RECURSO ESPECIAL Nº 1.826.273 - SP (2019/0203695-7)
RELATOR : MINISTRO MOURA RIBEIRO
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. RECURSO MANEJADO
SOB A ÉGIDE DO NCPC. ALEGAÇÃO DE OFENSA AO ART.1.022
DO NCPC. CONTRADIÇÃO INEXISTENTE. ACÓRDÃO
DEVIDAMENTE FUNDAMENTADO. EXECUÇÃO DE TÍTULO
EXTRAJUDICIAL. LEILÃO. DESISTÊNCIA DA VENCEDORA DO
CERTAME. SEGUNDO PROPONENTE QUE MANIFESTOU
DESINTERESSE NA ARREMATAÇÃO DO BEM. COMISSÃO DO
LEILOEIRO. COBRANÇA. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO
PARCIALMENTE PROVIDO.
1. Aplica-se o NCPC a este julgamento ante os termos do Enunciado
Administrativo nº 3, aprovado pelo Plenário do STJ na sessão de
9/3/2016: Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015
(relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016)
serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do
novo CPC.
2. A contradição que autoriza a oposição de embargos de declaração é
a interna, ou seja, aquela entre proposições do próprio julgado. O
descontentamento com as conclusões do julgado não enseja a
contradição prevista no art. 1022, I, do NCPC.
3. O arrematante do bem é o responsável pelo pagamento da
comissão do leiloeiro, não podendo essa obrigação ser imputada
àquele que ofertou a segunda melhor proposta, porque o vencedor
desistiu da arrematação.
4. Recurso especial provido em parte.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima
indicadas, acordam os Senhores Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de
Justiça, por unanimidade, em dar parcial provimento ao recurso especial, nos termos do
voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Nancy Andrighi, Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo
Villas Bôas Cueva e Marco Aurélio Bellizze votaram com o Sr. Ministro Relator.
Dr(a). PÉRSIO THOMAZ FERREIRA ROSA, pela parte RECORRIDA:
DJALMA JOSE HERRERA DE BARROS
Brasília, 10 de setembro de 2019(Data do Julgamento)
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO MOURA RIBEIRO (Relator): Os autos
noticiam que o Banco Safra S.A. (EXEQUENTE) propôs execução de título extrajudicial
contra Jacques Wajss e Rachel Bulka Wajss (EXECUTADOS).
Levado a leilão imóvel de propriedade dos EXECUTADOS, foram
oferecidos lances pela ASSOCIAPOL, TENDA e EMCCAMP.
De comum acordo, EXEQUENTE e EXECUTADOS descartaram a
primeira proposta por estar sujeita a evento futuro e incerto e também a segunda, em
razão do desinteresse em realizar a venda para a TENDA, optando por aceitar a terceira,
da EMCCAMP, por melhor refletir seus interesses.
Diante do parecer ambiental apontando contaminação no solo do imóvel,
a EMCCAMP, fazendo uso da cláusula resolutiva constante da sua oferta, desistiu o lanço.
A AGÊNCIA PUBLICUM DE PUBLICIDADE LTDA (LEILOEIRO), nomeada
para realizar a alienação do bem, postulou o pagamento da sua comissão da TENDA,
segunda ofertante, por ter sido a única remanescente com lance válido no leilão, já que
aquela oferecida pela ASSOCIAPOL foi rejeitada pelos EXEQUENTE e EXECUTADOS.
O pedido foi indeferido, sob o fundamento de que a manifestação de
Tenda ratificando o interesse na aquisição do bem não transfere a ela a obrigação pelo
pagamento da comissão do leiloeiro (e-STJ, fl. 1.536).
Contra essa decisão o LEILOEIRO interpôs agravo de instrumento,
argumentando que a TENDA não apresentou motivo para o arrependimento do lance, além
de inexistir qualquer empecilho para a utilização do imóvel, ressaltando que a oferta não
possuía condicionante e que os reparos necessários no terreno não nulifica a
arrematação.
Ao recurso foi dado provimento, carreando à parte agravada as despesas
relativas ao leilão, assim como a comissão do leiloeiro (e-STJ, fl. 1.613), cujo acórdão
encontra-se assim ementado:
EXECUÇÃO POR TÍTULO EXTRAJUDCIAL - Leilão - Arrematação
de bem imóvel - Hipótese em que a agravante, empresa
responsável pela organização do certame, alega lhe ser devida a
comissão de 5% (cinco por cento) do leiloeiro - Hipótese em que a
agravada foi declarada vencedora do leilão após a desistência de
outra concorrente, em virtude de resultado de laudo ambiental - Recorrida que não possuía tal condicionante em sua proposta,
razão pela qual alegou em recurso anterior que sua proposta era
melhor que a da concorrente - Desistência injustificada que obriga
a agravada, plenamente conhecedora dos riscos associados com a
oferta realizada, a arcar com a comissão do leiloeiro, nos termos do
edital - Art. 427 do Código Civil - Recurso provido (e-STJ, fl. 1.605).
Os embargos de declaração opostos foram rejeitados.
Contra esses julgados a TENDA manejou recurso especial,
fundamentado na alínea a do permissivo constitucional, alegando (1) ofensa ao art. 1.022,
I, do NCPC, diante da contradição no julgado ao declarar que foi a vencedora do leilão,
assim como quanto aos precedentes colacionados que não guardam similitude com o
caso concreto; e, (2) violação dos arts. 884 do NCPC, 24 e 40 do Decreto-Lei nº
21.981/32, porque não foi o arrematante do objeto do leilão, logo não lhe deve ser cobrada
a comissão do leiloeiro. Ao final, postulou a concessão de efeito suspensivo nos termos do
art. 1.029, § 5º, do NCPC.
Foram apresentadas contrarrazões.
Admitido o apelo nobre pelo juízo prévio de admissibilidade, os autos
subiram para esta Corte Superior.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO MOURA RIBEIRO (Relator):
O recurso comporta parcial acolhimento.
De plano, vale pontuar que o recurso ora em análise foi interposto na
vigência do NCPC, razão pela qual devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade
recursal na forma nele prevista, nos termos do Enunciado Administrativo nº 3, aprovado
pelo Plenário do STJ na sessão de 9/3/2016: Aos recursos interpostos com fundamento
no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão
exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC.
A pretensão recursal está em reconhecer (1) a ocorrência de contradição
no julgado; e, (2) a impossibilidade da cobrança da comissão do leiloeiro por aquele que
não foi o arrematante da coisa.
(1) Contradição não verificada.
Este Col. Superior Tribunal de Justiça firmou orientação de que a
contradição que autoriza a oposição de embargos de declaração é a interna, ou seja,
aquela entre proposições do próprio julgado.
Nesse sentido, confiram-se os seguintes precedentes:
PROCESSO CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO
ESPECIAL. [...]. OBSCURIDADE, OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU
ERRO MATERIAL. NÃO OCORRÊNCIA. REFORMA DO JULGADO.
IMPOSSIBILIDADE.
[...]
3. O vício que autoriza a oposição dos embargos de declaração é a contradição interna do julgado, não a contradição entre este e o
entendimento da parte, ou o que ficara decidido na origem, ou,
ainda, quaisquer outras decisões do STJ ou do STF.
4. Embargos de declaração rejeitados.
(EDcl no REsp 1741681/RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI,
Terceira Turma, DJe 22/03/2019)
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM
RECURSO ESPECIAL. [...]. VIOLAÇÃO DO ART. 535, I, DO
CPC/1973. CONTRADIÇÃO. NÃO CARACTERIZAÇÃO. [...].
DECISÃO MANTIDA.
[...]
3. A contradição prevista no art. 535, I, do CPC/1973 é a interna,
isto é, entre proposições do próprio julgado embargado, o que não
se observa. [...] 7. Agravo interno a que se nega provimento.
(AgInt no AREsp 545.959/SP, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS
FERREIRA, Quarta Turma, DJe 25/03/2019)
Ao ser apreciada a obrigação pela comissão do leiloeiro, o Tribunal de
origem entendeu que a TENDA seria a responsável pelo pagamento, reconhecendo a sua
qualidade de arrematante, colacionando precedentes eleitos como pertinentes ao caso
para corroborar sua conclusão.
Veja-se:
No mérito, verifica-se que a parte agravada foi uma das
proponentes de oferta no leilão judicial que teve como objeto o
imóvel registrado com a matrícula n° 15.170 no 18° CRI desta
cidade.
As propostas foram:
(i) ASSOCIAPOL, que ofertou o valor de R$12.850.000,00 com
pagamento em 250 dias por meio da CEF (fl. 1124);
(ii) TENDA, que ofertou a quantia de R$11.350.000,00 com o
pagamento de 25% do valor no prazo de 24 horas após a
publicação da decisão e o restante em 30 meses (fls. 1122/1123);
(iii) EMCCAMP, que ofertou o valor de R$11.081.000,00 com o
pagamento de 25% do preço em 120 dias, desde que superada a
condição resolutiva de realização do laudo ambiental de
contaminação do imóvel, e o restante em 24 meses (fls.
1126/1128).
A primeira proposta, ainda que de maior valor, foi sumariamente
descartada, tendo em vista estar sujeita a financiamento incerto da
Caixa Econômica Federal, o que a tornava de difícil execução.
Desta forma, duas propostas foram efetivamente apreciadas, sendo
que as partes, em comum acordo, haviam considerado a oferta da
ENCCAMP como a que melhor atendiam suas necessidades. Todavia, após tomar conhecimento do laudo ambiental, a empresa
ENCCAMP fez uso da condicionante e desistiu de sua oferta.
Desta forma, evidente que a empresa agravada se tornou
vencedora da praça, sendo responsável, por conseguinte, pela
comissão do leiloeiro.
Insta ressaltar que sua oferta não possuía qualquer condição
resolutiva que possibilitasse sua desistência sem arcar com as
despesas do leilão.
[...]
Desta forma, é absolutamente contraditória e inconsequente a
posição da agravada ao não admitir que sua proposta foi, ao final,
a vencedora do certame, pois cristalina a inexistência de condição
resolutiva e, no caso de falha do leilão por culpa de terceiro, a
parte que lhe deu causa deve arcar com as custas do leiloeiro, nos
termos do edital:
[...]
Não seria distinta sua responsabilidade se reconhecida vencedora
e não realizasse o depósito referente ao lance dado:
[...]
[...]
Desnecessário, outrossim, o aperfeiçoamento da arrematação do
imóvel para imputar seu encargo, pois evidente que, ao se tornar a
única proposta viável apresentada, a empresa recorrida era a
vencedora do certame, sendo certa sua responsabilidade.
Nesta mesma órbita, o prazo concedido pelo MM. Juiz "a quo" não
implicou em novação da proposta, pois para que isto ocorresse,
seria necessário que houvesse novo certame, sob pena de
conceder vantagem indevida à proponente vencedora, consistente
em reestruturar unilateralmente sua proposta após vislumbrar ser a
única concorrente viável.
No mesmo sentido vem decidindo este Sodalício em casos em que
o arrematante tinha conhecimento do risco envolvido com o lance e,
mesmo assim, prosseguiu com sua oferta:
[...]
De rigor, portanto, a reforma da r. decisão agravada, carreando à
parte agravada as despesas relativas ao leilão, assim como a
comissão do leiloeiro (e-STJ, fls. 1.606/1.613).
Desse modo, não se verifica a alegada contradição.
Portanto, é de se afastar a alegada violação dos arts. 489 e 1.022, ambos
do NCPC.
(2) Comissão do leiloeiro indevida.
A TENDA assevera não ser a responsável pelo pagamento da comissão do leiloeiro, porque não foi a arrematante do imóvel.
Do excerto do acórdão recorrido transcrito anteriormente colhe-se que no
leilão judicial do imóvel dos EXECUTADOS foram ofertados três lances: da ASSOCIAPOL,
da TENDA e da EMCCAMP, respectivamente pelo maior valor apresentado.
De comum acordo, EXEQUENTE e EXECUTADOS não admitiram a
proposta do primeiro, por vislumbrarem a sua inexequibilidade, e afastaram a segunda de
livre e espontânea vontade. Assim, apesar de ser a que apresentou o menor preço, a
oferta da EMCCAMP foi aceita, sob condição, qual seja, não haver contaminação
ambiental no terreno que pudesse inviabilizar o investimento.
O laudo ambiental realizado constatou a presença acima dos parâmetros
permitidos para Boro e Chumbo, de elevada toxidade, razão pela qual a EMCCAMP
desistiu do lance.
Diante disso, e por terem EXEQUENTE e EXECUTADOS rejeitado a
proposta da ASSOCIAPOL, o LEILOEIRO considerou a TENDA como arrematante,
vencedora do leilão e, por conseguinte, foi acionada para o pagamento da comissão.
Nos termos do art. 879 do NCPC, a alienação do bem penhorado far-se-á
por iniciativa particular ou em leilão judicial.
Na espécie, foi realizado o leilão judicial, e nele foram oferecidos três
lances, inaugurando a fase de licitação entre eles, nos termos do § 2º do art. 892 do
NCPC, verbis:
Art. 892. Salvo pronunciamento judicial em sentido diverso, o
pagamento deverá ser realizado de imediato pelo arrematante, por
depósito judicial ou por meio eletrônico.
[...]
§ 2º Se houver mais de um pretendente, proceder-se-á entre eles à
licitação, e, no caso de igualdade de oferta, terá preferência o
cônjuge, o companheiro, o descendente ou o ascendente do
executado, nessa ordem.
Desse dispositivo legal pode-se extrair que será considerado arrematante
aquele que ofertar o maior lance.
O caput se refere ao tempo e modo de pagamento a ser realizado por
aquele que arrematar o bem levado a leilão.
O § 2º, por sua vez, define a licitação como critérios de desempate caso
haja mais de um ofertante. O dispositivo não elenca a modalidade de licitação, mas
considerando que se está a buscar o melhor preço na alienação do bem penhorado para satisfação do crédito exequendo e, em se tratando de leilão, será considerado vencedor
aquele que ofertar o maior lance.
Além disso, referido dispositivo esclarece que, mesmo após a licitação,
no caso de igualdade de oferta o critério de desempate será o grau de parentesco com o
executado, circunstância que corrobora o raciocínio segundo o qual, se houver oferta
maior pelo bem, aquele que o fizer será considerado o arrematante.
A doutrina de FREDIE DIDIER JR., LEONARDO CARNEIRO DA CUNHA,
PAULA SARNO BRAGA e RAFAEL ALEXANDRIA DE OLIVEIRA esclarece:
Não havendo nenhum pretendente com direito de preferência ou
se, havendo, esse pretendente não ofereceu proposta equivalente
ao maior preço ofertado, o concurso será resolvido por licitação
entre os pretendentes (art. 892, § 2º, CPC): vence quem oferecer o
maior valor. No caso de igualdade de oferta, terá preferência o
cônjuge, o companheiro (o que inclui a relação homoafetiva), o
descendente ou o ascendente do executado, nessa ordem (Curso
de Direito Processual Civil, vol. 5, ed. JusPodivm: 2019, p. 965)
Comungam do mesmo entendimento LUIZ GUILHERME MARINONI,
SÉRGIO CRUZ ARENHART e DANIEL MITIDIERO, no Curso de Processo Civil, vol. 2, 2ª
edição, ed. Revista dos Tribunais, p. 1044 e ARAKEN DE ASSIS, no Manual da Execução,
19ª edição, ed. Revista dos Tribunais, p. 1201.
A desistência da EMCCAMP, cuja oferta foi aceita pelos EXEQUENTE e
EXECUTADOS, não torna a TENDA, segunda proponente, arrematante de forma
automática. Não há previsão no Código de Processo Civil para a sucessão dos
participantes.
O fato da TENDA ter solicitado vistoria no imóvel e a realização de perícia
ambiental depois que a EMCCAMP desistiu da arrematação, não deve ser interpretado
como interesse na continuidade no leilão, uma vez que o procedimento se encerrau com a
escolha da proposta desistente (EMCCAMP). Essa iniciativa poderia ser considerada,
quando muito, como uma tentativa de aquisição por iniciativa particular, que não se
aperfeiçoou.
O que se observa do leilão realizado foi que EXEQUENTE e
EXECUTADOS escolheram a proposta que lhes foi a mais conveniente, excluindo
expressamente a oferta da TENDA (e-STJ, fls. 1242/1246 e 1263/1266), o que foi
homologado pelo juízo da execução (e-STJ, fls. 1271).
Dessa forma, a TENDA não pode ser considerada arrematante, seja por
não ter ofertado o maior valor no leilão e por ter sido expressamente excluída do certame
pelos EXEQUENTE e EXECUTADOS, razão pela qual não lhe pode ser imputada a obrigação pelo pagamento da comissão do leiloeiro.
Nessas condições, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao recurso especial,
para (1) reconhecer a inexistência de contradição no julgado e (2) afastar o obrigação da
TENDA pelo pagamento da comissão do LEILOEIRO, restabelecendo a decisão de e-STJ,
fls. 1535/1536.
Fica prejudicado o pedido de efeito suspensivo.
É como voto.