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20 de junho de 2021

É ilegal a quebra do sigilo telefônico mediante a habilitação de chip da autoridade policial em substituição ao do investigado titular da linha

 Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/06/info-696-stj.pdf


DIREITO PROCESSUAL PENAL - PROVAS: É ilegal a quebra do sigilo telefônico mediante a habilitação de chip da autoridade policial em substituição ao do investigado titular da linha 

A Lei nº 9.296/96 não autoriza a suspensão do serviço telefônico ou do fluxo da comunicação telemática mantida pelo usuário, tampouco a substituição do investigado e titular da linha por agente indicado pela autoridade policial. STJ. 6ª Turma. REsp 1.806.792-SP, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 11/05/2021 (Info 696). 

A situação concreta, com adaptações, foi a seguinte: 

A Polícia Federal requereu ao Juiz Federal, com base na Lei nº 9.296/96, a quebra de sigilo telefônico para que fosse decretada a interceptação de determinados terminais telefônicos, mediante a habilitação temporária de SIMCARDS* (chips) indicados pela autoridade policial, em substituição às linhas do investigado. * SIMCARD: card = cartão em inglês; “SIM” é a sigla da expressão inglesa “Subscriber Identity Module”, que significa módulo de identificação do assinante (comumente conhecido no Brasil como “chip”). 

Explicando de forma mais simples: é como se a “linha telefônica” de cada investigado fosse redirecionada para aparelhos telefônicos em poder da polícia. Assim, por exemplo, quando alguém ligasse para um dos investigados, essa chamada iria ser redirecionada para um aparelho de celular que estaria na posse de algum policial. Além disso, os policiais teriam acesso, em tempo real, aos dados enviados aos telefones dos investigados, como as chamadas recebidas e as mensagens criptografadas enviadas através de aplicativos de troca instantânea de conteúdo, como WhatsApp e Telegram, aos telefones dos investigados. Seria possível, inclusive, que a autoridade policial acessasse o “backup” das conversas trocadas nesses programas. A medida pretendida pela autoridade policial englobava, portanto: a) o fluxo das comunicações (a polícia teria acesso às mensagens e ligações dos investigados, instantaneamente); e também b) os “dados” contidos nos celulares dos investigados (histórico das conversas e ligações). Era, então, um misto de interceptação telefônica e acesso à base na qual se encontram os dados. O pedido foi deferido pelo juiz. A operadora de telefonia impetrou mandado de segurança contra a decisão alegando que a medida deferida não tem amparo na lei e que houve uma interferência direta na prestação do serviço público prestado pela concessionária. A ordem foi concedida pelo TRF da 3ª Região. O MPF interpôs recurso especial ao STJ defendendo a legalidade da decisão judicial. 

Antes de adentrar ao mérito do caso, indaga-se: a empresa de telefonia possuía legitimidade para impetrar mandado de segurança neste caso, mesmo envolvendo direito de terceiros (investigados)? 

A empresa de telefonia possuía, sim, legitimidade, no entanto, neste caso, ela não está diretamente defendendo interesse dos investigados, mas sim direito próprio de não sofrer interferência indevida no serviço público que ela presta. Assim, a legitimidade ativa da empresa de telefonia foi reconhecida não para proteger direito dos usuários das linhas telefônicas que seriam prejudicados com a “interceptação telefônica”, mas sim para discutir a ausência de lei específica que amparasse a ordem judicial que determinou uma interferência direta na própria prestação do serviço público pela concessionária. 

A tese do MPF foi acolhida pelo STJ? A quebra do sigilo telefônico mediante a habilitação de chip da autoridade policial em substituição ao do investigado está autorizada pela Lei nº 9.296/96? A prova colhida dessa maneira seria considerada válida? NÃO. 

É ilegal a quebra do sigilo telefônico mediante a habilitação de chip da autoridade policial em substituição ao do investigado titular da linha. STJ. 6ª Turma. REsp 1.806.792-SP, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 11/05/2021 (Info 696). 

A Lei nº 9.296/96 não autoriza a suspensão do serviço telefônico ou do fluxo da comunicação telemática mantida pelo usuário, tampouco a substituição do investigado e titular da linha por agente indicado pela autoridade policial. A decisão judicial que deferiu o pedido da autoridade policial permitiu a utilização de chip, em substituição ao do aparelho celular do usuário investigado, “pelo prazo de 15 (quinze) dias e a critério da autoridade policial, em horários previamente indicados, inclusive de madrugada." Se a operadora de telefonia não tivesse discordado da decisão judicial, o agente investigador, a critério da autoridade policial, teria acesso ilimitado e em tempo real a todas as chamadas e mensagens, inclusive via WhatsApp. Isso possibilitaria, inclusive, que os policiais enviassem mensagens ou excluíssem o conteúdo das mensagens, sem deixar vestígios, já que a operadora não armazena em nenhum servidor o teor das conversas dos usuários. 

Qual a diferença entre a interceptação telefônica autorizada pela lei e o acesso à linha telefônica e aos dados do investigado da forma como determinado no caso concreto? 

Na interceptação telefônica o agente investigador atua apenas como observador das conversas entre o interceptado e terceiros. Por outro lado, na troca do chip habilitado, o agente investigador atua como efetivo participante das conversas, já que é possível a interação direta com os interlocutores, bem como o envio de mensagens a qualquer contato do interceptado. Além disso, seria possível, ainda, excluir, com total liberdade, e sem deixar vestígios, as mensagens enviadas pelo WhatsApp. E, nesse interregno, o investigado permaneceria com todos seus serviços de telefonia suspensos. Assim, considerando que a interceptação telefônica e telemática deve se dar nos estritos limites da lei, por se tratar de providência que excepciona a garantia constitucional à inviolabilidade das comunicações (art. 5º, XII, da CF/88), não é possível interpretação extensiva com a finalidade de alargar as hipóteses nela previstas ou de criar procedimento diverso dos por ela autorizados. 

O caso acima se assemelha a outro julgado do STJ envolvendo espelhamento de conversas do WhatsApp Web. Relembre abaixo: 

É nula decisão judicial que autoriza o espelhamento do WhatsApp para que a Polícia acompanhe as conversas do suspeito pelo WhatsApp Web. 

É nula decisão judicial que autoriza o espelhamento do WhatsApp via Código QR para acesso no WhatsApp Web. Também são nulas todas as provas e atos que dela diretamente dependam ou sejam consequência, ressalvadas eventuais fontes independentes. Não é possível aplicar a analogia entre o instituto da interceptação telefônica e o espelhamento, por meio do WhatsApp Web, das conversas realizadas pelo aplicativo WhatsApp. STJ. 6ª Turma. RHC 99735-SC, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 27/11/2018 (Info 640)

5 de junho de 2021

É ilegal a quebra do sigilo telefônico mediante a habilitação de chip da autoridade policial em substituição ao do investigado titular da linha.

 REsp 1.806.792-SP, Rel. Min. Laurita Vaz, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 11/05/2021.

Quebra de sigilo telefônico e telemático. Ordem de habilitação de SIMCARD (chip) da autoridade policial em substituição ao do titular da linha. Procedimento ilegal.

É ilegal a quebra do sigilo telefônico mediante a habilitação de chip da autoridade policial em substituição ao do investigado titular da linha.

A controvérsia refere-se à validade do pedido de quebra de sigilo telefônico e telemático em que se determinou a interceptação de determinados terminais telefônicos mediante a habilitação temporária de SIMCARDS indicados pela autoridade policial em substituição às linhas do investigado.

A Lei n. 9.296/1996 - que regulamenta o inciso XII, parte final, do art. 5.º da Constituição Federal - trata da interceptação de comunicações telefônicas de qualquer natureza para prova em investigação criminal e em instrução processual penal, inclusive do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática, disciplinando os limites dessa ingerência estatal na esfera de direitos fundamentais dos indivíduos.

Na situação em análise, o acórdão recorrido foi preciso ao concluir que "não se trata do procedimento previsto na Lei n. 9.296/96, que não autoriza a suspensão do serviço telefônico ou do fluxo da comunicação telemática mantida pelo usuário, tampouco a substituição do alvo da investigação e titular da linha por agente indicado pela autoridade policial".

De fato, a ordem judicial, endereçada à concessionária de telefonia, consistiu na determinação de viabilizar à autoridade policial a utilização de "SIMCARD" (cartão "SIM", sigla em inglês da expressão Subscriber Identity Module - módulo de identificação do assinante -, comumente referido no Brasil como "chip"), em substituição ao do aparelho celular do usuário investigado, "pelo prazo de 15 (quinze) dias e a critério da autoridade policial, em horários previamente indicados, inclusive de madrugada."

Pretendeu-se que a operadora de telefonia, quando acionada, habilitasse o chip do agente investigador, em substituição ao do usuário, a critério da autoridade policial, que teria pleno acesso, em tempo real, às chamadas e mensagens transmitidas para a linha originária, inclusive via WhatsApp. Ora, esse procedimento, claramente, não encontra respaldo nos artigos da lei que disciplina a interceptação telefônica, além de gerar insuperáveis inconvenientes, para dizer o mínimo.

Isso porque, a ação, se implementada, permitiria aos investigadores acesso irrestrito a todas as conversas por meio do WhatsApp, inclusive com a possibilidade de envio de novas mensagens e a exclusão de outras. Se não bastasse, eventual exclusão de mensagem enviada ou de mensagem recebida não deixaria absolutamente nenhum vestígio e, por conseguinte, não poderia jamais ser recuperada para servir de prova em processo penal, tendo em vista que, em razão da própria característica do serviço, feito por meio de encriptação ponta-a-ponta, a operadora não armazena em nenhum servidor o conteúdo das conversas dos usuários.

Há relevantes diferenças entre como se daria a quebra do sigilo telefônico e telemático, em conformidade com a lei de regência, e a forma de acesso e intervenção na linha telefônica e nos dados do investigado da forma como determinada no caso em exame.

Com efeito, ao contrário da interceptação telefônica, no âmbito da qual o investigador de polícia atua como mero observador de conversas travadas entre o alvo interceptado e terceiros, na troca do chip habilitado, o agente do estado tem a possibilidade de atuar como participante das conversas, podendo interagir diretamente com seus interlocutores, enviando novas mensagens a qualquer contato inserido no celular, além de poder também excluir, com total liberdade, e sem deixar vestígios, as mensagens no WhatsApp. E, nesse interregno, o usuário ficaria com todos seus serviços de telefonia suspensos.

Dessa forma, mostra-se irretocável a conclusão do Tribunal de origem, no sentido de que, "[t]ratando-se de providência que excepciona a garantia à inviolabilidade das comunicações, a interceptação telefônica e telemática deve se dar nos estritos limites da lei, não sendo possível o alargamento das hipóteses previstas ou a criação de procedimento diverso."