"O procedimento se inicia com um pedido de instalação do incidente
padrão (Musteifeststellungsantrag), seja pelo autor seja pelo réu,
perante o juízo do processo individual (Prozessgericht, o juízo de
origem), com indicação do escopo da tratativa coletiva, descrito e
exigido pela lei como requisito do pedido.
Não pode haver instauração de ofício pelo juízo.
A parte deve apontar os pontos litigiosos (Streitpunkte) que deseja ver
resolvidos coletivamente, bem como os meios de prova que pretende
produzir no incidente. Interessante notar que o requerente deve
alegar e demonstrar que o pedido terá repercussão extraprocessual,
interferindo na resolução de outros litígios similares.
Não é admitido requerimento para instauração de
Procedimento-Modelo quando a causa estiver pronta para julgamento,
quando puder prolongar ou postergar indevidamente o processo,
quando o meio de prova requerido for inadequado, quando as
alegações não se justifiquem dentro dos objetivos do procedimento,
ou ainda quando um ponto controvertido não aparentar necessidade
de ser aclarado com eficácia coletiva (KapMuG §l (3)). Em verificando
tais hipóteses, deve o juízo rejeitar o requerimento. Interessante notar
que a admissibilidade do Procedimento-Modelo é analisada e decidida
pelo juízo de Origem.
Quando for admissível o requerimento, vale dizer, quando não
vedado, o juízo de origem fará publicar em um cadastro eletrônico
público e gratuito (Klageregister), fazendo dele constar um pequeno
extrato do pedido, partes envolvidas, objetivo do procedimento, etc.
Requerimentos similares de instauração de Musterveifahren serão
registrados juntamente aos anteriores, de forma a otimizar a resolução
das questões comuns e facilitar a consulta pública.
O registro é administrado por órgãos federais ligados ao Ministério da
Justiça, que deverão empreender esforços para a preservação
tecnológica do sistema no que se refere a técnicas de segurança da
informação. Mas fica a cargo do juízo de origem a responsabilidade
pela incorreção dos dados publicados, devendo ainda preservar o
sigilo das informações do processo, selecionando o que pode ou não ser disponibilizado publicamente para consulta. Os dados serão
apagados do registro se o requerimento for rejeitado ou após
terminado o Procedimento-Modelo.
Em seguida, o juízo de origem decide sobre o pedido de instauração
do Procedimento-Modelo, proferindo decisão (Vorlagebeschluss, prevista no §4 e alíneas da KapMuG) que provoca um tribunal de
hierarquia superior a decidir sobre as questões coletivas. Para tanto,
exige a lei que o juízo de origem seja aquele em tenha sido formulado,
cronologicamente, o primeiro requerimento de tratativa coletiva.
Determina ainda, como requisito para o início do procedimento
coletivo, que, no período de 4 meses após a publicação no registro,
tenham sido requeridos, neste ou em outros juízos, pelo menos outros
9 procedimentos-padrão paralelos, vale dizer, deve haver, no prazo
fixado, 10 requerimentos do incidente-padrão que versem sobre o
mesmo objeto, pretensões paralelas baseadas nos mesmos
fundamentos (causas de pedir semelhantes). Se não for observado o
número mínimo de requerimentos no prazo legal, deve o juízo rejeitar
o requerimento e prosseguir no processo individual.
Ao prolatar a decisão pela instauração do procedimento coletivo,
atentará o juízo para o conteúdo que a lei determina que esta deve
conter: o escopo do procedimento, os pontos litigiosos que deverão
ser decididos coletivamente, provas a serem produzidas e uma rápida
descrição das pretensões e dos meios de defesa das partes.
A decisão do juízo inferior é irrecorrível, será publicada no registro
público e vincula o tribunal de instância superior, que será o juízo de
julgamento do mérito do Musterveifahren. Note-se que o mérito do
Procedimento-Modelo é fixado pelo juízo de origem. Com a prolação
da decisão que instaura a tratativa coletiva não pode haver outro
Procedimento-Modelo com o mesmo objeto (§5 da KapMuG).
Determinada a instauração do Procedimento-Modelo, este
tramitará não mais perante o juízo de origem, mas junto ao
Tribunal Regional (Oberlandesgericht), que decidirá sobre o
mérito (o objeto) do Musterveifahren. A lei prevê a possibilidade
de que, para garantir segurança jurídica e uniformidade da
jurisprudência, quando existentes tribunais estaduais diversos
(nos Lãndern, Estados-membros), possa a matéria ser atribuída
ao julgamento de um tribunal superior, admitindo ainda que,
por acordo ou convênio entre os governos estaduais, possa
ser a decisão submetida a um determinado e específico
tribunal.
O Tribunal de julgamento procederá à escolha de um "líder" para os
vários autores e outro para os réus, denominados, respectivamente,
de Musterklãger e Musterbeklagte, que serão interlocutores diretos
com a corte. Nada mais razoável, já que, como estamos diante de
procedimento de coletivização de questões comuns a vários
processos individuais, faz-se necessária a intermediação por meio de
um "porta-voz". Estes são uma espécie de "parte principal": são eles,
juntamente com seus advogados, que traçarão a estratégia
processual do grupo.
Os demais, se não poderão contradizer ou contrariar seus
argumentos, poderão integrá-los, acrescentando elementos para a
formação da convicção judicial. Segundo a própria lei, a determinação dos Musterparteien é
discricionariedade do Tribunal, mas deverá respeitar o balizamento e
os critérios estabelecidos na norma (§ 8 da KapMuG). Por exemplo,
em relação ao Musterklãger, deverá ser escolhido dentre os autores
litigantes no juízo de origem, tomando-se em consideração a
magnitude do objeto do Musterveifahren e procurando fomentar o
entendimento e a comunicação entre maior número possível de
autores e interessados.
Em seguida, o Tribunal fará publicar no registro a instauração do
procedimento- padrão, com extrato do conteúdo da decisão do juízo
de origem, o objetivo do procedimento, bem como descrição dos
líderes da partes e, se for o caso, de seus representantes legais (§ 6
da KapMuG).
Após a publicação da instauração do Musterverfahren no
registro, serão suspensos, de ofício e em decisão irrecorrível,
todos os processos em que a decisão dependa das questões a
serem decididas ou esclarecidas no Procedimento-Modelo. A
suspensão ocorrerá independentemente de ter havido
requerimento de procedimento-padrão no processo de origem.
Vale dizer, o Musterverfahren poderá atingir processos
individuais cujas partes não requereram a tratativa coletiva de
nenhuma questão fática ou jurídica.
A cognição sobre o mérito seguirá normalmente, fixando o
Tribunal seu entendimento jurídico sobre as questões comuns.
A decisão do incidente denomina-se Musterentscheíd.
CABRAL,
Antonio do Passo. O novo procedimento-modelo (musterverfahren)
alemão: Uma alternativa às ações coletivas. Revista de Processo, ano
32, n. 147, p. 123-146, mai./2007, p. 133-136.