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11 de abril de 2021

DIREITO SUCESSÓRIO: Declarada a inexistência jurídica da sentença na própria ação de inventário, deve ser aplicada a tese firmada pelo STF no julgamento do Tema 809, por meio da qual foi declarada a inconstitucionalidade do art. 1.790 do CC/2002

Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/04/info-689-stj.pdf

É imperiosa a aplicação da tese firmada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do Tema 809/STF, que impõe a igualdade de tratamento no regime sucessório entre cônjuges e companheiros, em processo cuja inexistência jurídica da sentença de partilha, ante a ausência de citação de litisconsorte necessário, impede a formação da coisa julgada material. STJ. 3ª Turma. REsp 1.857.852/RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 16/03/2021 (Info 689). 

Imagine a seguinte situação hipotética: 

João faleceu sem deixar filhos e cônjuge. Deixou, contudo, três irmãos: Pedro, Paulo e Tiago. Pedro ajuizou ação de inventário e partilha dos bens deixados por João. Na ação, Pedro indicou como únicos herdeiros ele mesmo, Paulo e Tiago, pedindo a citação dos dois. Pedro, Paulo e Tiago fizeram um acordo dividindo a herança. O juiz proferiu sentença homologando a partilha e atribuindo aos três os devidos quinhões. Não houve recurso contra a sentença, tendo transcorrido o prazo recursal. Ocorre que, logo em seguida, antes que o formal de partilha fosse expedido, apareceu uma nova personagem que iria mudar a história: Maria. Maria peticionou nos autos informando que vivia em união estável com João até a data do óbito e, como consequência, pediu a sua habilitação. Em razão desse fato, o juízo do inventário suspendeu a expedição do formal de partilha e, após regular contraditório e oitiva do Ministério Público, declarou insubsistente a sentença homologatória anteriormente proferida, consignando que “deverá o inventário prosseguir com a elaboração de nova partilha, com a inclusão de Maria como meeira e herdeira dos bens adquiridos onerosamente na constância da união.” Desse modo, o processo de inventário voltou a tramitar. Vale ressaltar que Pedro, Paulo e Tiago, mesmo chateados com o aparecimento da nova herdeira, ainda tinham a plena convicção de que iriam receber uma parte da herança. Isso porque a sucessão dos companheiros, nessa época, ainda era regida pelo art. 1.790 do Código Civil: 

Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes: 

I - se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho; 

II - se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles; 

III - se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança;

 IV - não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança. 

Assim, Pedro, Paulo e Tiago estavam pensando: ora, nos termos do inciso III do art. 1.790, Maria terá direito a 1/3 da herança e nós ficaremos com o restante. Ocorre que, alguns dias depois disso, houve um novo fato que mudou tudo: a decisão do STF no Tema 809 (RE 646721/RS) . 

Tema 809/STF 

O STF, ao julgar o RE 646721/RS e o RE 878694/MG, ambos com repercussão geral reconhecida, fixou a tese de que: 

É inconstitucional a diferenciação de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros, devendo ser aplicado, em ambos os casos, o regime estabelecido no art. 1.829 do Código Civil. STF. Plenário RE 646721/RS, Rel. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Roberto Barroso e RE 878694/MG, Rel. Min. Roberto Barroso, julgados em 10/5/2017 (Repercussão Geral – Tema 809) (Info 864). 

O STF disse: o art. 1.790 do CC é inconstitucional porque viola o princípio da igualdade, a dignidade da pessoa humana, o princípio da proporcionalidade (na modalidade de proibição à proteção deficiente) e o princípio da vedação ao retrocesso. Já que o art. 1.790 é inconstitucional, o que se deve fazer no caso de sucessão de companheiro? Quais as regras que deverão ser aplicadas caso um dos consortes da união estável morra? O STF entendeu que a união estável deve receber o mesmo tratamento conferido ao casamento. Logo, em caso de sucessão causa mortis do companheiro deverão ser aplicadas as mesmas regras da sucessão causa mortis do cônjuge, regras essas que estão previstas no art. 1.829 do CC: 

Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: 

I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares; 

II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge; 

III - ao cônjuge sobrevivente; 

IV - aos colaterais. 

Logo, no caso concreto que estamos analisando: 

• a situação antes era enquadrada no inciso III do art. 1.790 do CC: a companheira receberia 1/3 da herança e os irmãos (colaterais) ficariam com 2/3. 

• com a decisão do STF, a situação passa a se enquadrar no inciso IV do art. 1.829: a companheira (por ser equiparada a cônjuge) fica com tudo. Os irmãos (colaterais) não terão mais direito a nada. 

Voltando ao caso concreto: 

O juiz, que sempre acompanhava os Informativos do STF, aplicou imediatamente o entendimento fixado no RE 646721/RS, consignando que “Maria, a companheira supérstite, além da meação, sucede também no restante do patrimônio, em razão da ausência de descendentes ou ascendentes do de cujus, conforme estabelece o art. 1.829 do Código Civil, em seu inciso III”. Os colaterais interpuseram agravo de instrumento contra a decisão. O Tribunal de Justiça deu provimento ao recurso e afastou a aplicação da tese firmada pelo STF no Tema 809 sob o fundamento de que o juízo do inventário não poderia ter declarado a insubsistência da sentença homologatória outrora proferida, uma vez que ela estaria acobertada pelo manto da coisa julgada material. 

Agiu corretamente o TJ? 

O STJ entendeu que não. Em primeiro lugar, é importante ressaltar que o STF modulou os efeitos da decisão proferida no RE 646721/RS (Tema 809). Na ementa oficial constou o seguinte: 

“3. Com a finalidade de preservar a segurança jurídica, o entendimento ora firmado é aplicável apenas aos inventários judiciais em que não tenha havido trânsito em julgado da sentença de partilha e às partilhas extrajudiciais em que ainda não haja escritura pública.” 

Ocorre que o STJ afirmou o seguinte: no caso concreto, “não há sentença de partilha transitada em julgado”. Isso porque o juízo do inventário, ao declarar a insubsistência da sentença homologatória de acordo de partilha entre os colaterais, nada mais fez do que declarar a sua inexistência jurídica em virtude da ausência de citação daquela que, à época, seria litisconsorte necessária, a saber, a companheira Maria. Não há que se falar em coisa julgada na sentença proferida em processo em que não se formou a relação jurídica apta ao seu desenvolvimento. 

Para a declaração de inexistência jurídica da sentença em virtude da ausência de citação não seria necessário o ajuizamento da querela nullitatis insanabilis? 

NÃO. Na forma do art. 525, §1º, I, do CPC/2015, a falta ou a nulidade da citação, desde que tenha havido a revelia da parte que deveria figurar no polo, são suscetíveis de reconhecimento em impugnação ao cumprimento de sentença (isto é, após a sentença irrecorrida), de modo que, a fortiori, esses gravíssimos vícios podem ser igualmente cognoscíveis antes de iniciada essa fase procedimental. Anote-se, por oportuno, que ainda que se pudesse cogitar da formação de coisa julgada material a partir de sentença homologatória de acordo de partilha e consequente possibilidade de execução do formal de partilha que, na hipótese, sequer foi expedido, não se pode olvidar que a execução seria ineficaz em relação à companheira, que, relembre-se, apenas ingressou na ação de inventário após a prolação da sentença homologatória de acordo entre os colaterais. 

A esse respeito, sublinhe-se que há regra específica quanto à ação de inventário e partilha, como bem pontua Rodrigo Frantz Becker: 

“De início, é importante observar que o formal e a certidão de partilha serão títulos executivos judiciais tão somente em relação ao inventariante, aos herdeiros e aos sucessores a título singular ou universal, não alcançando terceiros. Trata-se de limitação subjetiva estabelecida pelo código, evidenciando que, assim como toda sentença, a sentença que julga a partilha fará coisa julgada apenas entre as partes, ou seja, a eficácia será executiva perante os que forem partes na ação de inventário – o inventariante, os herdeiros e sucessores do de cujus.” (BECKER, Rodrigo Frantz. Manual do processo de execução dos títulos judiciais e extrajudiciais. Salvador: JusPodivm, 2021, p. 205). 

Diante desse cenário, inexistindo sentença de partilha com trânsito em julgado, é imperiosa a aplicação da tese firmada pelo STF no julgamento do tema 809, de modo a reconhecer a companheira Maria como única herdeira dos bens deixados por João, na forma do art. 1.829, III, do CC/2002. 

Em suma: É imperiosa a aplicação da tese firmada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do Tema 809/STF, que impõe a igualdade de tratamento no regime sucessório entre cônjuges e companheiros, em processo cuja inexistência jurídica da sentença de partilha, ante a ausência de citação de litisconsorte necessário, impede a formação da coisa julgada material. STJ. 3ª Turma. REsp 1.857.852/RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 16/03/2021 (Info 689).