RECURSO ESPECIAL Nº 1.704.520 - MT (2017/0271924-6)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. NATUREZA JURÍDICA DO ROL DO
ART. 1.015 DO CPC/2015. IMPUGNAÇÃO IMEDIATA DE DECISÕES
INTERLOCUTÓRIAS NÃO PREVISTAS NOS INCISOS DO REFERIDO
DISPOSITIVO LEGAL. POSSIBILIDADE. TAXATIVIDADE MITIGADA.
EXCEPCIONALIDADE DA IMPUGNAÇÃO FORA DAS HIPÓTESES
PREVISTAS EM LEI. REQUISITOS.
1- O propósito do presente recurso especial, processado e
julgado sob o rito dos recursos repetitivos, é definir a natureza
jurídica do rol do art. 1.015 do CPC/15 e verificar a possibilidade
de sua interpretação extensiva, analógica ou exemplificativa, a
fim de admitir a interposição de agravo de instrumento contra
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Superior Tribunal de Justiça
decisão interlocutória que verse sobre hipóteses não
expressamente previstas nos incisos do referido dispositivo legal.
2- Ao restringir a recorribilidade das decisões interlocutórias
proferidas na fase de conhecimento do procedimento comum e
dos procedimentos especiais, exceção feita ao inventário,
pretendeu o legislador salvaguardar apenas as “situações que,
realmente, não podem aguardar rediscussão futura em eventual
recurso de apelação”.
3- A enunciação, em rol pretensamente exaustivo, das hipóteses
em que o agravo de instrumento seria cabível revela-se, na
esteira da majoritária doutrina e jurisprudência, insuficiente e
em desconformidade com as normas fundamentais do processo
civil, na medida em que sobrevivem questões urgentes fora da
lista do art. 1.015 do CPC e que tornam inviável a interpretação
de que o referido rol seria absolutamente taxativo e que deveria
ser lido de modo restritivo.
4- A tese de que o rol do art. 1.015 do CPC seria taxativo, mas
admitiria interpretações extensivas ou analógicas, mostra-se
igualmente ineficaz para a conferir ao referido dispositivo uma
interpretação em sintonia com as normas fundamentais do
processo civil, seja porque ainda remanescerão hipóteses em
que não será possível extrair o cabimento do agravo das
situações enunciadas no rol, seja porque o uso da interpretação
extensiva ou da analogia pode desnaturar a essência de
institutos jurídicos ontologicamente distintos.
5- A tese de que o rol do art. 1.015 do CPC seria meramente
exemplificativo, por sua vez, resultaria na repristinação do
regime recursal das interlocutórias que vigorava no CPC/73 e
que fora conscientemente modificado pelo legislador do novo
CPC, de modo que estaria o Poder Judiciário, nessa hipótese,
substituindo a atividade e a vontade expressamente externada
pelo Poder Legislativo.
6- Assim, nos termos do art. 1.036 e seguintes do CPC/2015,
fixa-se a seguinte tese jurídica: O rol do art. 1.015 do CPC é
de taxatividade mitigada, por isso admite a interposição
de agravo de instrumento quando verificada a urgência
decorrente da inutilidade do julgamento da questão no
recurso de apelação.
7- Embora não haja risco de as partes que confiaram na absoluta
taxatividade com interpretação restritiva serem surpreendidas
pela tese jurídica firmada neste recurso especial repetitivo, eis
que somente se cogitará de preclusão nas hipóteses em que o
recurso eventualmente interposto pela parte tenha sido admitido pelo Tribunal, estabelece-se neste ato um regime de
transição que modula os efeitos da presente decisão, a fim de
que a tese jurídica somente seja aplicável às decisões
interlocutórias proferidas após a publicação do presente
acórdão.
8- Na hipótese, dá-se provimento em parte ao recurso especial
para determinar ao TJ/MT que, observados os demais
pressupostos de admissibilidade, conheça e dê regular
prosseguimento ao agravo de instrumento no que tange à
competência.
9- Recurso especial conhecido e provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros
da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e
das notas taquigráficas constantes dos autos Prosseguindo no julgamento,
após o voto-vista do Sr. Ministro Og Fernandes conhecendo do recurso especial
e negando-lhe provimento, no que foi acompanhado pelo voto do Sr. Ministro
Mauro Campbell Marques, e os votos dos Srs. Ministros Benedito Gonçalves e
Raul Araújo acompanhando o voto da Sra. Ministra Relatora, , por maioria,
conhecer do recurso especial e dar-lhe provimento, nos termos do voto da Sra.
Ministra Relatora.
Os Srs. Ministros Napoleão Nunes Maia Filho, Jorge Mussi,
Luis Felipe Salomão, Benedito Gonçalves, Raul Araújo e Felix Fischer votaram
com a Sra. Ministra Relatora. Vencidos os Srs. Ministros João Otávio de
Noronha, Humberto Martins, Maria Thereza de Assis Moura, Og Fernandes e
Mauro Campbell Marques.
Não participaram do julgamento os Srs. Ministros Francisco
Falcão e Herman Benjamin.
Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Felix Fischer, Maria
Thereza de Assis Moura e Luis Felipe Salomão.
Presidiu o julgamento a Sra. Ministra Laurita Vaz.
Brasília (DF), 05 de dezembro de 2018(Data do Julgamento).
RELATÓRIO
A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora):
Cuida-se de recurso especial interposto por QUIM COMÉRCIO DE
VESTUÁRIO INFANTIL LTDA. – ME com base nas alíneas “a” e “c” do permissivo
constitucional, contra o acórdão do TJ/MT que, por unanimidade, negou
provimento ao seu agravo interno, mantendo a decisão unipessoal que não conheceu do agravo de instrumento por ela interposto.
Recurso especial interposto e m: 07/02/2017.
Atribuído ao gabinete e m: 05/12/2017.
Ação: de rescisão contratual cumulada com reparação de por danos
patrimoniais e morais, ajuizada pela recorrente em face de SHIRASE FRANQUIAS E
REPRESENTAÇÕES LTDA., na qual alega a existência de descumprimento de
contrato de franquia celebrado com cláusula de eleição de foro e de danos de
natureza material e extrapatrimonial.
Decisão interlocutória: acolheu a exceção de incompetência
ofertada pela recorrida e determinou a remessa do processo à comarca do Rio de
Janeiro/RJ, por entender inexistente a alegada nulidade da cláusula de eleição de
foro prevista no instrumento contratual celebrado entre as partes (fl. 63/65,
e-STJ).
Acórdão do TJ/MT: por unanimidade, negou provimento ao agravo
interno, mantendo a decisão unipessoal que não conheceu do agravo de
instrumento interposto pela recorrente, nos termos da seguinte ementa (fls.
581/589, e-STJ):
RECURSO DE AGRAVO INTERNO NO AGRAVO DE INSTRUMENTO – DECISÃO QUE DECLINOU DA COMPETÊNCIA – AGRAVO DE INSTRUMENTO NÃO
CONHECIDO – ROL TAXATIVO – ART. 1.015, CPC/15 – INTERPRETAÇÃO
EXTENSIVA DO INCISO III – IMPOSSIBILIDADE – DECISÃO MANTIDA – RECURSO
DESPROVIDO.
Não é cabível o recurso de agravo de instrumento fora das
hipóteses taxativas previstas nos incisos I a IX, do art. 1.015, do CPC/15, não
sendo possível qualquer interpretação extensiva.
Da decisão que reconhece ou rejeita a incompetência do juízo,
consoante o caso dos autos, não cabe recurso de agravo de instrumento, posto
que não se enquadra em nenhuma das hipóteses do artigo epigrafado, não
havendo que se falar em contrariedade ao princípio do acesso ao Poder
Judiciário, descrito no art. 5º, inc. XXXV, da CF, uma vez que a parte terá a
oportunidade de ver a questão apreciada no momento processual oportuno,
nos termos do art. 1009, §§1º e 2º, do CPC/15.
Recurso especial: alega-se contrariedade ao art. 1.015, III, do
CPC/15, e 932, III, ambos do CPC/15, bem como dissídio jurisprudencial com
acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Paraná (fls. 606/627, e-STJ), ao
fundamento de que a questão relacionada à competência não pode aguardar o
reexame apenas no momento em que for julgada a apelação, pois a tramitação do
processo em juízo incompetente geraria danos à atividade judiciária e prejuízo às
partes.
Juízo de admissibilidade do TJ/MT: por entender estarem
presentes os pressupostos de admissibilidade do recurso especial e por verificar a
presença de múltiplos recursos envolvendo a mesma questão jurídica, selecionou
o presente recurso especial como representativo de controvérsia para o fim de
que fosse ele afetado e processado sob o rito dos recursos repetitivos (arts. 1.036
e seguintes do CPC/15) (fls. 681/682, e-STJ).
Ministério Público Federal: em atenção à decisão de fl. 693/694
(e-STJ), da lavra do Presidente da Comissão Gestora de Precedentes, Min. Paulo de
Tarso Sanseverino, opinou pela rejeição do recurso especial como representativo
da controvérsia, ao fundamento de que não haveria multiplicidade de recursos
versando sobre a mesma controvérsia (fls. 696/701, e-STJ).
Juízo preliminar de admissibilidade no STJ: por entender que
estavam presentes os requisitos formais previstos no art. 256 do RISTJ,
determinou-se a distribuição deste recurso por prevenção ao REsp 1.696.396/MT
(fls. 703/706, e-STJ).
Acórdão de afetação do STJ: por unanimidade, determinou-se a
afetação do processo ao rito dos recursos repetitivos, sem suspensão do
processamento dos recursos de agravo de instrumento que versavam sobre idêntica matéria e que tramitam em todo o território nacional, nos termos da
seguinte ementa (fls. 716/738, e-STJ):
PROPOSTA DE AFETAÇÃO. RECURSO ESPECIAL. REPRESENTATIVO
DE CONTROVÉRSIA. SELEÇÃO. AFETAÇÃO. RITO. ARTS. 1.036 E SS. DO CPC/15.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONTROVÉRSIA.
NATUREZA. ROL DO ART. 1.015 DO CPC/15.
1. Delimitação da controvérsia: definir a natureza do rol do art.
1.015 do CPC/15 e verificar a possibilidade de sua interpretação extensiva, para
se admitir a interposição de agravo de instrumento contra decisão interlocutória
que verse sobre hipóteses não expressamente versadas nos incisos de referido
dispositivo do Novo CPC.
2. Afetação do recurso especial ao rito do art. 1.036 e ss. do
CPC/2015.
Pedido de ingresso de Associação Brasileira de Direito
Processual – ABDPRO: a referida entidade requereu o ingresso neste recurso
especial como amicus curiae (fls. 749/752, e-STJ), ao fundamento de que possui
interesse institucional e capacidade para contribuir com o debate e a formação do
convencimento desta Corte acerca da questão afetada, tendo sido
monocraticamente deferido o ingresso por meio da decisão de fls. 1.001/1.003
(e-STJ) e ofertada a manifestação às fls. 930/946 (e-STJ), opinando, em síntese,
pela possibilidade de interpretação extensiva das hipóteses contidas no rol
taxativo do art. 1.015 do CPC/15.
Manifestação da União: cientificada acerca da presente questão
repetitiva por ocasião do acórdão que afetou este recurso como representativo da
controvérsia, a União ofertou manifestação às fls. 795/806 (e-STJ) em que se
pronuncia, em síntese, pela possibilidade de interpretação extensiva das hipóteses
contidas no rol taxativo do art. 1.015 do CPC/15.
Manifestação da Defensoria Pública da União: cientificada
acerca da presente questão repetitiva por ocasião do acórdão que afetou este recurso como representativo da controvérsia, a Defensoria Pública da União
ofertou manifestação às fls. 980/996 (e-STJ), em que se posiciona, em síntese, pela
possibilidade de interpretação extensiva das hipóteses contidas no rol taxativo do
art. 1.015 do CPC/15.
Manifestação do Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP: cientificado acerca da presente questão repetitiva por ocasião do acórdão
que afetou este recurso como representativo da controvérsia, o Instituto Brasileiro
de Direito Processual – IBDP – ofertou manifestação às fls. 821/876 (e-STJ), em
que apresenta os argumentos favoráveis e os contrários à interpretação extensiva
das hipóteses de cabimento taxativamente arroladas no rol do art. 1.015 do
CPC/15.
Ministério Público Federal: igualmente opinou pela possibilidade
de interpretação extensiva das hipóteses contidas no rol taxativo do art. 1.015 do
CPC/15 (fls. 971/978, e-STJ).
Pedido de ingresso de Confederação Nacional das Empresas
de Seguros Gerais, Previdência Privada e Vida, Saúde Suplementar e
Capitalização – CNSEG: a referida entidade requereu o ingresso neste recurso
especial como amicus curiae (fls. 878/928, e-STJ), ao fundamento de que possui
interesse consubstanciado no fato de que o setor por ela representado enfrentaria
inúmeras demandas sobre a questão em debate, tendo sido indeferido o ingresso
por meio da decisão unipessoal de fls. 1.008/1.010 (e-STJ), contra a qual foi
interposto agravo interno (fls. 1.036/1.048, e-STJ) que será examinado
conjuntamente com o próprio recurso especial.
Pedido de ingresso de Associação Norte e Nordeste de
Professores de Processo – ANNEP: a referida entidade requereu o ingresso
como amicus curiae (fls. 948/967, e-STJ), ao fundamento de que possui interesse institucional e capacidade para contribuir com o debate e a formação do
convencimento desta Corte acerca da questão afetada, tendo sido
monocraticamente deferido o ingresso por meio da decisão de fls. 998/1.000
(e-STJ) e ofertada a manifestação escrita às fls. 1.057/1.082 (e-STJ), em que
apresenta os argumentos favoráveis e os contrários à interpretação restritiva,
extensiva e analógica das hipóteses de cabimento taxativamente arroladas no rol
do art. 1.015 do CPC/15, bem como os argumentos favoráveis e contrários à
interpretação no sentido de que o referido rol é exemplificativo.
Manifestação do Conselho Federal da Ordem dos Advogados
do Brasil – CFOAB: cientificado acerca da presente questão repetitiva por
ocasião do acórdão que afetou este recurso como representativo da controvérsia e
tendo lhe sido concedido prazo adicional para manifestação, o Conselho Federal da
Ordem dos Advogados do Brasil – CFOAB – não ofertou manifestação
tempestivamente.
É o relatório.
VOTO
A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora):
O propósito do presente recurso especial, processado e julgado sob o
rito dos recursos repetitivos, é definir a natureza jurídica do rol do art. 1.015 do
CPC/15 e verificar a possibilidade de sua interpretação extensiva, analógica ou
exemplificativa, a fim de admitir a interposição de agravo de instrumento contra decisão interlocutória que verse sobre hipóteses não expressamente previstas nos
incisos do referido dispositivo legal.
1) QUESTÃO DE ORDEM PRELIMINAR
Trago à deliberação deste órgão colegiado uma questão preliminar
relacionada à admissibilidade, como amicus curiae, da CONFEDERAÇÃO
NACIONAL DAS EMPRESAS DE SEGUROS GERAIS, PREVIDÊNCIA PRIVADA
E VIDA, SAÚDE SUPLEMENTAR E CAPITALIZAÇÃO – CNSEG.
Por intermédio da petição de fls. 878/928 (e-STJ), a agravante pleiteou
o seu ingresso como amicus curiae neste recurso especial, ao fundamento de que
a definição da natureza jurídica do rol do art. 1.015 do CPC impactaria diretamente
nos setores econômicos por ela representados, na medida em que as empresas
desses segmentos enfrentariam inúmeras demandas em que questões
relacionadas à competência se fariam presentes.
O pedido foi indeferido, conforme decisão de fls. 1.008/1.010
(e-STJ), ao fundamento de que não há pertinência temática entre o segmento
representado pela requerente e o objeto da presente controvérsia, não possuindo
a referida entidade interesse institucional e a aptidão para contribuir, do ponto de
vista técnico-jurídico, com a resolução da questão de direito que é objeto da
presente afetação. A referida decisão foi publicada no DJe de 04/06/2018.
Ato contínuo, o processo foi incluído na pauta de julgamentos desta
Corte Especial, conforme se depreende da certidão de fl. 657 (e-STJ), lavrada em
11/06/2018.
Após a inclusão em pauta, sobreveio agravo interno interposto em
15/06/2018 em face da decisão unipessoal que indeferiu o seu pedido de
ingresso como amicus curiae (fls. 1.036/1.048, e-STJ), dando-se vista aos agravados, na forma legal, em 20/06/2018 (fl. 1.050, e-STJ), de modo que é
correto afirmar que, neste momento, ainda está em curso o prazo para resposta ao
referido agravo interno.
Considerando que o hipotético acolhimento da pretensão da
agravante implicaria, em tese, em lhe facultar a realização de sustentação oral
(pois a agravante, de forma açodada, já apresentou manifestação sobre o mérito
juntamente com o seu pedido de ingresso), é preciso deliberar previamente sobre
a questão.
O propósito da presente questão de ordem, pois, consiste em definir:
(i) se é possível julgar o agravo interno interposto, independentemente de sua
inclusão em pauta e quando ainda está em curso o prazo para responder ao
referido recurso; (ii) se é cabível o agravo interno contra a decisão unipessoal que
indefere o ingresso do amicus curiae; (iii) se porventura superada a questão
relacionada ao cabimento do agravo interno, se, na hipótese, deve ser deferido o
ingresso da agravante, como amicus curiae ou como assistente simples.
A) POSSIBILIDADE DE JULGAMENTO DO AGRAVO INTERNO
INTERPOSTO PELA AGRAVANTE.
Inicialmente, é preciso examinar se é possível prosseguir no
julgamento do presente agravo interno e, consequentemente, no julgamento do
próprio recurso especial representativo da controvérsia, uma vez que o agravo
interno especificamente não foi incluído em pauta e ainda está em curso o prazo
para que os agravados respondam ao referido recurso.
Em relação ao primeiro aspecto, é preciso relembrar desde logo que a
inclusão em pauta do recurso especial ocorreu em 11/06/2018 – isto é, antes da
interposição do agravo interno, que apenas foi aviado em 15/06/2018, inviabilizando, por completo, a sua tempestiva inclusão em pauta, seja de forma
prévia ou conjunta, com o recurso especial que já havia sido pautado
anteriormente.
O valor jurídico subjacente à regra que determina a inclusão do feito
em pauta com determinada antecedência é, evidentemente, permitir que a parte
tenha prévia ciência da data em que o processo será julgado e, assim, possa
encaminhar os seus memoriais e acompanhar presencialmente a sessão de
julgamento.
Na hipótese, não há dúvidas de que a agravante tinha plena ciência da
inclusão em pauta deste recurso especial representativo de controvérsia (e,
consequentemente, do seu agravo interno), sobretudo porque, somente após a
inclusão ocorrida em 11/06/2018, é que a agravante interpôs o referido agravo
interno e, além disso, juntou o substabelecimento de fls. 1.055/1.056 (e-STJ) em
25/06/2018.
De outro lado, o fato de ainda não ter escoado o prazo para responder
ao agravo interno configura-se, na específica hipótese em exame, mera
irregularidade que não resulta em nulidade, especialmente em virtude do singular
papel exercido pelo amicus curiae na formação dos precedentes (cuja intervenção
não é em favor deste ou daquele, mas, sim, em prol do esclarecimento da matéria
controvertida, de modo a democratizar o debate e legitimar a decisão a ser
proferida), de modo que não há que se falar propriamente em conflito de
interesses com os demais amici curiae ou com as partes.
B) DA ADMISSIBILIDADE DO AGRAVO INTERNO.
Superada a questão relacionada a possibilidade de julgamento do
agravo interno, passa-se então ao exame de admissibilidade do referido recurso.
Nesse particular, não se olvida que há precedentes do Supremo
Tribunal Federal em processos de natureza objetiva, especialmente em Ações
Diretas de Inconstitucionalidade, no sentido de que o pretenso amicus curiae teria
legitimidade para recorrer da decisão que o inadmite. A esse respeito: EDcl
na ADI 3615/PB, Pleno, DJe 25/04/2008 e EDcl na ADI 3105, Pleno, DJe
23/02/2007.
Todavia, esse entendimento é fruto de construção jurisprudencial
consolidada na ausência de regra jurídica específica que disciplinasse a
recorribilidade pelo amicus curiae, lacuna legislativa que veio a ser amplamente
sanada pelo CPC/15:
Art. 138. O juiz ou o relator, considerando a relevância da
matéria, a especificidade do tema objeto da demanda ou a repercussão social da
controvérsia, poderá, por decisão irrecorrível, de ofício ou a requerimento das
partes ou de quem pretenda manifestar-se, solicitar ou admitir a participação de
pessoa natural ou jurídica, órgão ou entidade especializada, com
representatividade adequada, no prazo de 15 (quinze) dias de sua intimação. §1o A intervenção de que trata o caput não implica alteração de
competência nem autoriza a interposição de recursos, ressalvadas a oposição de
embargos de declaração e a hipótese do §3o
. §2o Caberá ao juiz ou ao relator, na decisão que solicitar ou
admitir a intervenção, definir os poderes do amicus curiae.
§3o O amicus curiae pode recorrer da decisão que julgar o
incidente de resolução de demandas repetitivas.
A leitura do art. 138 do CPC/15, não deixa dúvida de que a decisão
unipessoal que verse sobre a admissibilidade do amicus curiae não é impugnável
por agravo interno, seja porque o caput expressamente a coloca como uma
decisão irrecorrível, seja porque o §1º expressamente diz que a intervenção
não autoriza a interposição de recursos, ressalvada a oposição de embargos
de declaração ou a interposição de recurso contra a decisão que julgar o IRDR.
Esse entendimento, aliás, encontra sólido respaldo em respeitada doutrina:
Concretizada uma das hipóteses demarcadas pelos limites
objetivos de cabimento da intervenção, na forma do art. 138, caput, do CPC,
poderá o juiz ou o relator admitir, de ofício ou mediante requerimento, o
ingresso do amicus curiae no feito. Trata-se de uma faculdade do magistrado a
admissão do terceiro, sendo que do deferimento ou do indeferimento da
decisão não cabe qualquer recurso das partes ou do próprio terceiro. (OLIVEIRA
NETO, Olavo de; MEDEIROS NETO, Elias Marques de; OLIVEIRA, Patrícia Elias
Cozzolino de. Curso de Direito processual civil: vol. 1, parte geral. 1ª ed. São
Paulo: Verbatim, 2015. p. 437).
(...)
A decisão sobre a intervenção do amicus curiae, admitindo-a ou
não a admitindo, é irrecorrível (art. 138, caput, CPC) (DIDIER JR., Fredie. Curso de
direito processual civil. Vol. 1. 17ª edição. Bahia: Jus Podivm, 2015, p. 524).
(...)
Infelizmente, excepcionada a intervenção no caso do incidente de
resolução de demandas repetitivas e os embargos declaratórios, o Código vetou
linearmente a utilização de recursos pelo amigo da corte. Deveria ter
possibilitado a intervenção de recurso nas situações relativas ao indeferimento
do pedido de participação do amigo da corte, como vinha sendo reconhecido
pela jurisprudência pátria. (GAJARDONI, Fernando da Fonseca; DELLORE, Luiz;
ROQUE, André Vasconcelos; OLIVEIRA JR., Zulmar. Teoria geral do processo:
comentários ao CPC de 2015. São Paulo: Forense, 2015. p. 447/448).
Por tais razões, é imperioso que se reconheça o manifesto
descabimento do agravo interno.
C) EXAME DOS PRESSUPOSTOS PARA DEFERIMENTO DO
INGRESSO DA AGRAVANTE COMO AMICUS CURIAE OU COMO
ASSISTENTE SIMPLES.
Ainda que se admitisse como cabível o recurso interposto, fato é que,
pelo mérito, a pretensão de ingresso como amicus curiae não merece ser acolhida,
pois ausentes os pressupostos que a autorizariam.
De início, destaque-se que a agravante representa os setores
econômicos de seguros, resseguros, previdência privada e vida, saúde suplementar
e capitalização.
Dito isso, relembre-se a fundamentação expendida na decisão
unipessoal agravada (fls. 1.008.1.010, e-STJ):
Salta aos olhos, de plano, a absoluta impertinência temática do
pedido formulado pela requerente, na medida em que as atividades
desenvolvidas pela requerente - seguros, resseguros, previdência privada e vida,
saúde complementar e capitalização - não se relacionam com o objeto da
afetação - definir a natureza jurídica de um determinado instituto e a
recorribilidade imediata, ou não, das decisões interlocutórias.
A esse respeito, registre-se que o fato de a tese firmada a partir
do julgamento deste recurso representativo de controvérsia impactar
indiretamente nas atividades dos representados pela requerente é um corolário
lógico e uma consequência óbvia do sistema de julgamento de processos
repetitivos nesta Corte.
Por esse motivo, admitir a pretensão da requerente abriria a
possibilidade, por exemplo, de permitir o ingresso como amicus curiae de
quaisquer entidades cujos representados fossem apenas indiretamente
atingidos pela tese firmada, o que representaria evidente descaminho do
instituto de seu leito natural.
Anote-se que a contribuição que se espera de quem pretenda ser
amicus curiae na questão em exame é técnico-jurídica, indissociavelmente
vinculada aos seus interesses institucionais e aptos, assim, a demonstrar a
existência da "representatividade adequada" referida no art. 138, caput, do
CPC/15, o que, na lição de Cássio Scarpinella Bueno, significa dizer que a
entidade "mostre satisfatoriamente a razão de sua intervenção e de que maneira
seu "interesse institucional" - que é o traço distintivo desta modalidade
interventiva, que não se confunde com o "interesse jurídico" das demais
modalidades interventivas - relaciona-se com o processo" (BUENO, Cássio
Scarpinella. Manual de direito processual civil: inteiramente estruturado à luz do
novo CPC – Lei nº 13.105, de 16-3-2015. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 161).
Sublinhe-se, finalmente, que é claramente atécnico, além de
inoportuno, apresentar desde logo a manifestação quanto ao mérito da
controvérsia quando ainda sequer houve a admissibilidade da entidade como
amicus curiae, o que sugere uma tentativa da requerente de ver os seus
argumentos serem examinados nesta Corte a qualquer custo.
Afirma-se no agravo interno, inicialmente, que é irrelevante a relação
entre os objetivos institucionais da entidade e o conteúdo da norma processual em
questão, de modo que a presença da agravante se justificaria porque seria ela
capaz de retratar os reflexos práticos da controvérsia.
Nesse sentido, diz a agravante que o seu setor econômico seria diretamente impactado pela decisão a ser tomada e que os seus representados
seriam aqueles que debateriam diretamente a matéria nas lides processuais, não
sendo suficiente para a adequada legitimação que apenas “entidades acadêmicas
que estudam o direito processual” sejam admitidas.
A esse respeito, anote-se em primeiro lugar que, diferentemente do
que se alega, não há que se falar em déficit de representatividade no presente
recurso especial repetitivo.
Isso porque, a despeito de as “entidades acadêmicas que estudam o
direito processual” serem formadas fundamentalmente por advogados e por
membros do Poder Judiciário e do Ministério Público, garantindo a diversidade de
manifestações e de posicionamentos acerca da controvérsia, também foram
convidados a participar, como amici curiae, a Advocacia-Geral da União, o
Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e a Defensoria Pública da
União, justamente para que outros setores potencialmente impactados e que se
valem, diariamente, do Poder Judiciário, pudessem ser devidamente
representados.
O fato de as empresas do setor representado pela agravante serem
reflexamente impactadas pela decisão a ser tomada neste recurso especial,
repise-se, é uma consequência lógica do sistema de julgamento de processos
repetitivos.
Todos os segmentos econômicos e empresariais serão impactados,
em maior ou menor escala, de modo que admitir que exista legitimidade da
agravante para participar da formação do precedente equivaleria a dizer, em
última análise, que todos os segmentos econômicos e empresariais
deveriam ser convidados ou admitidos a participar como amici curiae, prejudicando substancialmente a essência e a razão de ser deste instituto, que é preservar a representação da sociedade.
Para melhor compreensão, tome-se por exemplo o fato de que existe
uma quantia substancial de negócios jurídicos que são celebrados mediante
contrato que contém uma cláusula de eleição de foro – fixando, pois, uma
regra de competência.
Não seria minimamente razoável, lógico ou plausível que, em um
recurso repetitivo que verse sobre o cabimento do agravo de instrumento sobre
competência, admita-se a manifestação das associações representativas dos
segmentos de automóveis, alimentos, químicos, farmacêuticos, cosméticos,
metais, máquinas, agronegócios, tecnologia, eletrônicos, confecções, mobiliário,
mercado financeiro, construção civil, transportes e telecomunicações, apenas
porque tais setores da economia, que se valem de contratos com cláusula de
eleição de foro, serão indiretamente atingidos pela definição acerca do
cabimento de um determinado recurso nos processos que a envolvem.
De outro lado, é preciso diferenciar o interesse institucional, essencial a quem pretenda intervir como amicus curiae em processo alheio com o
fim de esclarecer as questões relacionadas a matéria controvertida, do
interesse jurídico, que nutre quem somente pretenda ver um determinado
posicionamento ser vencedor.
Na hipótese em exame, registre-se que a própria agravante confessa
expressamente que “busca por meio da atuação como amicus curiae tutelar os
interesses de suas associadas” (fl. 1.044, e-STJ), divorciando-se, assim, do objetivo
precípuo dessa singular espécie de intervenção de terceiro e atestando a
inexistência de interesse institucional da agravante.
Ademais, destaque-se que o fato de a agravante ter realizado eventos
relacionados ao tema – com a presença de respeitados juristas e referências acerca do direito processual – não a qualifica como amicus curiae, especialmente
porque este fato, na realidade, apenas demonstra que, a exemplo do que fizeram
outros setores econômicos, a agravante apenas promoveu a atualização acerca dos
impactos que o novo CPC causou nas atividades empresariais dos seus
representados, o que, aliás, comprova a sua manifesta inaptidão técnica para
contribuir com o debate acerca da matéria, que não se relaciona, nem
remotamente, com a eventual capacidade técnica dos patronos que a
representam em juízo.
Finalmente, registre-se o absoluto descabimento do pedido
subsidiário de que seja a agravante admitida como assistente simples.
Em primeiro lugar, a agravante não indica a que parte deste litígio
pretenderia assistir, invoca, em suas razões, matéria relacionada aos recursos
cabíveis no âmbito do IRDR, tema absolutamente estranho ao objeto desta
controvérsia, e suscita questão que não foi objeto sequer da decisão unipessoal
impugnada, motivo pelo qual é manifestamente deficiente a fundamentação
recursal nesse particular.
Em segundo lugar, anote-se que a regra prevista no art. 119, caput, do
CPC é de clareza meridiana quanto à hipótese de admissibilidade do assistente
simples, definindo que "o terceiro juridicamente interessado em que a sentença
seja favorável a uma delas poderá intervir no processo para assisti-la".
O interesse jurídico, como evidentemente se depreende do referido
dispositivo legal, diz respeito à relação jurídica de direito material subjacente, de
modo que o terceiro apenas poderá ingressar como assistente quando pretender
que a controvérsia de mérito seja decidida em favor desta ou daquela parte,
porque esta decisão influenciará na relação mantida com algum deles.
A doutrina, aliás, indica a hipótese em exame como situação em que não há interesse jurídico na causa: "Há interesses que não são tidos como jurídicos,
a ponto de justificar o ingresso de terceiro em processo alheio. É, por exemplo, o do
jurista em ação entre A e B, em que se discute tese que aquele sustenta". (ARRUDA
ALVIM, Teresa; CONCEIÇÃO, Maria Lúcia; RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva;
MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros comentários ao novo Código de
Processo Civil: artigo por artigo. 2ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p.
242).
A menção ao termo “sentença” no art. 119, caput, do CPC, deve ser
lida, pois, como interesse na “decisão de mérito”, inexistindo no direito processual
brasileiro, a toda evidência, a assistência assentada em interesse jurídico em que
uma decisão interlocutória, que resolva questão meramente incidental, seja
proferida em favor desta ou daquela parte.
Sublinhe-se, ademais, que a seleção de recursos como
representativos de controvérsia também tem como efeito promover o
deslocamento do eixo de concentração da controvérsia, que deixa o campo da
subjetividade e transcende para o interesse da coletividade.
Assim, é correto afirmar que descabe, no âmbito de recursos
especiais representativos de controvérsia, quaisquer modalidades de intervenções
de terceiros, exceto aquela prevista no sistema como meio de contribuição da
sociedade para o exame da matéria e de legitimação democrática da decisão a ser
tomada – o ingresso como amicus curiae, figura que não se amolda à agravante.
Forte nessas razões, VOTO pelo prosseguimento do julgamento do
agravo interno e, superada a questão, NÃO CONHEÇO do agravo interno
interposto pela CNSEG.
2) HISTÓRICO DA RECORRIBILIDADE DAS DECISÕES INTERLOCUTÓRIAS POR MEIO DO RECURSO DE AGRAVO.
A recorribilidade de decisões sobre questões incidentes e que não
diziam respeito diretamente ao mérito da controvérsia remontam, ao menos, ao
direito português do Século XII, ocasião em que, conforme lição de José Carlos
Barbosa Moreira, as partes dirigiam petições ao Rei, chamadas de querimas ou
querimônias, em que buscavam a concessão de uma “carta de justiça”,
subordinada ao exame de veracidade da alegação do requerente. Posteriormente,
essa espécie de petição passou a ser examinada pelo Rei em conjunto com a
resposta do juiz prolator da decisão, quando passou a se chamar “carta
testemunhável” ou “instrumento de agravo”. (BARBOSA MOREIRA, José Carlos.
Comentários ao Código de Processo Civil – Vol. 5 – Arts. 476 a 565. 11ª ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2003. p. 482/483).
Nas subsequentes legislações sobre processo – Ordenações
Manuelinas e Filipinas, Regulamento 737 de 1850, Decreto 763 de 1890 e os
códigos de processo estaduais que vigoraram entre a Constituição de 1891 e a de
1937 – diversas foram as formas de disciplinar a recorribilidade das interlocutórias,
com variações acerca do cabimento (ora mais amplo, ora mais restrito) e da
própria modalidade recursal adequada (agravo de petição, agravo no auto do
processo, agravo ordinário, agravo por instrumento, etc.).Retomada a competência
exclusiva da União para legislar sobre direito processual, sobreveio então o
CPC/39, constando da exposição de motivos elaborada por Francisco Campos,
especialmente no que diz respeito à seara recursal:
Aqui devem ser feitas algumas distinções que não são necessárias
quando a decisão diz respeito à simples determinação dos fatos. A primeira
distinção é entre as falhas de processo que afetam materialmente os direitos das
partes, isto é, que pela sua natureza hajam influído realmente no julgamento
proferido, e aquelas que são de uma natureza menos importante ou puramente técnica, as quais, ainda que admitidas como erros, não dão motivos razoáveis
para se acreditar que tenham impedido a parte agravada de apresentar
inteiramente o seu interesse ou que tenham influído sobre o juiz, ou o juri, no
proferir suas decisões. Manifestamente, nos argumentos em favor da permissão
de uma reforma da decisão, no caso de erros da primeira categoria, são mais
fortes que no caso dos da segunda. Permitir os recursos em todos os casos em
que se alegue estar errado o julgamento com relação à aplicação de regras, sejam
ou não tais erros de natureza a se supôr que tenham afetado o julgamento,
acarretará males desproporcionados aos benefícios que se podem verificar em
casos relativamente raros. Abre a porta ao uso do direito de recorrer
simplesmente com propósitos protelatórios, e aumenta as despesas do pleito, o
que tudo trabalha em desfavor da parte fraca.
Como se percebe da exposição de motivos, a preocupação precípua
naquele momento histórico foi de permitir a recorribilidade imediata das decisões
que pudessem comprometer a higidez do pronunciamento de mérito e, a partir
dessa premissa, optou-se por eleger um rol pretensamente exaustivo de situações
que seriam capazes de atingir o direito das partes e de influir no julgamento da
controvérsia, elencando-se, no art. 842 do CPC/39 e também na legislação
extravagante, hipóteses de cabimento do agravo na modalidade instrumental.
Ademais, o CPC/39 também instituiu, em elenco que pretendeu ser
taxativo, as hipóteses de cabimento do agravo de petição (admissível quando não
se tratasse de hipótese de agravo de instrumento e houvesse decisão terminativa
sem resolução de mérito, na forma do art. 846) e do agravo no auto do processo
(que cabia apenas em hipóteses específicas, conforme art. 851, I a IV, e que seria
examinado como preliminar de apelação).
O sistema recursal existente no CPC/39, todavia, era claramente
imperfeito e inadequado, motivo pelo qual foi objeto de severas críticas da
doutrina.
De um lado, uma parcela considerável de decisões se enquadrava em
mais de uma espécie recursal ou, ao revés, não se enquadrava em nenhuma modalidade recursal existente, gerando fundada dúvida acerca da existência e de
um meio apropriado de impugnação, o que explica, inclusive, a existência do art.
810 no CPC/39, uma regra legal de fungibilidade por intermédio da qual seria
admissível um recurso pelo outro quando ausente má-fé ou erro grosseiro.
De outro lado, verificou-se também que uma série de questões que
poderiam causar prejuízos às partes ou comprometer o adequado exame de
mérito da controvérsia não seriam recorríveis de imediato, na medida em que não
se enquadravam nas hipóteses de cabimento do agravo de petição ou do agravo de
instrumento, ficando relegadas somente ao agravo no auto do processo ou, até
mesmo, à própria irrecorribilidade. A esse respeito, leciona Teresa Arruda Alvim,
em obra de referência escrita na vigência do CPC/73:
Como se viu na exposição precedente, no Código de Processo
Civil revogado, o recurso de agravo de instrumento ou no auto do processo
tinha cabimento desde que houvesse previsão expressa a respeito.
Inúmeras outras decisões, que podiam ter como efeito dano
irreparável, ou de dificílima reparação, ao direito das partes ou influenciar o teor
da sentença final, ficavam, teoricamente, imunes a ataques recursais.
Foi precisamente esta circunstância que fez com que os
advogados acabassem por se valer de outros meios, que não recursais, com o
fito de tentar modificar estas decisões. Estes sucedâneos recursais eram o
pedido de reconsideração, a correição parcial ou a reclamação, o conflito de
competência, a ação rescisória e o mandado de segurança (ALVIM, Teresa
Arruda. Os agravos no CPC brasileiro. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2006. p. 81).
Justamente diante da malsucedida experiência havida com o sistema
recursal existente no CPC/39, especialmente no que tange à recorribilidade
imediata das decisões interlocutórias, é que Alfredo Buzaid propôs, por ocasião da
elaboração do projeto de lei que resultou no CPC/73, um modelo de impugnação
substancialmente distinto daquele existente no sistema anterior. Consta da
exposição de motivos:
15. Outro ponto é o da irrecorribilidade, em separado, das
decisões interlocutórias. A aplicação deste princípio entre nós provou que os
litigantes, impacientes de qualquer demora no julgamento do recurso, acabaram
por engendrar esdrúxulas formas de impugnação. Podem ser lembradas, a título
de exemplo, a correição parcial e o mandado de segurança. Não sendo possível
modificar a natureza das coisas, o projeto preferiu admitir agravo de
instrumento de todas as decisões interlocutórias. (...)
Era indispensável apontar essa ausência de unidade,
especialmente porque várias leis extravagantes serão atingidas pela reforma do
Código, devendo submeter-se às normas que regem o novo sistema de
recursos. Não se justificava que, tratando-se de ações, gozassem de um
tratamento especial, com recursos próprios, diferentes daqueles aplicados às
ações em geral. Na tarefa de uniformizar a teoria geral dos recursos, foi preciso
não só refundi-los, atendendo a razões práticas, mas até suprimir alguns, cuja
manutenção não mais se explica à luz da ciência. O projeto aboliu os agravos de
petição e no auto do processo.
(...)
31. Convém, ainda, tecer alguns comentários sobre a
nomenclatura do Código vigente.
Os recursos de agravo de instrumento e no auto do processo
(arts. 842 e 851) se fundam num critério meramente casuístico, que não exaure
a totalidade dos casos que se apresentam na vida cotidiana dos tribunais. Daí a
razão por que o dinamismo da vida judiciária teve de suprir as lacunas da ordem
jurídica positiva, concedendo dois sucedâneos de recurso, a saber, a correição
parcial e o mandado de segurança. A experiência demonstrou que esses dois remédios foram úteis
corrigindo injustiças ou ilegalidades flagrantes, mas representavam uma grave
deformação no sistema, pelo uso de expedientes estranhos ao quadro de
recursos.
O CPC/73, em sua versão originária, tipificou a hipótese de cabimento
do recurso para as interlocutórias por exclusão – se não se tratasse de despacho
(irrecorrível) ou de sentença (recorrível por apelação), cabível seria o agravo de
instrumento, facultando-se à parte escolher se o referido recurso tramitaria de
imediato ou se ficaria retido nos autos para julgamento como preliminar da
apelação – algo semelhante ao agravo no auto do processo previsto no CPC/39.
A estrutura procedimental desenhada pelo legislador de 1973, todavia, revelou-se inadequada. O fato de o agravo ainda ser interposto em 1º
grau, com a formação do instrumento sob a responsabilidade do ofício judicial,
aliado aos fatos de o contraditório se estabelecer também em 1º grau, de haver a
possibilidade de retratação do juízo e de existir a concessão de efeito suspensivo
apenas nas hipóteses taxativamente arroladas no art. 558 (prisão de depositário
infiel, adjudicação, remição de bens e levantamento de dinheiro sem caução), deu
significativa sobrevida ao mandado de segurança contra ato judicial, embora, desta
feita, dirigido à concessão de efeito suspensivo ao recurso fora das hipóteses legais
ou no lapso temporal entre a interposição do recurso e o seu efetivo exame em 2º
grau de jurisdição.
Diante disso, houve a reforma do texto legal empreendida no ano de
1995, essencialmente sobre os pontos acima apontados. O agravo passou a ser
interposto em 2º grau, com a formação do instrumento sob a responsabilidade da
parte; o contraditório igualmente passou a acontecer em 2º grau, tornando cada
vez menos relevante a possibilidade de retratação; finalmente, acrescentou-se a
possibilidade de concessão do efeito suspensivo em quaisquer outros casos de que
pudesse resultar lesão grave ou de difícil reparação, desde que relevante a
fundamentação.
Praticamente 10 (dez) anos depois, sobreveio uma nova reforma legal
acerca da dinâmica do agravo de instrumento, com a modificação da hipótese de
cabimento do referido recurso (art. 522 do CPC/73), tornando regra a modalidade
retida e excepcional a modalidade instrumental, que seria cabível somente quando
a decisão impugnada fosse suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil
reparação.
A esse respeito, consta da justificativa do Projeto de Lei nº 4.727-A de
2004, que deu origem à Lei nº 11.187/2005, que, “sob a perspectiva das diretrizes estabelecidas para a reforma da Justiça, faz-se necessária a alteração do sistema
processual brasileiro com o escopo de conferir racionalidade e celeridade ao
serviço de prestação jurisdicional, sem, contudo, ferir o direito ao contraditório e à
ampla defesa”.
Realizada essa contextualização histórica inicial, examinar-se-á
adiante a disciplina que o CPC/15 destinou às hipóteses de cabimento do recurso
de agravo de instrumento, bem como a controvérsia doutrinária e jurisprudencial
que se instalou sobre a natureza jurídica do rol previsto no art. 1.015 do novo
diploma legal.
3) DIVERGÊNCIA DOUTRINÁRIA E JURISPRUDENCIAL ACERCA
DA NATUREZA DO ROL DO ART. 1.015 DO CPC/15.
O dispositivo legal sobre o qual paira a presente controvérsia se
encontra assim redigido:
Art. 1.015. Cabe agravo de instrumento contra as decisões
interlocutórias que versarem sobre:
I – tutelas provisórias;
II – mérito do processo;
III – rejeição da alegação de convenção de arbitragem;
IV – incidente de desconsideração da personalidade jurídica;
V – rejeição do pedido de gratuidade da justiça ou acolhimento do
pedido de sua revogação;
VI – exibição ou posse de documento ou coisa;
VII – exclusão de litisconsorte;
VIII – rejeição do pedido de limitação do litisconsórcio;
IX – admissão ou inadmissão de intervenção de terceiros;
X – concessão, modificação ou revogação do efeito suspensivo
aos embargos à execução;
XI - redistribuição do ônus da prova nos termos do art. 373, §1º;
XII - (VETADO);
XIII – outros casos expressamente referidos em lei.
Parágrafo único. Também caberá agravo de instrumento contra
decisões interlocutórias proferidas na fase de liquidação de sentença ou de
cumprimento de sentença, no processo de execução e no processo de
inventário.
O que se pretendeu com a nova disciplina acerca do cabimento do
agravo de instrumento consta, sinteticamente, da exposição de motivos da
Comissão de Juristas que elaborou o anteprojeto que se tornou o PLS/166/2010:
Bastante simplificado foi o sistema recursal. Essa simplificação,
todavia, em momento algum significou restrição ao direito de defesa. Em vez
disso deu, de acordo com o objetivo tratado no item seguinte, maior
rendimento a cada processo individualmente considerado.
Desapareceu o agravo retido, tendo, correlatamente, sido
alterado o regime das preclusões. Todas as decisões anteriores à sentença
podem ser impugnadas na apelação. Ressalte-se que, na verdade, o que se
modificou, nesse particular, foi exclusivamente o momento da impugnação, pois
essas decisões, de que se recorria, no sistema anterior, por meio de agravo
retido, só eram mesmo alteradas ou mantidas quando o agravo era julgado,
como preliminar de apelação. Com o novo regime, o momento de julgamento
será o mesmo; não o da impugnação.
O agravo de instrumento ficou mantido para as hipóteses de
concessão, ou não, de tutela de urgência; para as interlocutórias de mérito, para
as interlocutórias proferidas na execução (e no cumprimento de sentença) e para
todos os demais casos a respeito dos quais houver previsão legal expressa.
Como se verifica, previa-se, no anteprojeto de 2009, a possibilidade
de recorrer de imediato somente das seguintes interlocutórias: (i) tutelas
provisórias; (ii) interlocutórias de mérito; (iii) proferidas na execução ou no
cumprimento de sentença; (iv) demais casos previstos expressamente em lei,
inclusive e especialmente no próprio CPC, que continha, nessa versão, diversas
outras hipóteses de cabimento em seu próprio corpo.
Anote-se que, na manifestação ofertada pelo Instituto Brasileiro de
Direito Processual – IBDP, existe um valioso histórico acerca da tramitação
legislativa do PLS 166/2010 (fls. 428/447, e-STJ), por meio do qual se verifica que,
especialmente na Câmara dos Deputados (quando o projeto foi renumerado para
PLC 8.046/2010), houve sucessivas tentativas de alargar substancialmente o conteúdo ou, até mesmo, modificar a natureza do rol de cabimento do recurso de
agravo de instrumento, tendo o relator-geral na Câmara, em dado momento,
consolidado uma redação que expressamente previa o cabimento imediato do
agravo de instrumento em face das decisões que versavam sobre competência e
também quando havia o indeferimento de prova pericial.
Devolvido o projeto ao Senado Federal, foi elaborado o Parecer nº 956
de 2014, de relatoria do Senador Vital do Rêgo, em que se consignou
expressamente que:
O projeto de Novo Código de Processo Civil segue o caminho da
simplificação recursal e do desestímulo ao destaque de questões incidentais para
discussões em vias recursais antes da sentença, especialmente quando, ao final
do procedimento, esses temas poderão ser discutidos em recurso de apelação. Por essa razão, no PLS, não se exacerbou na previsão de
hipóteses de cabimento de agravo de instrumento. Essa espécie recursal
ficou restrita a situações que, realmente, não podem aguardar
rediscussão futura em eventual recurso de apelação. Nesse sentido, o PLS flexibilizou o regime de preclusão quanto às
decisões interlocutórias para permitir, se necessário for, a sua impugnação em
futuro recurso posterior a sentença. Uma das espinhas dorsais do sistema
recursal do projeto de Novo Código é o prestígio ao recurso único. Acontece que, no SCD (leia-se, PLC 8.046/2010), essa diretriz foi
parcialmente arranhada, com o acréscimo de diversas hipóteses novas de agravo
de instrumento, o que merece ser rejeitado na presente etapa legislativa.
Emblemática, nesse sentido, foi a rejeição à Emenda nº 92, proposta
pelo Senador Aloysio Nunes Ferreira, em que o relator do Parecer nº 956/2010
afirmou, textualmente, que:
O objetivo desses ajustes seria afastar o regime da taxatividade
das hipóteses de cabimento do agravo de instrumento, a fim de garantir que
qualquer decisão interlocutória desafie esse recurso. Alega-se que há várias
hipóteses de decisões interlocutórias que não foram contempladas e
que mereciam ser impugnáveis desde logo, a exemplo da decisão sobre “a
obrigação de depósito dos honorários periciais, ou seja, da decisão que
determina quem deve custear a prova”. Outro caso que merecia ser recorrível é a
decisão sobre “pedido ligado ao estabelecimento da ordem cronológica de prolação de decisões judiciais.
Óbice regimental opõe-se à supracitada emenda. A
taxatividade das hipóteses de cabimento do agravo de instrumento
foi aprovada pelo Senado Federal na forma do art. 969 do PLS. A
Câmara dos Deputados apenas acresceu novas hipóteses e ajustou a redação de
outras previstas pelo Senado Federal, mediante ajustes constantes do art. 1.028
do SCD. Suprimir a taxatividade do cabimento do agravo de instrumento é
incorrer em inovação legislativa não autorizada nessa etapa derradeira do
processo legislativo.
A despeito de ter havido, ao que tudo indica, uma consciente e
política opção do legislador pela taxatividade das hipóteses de cabimento do
recurso de agravo de instrumento na fase de conhecimento do procedimento
comum e dos procedimentos especiais, exceção feita à ação de inventário,
estabeleceu-se, na doutrina e na jurisprudência, uma séria e indissolúvel
controvérsia acerca da possibilidade de recorrer, desde logo, de decisões
interlocutórias não previstas no rol do art. 1.015 do CPC e que pode ser sintetizada
nas seguintes posições: (i) o rol é absolutamente taxativo e deve ser interpretado
restritivamente; (ii) o rol é taxativo, mas comporta interpretações extensivas ou
analogia; (iii) o rol é exemplificativo.
A) O ROL DO ART. 1.015 DO CPC É ABSOLUTAMENTE
TAXATIVO E DEVE SER INTERPRETADO RESTRITIVAMENTE.
A corrente doutrinária que sustenta ser impossível qualquer espécie
de extensão das hipóteses de cabimento do recurso de agravo de instrumento
previstas no CPC está fundada, essencialmente, no fato de que teria havido uma
consciente opção legislativa pela enumeração taxativa das hipóteses, bem como
no fato de que as partes não poderiam ser surpreendidas por não terem recorrido
de imediato ao confiar na taxatividade do rol do art. 1.015. A esse respeito,
confira-se:
"2. Decisões interlocutórias agraváveis (rol fechado). O
Código claramente pretendeu estabelecer rol fechado para as hipóteses passíveis
de justificar a interposição do agravo de instrumento. O ideal subjacente à lista
dos casos de agravo de instrumento foi a diminuição na utilização de tal via
recursal, como pretendido desafogo ao Poder Judiciário. Voltou-se ao regime do
CPC de 1939 (art. 842), historicamente reconhecido como desastroso (por isso
alterado no CPC de 1973), na medida em que o legislador não consegue represar
a realidade em seus esquemas formais. Como o rol apresentado pelo art. 1.015
é manifestamente insuficiente, não prevendo, para ficarmos apenas em um
exemplo, agravo de instrumento contra decisão versando sobre competência,
não tardaram entendimentos a propugnar uma interpretação ampliativa do rol
estipulado.
(...)
Nada obstante, considerado o direito posto, não se pode ampliar
o rol do art. 1.015, sob pena inclusive de comprometer todo o sistema
preclusivo eleito pelo Código". (GAJARDONI, Fernando da Fonseca; DELLORE, Luiz;
ROQUE, André Vasconcelos; OLIVEIRA JR., Zulmar. Execução e recursos:
comentários ao CPC de 2015. São Paulo: Método, 2017. p. 1070).
Com variações argumentativas, mas fundamentalmente no mesmo
sentido, há trabalhos de muito fôlego e consistência de juristas como José
Henrique Mouta Araújo (A recorribilidade das interlocutórias no novo CPC:
variações sobre o tema in Revista de Processo nº 251, São Paulo: RT, jan. 2016, p.
207/228), Heitor Vitor Mendonça Sica (Recorribilidade das interlocutórias e
sistemas de preclusões no novo CPC – primeiras impressões in Revista Magister de
Direito Civil e Processual Civil nº 65, Porto Alegre: Magister, mar./abr. 2015, p.
22/66) e Rodrigo Frantz Becker (O rol taxativo (?) das hipóteses de cabimento
do agravo de instrumento in Publicações da Escola da AGU nº 04, Brasília: EAGU,
out./dez. 2017, p. 237/252), dentre outros.
De outro lado, anote-se que a tese da absoluta taxatividade do rol do
art. 1.015 do CPC recebeu o amparo desta Corte em recente julgado, oportunidade
em que se consignou que “considera-se que a interpretação do art. 1.015 do Novo
CPC deve ser restritiva, para entender que não é possível o alargamento das hipóteses para contemplar situações não previstas taxativamente na lista
estabelecida para o cabimento do Agravo de Instrumento”, uma vez que “as
decisões relativas à competência, temática discutida nos presentes autos, bem
como discussões em torno da produção probatória, estão fora do rol taxativo do
art. 1.015 do CPC/2015”. (REsp 1.700.308/PB, 2ª Turma, DJe 23/05/2018).
B) O ROL DO ART. 1.015 DO CPC É TAXATIVO, MAS ADMITE
INTERPRETAÇÕES EXTENSIVAS OU ANALÓGICAS.
Uma parcela considerável da doutrina, por sua vez, tem sustentado
que, a despeito de o rol do art. 1.015 do CPC ser mesmo taxativo, nada impede
que as hipóteses nele contidas sejam objeto de interpretação extensiva ou
analógica.
Essa corrente, reconhecendo também a insuficiência do rol para
adequadamente tutelar as diversas questões que o fenômeno jurídico apresenta
na realidade, propõe que cada um dos incisos do art. 1.015 seja interpretado de
forma não literal, de modo a acomodar situações semelhantes ou próximas àquelas
expressamente mencionadas no respectivo inciso. Confira-se:
As hipóteses de agravo de instrumento estão previstas em rol
taxativo. A taxatividade não é, porém, incompatível com a interpretação
extensiva. Embora taxativas as hipóteses de decisões agraváveis, é possível
interpretação extensiva de cada um de seus tipos.
Tradicionalmente, a interpretação pode ser literal, mas há, de
igual modo, as interpretações corretivas e outras formas de reinterpretação
substitutiva. A interpretação literal consiste numa das fases (a primeira,
cronologicamente) da interpretação sistemática. O enunciado normativo é, num
primeiro momento, interpretado em seu sentido literal para, então, ser
examinado crítica e sistematicamente, a fim de se averiguar se a interpretação
literal está de acordo com o sistema em que inserido.
Havendo divergência entre o sentido literal e o genético,
teleológico ou sistemático, adota-se uma das interpretações corretivas, entre as
quais se destaca a extensiva, que é um modo de interpretação que amplia o
sentido da norma para além do contido em sua letra. Assim, “se a mensagem normativa contém denotações e conotações limitadas, o trabalho do intérprete
será o de torná-las vagas e ambíguas (ou mais vagas e ambíguas do que são em
geral, em face da imprecisão da língua natural de que se vale o legislador).
(...)
A interpretação extensiva opera por comparações ou
isonomizações, não por encaixes ou subsunções. As hipóteses de agravo e
instrumento são taxativas e estão previstas no art. 1.015 do CPC. Se não se
adotar a interpretação extensiva, corre-se o risco de se ressuscitar o uso
anômalo e excessivo do mandado de segurança contra ato judicial, o que é
muito pior, inclusive em termos de política judiciária.
É verdade que interpretar o texto normativo com a finalidade de
evitar o uso anômalo e excessivo do mandado de segurança pode consistir num
consequencialismo. Como se sabe, o consequencialismo constitui um método
de interpretação em que, diante de várias interpretações possíveis, o intérprete
deve optar por aquela que conduza a resultados econômicos, sociais ou políticos
mais aceitáveis, mais adequados e menos problemáticos. Busca-se, assim, uma
melhor integração entre a norma e a realidade. É um método de interpretação
que pode servir para confirmar a interpretação extensiva ora proposta.
Adotada a interpretação literal, não se admitindo o agravo de
instrumento contra decisão que trate de competência, nem contra decisão que
nega eficácia a negócio jurídico processual (para dar dois exemplos, explicados no
exame do inciso III do art. 1.015 do CPC), haverá o uso anômalo e excessivo do
mandado de segurança, cujo prazo é bem mais elástico que o do agravo de
instrumento. Se, diversamente, se adota a interpretação extensiva para permitir
o agravo de instrumento, haverá menos problemas no âmbito dos tribunais,
não os congestionando com mandados de segurança contra atos judiciais.
(DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de Direito Processual
Civil: meios de impugnação às decisões judiciais e processos nos tribunais. 15ª
ed. Salvador: Juspodivm, 2018. p. 248/251).
A tese segundo a qual o rol, embora taxativo, comporta interpretação
extensiva ou analogia tem sido acolhida por parcela bastante significativa da
doutrina, com destaque para Teresa Arruda Alvim, Maria Lúcia Lins
Conceição, Leonardo Ferres Ribeiro e Rogério Licastro Torres de Mello
(Primeiros comentários ao novo Código de Processo Civil: artigo por artigo. 2ª Ed.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 1.614), Cássio Scarpinella Bueno
(Manual de direito processual civil: inteiramente estruturado à luz do novo CPC – Lei nº 13.105, de 16-3-2015. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 622), Clayton Maranhão
(Agravo de instrumento no Código de Processo Civil de 2015: entre a taxatividade do rol e um indesejado retorno do mandado de segurança contra ato judicial in
Revista de Processo nº 256, São Paulo: RT, jun. 2016, p. 147/168), Felippe
Borring Rocha e Fernando Gama de Miranda Netto (A recorribilidade das
decisões interlocutórias sobre direito probatório in Revista Brasileira de Direito
Processual nº 101, Belo Horizonte: Fórum, jan./mar. 2018, p. 99/123) e Christian
Garcia Vieira (A inviável taxatividade quanto ao cabimento do agravo – críticas ao
art. 1.015, CPC/15 in Questões relevantes sobre recursos, ações de impugnação e
mecanismos de uniformização de jurisprudência: em homenagem à Professora
Teresa Arruda Alvim. São Paulo: RT, 2017. p. 197/202).
No mesmo sentido, há recentes julgados desta Corte: REsp
1.695.936/MG, 2ª Turma, DJe 19/12/2017 (que aponta ser cabível o recurso da
decisão que afasta o reconhecimento de prescrição e decadência), REsp
1.694.667/PR, 2ª Turma, DJe 18/12/2017 (que sinaliza a possibilidade de recorrer
desde logo na hipótese de indeferimento de pedido de concessão de efeito
suspensivo a embargos à execução) e, finalmente, REsp 1.679.909/RS, 4ª Turma,
DJe 01/02/2018 (por meio do qual se admitiu o processamento de agravo de
instrumento contra decisão que versava sobre competência, ao fundamento de
que se trataria de hipótese similar àquela que rejeita a alegação de convenção de
arbitragem).
Aliás, esse foi o entendimento defendido pela maioria das entidades
que ingressaram nesse recurso como amici curiae, como a Associação Brasileira de
Direito Processual – ABDPRO, a União e a Defensoria Pública da União, assim
como, no mesmo sentido, opinou o Ministério Público Federal.
C) O ROL DO ART. 1.015 É EXEMPLIFICATIVO, ADMITINDO-SE
O RECURSO FORA DAS HIPÓTESES DE CABIMENTO PREVISTAS NO DISPOSITIVO.
Finalmente, outra parte da doutrina defende que não há que se falar
em rol taxativo combinado com interpretação restritiva, nem tampouco em rol
taxativo combinado com interpretação extensiva ou analógica, mas, sim, em um
rol puramente exemplificativo, de modo que, em determinadas situações, a
recorribilidade da interlocutória deve ser imediata, ainda que a matéria não conste
expressamente do rol ou que não seja possível dele extrair a questão por meio de
interpretação extensiva ou analógica.
Nesse sentido, sustenta William Santos Ferreira que a
recorribilidade imediata das decisões interlocutórias deve ser examinada sob a
ótica da existência de interesse recursal e da eventual inutilidade futura da
impugnação diferida por meio de apelação em determinadas situações. Diz ele:
O interesse recursal é representação da utilidade + necessidade,
em que, na lição de Barbosa Moreira, “o recorrente possa esperar, da
interposição do recurso, a consecução de um resultado a que corresponda
situação mais vantajosa, do ponto de vista prático, do que a emergente da
decisão recorrida” (utilidade) e ainda “que seja necessário usar o recurso para
alcançar tal vantagem” (necessário).
O processualista ainda destaca que na utilidade para sua
compreensão deve se empregar uma ótica prospectiva e não retrospectiva “a
ênfase incidirá mais sobre o que possível ao recorrente esperar que se decida, no
novo julgamento, do que sobre o teor daquilo que se decidiu, no julgamento
impugnado... daí preferirmos aludir à utilidade, como outros aludem, como
fórmula afim, ao proveito e ao benefício que a futura decisão seja capaz de
proporcionar ao recorrente”.
(...)
No sistema processual civil brasileiro, do CPC/2015, optou-se
pela recorribilidade integral das interlocutórias, somente variando o recurso,
agravo de instrumento ou, residualmente, apelação.
Logo, algo que não pode ser esquecido é que para todo recurso
impõe-se interesse recursal, sendo este não apenas um requisito do recurso sem
o qual não é admissível, mas também é um direito do recorrente em relação ao
Estado, uma vez identificada recorribilidade em lei, deve ser assegurada a
utilidade do julgamento do recurso, inclusive em estrita observância do inc. XXXV
do art. 5º, da CF/1988.
Se não há identificação literal das hipóteses legalmente previstas para agravo de instrumento, em primeiro momento, se defenderia a apelação,
contudo se o seu julgamento futuro será inútil por impossibilidade de resultado
prático pleno (ex. dano irreparável ou de difícil reparação), como no caso de uma
perícia inadmitida, em que o prédio que seria objeto da perícia diante de uma
desapropriação será rapidamente demolido, desaparecendo a utilidade de
julgamento futuro da apelação, não é possível defender-se o cabimento da
apelação, porque a lei não pode prever recurso inútil, logo é caso de cabimento
do agravo de instrumento.
Em outras palavras, há uma taxatividade fraca, decorrente da
própria definição de recorribilidade geral das interlocutórias, mas ainda
taxatividade, porque o agravante tem o ônus de demonstrar que é necessário o
agravo de instrumento em razão da inutilidade de interposição e julgamento
futuros de apelação. (FERREIRA, William Santos. Cabimento do agravo de
instrumento e a ótica prospectiva da utilidade – O direito ao interesse na
recorribilidade de decisões interlocutórias in Revista de Processo nº 263, São
Paulo: RT, jan. 2017, p. 193/203).
Na mesma linha de raciocínio, leciona José Rogério Cruz e Tucci
que há situações que, a despeito de não catalogadas no rol do art. 1.015 do
CPC/15, necessitam obrigatoriamente ser examinadas de imediato, especialmente
as questões de ordem pública, as nulidades absolutas e aquelas que conduzem à
extinção do processo, sob pena de ofensa ao princípio da razoável duração do
processo e ao devido processo legal. (TUCCI, José Rogério Cruz e. Ampliação do
cabimento do recurso de agravo de instrumento in Portal Consultor Jurídico,
18/07/2017. Acesso realizado em 07/06/2018).
Ademais, Gabriel Araújo Gonzalez, em recente monografia, leciona
que a mens legis subjacente à adoção de um rol fechado de cabimento do recurso
de agravo está vinculada ao fato de que vislumbrou o legislador certas situações
em que a apelação foi reconhecida como um recurso inapto para adequadamente
tutelar o direito violado, mas que, a despeito disso, a enunciação de hipóteses no
art. 1.015 do CPC/15 contrariou essa mesma premissa fundamental ao deixar de
fora outras tantas situações em que a recorribilidade diferida seria igualmente
inapta para tutelar adequadamente esse direito (GONZALEZ, Gabriel Araújo. A recorribilidade das decisões interlocutórias no Código de Processo Civil de 2015.
Salvador: Juspodivm, 2016. p. 364/375).
Em síntese, são essas as conflitantes posições doutrinárias e
aparentemente indissolúveis divergências jurisprudenciais que se pretende
pacificar a partir do presente recurso e que serão mais bem discutidas adiante,
tendo como base o estudo da vasta doutrina que se propôs a examinar o tema e
dos julgados proferidos acerca do assunto, e que permitem, desde logo, extrair
algumas conclusões preliminares:
(i) A controvérsia limita-se, essencialmente, à recorribilidade das
interlocutórias na fase de conhecimento do procedimento comum e dos
procedimentos especiais, exceto o processo de inventário, em virtude do que
dispõe o art. 1.015, parágrafo único, do CPC, que prevê ampla recorribilidade das
interlocutórias na fase de liquidação ou de cumprimento de sentença, no processo
de execução e no processo de inventário.
(ii) A majoritária doutrina se posicionou no sentido de que o legislador
foi infeliz ao adotar um rol pretensamente exaustivo das hipóteses de cabimento
do recurso de agravo de instrumento na fase de conhecimento do procedimento
comum, retornando, ao menos em parte, ao criticado modelo recursal do CPC/39.
(iii) O rol do art. 1.015 do CPC, como aprovado e em vigor, é
insuficiente, pois deixa de abarcar uma série de questões urgentes e que
demandariam reexame imediato pelo Tribunal.
(iv) Deve haver uma via processual sempre aberta para que tais questões sejam desde logo reexaminadas quando a sua apreciação diferida puder
causar prejuízo às partes decorrente da inutilidade futura da impugnação apenas
no recurso de apelação.
(v) O mandado de segurança, tão frequentemente utilizado na
vigência do CPC/39 como sucedâneo recursal e que foi paulatinamente reduzido
pelo CPC/73, não é o meio processual mais adequado para que se provoque o
reexame da questão ventilada em decisão interlocutória pelo Tribunal.
(vi) Qualquer que seja a interpretação a ser dada por esta Corte,
haverá benefícios e prejuízos, aspectos positivos e negativos, tratando-se de uma
verdadeira “escolha de Sofia”.
(vii) Se, porventura, o posicionamento desta Corte se firmar no
sentido de que também é cabível o agravo de instrumento fora das hipóteses
listadas no art. 1.015 do CPC, será preciso promover a modulação dos efeitos da
presente decisão ou estabelecer uma regra de transição, a fim de proteger às
partes que, confiando na absoluta taxatividade do rol e na interpretação restritiva
das hipóteses de cabimento do agravo, deixaram de impugnar decisões
interlocutórias não compreendidas no art. 1.015 do CPC.
Estabelecidas essas premissas metodológicas fundamentais, passa-se
ao exame mais detalhado do objeto da controvérsia.
4) EXAME DA NATUREZA JURÍDICA DO ROL DO ART. 1.015 DO
CPC A PARTIR DO MODELO CONSTITUCIONAL DE PROCESSO E DAS NORMAS FUNDAMENTAIS PREVISTAS NO CPC/15.
Em primeiro lugar, é preciso destacar que a regra do art. 1.015 do CPC
não é – e nem pode ser interpretada como – uma ilha oceânica, isolada e
distanciada de seu sistema jurídico, que deve ser compreendido como “sendo uma
rede axiológica e hierarquizada de princípios gerais e tópicos, de normas e de
valores jurídicos cuja função é a de, evitando ou superando antinomias, dar
cumprimento aos princípios e objetivos fundamentais do Estado Democrático de
Direito, assim como se encontram consubstanciados, expressa ou implicitamente,
na Lei Maior” (FREITAS, Juarez. Interpretação sistemática do direito em face das
antinomias normativas, axiológicas e principiológicas. 1994. 234 f. Tese (Doutorado
em Direito) – Faculdade de Direito. Universidade Federal de Santa Catarina,
Florianópolis.
Por se tratar de ramo do direito público, o direito processual deve
sempre ser lido e interpretado à luz do texto constitucional. A Constituição
Federal, pois, não pode estar em outros locais senão na base e simultaneamente
no vértice do sistema processual, devendo todas as regras pertencentes a esse
sistema serem interpretadas tendo-a como fundamento de validade e, ao mesmo
tempo, como fonte normativa maior a que se deve respeito.
Dessa forma, andou bem o legislador ao inserir, no Capítulo I do Título
Único do Livro I do CPC/15, um conjunto de diretivas denominado “Normas
Fundamentais do Processo Civil”, pois, a despeito de ser dispensável para a
adequada compreensão do sistema processual, o capítulo possui uma função
eminentemente pedagógica: quer se lembrar, a todo momento, que quaisquer
pessoas que se relacionem com o processo civil deverão interpretá-lo tendo como
base e também como ápice as suas normas fundamentais.
Além da mencionada função educacional, as metanormas do processo civil também cumprem um outro papel de igual relevância, pois permitem que
esta Corte possa exercer amplo controle acerca da mais adequada interpretação
que se deva conferir aos dispositivos legais de índole processual existentes no
sistema, tratando-se a hipótese em tela um emblemático exemplo dessa
obrigatoriedade.
Nesse contexto, a exposição de motivos do anteprojeto do CPC e os
inúmeros posicionamentos manifestados pelos membros da Câmara dos
Deputados e do Senado Federal durante a tramitação do projeto de lei, revelam
que pretendeu o legislador restringir a utilização do recurso de agravo de
instrumento, conclusão da qual não se pode se afastar.
Assim, a partir dessa consciente escolha político-legislativa, adotou o
legislador a técnica de enumerar as questões que, a seu ver, demandariam
imediato reexame pelo Tribunal – tendo como base as “situações que, realmente,
não podem aguardar rediscussão futura em eventual recurso de apelação”
(Parecer nº 956 de 2014, de relatoria do Senador Vital do Rego), deixando todas as
demais questões que, em sua avaliação, seriam suscetíveis de rediscussão futura
verdadeiramente imunes à preclusão por um determinado lapso temporal,
retirando-as desse estado de letargia no momento da apelação ou de suas
contrarrazões.
Ocorre que o estudo da história do direito também revela que um rol
que pretende ser taxativo raramente enuncia todas as hipóteses vinculadas a sua
razão de existir, pois a realidade normalmente supera a ficção e a concretude
torna letra morta o exercício de abstração inicialmente realizado pelo legislador.
Assim ocorreu com o CPC/39, que foi duramente criticado pela
doutrina nesse particular durante toda a sua vigência porque, não raro, surgiam
hipóteses imprevistas e, pela lei, irrecorríveis de imediato, causando sérios prejuízos às partes e demandando dos especialistas a criação de uma anomalia – o
mandado de segurança contra ato judicial – que, a depender do que se decidir
neste recurso, poderá ser firmemente reavivada.
Assim também ocorreu, mais recentemente e inclusive com a
aquiescência desta Corte, em questões de natureza tributária (REsp nº
1.013.060/RJ, 2ª Turma, DJe 08/06/2012 e AgRg no REsp 1.260.079/SP, 1ª Turma,
DJe 04/05/2012) e até mesmo na seara penal (REsp nº 1.078.175/RO, 6ª Turma,
Dje 26/04/2013; REsp nº 1.628.262/RS, 6ª Turma, DJe 19/12/2016 e REsp nº
1.575.297/SC, 6ª Turma, DJe 15/05/2017), matérias em que a incidência do
princípio da tipicidade é muito mais marcante do que se verifica na esfera cível.
E causa até mesmo certa perplexidade que, mais de 50 (cinquenta)
anos depois, ainda se esteja discutindo episodicamente a incapacidade – não do
legislador, mas da própria humanidade – de prever o futuro. Embora pareça não
adiantar, a frase de Joseph Conrad nunca fez tanto sentido como neste
julgamento: “A realidade, como sempre, suplanta a ficção”.
É tarefa desta Corte, pois, conferir à regra do art. 1.015 do CPC a
interpretação que melhor se coaduna com a sua razão de existir e com as normas
fundamentais insculpidas pelo próprio CPC.
Nesse contexto, e como mencionado anteriormente, houve uma
escolha político-legislativa ao limitar o cabimento do agravo de instrumento,
adotando-se como critério, para a enunciação abstrata das hipóteses desde logo
recorríveis, aquelas “situações que, realmente, não podem aguardar rediscussão
futura em eventual recurso de apelação” (Parecer nº 956 de 2014, de relatoria do
Senador Vital do Rego).
É possível extrair desse critério que o recurso será cabível em
situações de urgência, devendo ser este o elemento que deverá nortear quaisquer interpretações relacionadas ao cabimento do recurso de agravo de instrumento
fora das hipóteses arroladas no art. 1.015 do CPC.
Trata-se, aliás, de premissa alinhada com os demais ordenamentos
jurídicos contemporâneos.
Segundo leciona Teresa Arruda Alvim, assim ocorre nos Estados
Unidos da América, em que, a despeito de não haver recurso imediato das
interlocutórias, aceita-se com tranquilidade que se impugne as questões
incidentes desde logo quando “o julgamento do recurso seja materialmente
determinante para a causa” ou quando “a espera da decisão final puder causar
dano irreparável às partes”.
De igual modo, ensina ela, ocorre na França, em que se admite o
recurso imediato das interlocutórias, ainda que excepcional, quando houver risco
de dano irreparável, assim como na Alemanha, em que também se aceita o recurso
das interlocutórias na hipótese de ilegalidade evidente.
E assim igualmente se desenvolve o processo na Argentina, que, a
despeito de impedir os recursos das interlocutórias em execução e no juízo
sumaríssimo, admite-os, excepcionalmente, quando “concorrerem circunstâncias
processuais que excedam a sequência natural e ordinária do procedimento” ou
quando a decisão “causar gravame irreparável”. Daí porque conclui:
Pode-se dizer, de todo modo, que mesmo nos sistemas que
tenham reduzido ao mínimo a possibilidade de se impugnarem as decisões
interlocutórias, reserva-se, ainda que de modo excepcional, a possibilidade de se
pedir a revisão de decisões interlocutórias flagrantemente erradas ou que
causem dano irreparável à parte. (ALVIM, Teresa Arruda. Os agravos no CPC
brasileiro. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 88).
Do estudo da história do direito processual brasileiro e de como a
questão é tratada no direito comparado, pode-se afirmar, com segurança, que a urgência que justifica o manejo imediato de uma impugnação em face de questão
incidente está fundamentalmente assentada na inutilidade do julgamento diferido
se a impugnação for ofertada apenas conjuntamente ao recurso contra o mérito,
ao final do processo.
Esse pilar deve ser examinado, ainda, em conformidade com a mais
contemporânea concepção do princípio da inafastabilidade da jurisdição, que,
embora inicialmente concebido como o mero exercício do direito de ação, passou
a incorporar também o direito à tutela jurisdicional e de efetivo acesso à justiça, de
modo a “alcançar também a plena atuação das faculdades oriundas do processo e
a obtenção de uma decisão aderente ao direito material, desde que utilizada a
forma adequada para obtê-la”. (OLIVEIRA NETO, Olavo de; MEDEIROS NETO, Elias
Marques de; OLIVEIRA, Patrícia Elias Cozzolino de. Curso de Direito processual
civil: vol. 1, parte geral. 1ª ed. São Paulo: Verbatim, 2015. p. 85).
A questão é mais bem explicitada por Fredie Didier Jr.:
Instaurado o processo (após o exercício do direito de ação),
surgem novas situações jurídicas (situações jurídicas processuais). Algumas
dessas situações jurídicas compõem o conteúdo do direito de ação.
O direito à tutela jurisdicional, o direito a um procedimento
adequado, o direito a técnicas processuais adequadas para efetivar o direito
afirmado, o direito à prova e o direito de recorrer são corolários do exercício do
direito de ação. Todos são situações jurídicas que compõem o conteúdo eficacial
do direito de ação. (DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil. Vol. 1.
17ª edição. Bahia: Jus Podivm, 2015, p. 285).
Diversos são os exemplos de situações urgentes não contempladas
pelo legislador e que, se examinadas apenas por ocasião do recurso de apelação,
tornariam a tutela jurisdicional sobre a questão incidente tardia e,
consequentemente, inútil, sendo emblemática a situação que envolve a decisão
que porventura indeferir o pedido de decretação de segredo de justiça.
Imagine-se que a parte, para deduzir a sua pretensão em juízo,
necessite que certos fatos relacionados a sua intimidade tenham de ser expostos
na ação judicial. É imprescindível, nesse contexto, que seja deferido o segredo de
justiça (art. 189, III, do CPC), pois a publicização de tais fatos impedirá o
restabelecimento do status quo ante, tratando-se de medida absolutamente
irreversível do ponto de vista fático.
Ocorre que, se porventura o requerimento de segredo for indeferido,
ter-se-ia, pela letra do art. 1.015 do CPC, uma decisão irrecorrível de imediato e
que apenas seria impugnável em preliminar de apelação, momento em que a
prestação jurisdicional sobre a questão incidente, tardia, seria inútil, pois todos os
detalhes da intimidade do jurisdicionado teriam sido devassados pela publicidade.
Nessa hipótese, não se pode imaginar outra saída senão permitir a
impugnação imediata da decisão interlocutória que indefere o pedido de segredo
de justiça, sob pena de absoluta inutilidade de a questão controvertida ser
examinada apenas por ocasião do julgamento do recurso de apelação.
Anote-se, por oportuno, que a situação acima mencionada é
igualmente emblemática porque demonstra que nem mesmo a tese defendida por
parcela considerável da doutrina, no sentido de que o rol do art. 1.015 do CPC
admitiria interpretações extensivas ou analógicas, revela-se suficiente para
suplantar a realidade, na medida em que não se vislumbra, respeitosamente,
nenhuma hipótese de cabimento do agravo que possa, em tese, abarcar a hipótese
de segredo de justiça.
Não se pretende e nem será possível exaurir os exemplos, porque
eventual pretensão nesse sentido seria de impossível realização, como é
igualmente impossível enunciar, de antemão, as hipóteses em que o reexame da
interlocutória será urgente.
O que se quer dizer é que, sob a ótica da utilidade do julgamento do
recurso diferido, revela-se inconcebível, a partir do princípio da inafastabilidade da
jurisdição, que apenas algumas poucas hipóteses taxativamente arroladas pelo
legislador sejam objeto de imediato enfrentamento.
Destaque-se, novamente, a lição de William Santos Ferreira acerca do
tema:
Uma questão pode ser lançada: se algumas hipóteses de
inutilidade de apelação, com cabimento de agravo de instrumento, foram
destacadas pelo legislador, será que outras não poderiam ter sido excluídas pelo
legislador?
Aqui reside a chave mestra da nova sistemática recursal de
decisões proferidas em primeira instância: a resposta é: se o legislador desejasse
estabelecer o não cabimento de agravo de interlocutórias não expressas além
dos incs. I a XI, não deveria ter estabelecido a recorribilidade geral das
interlocutórias, pois assim tendo feito, não pode prever um recurso, que seria o
de apelação, cujo regime jurídico levará a falta de interesse recursal. Seria como
se o sistema fosse concebido para prever um “recurso que não é recurso” ou um
“recurso inútil” que é uma contradição de termos (contradictio in terminis).
(FERREIRA, William Santos. Cabimento do agravo de instrumento e a ótica
prospectiva da utilidade – O direito ao interesse na recorribilidade de decisões
interlocutórias in Revista de Processo nº 263, São Paulo: RT, jan. 2017, p.
193/203).
De outro lado, a questão da urgência e da inutilidade futura do
julgamento diferido do recurso de apelação deve ser examinada também sob a
perspectiva de que o processo não pode e não deve ser um instrumento de
retrocesso na pacificação dos conflitos.
Está na raiz etimológica de “processo”, derivada do latim “procedere”,
que se trata de palavra ligada a ideia de percurso e que significa caminhar para
frente ou marchar para a frente. Se processo fosse marcha à ré, não se trataria de
processo, mas de retrocesso e essa constatação, apesar de parecer pueril, está
intimamente ligada à ideia de urgência no reexame de determinadas questões.
De fato, justamente para evitar as idas e as vindas, as evoluções e as
involuções, bem como para que o veículo da tutela jurisdicional seja o processo e
não o retrocesso, há que se ter em mente que questões que, se porventura
modificadas, impliquem regresso para o refazimento de uma parcela significativa
de atos processuais deverão ser igualmente examináveis desde logo, porque,
nessa perspectiva, o reexame apenas futuro, somente por ocasião do julgamento
do recurso de apelação ou até mesmo do recurso especial, seria infrutífero.
Dito de outra maneira: se o pronunciamento jurisdicional se exaurir
de plano, gerando uma situação jurídica de difícil ou de impossível
restabelecimento futuro, é imprescindível que seja a matéria reexaminada
imediatamente.
O exemplo mais evidente dessa circunstância nociva é, sem dúvida, a
questão relacionada à competência, pois não é crível, nem tampouco razoável, que
o processo tramite perante um juízo incompetente por um longo período e,
somente por ocasião do julgamento da apelação (ou, até mesmo, de recurso
especial nesta Corte) seja reconhecida a incompetência e determinado o retorno
ao juízo competente para os fins do § 4º do art. 64 do CPC/15.
Ainda que se admita que a nulidade decorrente do reconhecimento
superveniente da incompetência não demandará, obrigatoriamente, o refazimento
de todos os atos processuais já realizados, inclusive porque o sistema de nulidades
previsto nos arts. 276 a 283 do CPC/15 claramente privilegia o máximo
aproveitamento dos atos processuais praticados, não se pode olvidar que haverá,
sim, um enorme desperdício de atividade jurisdicional em processo que tramita
perante juízo incompetente e que precisará ser refeito, ainda que parcialmente,
em maior ou menor escala a depender de se tratar de incompetência absoluta ou
relativa e dos atos processuais que eventualmente possam ser aproveitados.
De igual modo, não se pode negar que haverá um significativo
desperdício de tempo para a solução da controvérsia pelo mérito, acarretando
prejuízos aos jurisdicionados e ao próprio sistema de justiça civil, motivo pelo qual
a doutrina, majoritariamente, reconhece que a inexistência de impugnação
imediata em questão relacionada à competência é nefasta ao sistema processual,
de modo que a matéria deve obrigatoriamente ser desde logo reexaminada pelo
Tribunal.
Todavia, uma parcela significativa da doutrina, capitaneada por Fredie
Didier Jr. e Leonardo Carneiro da Cunha e que fora, inclusive, adotada em recente
julgado desta Corte (REsp 1.679.909/RS, 4ª Turma, DJe 01/02/2018), vislumbra o
cabimento do agravo de instrumento para discutir competência a partir da
interpretação do art. 1.015, III, do CPC, que trata da hipótese de “rejeição da
alegação de convenção de arbitragem”, ao fundamento de que ambas as situações
seriam muito semelhantes em relação a sua finalidade – afastar da causa o juízo
incompetente.
Respeitado esse entendimento, não se pode concordar com essa
premissa, pois a hipótese tipificada trata de discussão relacionada a abdicação da
jurisdição estatal para que a controvérsia seja conhecida pela jurisdição arbitral,
situação que é ontologicamente diferente da competência, em que é disciplinada a
organização interna da própria jurisdição estatal.
Por esses motivos, é mais adequado reconhecer o cabimento do
agravo de instrumento sobre controvérsia acerca da competência tendo como
base as normas fundamentais do próprio CPC/15, especialmente a urgência de
reexame da questão sob pena de inutilidade dos atos processuais já praticados.
De igual modo, deve-se admitir o reexame imediato da decisão
interlocutória que verse, por exemplo, sobre a estrutura procedimental que deverá ser observada no processo, seja nas hipóteses em que a lei prevê um
determinado procedimento especial em virtude das especificidades do direito
material (de que são exemplos a ação de exigir contas, as ações possessórias, a
ação de dissolução parcial de sociedade, a ação de divisão ou de demarcação de
terras particulares e a ação monitória, dentre outros), seja nas hipóteses em que as
próprias partes celebrarem negócio jurídico processual (art. 190, caput, do CPC)
acerca do procedimento a ser observado no litígio que as envolve.
Em ambas as hipóteses, não é razoável aguardar o exaurimento do
trâmite processual desenvolvido por um procedimento diverso daquele que a lei
ou as partes entenderam como apropriado para, somente na apelação ou até
mesmo no recurso especial, reconhecer que o procedimento adequado não foi
seguido e que, portanto, será preciso invalidar parte significativa dos atos
praticados para amoldá-los à estrutura procedimental prevista em lei ou
desenvolvida pelas próprias partes por meio de negócio jurídico processual.
5) A DEFINIÇÃO DO ART. 1.015 DO CPC COMO UM ROL DE
TAXATIVIDADE MITIGADA E A PREVENÇÃO DE POTENCIAIS PROBLEMAS
DECORRENTES DESSA CONCLUSÃO.
Como se percebe, o entendimento aqui exposto pretende,
inicialmente, afastar a taxatividade decorrente da interpretação restritiva do rol
previsto no art. 1.015 do CPC, porque é incapaz de tutelar adequadamente todas
as questões em que pronunciamentos judiciais poderão causar sérios prejuízos e
que, por isso, deverão ser imediatamente reexaminadas pelo 2º grau de jurisdição.
De igual modo, deve ser afastada a possibilidade de interpretação
extensiva ou analógica das hipóteses listadas no art. 1.015 do CPC, pois, além de
não haver parâmetro minimamente seguro e isonômico quanto aos limites que deverão ser observados na interpretação de cada conceito, texto ou palavra, o uso
dessas técnicas hermenêuticas também não será suficiente para abarcar todas as
situações em que a questão deverá ser reexaminada de imediato – o exemplo do
indeferimento do segredo de justiça é a prova cabal desse fato.
Finalmente, também não deve ser acolhido o entendimento de que o
rol do art. 1.015 do CPC é meramente exemplificativo, pois essa interpretação
conduziria à repristinação do art. 522, caput, do CPC/73, contrariando
frontalmente o desejo manifestado pelo legislador de restringir o cabimento do
recurso, o que não se pode admitir.
A tese que se propõe consiste em, a partir de um requisito objetivo – a urgência que decorre da inutilidade futura do julgamento do recurso diferido da
apelação –, possibilitar a recorribilidade imediata de decisões interlocutórias fora
da lista do art. 1.015 do CPC, sempre em caráter excepcional e desde que
preenchido o requisito urgência, independentemente do uso da interpretação
extensiva ou analógica dos incisos do art. 1.015 do CPC, porque, como
demonstrado, nem mesmo essas técnicas hermenêuticas são suficientes para
abarcar todas as situações.
Não há que se falar, destaque-se, em desrespeito a consciente
escolha político-legislativa de restringir o cabimento do agravo de instrumento,
mas, sim, de interpretar o dispositivo em conformidade com a vontade do
legislador e que é subjacente à norma jurídica, qual seja, o recurso de agravo de
instrumento é sempre cabível para as “situações que, realmente, não podem
aguardar rediscussão futura em eventual recurso de apelação”, nos termos do
Parecer nº 956 de 2014, de relatoria do Senador Vital do Rego.
Em última análise, trata-se de reconhecer que o rol do art. 1.015 do
CPC possui uma singular espécie de taxatividade mitigada por uma cláusula adicional de cabimento, sem a qual haveria desrespeito às normas fundamentais
do próprio CPC e grave prejuízo às partes ou ao próprio processo.
A tese jurídica que se propõe, assim como aquela que sustenta que o
rol do art. 1.015 do CPC, embora taxativo, admite interpretação extensiva ou
analógica, demandam ainda o obrigatório enfrentamento de algumas questões que
impactarão diretamente nas atividades jurisdicionais e dos jurisdicionados.
A) PRECLUSÃO, RECORRIBILIDADE IMEDIATA E A
NECESSIDADE DE CRIAÇÃO DE UMA REGRA DE TRANSIÇÃO QUE MODULE
OS EFEITOS DA TESE JURÍDICA FIXADA NESTA CORTE.
Há uma reiterada preocupação acerca do alargamento das hipóteses
de cabimento do recurso de agravo de instrumento em virtude de sua correlação
intrínseca com o regime de preclusões diferidas instituído pelo CPC/15.
Esse temor, que em princípio se mostra justificável, pode ser assim
sintetizado:
Ora bem, quando ampliadas as hipóteses de recorribilidade para
situação não antecipadas pelo legislador, há um importante efeito colateral:
erigem-se a latere do ordenamento jurídico novas hipóteses de preclusão
imediata. Como anteposto, o sistema preclusivo erigido pelo Código está
estritamente vinculado às hipóteses de cabimento do agravo. A ampliação das
situações de cabimento pode acarretar maior extensão da ocorrência da
preclusão imediata, como se depreende do art. 1.009, §1º e §2º, do CPC. Pelo
Código, somente não precluem – até o momento da interposição da apelação ou
da apresentação das contrarrazões respectivas – as questões não suscitáveis de
imediato por agravo de instrumento. Assim, a ampliação jurisprudencial dos
temas passíveis de serem objeto de agravo pode trazer a reboque a expansão da
ocorrência da preclusão imediata no processo, sobre temas sequer imaginados
pelas partes, exatamente aqueles colhidos pela extensão. As partes confiando no
sistema eleito não interporiam agravo de instrumento, sendo que
posteriormente seriam surpreendidas pelo não conhecimento do tema em sede
de apelação (art. 1.009, §§1º e §2º, sob o argumento de que deveriam ter
recorrido imediatamente, pois a matéria estaria compreendida em uma
interpretação extensiva do art. 1.015. O quadro gestado a partir disso seria de grave insegurança jurídica, em que a definição do sistema preclusivo vai
depender de interpretações sobre o quanto pode ser esticado o rol do art.
1.015. (GAJARDONI, Fernando da Fonseca; DELLORE, Luiz; ROQUE, André
Vasconcelos; OLIVEIRA JR., Zulmar. Execução e recursos: comentários ao CPC de
2015. São Paulo: Método, 2017. p. 1071).
Nesse particular, há que se destacar que o fenômeno preclusivo está
historicamente ligado a ideia de que o sistema processual faculta às partes a
prática de determinados atos processuais em um certo lapso temporal, findo o
qual a parte não mais poderá praticá-lo, de modo que a questão decidida e que se
relaciona àquele ato processual não mais poderá ser revisitada, nem mesmo pelo
próprio juiz.
A esse respeito, leciona Eduardo Juan Couture:
As partes estão frequentemente ligadas a ônus processuais, que
são situações jurídicas que exigem que o litigante realize determinados atos, sob
a ameaça de o processo continuar independentemente disso. O tribunal coopera
na condução do julgamento declarando, por decisão própria e nos termos da lei,
os prazos para a realização dos atos processuais. A própria estrutura do
julgamento contribui, por outro lado, para o fato de que, uma vez esgotados os
prazos concedidos para a realização dos atos, se considere vencida a
possibilidade de realizá-los (preclusão), passando para os atos subsequentes.
(...)
O princípio da preclusão está representado pelo fato de que as
diversas etapas do processo se desenvolvem de forma sucessiva, mediante o
fechamento definitivo de cada uma delas, impedindo-se o regresso a etapas e
momentos processuais já extintos ou consumados. (COUTURE, Juan Eduardo.
Fundamentos del derecho procesal civil. 4ª ed. Montevideo: BdeF, 2010. p. 142
e 159).
Daí porque a preclusão, em sua concepção clássica, opera-se em três
diferentes dimensões, como bem destaca Humberto Theodoro Junior, apoiando-se
nas lições de José Frederico Marques, em artigo em que examina o tema sob a
ótica do CPC/73:
a) “Preclusão temporal é a perda de uma faculdade processual oriunda de seu não-exercício no prazo ou termo fixados pela lei processual”. Os
exemplos típicos dessa modalidade são os que se passam quando o réu não
apresenta a contestação no prazo previsto em lei, e quando a parte vencida não
recorre em tempo hábil da decisão que lhe é adversa.
(...)
b) “Preclusão lógica é a que decorre da incompatibilidade da
prática de um ato processual com outro já praticado”. São exemplos dessa
modalidade preclusiva: a purga da mora que preclui o direito processual do réu
de contestar a ação de despejo por falta de pagamento; o manejo da declinatoria
fori, perante o juiz da causa, que preclui o direito de excepcioná-lo por suspeição.
c) Preclusão consumativa ocorre “quando a faculdade processual
já foi exercida validamente”. Funda-se ela, segundo Frederico Marques, “na
regra do non bis in idem”. No direito positivo brasileiro atual, essa modalidade
preclusiva encontra exemplos no art. 471, in verbis: “nenhum juiz decidirá
novamente as questões já decididas, a cujo respeito se operou a preclusão”,
bem como no art. 117, que prevê a extinção do direito de suscitar conflito de
competência para a parte que antes tiver oferecido exceção de incompetência.
(THEODORO JÚNIOR, Humberto. A preclusão no processo civil in Revista dos
Tribunais nº 784, São Paulo: RT, fev. 2001, p. 15).
Não há dúvida de que o novo CPC modificou substancialmente o
regime de preclusões do processo. Pelo novo regime, apenas precluem as decisões
que possuam o conteúdo descrito nas hipóteses previstas no art. 1.015 do CPC e
que não tenham sido impugnadas por agravo de instrumento, ficando todas as
demais questões imunizadas pelo sistema até momento futuro – prolação da
sentença – ocasião em que as questões, até então imunes, deverão ser
impugnadas pela parte no recurso de apelação ou em suas contrarrazões, sob pena
de, a partir desse momento, tornarem-se indiscutíveis.
Diante desse cenário, faz sentido a preocupação externada pela
doutrina, no sentido de que o alargamento das hipóteses de cabimento do agravo
pela via da interpretação extensiva ou analógica implicaria significativo
rompimento com o modelo de preclusões inaugurado pelo CPC/15, com potenciais
e nefastos prejuízos às partes, pois, se porventura fosse adotada essa
interpretação, a conclusão seria de que o agravo de instrumento era interponível desde logo até mesmo para as hipóteses não literalmente previstas no rol do art.
1.015, de modo que o jurisdicionado que, confiando na taxatividade restritiva e
literal do referido rol, não impugnou a decisão cujo conteúdo seria dedutível por
extensão ou analogia teria sido atingido pela preclusão temporal.
Esse problema, todavia, sequer se verifica se for adotada a tese
jurídica que se propõe: taxatividade mitigada pelo requisito da urgência.
De fato, admitindo-se a possibilidade de impugnar decisões de
natureza interlocutória não previstas no rol do art. 1.015, em caráter excepcional,
tendo como requisito objetivo a urgência decorrente da inutilidade futura do
julgamento diferido da apelação, evidentemente não haverá que se falar em
preclusão de qualquer espécie.
Não haverá preclusão temporal porque o momento legalmente
previsto para a impugnação das interlocutórias – apelação ou contrarrazões – terá
sido respeitado. A tese jurídica proposta não visa dilatar o prazo, mas, ao revés,
antecipá-lo, colocando-se, em situação excepcional, a possibilidade de reexame de
certas interlocutórias em momento anterior àquele definido pela lei como termo
final para a impugnação.
Também não haverá preclusão lógica, na medida em que, nos
termos da lei, a decisão interlocutória fora da lista do art. 1.015, em tese não
impugnável de imediato, está momentaneamente imune. Nessa perspectiva,
somente por intermédio de uma conduta ativa da parte – ato comissivo – é que se
poderá, eventualmente e se preenchido o seu requisito, desestabilizar a questão,
retirando-a do estado de espera que a própria lei a colocou e permitindo que seja
examinada imediatamente.
Igualmente, não há que se falar em preclusão consumativa, porque
apenas haverá o efetivo rompimento do estado de inércia da questão incidente se, além da tentativa da parte prejudicada, houver também juízo positivo de
admissibilidade do recurso de agravo de instrumento, isto é, se o Tribunal reputar
presente o requisito específico fixado neste recurso especial repetitivo,
confirmando que a questão realmente exige reexame imediato.
Dito de outra maneira, o cabimento do agravo de instrumento na
hipótese de haver urgência no reexame da questão em decorrência da inutilidade
do julgamento diferido do recurso de apelação está sujeito a um duplo juízo de
conformidade: um, da parte, que interporá o recurso com a demonstração de seu
cabimento excepcional; outro, do Tribunal, que reconhecerá a necessidade de
reexame com o juízo positivo de admissibilidade. Somente nessa hipótese a
questão, quando decidida, estará acobertada pela preclusão.
Significa dizer que, quando ausentes quaisquer dos requisitos acima
mencionados, estará mantido o estado de imunização e de inércia da questão
incidente, possibilitando que seja ela examinada, sem preclusão, no momento do
julgamento do recurso de apelação.
De outro lado, conclui-se que a adoção da tese jurídica de que o rol do
art. 1.015 do CPC possui taxatividade mitigada é mais benéfica ao jurisdicionado
e ao sistema recursal do que àquela consubstanciada na criação de extensões ou
de analogias que, como demonstrado, não raro se afastam do rigor técnico e
científico que podem desvirtuar a essência de institutos que sequer se
assemelham.
B) DA MODULAÇÃO DOS EFEITOS DA DECISÃO.
Para proporcionar a necessária segurança jurídica, não há objeção ou
dificuldade em se criar, para a situação em exame, um regime de transição que
module os efeitos da decisão desta Corte, caso seja adotada a tese jurídica da taxatividade mitigada.
Isso porque o art. 23 da Lei de Introdução às Normas do Direito
Brasileiro – LINDB, introduzido pela Lei nº 13.655/2018, expressamente prevê que
“a decisão administrativa, controladora ou judicial que estabelecer interpretação
ou orientação nova sobre norma de conteúdo indeterminado, impondo novo dever
ou novo condicionamento de direito, deverá prever regime de transição quando
indispensável para que o novo dever ou condicionamento de direito seja cumprido
de modo proporcional, equânime e eficiente e sem prejuízo aos interesses gerais”.
Adotado o regime de transição, a modulação será feita com a
aplicação da tese somente às decisões interlocutórias proferidas após a publicação
do acórdão que a fixar.
C) DESCABIMENTO DO MANDADO DE SEGURANÇA COMO
SUCEDÂNEO RECURSAL.
Admitindo-se que seja possível impugnar de imediato certas
interlocutórias não listadas no art. 1.015 do CPC, fato é que ainda é preciso
examinar uma derradeira questão, que diz respeito à via processual adequada para
que a parte busque a tutela jurisdicional imediata – se por meio de agravo de
instrumento ou de mandado de segurança contra ato judicial.
Desde o rol pretensamente taxativo previsto no CPC/39 e que foi,
relembre-se, severamente criticado por tornar irrecorríveis decisões
interlocutórias de grande relevância, tem-se discutido, nos âmbitos doutrinário e
jurisprudencial, acerca do cabimento do mandado de segurança contra ato judicial,
a ponto de, em 1963, ter sido editada a Súmula 267/STF, segundo a qual “não cabe
mandado de segurança contra ato judicial passível de recurso ou correição” e que,
lida a contrario sensu, significa dizer que cabe mandado de segurança contra ato judicial irrecorrível.
Por ocasião da entrada em vigor do CPC/73, havia a expectativa de
que, enfim, o uso do mandado de segurança contra ato judicial seria minimizado,
quiçá dizimado, porque todas as interlocutórias seriam recorríveis pelo agravo de
instrumento.
Ledo engano, todavia, porque o fato de o agravo, na versão originária
de Buzaid, ainda ser interposto em 1º grau, com a formação do instrumento sob a
responsabilidade do ofício, com contraditório e possibilidade de retratação em 1º
grau, e com limitadas hipóteses de concessão de efeito suspensivo, fez ressurgir o
mandado de segurança contra ato judicial, embora, reconheça-se, agora
vocacionado para fim distinto – pretendia-se tão somente conceder efeito
suspensivo ao recurso fora das hipóteses legais ou no interregno entre a
interposição e o exame em 2º grau de jurisdição.
Com as reformas realizadas ao longo dos tempos no regime do agravo
de instrumento, todas ainda na vigência do CPC/73, percebeu-se que, de fato, o
novo perfil estrutural do agravo, especialmente após a reforma de 2005, acarretou
uma significativa redução de uso do mandado de segurança.
Destaca Teresa Arruda Alvim, citando emblemático ensaio de Heitor
Vitor Mendonça Sica, que a trajetória do agravo pode ser comparada à de
Prometeu. Diz ela que "Prometeu, um titã, muito amigo de Zeus, o deus dos
deuses, justamente por causa dessa proximidade, aproveitou-se ardilosamente de
uma distração do “chefe” e roubou, do Monte Olimpo, residência dos deuses, a
chama (fogo da sabedoria) que os tornava deuses. Zeus descobriu e condenou
Prometeu a ficar preso a uma montanha, acorrentado, por correntes feitas pelo
ferreiro Hefesto, por 30 mil anos. Durante a noite, uma águia lhe comeria o fígado,
que, ao longo do dia, se reconstituiria. O ciclo destrutivo se reiniciava quando anoitecia, e se repetia indefinidamente". (ALVIM, Teresa Arruda. Um agravo e dois
sérios problemas para o legislador brasileiro in Portal Consultor Jurídico,
14/06/2018. Acesso realizado em 15/06/2018).
Se isso é verdade, não é menos verdade que a trajetória do mandado
de segurança contra ato judicial assemelha-se a de Fênix, um pássaro, também da
mitologia grega, único da espécie e que, após viver 300 anos, deixava se arder em
um braseiro entrando em autocombustão para, em sequência, renascer das
próprias cinzas.
Isso porque o legislador brasileiro, ao enunciar as hipóteses de
cabimento do agravo no CPC/15, propositalmente quis ou involuntariamente
conseguiu reacender, vivamente, as polêmicas e as discussões acerca do
cabimento do mandado de segurança contra ato judicial como sucedâneo do
recurso de agravo, tendo se posicionado acerca da viabilidade da impetração,
apenas nos últimos anos, juristas de grande gabarito, como Eduardo Talamini,
Clayton Maranhão, Rodrigo Frantz Becker, Heitor Vitor Mendonça Sica, Fernando
da Fonseca Gajardoni, Luiz Dellore, André Vasconcelos Roque, Zulmar Oliveira Jr.,
Teresa Arruda Alvim, Maria Lúcia Lins Conceição, Leonardo Ferres Ribeiro, Rogério
Licastro Torres de Mello e José Henrique Mouta Araújo, dentre tantos outros.
Contudo, é preciso, uma vez mais, tentar abater definitivamente a
Fênix que insiste em pousar no processo civil de tempos em tempos e que mais
traz malefícios do que benefícios.
Como se sabe, o mandado de segurança contra ato judicial é uma
verdadeira anomalia no sistema processual, pois, dentre seus diversos aspectos
negativos: (i) implica na inauguração de uma nova relação jurídico processual e em
notificação à autoridade coatora para prestação de informações; (ii) usualmente
possui regras de competência próprias nos Tribunais, de modo que, em regra, não será julgado pelo mesmo órgão fracionário a quem competirá julgar os recursos
tirados do mesmo processo; (iii) admite sustentação oral por ocasião da sessão de
julgamento; (iv) possui prazo para impetração substancialmente dilatado; (v) se
porventura for denegada a segurança, a decisão será impugnável por espécie
recursal de efeito devolutivo amplo.
Trata-se, a toda evidência, de técnica de correção da decisão judicial
extremamente contraproducente e que não se coaduna com as normas
fundamentais do processo civil, especialmente quando se verifica que há, no
sistema processual, meio disponível e mais eficiente para que se promova o
reexame e a eventual correção da decisão judicial nessas excepcionais situações: o
próprio agravo de instrumento.
6) RESOLUÇÃO DA HIPÓTESE EM EXAME. CABIMENTO DO
AGRAVO EM QUE SE DISCUTE COMPETÊNCIA.
Na hipótese em exame, o recurso especial aviado por QUIM
COMÉRCIO DE VESTUÁRIO INFANTIL LTDA. – ME volta-se contra acórdão do
Tribunal de Justiça do Mato Grosso que desproveu o agravo interno por ela
interposto em face de decisão unipessoal que não conheceu do agravo de
instrumento, no qual se pretendia discutir a competência do juízo em que tramita
o processo, ao fundamento de que a matéria em referência não se enquadrava no
rol taxativo do art. 1.015 do CPC/15.
Nesse aspecto – competência – é induvidoso, diante de tudo que se
expôs e em sintonia com a tese jurídica que se pretende fixar, que o agravo de
instrumento deve ser conhecido e regularmente processado pelo TJ/MT.
Isso porque a correta fixação da competência jurisdicional é medida
que se impõe desde logo, sob pena de ser infrutífero o exame tardio da questão controvertida, especialmente quando reconhecida a incompetência do juízo,
discussão que se trava a partir da alegação de nulidade da cláusula de eleição de
foro inserida em contrato de franquia de adesão.
Assim, o recurso deve ser conhecido e provido para determinar ao
TJ/MT que, observado o preenchimento dos demais pressupostos de
admissibilidade, conheça e dê regular prosseguimento ao agravo de instrumento
no que tange à competência.
7) CONCLUSÃO.
Forte nessas razões, CONHEÇO o recurso especial repetitivo, a
fim de:
(i) Fixar a seguinte tese jurídica:
O rol do art. 1.015 do CPC é de taxatividade mitigada, por
isso admite a interposição de agravo de instrumento quando verificada a
urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso
de apelação.
(ii) Modular os efeitos da tese jurídica:
A tese jurídica somente se aplicará às decisões
interlocutórias proferidas após a publicação do presente acórdão.
(iii) Dar provimento ao recurso especial e determinar ao TJ/MT que,
observado o preenchimento dos demais pressupostos de admissibilidade do
recurso, conheça e dê regular prosseguimento ao agravo de instrumento.