Fonte: Dizer o Direito
Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/11/info-709-stj.pdf
INVENTÁRIO
VGBL é exemplo de plano de previdência complementar privada aberta e, portanto, entra na
comunhão; o VGBL não se enquadra na regra do art. 1.659, VII, do CC
O valor existente em plano de previdência complementar privada aberta na modalidade PGBL,
antes de sua conversão em renda e pensionamento ao titular, possui natureza de aplicação e
investimento, devendo ser objeto de partilha por ocasião da dissolução do vínculo conjugal ou
da sucessão por não estar abrangido pela regra do art. 1.659, VII, do CC/2002.
Art. 1.659. Excluem-se da comunhão: (...) VII - as pensões, meios-soldos, montepios e outras
rendas semelhantes.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.726.577-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 14/09/2021 (Info 709).
Imagine a seguinte situação hipotética:
Rodolfo e Andrea eram casados sob o regime da comunhão parcial de bens e não tinham filhos.
Como funciona o regime da comunhão parcial?
O regime da comunhão parcial é tratado pelos arts. 1.658 a 1.666 do CC.
Nessa espécie de regime, comunicam-se os bens que sobrevierem ao casal, na constância do casamento,
com exceção dos casos previstos no Código Civil.
Dito de outro modo, os bens adquiridos durante a união passam a ser de ambos os cônjuges, salvo em
algumas situações que o Código Civil determina a incomunicabilidade. Veja o que diz a Lei:
Art. 1.658. No regime de comunhão parcial, comunicam-se os bens que sobrevierem ao casal, na
constância do casamento, com as exceções dos artigos seguintes.
O art. 1.660 lista bens que, se adquiridos durante o casamento, pertencem ao casal:
Art. 1.660. Entram na comunhão:
I — os bens adquiridos na constância do casamento por título oneroso, ainda que só em nome de
um dos cônjuges;
II — os bens adquiridos por fato eventual, com ou sem o concurso de trabalho ou despesa anterior;
III — os bens adquiridos por doação, herança ou legado, em favor de ambos os cônjuges;
IV — as benfeitorias em bens particulares de cada cônjuge;
V — os frutos dos bens comuns, ou dos particulares de cada cônjuge, percebidos na constância do
casamento, ou pendentes ao tempo de cessar a comunhão.
O art. 1.659, por sua vez, elenca aquilo que é excluído da comunhão:
Art. 1.659. Excluem-se da comunhão:
I — os bens que cada cônjuge possuir ao casar, e os que lhe sobrevierem, na constância do
casamento, por doação ou sucessão, e os sub-rogados em seu lugar;
II — os bens adquiridos com valores exclusivamente pertencentes a um dos cônjuges em subrogação dos bens particulares;
III — as obrigações anteriores ao casamento;
IV — as obrigações provenientes de atos ilícitos, salvo reversão em proveito do casal;
V — os bens de uso pessoal, os livros e instrumentos de profissão;
VI — os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge;
VII — as pensões, meios-soldos, montepios e outras rendas semelhantes.
Comoriência
Rodolfo e Andrea faleceram em um acidente aéreo.
Houve, então, aquilo que a doutrina denomina de comoriência, ou seja, a morte de duas ou mais pessoas,
na mesma ocasião, sendo elas herdeiras entre si.
A comoriência é prevista no art. 8º do Código Civil:
Art. 8º Se dois ou mais indivíduos falecerem na mesma ocasião, não se podendo averiguar se
algum dos comorientes precedeu aos outros, presumir-se-ão simultaneamente mortos.
Qual é a consequência jurídica da comoriência?
Os mortos, mesmo sendo herdeiros entre si, não herdarão a herança um do outro.
Como se presume que todos morreram no mesmo instante, vão ser abertas sucessões causa mortis
autônomas e distintas, ou seja, sem considerar o outro falecido como herdeiro. Assim, repito: os
comorientes não herdam entre si. Não haverá transmissão de bens entre os comorientes.
Vamos entender melhor com o exemplo acima:
Se ficasse provado que Rodolfo morreu 1 minuto antes de Andrea, os bens do homem seriam todos
herdados por Andrea e, no minuto seguinte, quando ela faleceu, os bens que herdou de Rodolfo e os bens
que já tinha passariam aos pais de Andrea (seus herdeiros).
No entanto, como houve comoriência, presume-se que as mortes ocorreram exatamente no mesmo
instante e, em razão disso, abre-se a sucessão de Rodolfo como se Andrea não existisse. Da mesma forma,
abre-se a sucessão de Andrea como se Rodolfo não existisse. Um não herdará os bens do outro.
Logo, em nosso exemplo acima:
- os pais de Rodolfo irão herdar todos os bens deixados por ele.
- os pais de Andrea herdarão todos os bens deixados por ela.
Voltando à situação hipotética:
Rodolfo, em vida, fez um PGBL que está atualmente em R$ 100 mil.
Ficou a dúvida se esse valor do PGBL também pertenceu à Andrea. Explicando melhor: existem
determinados bens de um dos cônjuges que se comunicam com o patrimônio do outro cônjuge. Assim,
existem bens que são titularizados por um cônjuge, mas também pertencem ao outro.
Se considerarmos que essa PGBL pertencia, em vida, tanto a Rodolfo como a Andrea, isso significa que os
pais de Rodolfo herdarão metade (R$ 50 mil) e os pais de Andrea herdarão a outra metade (R$ 50 mil).
Por outro lado, se considerarmos que isso não se comunica, os pais de Rodolfo herdarão tudo.
Logo, é fundamental analisar se o valor compunha, ou não, a meação de Andrea por ocasião da dissolução
do vínculo conjugal em razão do evento morte.
Argumento dos pais de Rodolfo
Os pais de Rodolfo alegaram que o PGBL teria natureza semelhante à previdência complementar privada
e, portanto, não deveria ser colacionado porque se enquadraria como verba incomunicável entre os
cônjuges, nos termos do art. 1.659, VII, do CC/2002:
Art. 1.658. No regime de comunhão parcial, comunicam-se os bens que sobrevierem ao casal, na
constância do casamento, com as exceções dos artigos seguintes.
Art. 1.659. Excluem-se da comunhão:
(...)
VII - as pensões, meios-soldos, montepios e outras rendas semelhantes.
Essa argumentação foi acolhida pelo STJ?
NÃO.
O valor existente em plano de previdência complementar privada aberta na modalidade PGBL, antes de
sua conversão em renda e pensionamento ao titular, possui natureza de aplicação e investimento,
devendo ser objeto de partilha por ocasião da dissolução do vínculo conjugal ou da sucessão por não
estar abrangido pela regra do art. 1.659, VII, do CC/2002.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.726.577-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 14/09/2021 (Info 709).
PGBL
PGBL é uma modalidade de plano de previdência complementar privada.
No PGBL, o participante realiza depósitos periódicos, os quais são aplicados e transformam-se em uma
reserva financeira, que poderá ser por ele antecipadamente resgatada ou recebida em data definida, seja
em uma única parcela, seja por meio de depósitos mensais.
Desse modo, é possível que em uma data futura (ex.: 20 anos depois), o participante do PGBL resgate, de
uma só vez, todo o valor investido, acrescido dos rendimentos obtidos.
PGBL é plano de previdência complementar privada aberta
Neste julgado, o STJ considerou que o PGBL é um plano de previdência complementar privada aberta.
A previdência privada aberta, que é operada por seguradoras autorizadas pela SUSEP - Superintendência
de Seguros Privados, pode ser objeto de contratação por qualquer pessoa física ou jurídica, tratando-se
de regime de capitalização no qual cabe ao investidor, com amplíssima liberdade e flexibilidade, deliberar
sobre os valores de contribuição, depósitos adicionais, resgates antecipados ou parceladamente até o fim
da vida.
Plano de previdência complementar privada ABERTA é comunicável
Os planos de previdência privada aberta, de que são exemplos o VGBL e o PGBL, não apresentam os
mesmos entraves de natureza financeira e atuarial que são verificados nos planos de previdência fechada.
Na previdência privada aberta, há ampla flexibilidade do investidor, que poderá escolher livremente como
e quando receber, aumentar ou reduzir contribuições, realizar aportes adicionais, resgates antecipados
ou parcelados a partir da data que porventura indicar.
Logo, o valor existente em plano de previdência complementar privada aberta na modalidade PGBL, antes
de sua conversão em renda e pensionamento ao titular, possui natureza de aplicação e investimento,
devendo ser objeto de partilha por ocasião da dissolução do vínculo conjugal ou da sucessão.
Assim, o valor existente na previdência complementar privada aberta de titularidade de Rodolfo
compunha a meação de sua então esposa Andrea, igualmente falecida. Por essa razão, essa verba deve
ser trazida à colação a fim de que possa ser partilhada com os herdeiros de Andrea.
Situação diferente no caso de previdência complementar FECHADA
Segundo já decidiu o STJ:
O benefício de previdência privada fechada é excluído da partilha em dissolução de união estável regida
pela comunhão parcial de bens.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.477.937-MG, Rel. Min. Ricardo Villas BôasCueva, julgado em 27/4/2017 (Info 606).
O benefício de previdência privada fechada amolda-se como sendo uma das exceções previstas no art.
1.659, VII, do CC:
Art. 1.659. Excluem-se da comunhão:
(...)
VII — as pensões, meios-soldos, montepios e outras rendas semelhantes.
A previdência complementar fechada possui natureza análoga aos institutos das pensões, meios-soldos,
montepios, incluindo-se, por isso, na expressão “outras rendas” prevista no art. 1.659, VII, do CC/2002. Desse modo, trata-se de verba excluída da comunhão.
Trechos da ementa
Dada a relevância do julgado, entendo importante a leitura de trechos da ementa oficial:
(...) 3- Os planos de previdência privada aberta, operados por seguradoras autorizadas pela SUSEP, podem
ser objeto de contratação por qualquer pessoa física e jurídica, tratando-se de regime de capitalização no
qual cabe ao investidor, com amplíssima liberdade e flexibilidade, deliberar sobre os valores de
contribuição, depósitos adicionais, resgates antecipados ou parceladamente até o fim da vida, razão pela
qual a sua natureza jurídica ora se assemelha a um seguro previdenciário adicional, ora se assemelha a um
investimento ou aplicação financeira.
4- Considerando que os planos de previdência privada aberta, de que são exemplos o VGBL e o PGBL, não
apresentam os mesmos entraves de natureza financeira e atuarial que são verificados nos planos de
previdência fechada, a eles não se aplicam os óbices à partilha por ocasião da dissolução do vínculo
conjugal ou da sucessão, apontados em precedente da 3ª Turma desta Corte (REsp 1.477.937/MG).
5- Embora, de acordo com a SUSEP, o PGBL seja um plano de previdência complementar aberta com
cobertura por sobrevivência e o VGBL seja um plano de seguro de pessoa com cobertura por
sobrevivência, a natureza securitária e previdenciária complementar desses contratos é marcante no
momento em que o investidor passa a receber, a partir de determinada data futura e em prestações
periódicas, os valores que acumulou ao longo da vida, como forma de complementação do valor recebido
da previdência pública e com o propósito de manter um determinado padrão de vida.
6- Todavia, no período que antecede a percepção dos valores, ou seja, durante as contribuições e
formação do patrimônio, com múltiplas possibilidades de depósitos, de aportes diferenciados e de
retiradas, inclusive antecipadas, a natureza preponderante do contrato de previdência complementar
aberta é de investimento, razão pela qual o valor existente em plano de previdência complementar aberta,
antes de sua conversão em renda e pensionamento ao titular, possui natureza de aplicação e
investimento, devendo ser objeto de partilha por ocasião da dissolução do vínculo conjugal ou da sucessão
por não estar abrangido pela regra do art. 1.659, VII, do CC/2002.
7- Na hipótese, tendo havido a comoriência entre o autor da herança, sua cônjuge e os descendentes, não
havendo que se falar, pois, em sucessão entre eles, devem ser chamados à sucessão os seus respectivos
herdeiros ascendentes, razão pela qual, sendo induvidosa a conclusão de que o valor existente em
previdência complementar privada aberta de titularidade do autor da herança compunha a meação da
cônjuge igualmente falecida, a colação do respectivo valor ao inventário é indispensável.
8- Recurso especial conhecido e desprovido.
(REsp 1726577/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 14/09/2021, DJe
01/10/2021)