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28 de junho de 2021

A inadimplência do usuário não afasta a incidência ou a exigibilidade do ICMS sobre serviços de telecomunicações

Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/06/info-1017-stf.pdf


ICMS - A inadimplência do usuário não afasta a incidência ou a exigibilidade do ICMS sobre serviços de telecomunicações 


As vendas inadimplidas não podem ser excluídas da base de cálculo do tributo, pois a inadimplência do consumidor final — por se tratar de evento posterior e alheio — não obsta a ocorrência do fato gerador do ICMS-comunicação. STF. Plenário. RE 1003758/RO, Rel. Min. Marco Aurélio, redator do acórdão Min. Alexandre de Moraes, julgado em 14/5/2021 (Repercussão Geral – Tema 705) (Info 1017). 

A situação concreta, com adaptações, foi a seguinte: 

GVT era uma empresa que prestava serviços de telecomunicações (telefonia fixa, TV por assinatura e internet banda larga). Quando a empresa presta serviços de telecomunicações, ela tem que pagar ICMS, tendo em vista que a CF/88 prevê essa espécie de serviço como sendo um dos fatos geradores do imposto: 

Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: (...) II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior; 

No mesmo sentido é a LC 87/96 (Lei Kandir): 

Art. 2º O imposto incide sobre: (...) III - prestações onerosas de serviços de comunicação, por qualquer meio, inclusive a geração, a emissão, a recepção, a transmissão, a retransmissão, a repetição e a ampliação de comunicação de qualquer natureza; 

A GVT ajuizou ação explicando o seguinte: 

- muitas vezes seus clientes/usuários não pagam as faturas de cobrança do serviço prestado (tornam-se inadimplentes) e frequentemente os contratos de prestação de serviços desses usuários são rescindidos; 

- se isso acontece, ou seja, se há inadimplência do usuário, não ocorre o fato gerador do ICMScomunicação por ausência do elemento onerosidade; 

- a cobrança do ICMS, nestes casos, teria natureza confiscatória e atentaria contra o princípio da capacidade contributiva, pois se cobra o tributo sem que haja a manifestação de riqueza; 

- também violaria o princípio da não cumulatividade tributária, pois, sendo o ICMS um tributo nãocumulativo, é direito do contribuinte de direito (autora) repassá-lo ao contribuinte de fato (usuário); 

- em suma, a GVT defendeu que, em caso de inadimplência do usuário, não será devido o pagamento do ICMS sobre os serviços de telecomunicações. 

O STF concordou com a tese da empresa? NÃO. O STF decidiu que: 

A inadimplência do usuário não afasta a incidência ou a exigibilidade do ICMS sobre serviços de telecomunicações. STF. Plenário. RE 1003758/RO, Rel. Min. Marco Aurélio, redator do acórdão Min. Alexandre de Moraes, julgado em 14/5/2021 (Repercussão Geral – Tema 705) (Info 1017). 

As vendas inadimplidas não podem ser excluídas da base de cálculo do tributo. Isso porque a inadimplência do consumidor final é um evento posterior e alheio e, portanto, não obsta a ocorrência do fato gerador do ICMS-comunicação, que já aconteceu. Conforme previsto no inciso III do art. 2º da LC 87/96, o ICMS-comunicação incide sobre a prestação onerosa de serviços de comunicação. Assim, uma vez prestado o serviço de comunicação ao consumidor, de forma onerosa, já incidirá necessariamente o imposto, independentemente de a empresa ter efetivamente auferido receita com a realização do serviço. Incabível o argumento da recorrente de que o inadimplemento retira o caráter oneroso da prestação, uma vez que a onerosidade é previamente estabelecida no contrato de prestação de serviços, de modo que é a prestação do serviço em si que a materializa, e não o posterior faturamento. Dessa forma, eventual inadimplemento do usuário gera crédito à empresa, o qual pode ser pleiteado tanto pela via administrativa quanto pela via judicial, mantendo-se incólume a onerosidade dos serviços já prestados. 

Existem duas relações jurídicas distintas e independentes entre si, regidas por normas específicas: 

• uma entre a empresa (contribuinte de direito) e o respectivo consumidor/usuário (contribuinte de fato), de natureza civil; 

• e outra, de caráter estritamente tributário, entre a empresa (sujeito passivo) e o Fisco (sujeito ativo). 

O inadimplemento da fatura é elemento estranho à ocorrência do fato gerador e nada interfere na obrigação tributária da recorrente em recolher o imposto em questão e repassá-lo ao Estado, obrigação esta que decorre da lei e não pode ser confundida com a obrigação contratual. Desse modo, o não pagamento das contas de energia pelos consumidores finais do serviço deverá ser resolvido em outra via, não sendo cabível ao Estado o ônus do inadimplemento. Assim, não possui qualquer respaldo constitucional, sendo, portanto, absolutamente inadmissível, repassar ao Erário os riscos próprios da atividade econômica em face de eventual inadimplemento dos consumidores/usuários, a pretexto de fazer valer os princípios da não-cumulatividade, da capacidade contributiva e da vedação ao confisco. A inadimplência do usuário não constitui excludente legal do tributo, de modo que admitir que as vendas inadimplidas pudessem ser excluídas da base de cálculo do ICMS implicaria violação direta ao princípio da legalidade tributária, bem como ao disposto no art. 150, § 6º, e art. 155, § 2º, XII, g, da Constituição Federal: 

Art. 150. (...) § 6º Qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no art. 155, § 2.º, XII, g. 

Art. 155. (...) § 2º O imposto previsto no inciso II (obs: ICMS) atenderá ao seguinte: (...) XII - cabe à lei complementar: (...) g) regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados. 

Se o pedido da autora fosse acolhido, o STF estaria atuando como legislador positivo, modificando as normas tributárias inerentes ao ICMS para instituir benefício fiscal em favor dos contribuintes, o que ensejaria violação também ao princípio da separação dos Poderes.

24 de abril de 2021

Lei Kandir: ICMS, fato gerador e transferência interestadual de mercadorias

 Lei Kandir: ICMS, fato gerador e transferência interestadual de mercadorias - ADC 49/RN 

 

Resumo:

São inconstitucionais o art. 11, § 3º, II; o trecho “ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular” do art. 12, I; e o art. 13, § 4º, da Lei Kandir, uma vez que não configura fato gerador da incidência de ICMS o mero deslocamento de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular, independentemente de estarem localizados na mesma unidade federativa ou em estados-membros diferentes.

 

Acentua-se a demonstração da “existência de controvérsia judicial relevante” (Lei 9.868/1999, art. 14, III). Na presente ação declaratória de constitucionalidade, a controvérsia verificada está na divergência entre o Poder Judiciário e o Poder Legislativo. Diversas são as decisões proferidas, em tribunais superiores e em tribunais de justiça, contrárias ao estipulado na Lei Complementar (LC) 87/1996 (Lei Kandir), que preconiza a tributação na saída de mercadoria para outro estabelecimento, localizado em estado-membro distinto e pertencente ao mesmo titular.

No mérito, não prospera o pedido da declaração de constitucionalidade dos aludidos preceitos da LC 87/1996 (1). O princípio da supremacia da Constituição não se concilia com a ideia de supremacia da lei e do Parlamento que, sobrevalorizados, debilitam o valor efetivo da Constituição. Observada a prevalência do texto constitucional, a “circulação de mercadorias” que gera incidência do Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual, Intermunicipal e de Comunicação (ICMS) é a jurídica.

Assim, a circulação de mercadorias apta a desencadear a tributação pelo ICMS demanda a existência de negócio jurídico a envolver a transferência da propriedade da mercadoria. A transferência não pode ser apenas física e econômica, também deve ser jurídica. Em outras palavras, a hipótese de incidência do ICMS é a operação jurídica praticada por comerciante que acarrete circulação de mercadoria e transmissão de sua titularidade ao consumidor final. Logo, é irrelevante que os estabelecimentos do contribuinte estejam em estados federados diferentes. Por não gerar circulação jurídica, o simples deslocamento de mercadorias não gera obrigação tributária. Ainda que algumas transferências entre estabelecimentos de idêntica titularidade possam gerar reflexos tributários, é inconstitucional a interpretação de que a circulação meramente física ou econômica de mercadorias gera obrigação tributária. Portanto, houve excesso por parte do legislador ao elaborar os dispositivos aqui discutidos.

Ademais, jurisprudência nesse sentido foi reafirmada pelo Tribunal Pleno, recentemente, ao apreciar o Tema 1.099 da repercussão geral (2).

O Plenário julgou improcedente pedido formulado em ação declaratória de constitucionalidade, assentando a inconstitucionalidade do art. 11, § 3º, II; do art. 12, I, no trecho “ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular”, e do art. 13, § 4º, da Lei Kandir.

(1) LC 87/1996: “Art. 11. O local da operação ou da prestação, para os efeitos da cobrança do imposto e definição do estabelecimento responsável, é: (...) § 3º Para efeito desta Lei Complementar, estabelecimento é o local, privado ou público, edificado ou não, próprio ou de terceiro, onde pessoas físicas ou jurídicas exerçam suas atividades em caráter temporário ou permanente, bem como onde se encontrem armazenadas mercadorias, observado, ainda, o seguinte: (...) II – é autônomo cada estabelecimento do mesmo titular; (...) Art. 12. Considera-se ocorrido o fato gerador do imposto no momento: I – da saída de mercadoria de estabelecimento de contribuinte, ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular; (...) Art. 13. A base de cálculo do imposto é: (...) § 4º Na saída de mercadoria para estabelecimento localizado em outro Estado, pertencente ao mesmo titular, a base de cálculo do imposto é: I – o valor correspondente à entrada mais recente da mercadoria; II – o custo da mercadoria produzida, assim entendida a soma do custo da matéria-prima, material secundário, mão-de-obra e acondicionamento; III – tratando-se de mercadorias não industrializadas, o seu preço corrente no mercado atacadista do estabelecimento remetente.”

(2) ARE 1.255.885/MS, relator min. Presidente (DJe de 15.9.2020).

ADC 49/RN, relator Min. Edson Fachin, julgamento virtual finalizado em 16.4.2021 (sexta-feira) às 23:59