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6 de junho de 2021

É inconstitucional decisão judicial que determina a constrição de verbas de empresa estatal que desempenha serviço público essencial, em regime não concorrencial e sem intuito de lucro

 Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/05/info-1014-stf.pdf

  

DIREITO FINANCEIRO 

É inconstitucional decisão judicial que determina a constrição de verbas de empresa estatal que desempenha serviço público essencial, em regime não concorrencial e sem intuito de lucro 

Os recursos públicos vinculados ao orçamento de estatais prestadoras de serviço público essencial, em regime não concorrencial e sem intuito lucrativo primário, não podem ser bloqueados ou sequestrados por decisão judicial para pagamento de verbas trabalhistas, em virtude do disposto no art. 100 da CF/1988, e dos princípios da legalidade orçamentária (art. 167, VI, da CF), da separação dos poderes (arts. 2º, 60, § 4º, III, da CF) e da eficiência da administração pública (art. 37, ‘caput’, da CF). STF. Plenário. ADPF 588/PB, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 26/4/2021 (Info 1014). 

A situação concreta, com adaptações, foi a seguinte: 

A Justiça do Trabalho proferiu diversas decisões judiciais determinando o bloqueio, arresto, penhora e sequestro de valores integrantes do orçamento da Companhia Estadual de Habitação Popular – CEHAP, para pagamento de indenizações trabalhistas sem observância do regime de precatórios (art. 100 da CF/88). Vale ressaltar que a CEHAP é uma sociedade de economia mista responsável pela execução de políticas públicas de habitação popular, em regime não concorrencial e sem finalidade lucrativa. 99,98% das suas ações pertencem ao Estado da Paraíba. O Governador ajuizou ADPF contra esse conjunto de decisões judiciais alegando que houve violação a diversos preceitos fundamentais, em especial àqueles referentes ao sistema orçamentário. 

Primeira pergunta: cabe ADPF neste caso? SIM. 

Mas essas decisões não poderiam ser impugnadas individualmente? Ex: não seria possível que o Estado interpusesse recursos contra essas decisões da Justiça do Trabalho? SIM. Essas decisões podem ser impugnadas individualmente. 

O fato de as decisões poderem ser impugnadas individualmente prejudica o cabimento da ADPF? Um dos requisitos da ADPF é a subsidiariedade... 

De fato, um dos requisitos da ADPF é a subsidiariedade. A subsidiariedade da ADPF está prevista expressamente no art. 4º, § 1º, da nº 9.882/99: “a arguição não será admitida quando houver qualquer outro meio de sanar a lesividade”. Assim, só cabe ADPF se não houver outro meio eficaz de sanar a lesão. Vale ressaltar, no entanto, que o fato de existirem ações, incidentes processuais ou recursos que poderiam ser manejados nas instâncias ordinária ou extraordinária não exclui, por si só, a admissibilidade de ADPF. Isso porque o requisito de subsidiariedade deve ser compreendido pela inexistência de meio processual apto a sanar a controvérsia de forma geral e imediata. Não havia outro meio eficaz para se declarar, de forma ampla, geral e imediata, a inconstitucionalidade desse conjunto de decisões. 

Desse modo: A ADPF pode ser ajuizada para impugnar um conjunto de decisões judiciais tidas como violadoras de preceitos constitucionais fundamentais. STF. Plenário. ADPF 588/PB, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 26/4/2021 (Info 1014). 

Superada a questão do cabimento, vamos ao mérito. Essa constrição das verbas públicas foi uma medida acertada? As decisões da Justiça do Trabalho foram mantidas? NÃO. 

O STF considerou que são inconstitucionais os atos de constrição do patrimônio de estatal prestadora de serviço público essencial prestado em regime não concorrencial e sem finalidade lucrativa. A CEHAP é uma empresa que desempenha serviço público essencial (direito social à moradia), prestado em regime não concorrencial e sem finalidade lucrativa. Desse modo, o bloqueio e a penhora de seus recursos da CEHAP violam: • o sistema constitucional de precatórios; • o princípio da legalidade orçamentária; • o princípio da separação dos Poderes; e • o princípio da eficiência administrativa. 

Precatório 

A jurisprudência do STF afirma que o regime constitucional dos precatórios deve ser aplicado também para as empresas estatais que prestam serviço público em regime não concorrencial e sem intuito lucrativo primário. Logo, as decisões judiciais que determinam o bloqueio e o sequestro de verbas dessas empresas são inconstitucionais por violarem o regime de precatórios (art. 100 da CF/88). 

Princípio da legalidade orçamentária 

A Constituição veda a transposição, o remanejamento ou a transferência de recursos de uma programação para outra ou de um órgão para outro, sem prévia autorização legislativa: 

Art. 167. São vedados: VI - a transposição, o remanejamento ou a transferência de recursos de uma categoria de programação para outra ou de um órgão para outro, sem prévia autorização legislativa; 

São balizas constitucionais para alocação e utilização de recursos públicos. Justamente por isso, quando a Justiça do Trabalho determina o uso de verbas alocadas para a execução de determinada finalidade (habitação popular) em finalidades diversas (pagamento de dívidas trabalhistas), isso viola normas constitucionais relacionadas com a legalidade orçamentária (art. 167, VI). 

Princípio da separação dos Poderes 

Ademais, o princípio da legalidade orçamentária está estreitamente vinculado ao princípio da separação dos Poderes (arts. 2º e 60, § 4º, III, da CF/88). A exigência de lei para a modificação da destinação orçamentária de recursos públicos tem por finalidade resguardar o planejamento chancelado pelos Poderes Executivo e Legislativo no momento de aprovação da lei orçamentária anual. É nessa ocasião que se definem as prioridades de atuação da Administração, isto é, que se apontam as políticas e os serviços públicos que deverão ser implementados ou aprimorados no exercício financeiro respectivo. A ordem constitucional rechaça a interferência do Judiciário na organização orçamentária dos projetos da Administração Pública, salvo, excepcionalmente, como fiscalizador. 

Princípio da eficiência administrativa 

Entende-se, por fim, que, no caso, os atos jurisdicionais impugnados, ao bloquearem verbas orçamentárias para o pagamento de indenizações trabalhistas, atuaram como obstáculos ao exercício eficiente da gestão pública, subvertendo o planejamento e a ordem de prioridades na execução de projetos sociais do Poder Executivo local, o que caracteriza desrespeito ao princípio da eficiência da Administração Pública (art. 37, caput, da CF/88). 

Em suma: Os recursos públicos vinculados ao orçamento de estatais prestadoras de serviço público essencial, em regime não concorrencial e sem intuito lucrativo primário, não podem ser bloqueados ou sequestrados por decisão judicial para pagamento de verbas trabalhistas, em virtude do disposto no art. 100 da CF/1988, e dos princípios da legalidade orçamentária (art. 167, VI, da CF), da separação dos poderes (arts. 2º, 60, § 4º, III, da CF) e da eficiência da administração pública (art. 37, ‘caput’, da CF). STF. Plenário. ADPF 588/PB, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 26/4/2021 (Info 1014). 

Dispositivo da decisão 

Com base nesse entendimento, o Plenário do STF, por maioria, julgou procedente o pedido formulado em ADPF para: a) suspender decisões judiciais nas quais se promoveram constrições patrimoniais por bloqueio, penhora, arresto, sequestro; b) determinar a sujeição da empresa estatal ao regime constitucional de precatórios; e c) determinar a imediata devolução das verbas subtraídas dos cofres públicos — e ainda em poder do Judiciário —, para as respectivas contas de que foram retiradas.