários-mínimos.

 

Vale ressaltar que nessas duas hipóteses excepcionais de penhora, o valor penhorado não poderá exceder 50% dos ganhos líquidos do devedor:

Art. 529 (...)

§ 3º Sem prejuízo do pagamento dos alimentos vincendos, o débito objeto de execução pode ser descontado dos rendimentos ou rendas do executado, de forma parcelada, nos termos do caput deste artigo, contanto que, somado à parcela devida, não ultrapasse cinquenta por cento de seus ganhos líquidos.

 

Resumindo:

Em regra, o valor recebido a título de auxílio emergencial é impenhorável, por se enquadrar como verba de natureza alimentar.

Excepcionalmente, é possível a penhora de 50% desse valor para pagamento de prestação alimentícia, nos termos do art. 833, § 2º c/c art. 529, § 3º, do CPC.

Ex: Pedro recebeu o auxílio emergencial de R$ 600,00; ocorre que ele está devendo a pensão alimentícia a seu filho menor; o magistrado poderá penhorar até 50% desse valor (R$ 300,00) para pagamento da prestação alimentícia.

 

É possível a penhora do auxílio emergencial para pagamento de dívidas com bancos?

NÃO.

Não é possível a penhora de percentual do auxílio emergencial para pagamento de crédito constituído em favor de instituição financeira.

STJ. 4ª Turma. REsp 1.935.102-DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 29/06/2021 (Info 703).

 

As dívidas comuns não podem gozar do mesmo status diferenciado da dívida alimentar a permitir a penhora indiscriminada das verbas remuneratórias, sob pena de se afastarem os ditames e a própria ratio legis do Código de Processo Civil (art. 833, IV, c/c o § 2º), sem que tenha havido a revogação do dispositivo de lei ou a declaração de sua inconstitucionalidade.

A verba emergencial da covid-19 foi pensada e destinada a salvaguardar pessoas que, em razão da pandemia, presume-se estejam com restrições em sua subsistência, cerceadas de itens de primeira necessidade; por conseguinte, é intuitivo que a constrição judicial sobre qualquer percentual do benefício, salvo para pagamento de prestação alimentícia, acabará por vulnerar o mínimo existencial e a dignidade humana dos devedores.

 

Impossibilidade de o banco efetuar descontos ou compensações envolvendo o valor do auxílio emergencial

Imagine a seguinte situação hipotética:

João fez um mútuo bancário e autorizou que as parcelas a serem pagas deste empréstimo fossem descontadas diretamente de sua conta todas as vezes em que fosse depositado algum dinheiro.

Ocorre que João perdeu seu emprego e passou a não mais receber qualquer valor na conta bancária.

Neste período de pandemia, foi aprovado para receber o auxílio emergencial do governo.

 

Quando o valor do auxílio emergencial for depositado na conta de João, o banco poderá reter esse valor, no todo ou, pelo menos, em parte, para pagamento da dívida?

NÃO. Essa proibição consta expressamente no § 13 do art. 2º da Lei nº 13.982/2020, incluído pela Lei nº 13.998/2020:

Art. 2º (...)

§ 13. Fica vedado às instituições financeiras efetuar descontos ou compensações que impliquem a redução do valor do auxílio emergencial, a pretexto de recompor saldos negativos ou de saldar dívidas preexistentes do beneficiário, sendo válido o mesmo critério para qualquer tipo de conta bancária em que houver opção de transferência pelo beneficiário.

3 de setembro de 2021

VALORES DECORRENTES DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. DEPÓSITO EM CONTA SALÁRIO. NATUREZA SALARIAL NÃO CONFIGURADA. IMPENHORABILIDADE AFASTADA

RECURSO ESPECIAL Nº 1931432 - DF (2020/0235304-6) 

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI 

EMENTA RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL. VIOLAÇÃO DE DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL. NÃO CABIMENTO. VALORES DECORRENTES DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. DEPÓSITO EM CONTA SALÁRIO. NATUREZA SALARIAL NÃO CONFIGURADA. IMPENHORABILIDADE AFASTADA. JULGAMENTO: CPC/2015. 

1. Ação de execução de título extrajudicial ajuizada em 2018, da qual foi extraído o presente recurso especial, interposto em 25/05/2020 e concluso ao gabinete em 08/04/2021. 

2. O propósito recursal é decidir sobre a penhora de valores oriundos de empréstimo consignado, depositados na conta salário do executado. 

3. É incabível a interposição de recurso especial fundada em suposta violação de dispositivo constitucional ou de qualquer ato normativo que não se enquadre no conceito de lei federal, conforme disposto no art. 105, III, "a" da CF/88. 

4. O fato de o pagamento das parcelas incidir diretamente sobre a contraprestação recebida como fruto do trabalho não equipara os valores oriundos de empréstimo consignado aos vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios, montepios, ou às quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, aos ganhos de trabalhador autônomo e aos honorários de profissional liberal, aos quais o legislador conferiu a proteção da impenhorabilidade (art. 833, IV, CPC/2015). 

5. Se nem mesmo o salário e verbas assemelhadas, que têm natureza alimentar, gozam de impenhorabilidade absoluta, não é razoável que se confira tal blindagem aos valores decorrentes de empréstimo consignado, apenas porque se encontram depositados na conta salário do devedor. 

6. Hipótese em que, diferentemente do decidido pela Terceira Turma no REsp 1.820.477/DF, (julgado em 19/05/2020, DJe 27/05/2020), o Tribunal de origem, ao analisar o conjunto fático-probatório dos autos, registrou que a penhora recaiu sobre valores cuja origem não foi comprovada pelo devedor, não havendo, pois, falar em impenhorabilidade. 

7. Recurso especial conhecido em parte e, nessa extensão, desprovido. 

ACÓRDÃO 

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino (Presidente), Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora. 

Brasília, 08 de junho de 2021. MINISTRA NANCY ANDRIGHI Relatora 

RELATÓRIO 

Cuida-se de recurso especial interposto por ROBERTO MIGUEL BULAT, fundado nas alíneas “a” e “c” do permissivo constitucional, contra acórdão do TJ/DFT. 

Ação: de execução de título extrajudicial ajuizada por COOPERATIVA DE ECONOMIA E CREDITO MUTUO DOS SERV DO PODER EXEC FED, DOS SERV DA SEC DE SAUDE E DOS TRAB EM ENSINO DO DF LTDA - SICOOB EXECUTIVO em face de BRAZUNI GESTÃO E ADMINISTRAÇÃO DE BENEFÍCIOS EIRELI – ME, ROBERTO MIGUEL BULAT e ISABEL SARAIVA DE SOUZA, referente à cédula de crédito bancário no valor de R$ 74.508,39 (setenta e quatro mil quinhentos e oito reais e trinta e nove centavos). 

Decisão: o Juízo de primeiro grau rejeitou a impugnação oferecida por ROBERTO à penhora, via Bacenjud, das quantias de R$ 11.929,94 (Banco BRB) e R$ 251,57 (Banco do Brasil) existentes em suas contas bancárias (fls. 262-263, e-STJ). 

Acórdão: o TJ/DFT, à unanimidade, negou provimento ao agravo de instrumento interposto por ROBERTO, nos termos da seguinte ementa: 

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. DECISÃO QUE REJEITA IMPUGNAÇÃO E MANTÉM PENHORA REALIZADA NA CONTA DO DEVEDOR. VALORES BLOQUEADOS SE REFEREM A EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. INEXISTÊNCIA DE NATUREZA SALARIAL. FALTA DE PROVAS DE QUE A PENHORA RESULTOU EM SALDO NEGATIVO. AGRAVO IMPROVIDO. 1. Cuida-se de agravo de instrumento, com pedido de liminar, interposto contra decisão proferida na execução de título extrajudicial, em que o juiz determinou o levantamento apenas da restrição do valor comprovadamente de salário e manteve penhora realizada em parte do valor constante em conta bancária do executado, por entender que inexiste previsão legal que confira natureza salarial a empréstimos consignados. 1.1. Em seu agravo, o recorrente pede que seja julgada insubsistente e indeferida a penhora dos autos principais, que recaiu sobre numerário impenhorável de verba de caráter estritamente salarial, de empréstimo consignado e de saldo negativo em conta salarial do agravante. 2. Os empréstimos consignados não estão relacionados no inciso IV do art. 833 do Código de Processo Civil, que prevê quais são as verbas impenhoráveis. 2.1. Precedentes deste Tribunal: “A proteção conferida às verbas de natureza salarial não pode ser estendida aos empréstimos consignados disponibilizados pela instituição financeira ao correntista, por absoluta falta de previsão legal.” (07005606520198070000, Relator: Eustáquio De Castro, 8ª Turma Cível, PJe: 7/6/2019).” 3. O Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o REsp 1.837.702 – DF, passou a permitir a constrição de percentual dos proventos dos devedores, de modo a garantir a efetividade do processo, sem afrontar a dignidade ou a subsistência destes e de sua família. 4. Não consta nos autos comprovação de que os valores bloqueados sejam verbas salariais. Ademais, não há no extrato do executado qualquer informação que possa denotar que o bloqueio culminou com o saldo negativo da conta. 5. Agravo improvido 

Recurso especial: aponta violação do art. 1º, III, da CF/1988, do art. 833, IV, do CPC/2015, bem como dissídio jurisprudencial. 

Alega que a penhora recaiu sobre “valor disponibilizado em conta a título de empréstimo consignado de natureza salarial, que fora depositado em sua conta justamente para cobrir o valor que o Recorrente devia à Recorrida, não caracterizado como uma fonte de renda, tampouco renda estável do Recorrente, bem como valor de sua propriedade (R$ 11.929,94)”, e que “tal numerário, enquanto não utilizado pelo correntista, constitui patrimônio da própria SICOOB, retirado de sua conta devido a penhora deferida nos autos n° 0703098- 44.2018.8.07.0003” (fls. 413-414, e-STJ). 

Afirma que “todos os empréstimos, taxados como consignados, como no caso dos presentes autos, são descontados diretamente da aposentadoria do ora Recorrente, o que lhe confere natureza salarial e impenhorável” e que “não se considerou a real situação de penúria do Recorrente, porque já vem cumprindo outra decisão judicial de pagar pensão alimentícia à sua ex-esposa, fixada em 40% (quarenta por cento) de seus rendimentos, conforme sentença de divórcio/alimentos (ID n° 11817571) e demais deduções na fonte demonstradas nos contracheques, que, somados, estão comprometendo 60% (sessenta por cento) da sua renda mensal” (fl. 414, e-STJ). 

Pleiteia o provimento do recurso especial para que seja reconhecida a impenhorabilidade dos valores bloqueados. 

Juízo prévio de admissibilidade: o TJ/DFT inadmitiu o recurso, dando azo à interposição do AREsp 1.757.790/DF, do qual não conheceu a e. Presidência do STJ. 

Agravo interno: interposto por ROBERTO, foi provido para reconsiderar a decisão agravada e determinar a autuação em recurso especial. 

É o relatório.

VOTO 

O propósito recursal é decidir sobre a penhora de valores oriundos de empréstimo consignado, depositados na conta salário do executado. 

DA VIOLAÇÃO DE DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL 

É incabível a interposição de recurso especial fundada em suposta violação de dispositivo constitucional ou de qualquer ato normativo que não se enquadre no conceito de lei federal, conforme disposto no art. 105, III, "a" da CF/88. 

DA POSSIBILIDADE DE PENHORA DE VALORES ORIUNDOS DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO, DEPOSITADOS NA CONTA SALÁRIO DO EXECUTADO 

Sustenta o recorrente ROBERTO que os valores depositados em sua conta salário, decorrentes de empréstimo consignado, são impenhoráveis, por força do disposto no art. 833, IV, do CPC/2015. 

Para o TJ/DFT, no entanto, “os empréstimos consignados não estão relacionados no inciso IV do art. 833 do Código de Processo Civil” (fl. 379, e-STJ), razão pela qual foi mantida a penhora realizada. 

Sobre o tema, a Lei 10.820/2003 estabelece que os empregados regidos pela CLT, poderão autorizar, de forma irrevogável e irretratável, o desconto em folha de pagamento ou na sua remuneração disponível dos valores referentes ao pagamento de empréstimos, financiamentos, cartões de crédito e operações de arrendamento mercantil concedidos por instituições financeiras e sociedades de arrendamento mercantil, quando previsto nos respectivos contratos. 

Assim também previu o legislador quanto aos benefícios da Previdência Social (art. 115, da Lei 8.213/1991) e à remuneração ou proventos dos servidores públicos civis federais (art. 45, § 2º, da Lei 8.112/1990). 

Nessa toada, o empréstimo consignado, como informa o Banco Central do Brasil, “é uma operação de crédito (empréstimo pessoal) cujo pagamento é descontado diretamente, em parcelas mensais fixas, da folha de pagamento ou do benefício previdenciário do contratante” (informação disponível em: https://www.bcb.gov.br/pre/pef/port/folder_serie_I_emprestimo_consignado.pdf, acesso em 23/04/2021). 

Trata-se, portanto, de uma espécie de empréstimo com garantia, sendo esta representada pela própria remuneração do trabalhador, o que explica ser uma das linhas de crédito mais baratas do mercado, na medida em que o risco reduzido de inadimplência possibilita a cobrança de taxas de juros mais baixas. 

E, justamente por incidir diretamente sobre a remuneração do trabalhador, o percentual de comprometimento desta renda com o pagamento das parcelas do empréstimo consignado é limitado por lei, no intuito de preservar a dignidade do devedor: a Lei 14.131/2021 aumentou, até 31/12/2021, de 35% para 40% o percentual máximo de consignação. 

O fato de essas parcelas incidirem diretamente sobre a contraprestação recebida pelo trabalho, entretanto, não equipara os valores oriundos de empréstimo consignado aos vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios, montepios, aos ganhos de trabalhador autônomo e aos honorários de profissional liberal, aos quais o legislador conferiu a proteção da impenhorabilidade (art. 833, IV, CPC/2015). 

Como afirmado por esta Turma, no julgamento do REsp 1.820.477/DF, (julgado em 19/05/2020, DJe 27/05/2020), “o recebimento desses valores [salário e crédito decorrente do empréstimo consignado] encontra respaldo em bases jurídicas distintas: o salário tem origem no contrato de trabalho ou na prestação do serviço; o empréstimo tem origem em contrato de mútuo celebrado entre o trabalhador (mutuário) e a instituição financeira ou cooperativa de crédito (mutuante)”. 

Logo, não há falar em natureza salarial dos valores decorrentes de empréstimo consignado, como afirma o recorrente. 

De mais a mais, se nem mesmo o salário e verbas assemelhadas, que têm natureza alimentar, gozam da proteção da impenhorabilidade absoluta, segundo decidiu a Corte Especial no julgamento do EREsp 1.582.475/MG (julgado em 3/10/2018, DJe de 16/10/2018), não é razoável que se confira tal blindagem aos valores decorrentes de empréstimo consignado, apenas porque se encontram depositados na conta salário do devedor. 

Firmadas essas premissas, verifica-se, no particular, que o TJ/DFT, ao analisar o conjunto fático-probatório dos autos, concluiu que “havia diversos créditos sem a comprovação da sua origem, totalizando R$ 18.633,68 (R$ 819,00 + 4.928,34 + 12.886,34)”; que se “determinou a manutenção da penhora do valor de R$ 12.181,51, que seria uma quantia inferior aos créditos sem a demonstração da sua origem”; que “no extrato de ID 12931030 - Pág. 239 há informação de que apenas o montante de R$ 6.559,50 é decorrente de salário, os demais depósitos são decorrentes de empréstimos consignados ou verbas em que não houve comprovação da origem”; que “não há no extrato de ID 12931030 - Pág. 239 qualquer informação que possa denotar que o bloqueio culminou com o saldo negativo da conta”; e, por fim, que “está claramente demonstrado que o valor penhorado não se refere a verba salarial” (fl. 379, e-STJ). 

Nesse contexto, diferentemente do decidido pela Terceira Turma no REsp 1.820.477/DF, (julgado em 19/05/2020, DJe 27/05/2020), constata-se que a penhora recaiu sobre valores cuja origem não foi comprovada pelo devedor, não havendo, pois, falar em impenhorabilidade. 

DA CONCLUSÃO 

Forte nessas razões, CONHEÇO EM PARTE do recurso especial e, nessa extensão, NEGO-LHE PROVIMENTO. 

CERTIDÃO DE JULGAMENTO TERCEIRA TURMA 

Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão: A Terceira Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino (Presidente), Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora. 

Direito processual civil – Execução: Vencimentos. Impenhorabilidade. Flexibilização. Possibilidade?

"Em sua mais recente decisão sobre o tema, a Corte Especial do STJ entendeu: 'A regra geral da impenhorabilidade de salários, vencimentos, proventos etc. (art. 649, IV, do CPC/1973; art. 833, IV, do CPC/2015), pode ser excepcionada quando for preservado percentual de tais verbas capaz de dar guarida à dignidade do devedor e de sua família' (EREsp 1.582.475/MG, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Corte Especial, DJe 16.10.2018)."

AREsp 1747007/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 22/06/2021, DJe 03/08/2021.

Entre salários e dívidas: questões sobre a (im)penhorabilidade da remuneração

 Nos termos do artigo 833 do Código de Processo Civil (CPC) de 2015, a regra geral da impenhorabilidade de salários pode ser excepcionada quando for para o pagamento de prestação alimentícia, de qualquer origem, independentemente do valor da verba remuneratória; e para o pagamento de qualquer outra dívida não alimentar, quando os valores recebidos pelo executado forem superiores a 50 salários mínimos mensais.

Segundo o ministro Luis Felipe Salomão, o legislador, com o objetivo de preservar o patrimônio mínimo indispensável à sobrevivência digna do executado, limitou a tutela executiva ao garantir a impenhorabilidade da renda de natureza alimentar. Ao mesmo tempo, previu, na própria norma, exceções autorizadoras da penhora, "que refletem a não menos relevante preocupação com a dignidade da pessoa do exequente quando o crédito pleiteado envolve seu próprio sustento e o de sua família".

O magistrado observou que a maioria dos países civilizados estabelece que os salários de alto valor podem ser parcialmente penhorados sem sacrifício de digna subsistência do devedor. "Nesse passo, vem o STJ tentando estabelecer um norte a guiar as mais diversas situações em que se deva autorizar, de forma excepcional, a penhora dos vencimentos (ou verba equivalente) do devedor", ressaltou.

Flexibilizaç​​ão

Salomão lembrou que o tribunal – em casos envolvendo o CPC de 1973, que estabelecia exceção à regra apenas nos casos de pagamento de prestação alimentícia – se posicionou no sentido de que as sobras salariais podem ser objeto de constrição (EREsp 1.330.567), bem como admitiu a flexibilização quando a verba remuneratória (em sentido amplo) alcançasse montante considerável (REsp 1.514.931).

De acordo com o magistrado, a jurisprudência do STJ sempre foi firme no entendimento de que a impenhorabilidade de tais rubricas salariais só cederia espaço para situações que envolvessem crédito de natureza alimentar. No entanto, observou que, por construção jurisprudencial, as turmas integrantes da Segunda Seção também estenderam a flexibilização a situações em que haja expressa autorização de desconto, pelo devedor, de empréstimos consignados.

"Destaca-se, nessa hipótese, que não se trata efetivamente de uma exceção à impenhorabilidade, já que, em verdade, penhora não há; ocorre, sim, uma disponibilização voluntária, pelo devedor, de parte de seus vencimentos, tendo ele renunciado espontaneamente à proteção preconizada", afirmou.

Manutenção da dignid​​ade

Em outubro de 2018, a Corte Especial, no julgamento do EREsp 1.582.475, reconheceu divergência entre as turmas integrantes da Primeira Seção – que só admitiam a penhora das verbas previstas no artigo 649, IV, do CPC/1973 nos casos de crédito de natureza alimentar – e as turmas integrantes da Segunda Seção – que, num viés mais abrangente, permitiram a penhora em casos de empréstimo consignado e em situações nas quais a constrição parcial não acarretasse prejuízo à dignidade e à subsistência do devedor e de sua família.

Naquela oportunidade, o colegiado definiu que a regra legal comporta, para além da exceção explícita, a possibilidade de reconhecimento de outras exceções à impenhorabilidade da verba remuneratória.

De acordo com o voto do relator, ministro Benedito Gonçalves, a interpretação mais adequada ao texto legal é a que admite a flexibilização da impenhorabilidade quando a constrição dos vencimentos do devedor não atingir a dignidade ou a subsistência dele e de sua família.

Despe​​​sas de aluguel

Com base no precedente da Corte Especial, a Quarta Turma autorizou a penhora de 15% da remuneração bruta de um devedor que, além de ter renda considerada alta, contraiu dívida em locação de imóvel residencial (AREsp 1.336.881).

Para o relator, ministro Raul Araújo, além de a penhora nesse percentual não comprometer a subsistência do devedor, não seria adequado manter a impenhorabilidade no caso de créditos provenientes de aluguel para moradia, que compõe o orçamento de qualquer família.

"Descabe, então, que se mantenha imune à penhora para satisfação de créditos provenientes de despesa de aluguel com moradia, sob o pálio da regra da impenhorabilidade da remuneração, a pessoa física que reside ou residiu em imóvel locado, pois a satisfação de créditos de tal natureza compõe o orçamento familiar normal de qualquer cidadão" – concluiu o ministro, para quem não é justo que a dívida seja suportada unicamente pelo credor dos aluguéis.

Mínimo existe​​ncial

Seguindo essa mesma orientação, em 2019, a Quarta Turma, em processo sob a relatoria do ministro Luis Felipe Salomão, entendeu que o benefício previdenciário do auxílio-doença é impenhorável para pagamento de crédito constituído em favor de pessoa jurídica, quando se verifica que a penhora violaria o mínimo existencial e a dignidade do devedor (REsp 1.407.062).

O colegiado deu provimento ao recurso de um devedor que, em ação de execução, teve 30% do seu auxílio-doença penhorado para quitar dívida com uma fornecedora de bebidas.

Apesar de verificar que o acórdão recorrido – que permitiu a penhora do benefício do devedor – estava em conformidade com o entendimento da Corte Especial, o relator afirmou que não se poderia conferir interpretação tão ampla ao julgado, a ponto de afastar qualquer diferença, para fins de exceção à impenhorabilidade, entre as verbas de natureza alimentar e aquelas que não possuem tal caráter.

"Caso se leve em conta apenas o critério da preservação de percentual de verba remuneratória capaz de dar guarida à dignidade do devedor e de sua família, estar-se-á, em verdade, deixando de lado o regramento expresso do Código de Processo Civil e sua ratio legis, que estabelecem evidente diferença entre as verbas, sem que tenha havido para tanto a revogação do dispositivo de lei ou a declaração de sua inconstitucionalidade", declarou.

Em relação ao recorrente, o ministro avaliou que, por se tratar de pessoa doente, a penhora sobre qualquer percentual dos seus rendimentos – no valor de R$ 927,46 – comprometeria sua subsistência e a de sua família, dificultando o acesso a itens de primeira necessidade.

Honorários advoc​​atícios

Em agosto de 2020, a Corte Especial estabeleceu importante precedente ao concluir que os honorários advocatícios não são equiparados às prestações alimentícias para efeito de incidência da exceção à impenhorabilidade prevista no parágrafo 2º do artigo 833 do CPC/2015 (REsp 1.815.055).

A relatora, ministra Nancy Andrighi, explicou que as verbas remuneratórias, ainda que sejam destinadas à subsistência do credor, não são equivalentes aos alimentos de que trata o Código Civil, isto é, àqueles oriundos de relações familiares ou de responsabilidade civil, fixados por sentença ou título executivo extrajudicial.

Segundo a magistrada, uma verba tem natureza alimentar quando é destinada à subsistência do credor e de sua família, mas apenas se constitui em prestação alimentícia se é devida por quem tem a obrigação de prestar alimentos familiares, indenizatórios ou voluntários em favor de uma pessoa que deles depende para sobreviver.

A ministra esclareceu que as exceções destinadas à execução de prestação alimentícia, como a possibilidade de penhora dos bens descritos no artigo 833, IV e X, do CPC/2015, e do bem de família (artigo 3º, III, da Lei 8.009/1990), assim como a prisão civil, não se estendem aos honorários advocatícios, "como não se estendem às demais verbas de natureza alimentar, sob pena de eventualmente termos de cogitar sua aplicação a todos os honorários devidos a quaisquer profissionais liberais, como médicos, engenheiros, farmacêuticos e todas as outras categorias".

Contudo, no caso em análise, por verificar que a penhora do salário do devedor para o pagamento dos honorários devidos não comprometeria a sua subsistência digna nem a da sua família, a relatora admitiu a constrição de parte da remuneração.

CDR e crédito ​​​trabalhista

Ainda em 2019, a Quarta Turma estabeleceu que os bens dados em garantia cedular rural, vinculados à Cédula de Produto Rural (CPR), são impenhoráveis em virtude da Lei 8.929/1994, não podendo ser usados para satisfazer crédito trabalhista (REsp 1.327.643).

A turma reformou acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, o qual entendeu que a impenhorabilidade de bens empenhados em CPR por uma cooperativa seria relativa, não prevalecendo diante da preferência do crédito trabalhista.

Segundo o relator, ministro Luis Felipe Salomão, a instituição dos títulos de financiamento rural pelo Decreto-Lei 167/1967 reformou a política agrícola do Brasil, conduzindo-a ao financiamento privado. Essa orientação, explicou, ganhou mais força com a CPR, estabelecida na Lei 8.929/1994.

"Tendo em vista sua função social e visando garantir eficiência e eficácia à CPR, o artigo 18 da Lei 8.929/1994 prevê que os bens vinculados à CPR não serão penhorados ou sequestrados por outras dívidas do emitente ou do terceiro prestador da garantia real, cabendo a estes comunicar tal vinculação a quem de direito", destacou.

Com apoio na jurisprudência e na doutrina, o ministro afirmou que "não se sustenta a afirmação de que a impenhorabilidade dos bens dados em garantia cedular seria voluntária, e não legal, por envolver ato pessoal de constituição do ônus por parte do garante, ao oferecer os bens ao credor. A parte voluntária do ato é a constituição da garantia real, que, por si só, não tem o condão de gerar a impenhorabilidade. Esta, indubitavelmente, decorre da lei, e só dela".

Poder de cau​​tela

Com base no poder geral de cautela, em outubro de 2018, a Terceira Turma considerou válida a penhora decidida pelo juízo da execução cível nos autos de execução trabalhista, após o falecimento do devedor cível, que figurava como credor na Justiça do Trabalho (REsp 1.678.209).

No caso, o juízo da execução cível entendeu que, após a morte do devedor, a verba trabalhista a que teria direito perdeu seu caráter alimentar, e poderia, assim, haver penhora dos créditos nos autos da execução trabalhista. No entanto, os herdeiros recorreram ao STJ, argumentando que tal penhora não seria possível, pois a verba ainda estaria protegida pela impenhorabilidade legal.

Para o relator, ministro Paulo de Tarso Sanseverino, a decisão judicial não contrariou a regra do CPC, uma vez que a penhora foi decidida com a finalidade de assegurar as deliberações do juízo do inventário, competente para a ponderação sobre quem deveria receber os créditos bloqueados na execução trabalhista.

"Embora não concorde com a perda do caráter alimentar das verbas trabalhistas em razão da morte do reclamante, tenho por possível a reserva dos valores lá constantes para satisfação do juízo do inventário dos bens do falecido, tudo com base no poder geral de cautela do juiz", afirmou.

O magistrado ponderou ainda que o juízo do inventário seria competente para analisar a qualidade do crédito e sua eventual impenhorabilidade, sobretudo pelo fato de o falecido ter deixado um filho menor, presumidamente dependente da verba alimentar que seria herdada do pai.​

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):EREsp 1582475AREsp 1336881REsp 1407062REsp 1815055REsp 1327643REsp 1678209

Valor de empréstimo consignado depositado em conta salário pode ser penhorado

 A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou recurso especial interposto por devedor que teve valor oriundo de empréstimo consignado, depositado em conta salário, penhorado em ação de execução. Por decisão unânime, o colegiado considerou que esse valor não se assemelha às verbas de natureza salarial – que são impenhoráveis, segundo a legislação.

A relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi, afirmou que, apesar de as parcelas do empréstimo incidirem diretamente na contraprestação recebida pelo trabalho, ele não se equipara às quantias recebidas pelo trabalhador e destinadas ao seu sustento e de sua família, indicadas no artigo 833, inciso IV, do Código de Processo Civil de 2015.

No caso dos autos, ao requerer a liberação da penhora, o executado argumentou que o valor estava depositado em conta salário e era derivado de empréstimo consignado, cujas parcelas são descontadas em folha, o que o tornaria uma verba de natureza salarial, protegida contra a penhora.

Verbas com naturezas jurídicas difere​ntes

Ao votar pelo desprovimento do recurso, a ministra Nancy Andrighi lembrou que a Terceira Turma considera que os valores recebidos de salário e os de empréstimo consignado possuem naturezas jurídicas diferentes, pois o salário é proveniente do contrato de trabalho ou prestação de serviço; já o empréstimo tem origem no contrato de mútuo celebrado entre o trabalhador e a instituição financeira.

A relatora também explicou que, de acordo com a Corte Especial, nem sequer o salário e verbas assemelhadas – que têm natureza alimentar – gozam da proteção de impenhorabilidade absoluta, de forma que não é razoável que se confira tal proteção aos valores decorrentes de empréstimo consignado porque se encontram depositados na conta salário do devedor.

"O fato de essas parcelas incidirem diretamente sobre a contraprestação recebida pelo trabalho, entretanto, não equipara os valores oriundos do empréstimo consignado ao vencimento, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios, montepios, aos ganhos de trabalhados autônomo e aos honorários de profissional liberal, aos quais o legislador conferiu a proteção da impenhorabilidade", concluiu a ministra.

Leia o acórdão do REsp 1.931.432.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 1931432

5 de abril de 2021

RECURSO ESPECIAL. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. DESCONTO. FOLHA DE PAGAMENTO. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. AUSÊNCIA. PENHORABILIDADE. REGRA. IMPENHORABILIDADE. EXCEÇÃO

RECURSO ESPECIAL Nº 1.820.477 - DF (2019/0170723-2) 

RELATOR : MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA

TERCEIRA TURMA; UNANIMIDADE


RECURSO ESPECIAL. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. DESCONTO. FOLHA DE PAGAMENTO. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. AUSÊNCIA. PENHORABILIDADE. REGRA. IMPENHORABILIDADE. EXCEÇÃO. 

1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 

2. Cinge-se a controvérsia principal a definir se os valores oriundos de empréstimo consignado em folha de pagamento, depositados em conta bancária do devedor, recebem a proteção da impenhorabilidade atribuída aos salários, proventos e pensões, conforme disposto no art. 833, IV, do CPC/2015. 

3. A quantia decorrente de empréstimo consignado, embora seja descontada diretamente da folha de pagamento do mutuário, não tem caráter salarial, sendo, em regra, passível de penhora. 

4. A proteção da impenhorabilidade ocorre somente se o mutuário (devedor) comprovar que os recursos oriundos do empréstimo consignado são necessários à sua manutenção e à da sua família. 

5. Na hipótese, o Tribunal de origem não analisou a necessidade do empréstimo para a manutenção do devedor e da sua família, limitando-se a concluir pela possibilidade da penhora do numerário em conta bancária, não havendo nos autos elementos que permitissem ao julgador verificar a condição financeira do devedor. 

6. Recurso especial parcialmente provido.


RELATÓRIO 

O EXMO. SR. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA (Relator): Trata-se de recurso especial interposto por MARIA DO CARMO DOS SANTOS, com base no art. 105, III, “a” e “c”, da Constituição Federal, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios assim ementado: 

“PROCESSO CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. PENHORA. CRÉDITO PROVENIENTE DE EMPRÉSTIMO. IMPENHORABILIDADE NÃO CONFIGURADA. NATUREZA ALIMENTAR NÃO CONSTATADA. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. MANUTENÇÃO DA CONSTRIÇÃO. 1. Ao alegar a impenhorabilidade de recursos encontrados em sua conta corrente, é ônus do devedor provar a correspondente causa impeditiva. Diante da inexistência de provas, mantém-se a constrição. 2. Não há como reconhecer nos valores disponibilizados por instituição bancária, decorrentes de empréstimo consignado, a proteção conferida às verbas alimentares, por absoluta falta de previsão legal, tendo em vista as hipóteses enumeradas no artigo 833 do Código de Processo Civil. 3. Recurso desprovido” (fl. 66 e-STJ). 

Os embargos de declaração opostos (fls. 73-74 e-STJ) foram rejeitados (fls. 81-87 e-STJ). 

Nas presentes razões (fls. 89-100 e-STJ), a recorrente alega, além de divergência jurisprudencial, violação dos arts. 489, IV e V, 833, IV, e 1.022 do Código de Processo Civil de 2015. 

Sustenta a ocorrência de negativa de prestação jurisdicional, pois os vícios indicados nos declaratórios não foram sanados pelo Tribunal de origem. 

Defende que o valores decorrentes de empréstimo consignado em folha de pagamento recebe a mesma proteção da impenhorabilidade atribuída aos salários, proventos de aposentadoria e pensões. 

Assevera que “a existência de saldo proveniente de empréstimo consignado não descaracteriza a natureza salarial da conta, sobretudo porque esse mesmo montante será pago mediante desconto de parcelas no salário do devedor” (fl. 95 e-STJ). 

Acrescenta que, “por via transversa, estar-se-ia permitindo a penhora da própria remuneração do devedor, porque houve o bloqueio de todo o saldo existente, deixando-o sem os recursos mínimos necessários à própria subsistência” (fl. 96 e-STJ). 

Aduz que a manutenção da penhora afronta a dignidade da pessoa humana, deixando-a sem os recursos mínimos necessários à sua subsistência. 

Com as contrarrazões (fls. 128-131 e-STJ), a Presidência do Tribunal local admitiu o processamento do presente apelo (fls. 132-133 e-STJ). 

É o relatório. 


VOTO 

O EXMO. SR. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA (Relator): 

O acórdão impugnado pelo recurso especial foi publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 

A irresignação merece prosperar parcialmente. 

Cinge-se a controvérsia a definir se (i) houve a negativa de prestação jurisdicional e se (ii) os valores oriundos de empréstimo consignado em folha de pagamento, depositados em conta bancária do devedor, recebem a proteção da impenhorabilidade atribuída aos salários, proventos e pensões, conforme dispõe o art. 833, IV, do CPC/2015. 

1. Do histórico da demanda 

Na origem, em autos de execução de título extrajudicial, o magistrado de piso determinou a constrição de quantia depositada em conta bancária também utilizada para o recebimento de salário, ao fundamento de que “o crédito ora penhorado, ao que tudo indica decorreu de saldo de empréstimo, que caiu na conta da requerida no dia 12/07/2018, não sendo crédito oriundo de empréstimo impenhorável” (fl. 26 e-STJ). 

Interposto agravo de instrumento (fls. 46-52 e-STJ), o Tribunal de origem negou provimento ao recurso, nos termos da seguinte fundamentação: 

“(...) Na oportunidade da análise do pedido de antecipação dos efeitos da tutela, externei o seguinte raciocínio: Estabelece o inciso I do art. 1.019 do Código de Processo Civil, que o relator 'poderá atribuir efeito suspensivo ao recurso ou deferir, em antecipação de tutela, total ou parcialmente, a pretensão recursal, comunicando ao juiz sua decisão'. Para que seja concedido o efeito suspensivo, segundo a inteligência do parágrafo único do art. 995 do Diploma Processual, o relator deve verificar se, da imediata produção dos efeitos da decisão recorrida, há risco de dano grave, de difícil ou impossível reparação, e ficar evidenciada a probabilidade de provimento do recurso. Feita a análise da pretensão antecipatória, tenho que não se mostram presentes os requisitos necessários ao deferimento da medida judicial de urgência postulada. Não se olvida que de acordo com o inciso IV do art. 833 do Código de Processo Civil, os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações e os proventos de aposentadoria são impenhoráveis. No entanto, a importância bloqueada decorreu de crédito advindo de empréstimo bancário, conforme se vê do documento id. 5268395, onde consta 'CREDITO DE EMPRESTIMO BRBSEERV'. Dessa forma, não se encontra protegido pelo manto da impenhorabilidade, porquanto nem todo crédito depositado em conta salário recebe essa blindagem. (...) Saliente-se, ainda, que a manutenção da r. decisão hostilizada enquanto se aguarda o regular iter procedimental do recurso não tem o condão de ocasionar à recorrente dano algum, porquanto a douta prolatora do édito judicial atacado condicionou a expedição de alvará à preclusão, consoante se vê do andamento processual dos autos de origem 2012.01.1.198093-7. Assim, não se visualizando, de um juízo incipiente, próprio desta fase, a probabilidade do direito alegado, não tem lugar o efeito suspensivo pretendido. Como se vê, os fundamentos externados na decisão que apreciou o pedido liminar, por si sós, são suficientes a direcionar o julgamento da questão de fundo do presente agravo, mormente em se considerando que não vieram aos autos elementos outros, aptos a me demoverem do raciocínio nela contido” (fls. 68-69 e-STJ). 

Os embargos de declaração opostos (fls. 73-74 e-STJ) foram rejeitados (fls. 81-87 e-STJ). 

Feitos esses esclarecimentos, passa-se à análise do presente recurso especial. 

2. Da negativa de prestação jurisdicional 

No tocante à alegada violação do art. 1.022 do CPC/2015, agiu corretamente o Tribunal de origem ao rejeitar os embargos de declaração diante da inexistência de omissão, obscuridade, contradição ou erro material no acórdão recorrido, ficando patente, em verdade, o intuito infringente da irresignação, que objetivava a reforma do julgado por via inadequada. Ademais, não significa omissão o fato de o aresto impugnado adotar fundamento diverso daquele suscitado pelas partes. Dessa forma, não há falar em negativa de prestação jurisdicional. 

Nesse sentido: 

"PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. PRECATÓRIO. ACORDO HOMOLOGADO PELO JUIZ DA CENTRAL DE CONCILIAÇÃO (CEPREC). INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC/73. NÃO OCORRÊNCIA. REVISÃO DE FATOS E PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. I - Não havendo, no acórdão recorrido, omissão, obscuridade ou contradição, não fica caracterizada ofensa ao art. 535 do Código de Processo Civil de 1973. (...) III - Agravo interno improvido." (AgInt no REsp 1.659.253/MG, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/11/2017, DJe 27/11/2017) 

3. Da penhora de valores provenientes de empréstimo consignado 

A ora recorrente alega que o valores decorrentes de empréstimo consignado em folha de pagamento recebem a mesma proteção da impenhorabilidade atribuída aos salários, proventos de aposentadoria e pensões. 

De acordo com os arts. 831 e 832 do CPC/2015, a penhora deverá recair sobre tantos bens quantos bastem para o pagamento do principal atualizado, dos juros, das custas e dos honorários advocatícios. Por sua vez, não estão sujeitos à execução os bens que a lei considera impenhoráveis ou inalienáveis. 

O art. 833, IV, do CPC/2015 estabelece que são impenhoráveis “os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família (...)“. 

O Superior Tribunal de Justiça concluiu que o salário, o soldo ou a remuneração são impenhoráveis, sendo tal regra excepcionada quando se tratar unicamente de constrição para pagamento de prestação alimentícia. 

Nesse sentido: 

"PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO N. 3/STJ. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. MILITAR. AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. CONTRATO DE MÚTUO. INADIMPLEMENTO. CONSIGNAÇÃO EM FOLHA DE PAGAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. IMPENHORABILIDADE DO SOLDO. ART. 649, IV, DO CPC/1973. PRECEDENTES. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. 1. A parte ora agravante pretende que o valor das prestações inadimplidas relativas ao contrato de mútuo firmado entre as partes seja objeto de penhora sobre os proventos mensais da agravada, com o consequente restabelecimento da relação de consignação em folha prevista no contrato, até o pagamento integral do débito. 2. O entendimento do STJ é de que o salário, soldo ou remuneração são impenhoráveis, nos termos do art. 649, IV, do CPC/1973, sendo essa regra excepcionada unicamente quando se tratar de penhora para pagamento de prestação alimentícia. 3. Agravo interno não provido." (AgInt no REsp 1.579.345/RJ, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 27/6/2017, DJe 30/6/2017 - grifou-se) 

Todavia, nos idos de 2017, esta Corte começou a sinalizar uma mudança de paradigma para possibilitar a penhora do salário e das demais verbas remuneratórias mesmo na hipótese em que o crédito cobrado/executado não possua natureza alimentar, desde que inexista o comprometimento da subsistência digna do devedor e de sua família. 

A propósito: 

"DIREITO PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE EXECUÇÃO DE TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL. PENHORA DE PERCENTUAL DE SALÁRIO. RELATIVIZAÇÃO DA REGRA DE IMPENHORABILIDADE. POSSIBILIDADE. (...) 2. O propósito recursal é definir se, na hipótese, é possível a penhora de 30% (trinta por cento) do salário do recorrente para o pagamento de dívida de natureza não alimentar. 3. Em situações excepcionais, admite-se a relativização da regra de impenhorabilidade das verbas salariais prevista no art. 649, IV, do CPC/73, a fim de alcançar parte da remuneração do devedor para a satisfação do crédito não alimentar, preservando-se o suficiente para garantir a sua subsistência digna e a de sua família. Precedentes. 4. Na espécie, em tendo a Corte local expressamente reconhecido que a constrição de percentual de salário do recorrente não comprometeria a sua subsistência digna, inviável mostra-se a alteração do julgado, uma vez que, para tal mister, seria necessário o revolvimento do conjunto fático-probatório dos autos, inviável a esta Corte em virtude do óbice da Súmula 7/STJ. 5. Recurso especial conhecido e não provido." (REsp 1.658.069/GO, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 14/11/2017, DJe 20/11/2017 - grifou-se) 

"PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COBRANÇA. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. PENHORA DE PROVENTOS DE APOSENTADORIA. RELATIVIZAÇÃO DA REGRA DA IMPENHORABILIDADE. (...) 2. O propósito recursal é decidir sobre a possibilidade de penhora de 30% (trinta por cento) de verba recebida a título de aposentadoria para o pagamento de dívida de natureza não alimentar. 3. Quanto à interpretação do art. 649, IV, do CPC/73, tem-se que a regra da impenhorabilidade pode ser relativizada quando a hipótese concreta dos autos permitir que se bloqueie parte da verba remuneratória, preservando-se o suficiente para garantir a subsistência digna do devedor e de sua família. Precedentes. 4. Ausência no acórdão recorrido de elementos concretos suficientes que permitam afastar, neste momento, a impenhorabilidade de parte dos proventos de aposentadoria do recorrente. 5. Recurso especial conhecido e parcialmente provido." (REsp 1.394.985/MG, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 13/6/2017, DJe 22/6/2017 - grifou-se) 

Diante da divergência instaurada, conforme demonstrado acima, a Corte Especial do STJ, no final do ano de 2018, assentou a impenhorabilidade só se aplica à parte do patrimônio do devedor que seja efetivamente necessária à manutenção de seu mínimo existencial, à manutenção de sua dignidade e da de seus dependentes e, com isso, permitiu a penhora de parte do salário para o pagamento de dívida de natureza não alimentar. 

Eis, por oportuno, a ementa do referido julgado: 

“PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. IMPENHORABILIDADE DE VENCIMENTOS. CPC/73, ART. 649, IV. DÍVIDA NÃO ALIMENTAR. CPC/73, ART. 649, PARÁGRAFO 2º. EXCEÇÃO IMPLÍCITA À REGRA DE IMPENHORABILIDADE. PENHORABILIDADE DE PERCENTUAL DOS VENCIMENTOS. BOA-FÉ. MÍNIMO EXISTENCIAL. DIGNIDADE DO DEVEDOR E DE SUA FAMÍLIA. 1. Hipótese em que se questiona se a regra geral de impenhorabilidade dos vencimentos do devedor está sujeita apenas à exceção explícita prevista no parágrafo 2º do art. 649, IV, do CPC/73 ou se, para além desta exceção explícita, é possível a formulação de exceção não prevista expressamente em lei. 2. Caso em que o executado aufere renda mensal no valor de R$ 33.153,04, havendo sido deferida a penhora de 30% da quantia. 3. A interpretação dos preceitos legais deve ser feita a partir da Constituição da República, que veda a supressão injustificada de qualquer direito fundamental. A impenhorabilidade de salários, vencimentos, proventos etc. tem por fundamento a proteção à dignidade do devedor, com a manutenção do mínimo existencial e de um padrão de vida digno em favor de si e de seus dependentes. Por outro lado, o credor tem direito ao recebimento de tutela jurisdicional capaz de dar efetividade, na medida do possível e do proporcional, a seus direitos materiais. 4. O processo civil em geral, nele incluída a execução civil, é orientado pela boa-fé que deve reger o comportamento dos sujeitos processuais. Embora o executado tenha o direito de não sofrer atos executivos que importem violação à sua dignidade e à de sua família, não lhe é dado abusar dessa diretriz com o fim de impedir injustificadamente a efetivação do direito material do exequente. 5. Só se revela necessária, adequada, proporcional e justificada a impenhorabilidade daquela parte do patrimônio do devedor que seja efetivamente necessária à manutenção de sua dignidade e da de seus dependentes. 6. A regra geral da impenhorabilidade de salários, vencimentos, proventos etc. (art. 649, IV, do CPC/73; art. 833, IV, do CPC/2015), pode ser excepcionada quando for preservado percentual de tais verbas capaz de dar guarida à dignidade do devedor e de sua família. 7. Recurso não provido”. (EREsp 1.582.475/MG, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, CORTE ESPECIAL, julgado em 3/10/2018, REPDJe 19/03/2019, DJe 16/10/2018) 

Nesse contexto, no que diz respeito ao empréstimo consignado, inexiste norma legal que atribua expressamente a tal verba a proteção da impenhorabilidade. Assim, é preciso verificar se, pelo fato de os descontos serem feitos em folha de pagamento, será atribuída a proteção prevista no art. 833, IV, do CPC/2015. 

O empréstimo consignado “é uma modalidade de crédito em que o desconto da prestação é feito diretamente na folha de pagamento ou de benefício previdenciário do contratante”, reduzindo o risco de inadimplência e , por esse motivo, permite a redução da taxa de juros cobrada pela instituição financeira (Fonte https://www.bcb.gov.br/nor/relcidfin/docs/art7_emprestimo_consignado.pdf. Acessado em 6/4/2020, às 9h45). 

Com efeito, fica explícito que essa modalidade de empréstimo compromete a renda do trabalhador, do pensionista ou do aposentado, podendo, assim, reduzir o seu poder aquisitivo e, em certos casos, prejudicar a sua subsistência. Em razão disso, a jurisprudência uniforme desta Corte Superior sedimentou a legalidade na limitação dos descontos efetuados em folha de pagamento do mutuário:

“RECURSO ESPECIAL - NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL - ALEGAÇÃO GENÉRICA - APLICAÇÃO, POR ANALOGIA, DA SÚMULA N. 284/STF - EMPRÉSTIMO - DESCONTO EM FOLHA DE PAGAMENTO/CONSIGNADO - LIMITAÇÃO EM 30% DA REMUNERAÇÃO RECEBIDA - RECURSO PROVIDO. 1. A admissibilidade do recurso especial exige a clara indicação dos dispositivos Documento: 1942841 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 27/05/2020 Página 9 de 4 Superior Tribunal de Justiça supostamente violados, assim como em que medida teria o acórdão recorrido afrontado a cada um dos artigos impugnados. 2. Ante a natureza alimentar do salário e do princípio da razoabilidade, os empréstimos com desconto em folha de pagamento (consignação facultativa/voluntária) devem limitar-se a 30% (trinta por cento) dos vencimentos do trabalhador. 3. Recurso provido.” (REsp 1.186.965/RS, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, julgado em 7/12/2010, DJe 3/2/2011) 

“EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM RECURSO ESPECIAL. DESCONTOS DE EMPRÉSTIMO EM FOLHA. LIMITAÇÃO A 30% DOS VENCIMENTOS DA SERVIDORA PÚBLICA ESTADUAL. INEXISTÊNCIA DE OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. EMBARGOS RECEBIDOS COMO AGRAVO REGIMENTAL. 1. Embargos de declaração opostos com o fito de rediscutir a decisão embargada. Nítido caráter infringente. Ausência de contradição, omissão ou obscuridade. 2. Toda a normatização que tem pertinência ao caso, vigente por ocasião da pactuação firmada entre as partes, isto é, os artigos 8º do Decreto 6.386/2008; 2º, § 2º, I, da Lei 10.820/2003 e 45, parágrafo único, da Lei 8.112/90 estabelecem que a soma dos descontos em folha de pagamento referentes ao pagamento de prestações de empréstimos, financiamentos e operações de arrendamento mercantil, não poderão exceder a 30% (trinta por cento) da remuneração do trabalhador. Com efeito, é descabida a pretensão de que os descontos se limitem a 30% renda líquida da recorrente. 3. "É firme a jurisprudência desta Corte no sentido de que eventuais descontos em folha de pagamento, relativos a empréstimos consignados tomados por servidor público, estão limitados a 30% (trinta por cento) do valor de sua remuneração". (AgRg no RMS 29.988/RS, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 03/06/2014, DJe 20/06/2014) 4. Embargos de declaração recebidos como agravo regimental a que se nega provimento.” (EDcl no REsp 1.201.838/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 18/8/2015, DJe 25/8/2015) 

O mutuário (devedor) recebe determinada quantia do mutuante (instituição financeira ou cooperativa de crédito) e, em contrapartida, ocorre a diminuição do salário devido aos descontos efetuados diretamente na folha de pagamento. 

Porém, ainda que as parcelas do empréstimo contratado sejam descontadas diretamente da folha de pagamento do mutuário, a origem desse valor não é salarial, pois não se trata de valores decorrentes de prestação de serviço, motivo pelo qual não possui, em regra, natureza alimentar. 

Ademais, conclusão em sentido contrário provocaria a ampliação do rol taxativo previsto no art. 833 do CPC/2015, tendo em vista que o empréstimo pessoal, ainda que na modalidade consignada, não encontra previsão no referido dispositivo. Por constituir exceção ao princípio da responsabilidade patrimonial (art. 831 do CPC/2015), não se admite, nesse aspecto, interpretação extensiva. 

Por outro lado, há julgados em tribunais locais no sentido de que o empréstimo consignado carrega íntima ligação com a remuneração do devedor, funcionando como adiantamento de recebíveis (Agravo de Instrumento nº 70.081.176.349, Décima Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Vicente Barrôco de Vasconcellos, julgado em: 24/4/2019). Essa corrente adota o entendimento de que, antecipa-se o recebimento de parte do salário, do provento ou da pensão e, por isso, a quantia adiantada (valor emprestado) deveria possuir, do mesmo modo, a natureza alimentar. 

Todavia, não há falar em adiantamento de parcelas remuneratórias, quando, em verdade, o recebimento desses valores encontra respaldo em bases jurídicas distintas: o salário tem origem no contrato trabalho ou na prestação do serviço; o empréstimo tem origem em contrato de mútuo celebrado entre o trabalhador (mutuário) e a instituição financeira ou cooperativa de crédito (mutuante). Assim, somente poderia considerar como adiantamento salarial se fosse feito pelo empregador e em função exclusiva do contrato de trabalho. 

Por tais motivos, os valores decorrentes de empréstimo consignado, em regra, não são protegidos pela impenhorabilidade, por não estarem abrangidos pelas expressões vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, conforme a primeira parte do inciso IV art. 833 do CPC/2015. 

Todavia, se o mutuário (devedor) comprovar que os recursos oriundos do empréstimo consignado são necessários à sua manutenção e à da sua família, tais valores recebem o manto da impenhorabilidade. Essa interpretação decorre do que disposto no já citado art. 833, IV, do CPC/2015: “destinadas ao sustento do devedor e de sua família”. 

Na hipótese, o tribunal local não analisou a necessidade do empréstimo para a manutenção do devedor e da sua família, limitando-se a concluir pela possibilidade da penhora do numerário em conta bancária. Tampouco há elementos nos autos que permitem ao julgador verificar a condição financeira do devedor. 

4. Do dispositivo 

Ante o exposto, dou parcial provimento ao recurso especial para determinar que o Tribunal de origem analise se os valores decorrentes do empréstimo consignado são necessários à subsistência do recorrente e de sua família. É o voto.