RECURSO ESPECIAL Nº 1.925.492 - RJ (2021/0062376-6)
RELATOR : MINISTRO HERMAN BENJAMIN
RECORRENTE : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
RECORRIDO : MARIA DA CONCEIÇÃO CALDAS RABHA
ADVOGADO : GABRIEL BORSOTTO THODE - RJ189146
EMENTA
PROCESSUAL CIVIL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. DECISÃO
INTERLOCUTÓRIA QUE INDEFERE PEDIDO DE DEPOIMENTO
PESSOAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CABIMENTO.
PREVALÊNCIA DE PREVISÃO CONTIDA NA LEI DA AÇÃO POPULAR
SOBRE O ARTIGO 1.015 DO CPC/2015. MICROSSISTEMA DE TUTELA
COLETIVA.
HISTÓRICO DA DEMANDA
1. Na origem, trata-se de Ação por Improbidade na qual se narra que a então
Prefeita de Angra dos Reis/RJ teria deixado de repassar à entidade de
previdência dos servidores municipais as contribuições previdenciárias
descontadas de seus vencimentos, o que teria resultado na apropriação indébita,
entre Janeiro e Dezembro de 2016, da quantia de R$ 15.514.884,41 (quinze
milhões e quinhentos e quatorze mil e oitocentos e oitenta e quatro reais e
quarenta e um centavos), atualizado até fevereiro de 2017. Em valores
atualizados: R$ 23.590.184,71 (vinte e três milhões, quinhentos e noventa mil,
cento e oitenta e quatro reais e setenta e um centavos).
2. O Juízo de primeiro grau indeferiu o pedido de depoimento pessoal da ré, o que
resultou na interposição de Agravo de Instrumento.
3. O acordão ora recorrido não conheceu do Recurso, sob o fundamento de que
seria "inaplicável na hipótese o disposto no artigo 19, parágrafo 1º da Lei nº
4.717/65, já que se refere às Ações Populares" e "a Decisão hostilizada não se
enquadra no rol taxativo do artigo 1.015 do Código de Processo Civil" (fls. 48-49,
e-STJ).
PREVALÊNCIA DO MICROSSISTEMA DE TUTELA COLETIVA
SOBRE NORMAS INCOMPATÍVEIS PREVISTAS NA LEI GERAL
4. Esse entendimento contraria a orientação, consagrada no STJ, de que "O
Código de Processo Civil deve ser aplicado somente de forma subsidiária à Lei
de Improbidade Administrativa. Microssistema de tutela coletiva" (REsp
1.217.554/SP, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 22.8.2013).
5. Na mesma direção: "Os arts. 21 da Lei da Ação Civil Pública e 90 do CDC,
como normas de envio, possibilitaram o surgimento do denominado Microssistema
ou Minissistema de proteção dos interesses ou direitos coletivos amplo senso, no
qual se comunicam outras normas, como o Estatuto do Idoso e o da Criança e do
Adolescente, a Lei da Ação Popular, a Lei de Improbidade Administrativa e
outras que visam tutelar direitos dessa natureza, de forma que os instrumentos e
institutos podem ser utilizados com o escopo de 'propiciar sua adequada e efetiva
tutela'" (art. 83 do CDC)" (REsp 695.396/RS, Primeira Turma, Rel. Ministro
Arnaldo Esteves Lima, DJe 27.4.2011).
6. Deve-se aplicar à Ação por Improbidade o mesmo entendimento já adotado
em relação à Ação Popular, como sucedeu, entre outros, no seguinte precedente:
"A norma específica inserida no microssistema de tutela coletiva, prevendo a impugnação de decisões interlocutórias mediante agravo de instrumento (art. 19
da Lei n. 4.717/65), não é afastada pelo rol taxativo do art. 1.015 do CPC/2015,
notadamente porque o inciso XIII daquele preceito contempla o cabimento
daquele recurso em 'outros casos expressamente referidos em lei'" (AgInt no
REsp 1.733.540/DF, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, DJe
4.12.2019). Na mesma direção: REsp 1.452.660/ES, Rel. Ministro Og Fernandes,
Segunda Turma, DJe 27.4.2018.
CONCLUSÃO
7. A ideia do microssistema de tutela coletiva foi concebida com o fim de
assegurar a efetividade da jurisdição no trato dos direitos coletivos, razão
pela qual a previsão do artigo 19, § 1º, da Lei da Ação Popular ("Das
decisões interlocutórias cabe agravo de instrumento") se sobrepõe,
inclusive nos processos de improbidade, à previsão restritiva do artigo
1.015 do CPC/2015. 8. Recurso Especial provido, com determinação de o Tribunal de origem conheça
do Agravo de Instrumento interposto pelo Ministério Público do Estado do Rio de
Janeiro e o decida como entender de direito.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça: ""A Turma, por
unanimidade, deu provimento ao recurso, nos termos do voto do(a) Sr(a).
Ministro(a)-Relator(a)." Os Srs. Ministros Og Fernandes, Mauro Campbell Marques,
Assusete Magalhães e Francisco Falcão votaram com o Sr. Ministro Relator."
Brasília, 04 de maio de 2021(data do julgamento).
MINISTRO HERMAN BENJAMIN
Relator RECURSO ESPECIAL Nº 1.925.492 - RJ (2021/0062376-6)
RELATOR : MINISTRO HERMAN BENJAMIN
RECORRENTE : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
RECORRIDO : MARIA DA CONCEIÇÃO CALDAS RABHA
ADVOGADO : GABRIEL BORSOTTO THODE - RJ189146
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO HERMAN BENJAMIN (Relator): Trata-se
de Recurso Especial interposto, com fundamento no art. 105, III, "a", da Constituição da
República, contra acórdão assim ementado:
Agravo de Instrumento – Ação Civil Pública por Ato de
Improbidade Administrativa – Decisão que indeferiu a produção da prova oral
consubstanciada no depoimento pessoal da ré.
A análise sobre a admissibilidade recursal deve se orientar pela
disciplina do Código de Processo Civil ora vigente; assim sendo, forçoso se
reconheça que a matéria versada no recurso sub examine - qual seja, produção
de prova oral consubstanciada no depoimento pessoal da ré - não se enquadra no
rol taxativo do artigo 1.015 do sobredito diploma legal.
Ausência de preclusão da matéria, que poderá ser reiterada na
forma do artigo 1.009, parágrafo 1º do Código de Processo Civil.
Diferentemente do que procura fazer crer o agravante inaplicável
na hipótese o disposto no artigo 19, parágrafo 1º da Lei nº 4.717/65, já que se
refere às Ações Populares – Não conhecimento do Agravo de Instrumento.
Os Embargos de Declaração foram rejeitados (fls. 75-81, e-STJ).
O recorrente aponta ofensa aos artigos 489, § 1°, IV, 1.015 e 1.022, parágrafo
único, II, do CPC; 19, da Lei n° 4.717/1965; 21, da Lei 7.347/1985 e 90, do CDC.
Não houve contrarrazões (fl. 121, e-STJ).
O Ministério Público Federal opinou pelo provimento do Recurso Especial (fls.
159-165, e-STJ).
É o relatório. RECURSO ESPECIAL Nº 1.925.492 - RJ (2021/0062376-6)
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO HERMAN BENJAMIN (Relator): Os autos
foram recebidos neste Gabinete em 8 de abril de 2021.
Na origem, trata-se de Ação por Improbidade na qual se narra que a então
Prefeita de Angra dos Reis/RJ deixou de repassar à entidade de previdência dos servidores
municipais as contribuições previdenciárias descontadas de seus vencimentos, apropriação
indébita, realizada entre Janeiro de 2016 e Dezembro de 2016, da quantia de R$
15.514.884,41 (quinze milhões e quinhentos e quatorze mil e oitocentos e oitenta e quatro
reais e quarenta e um centavos), atualizado até fevereiro de 2017.
O Juízo de primeiro grau indeferiu o pedido de depoimento pessoal da ré, o que
resultou na interposição de Agravo de Instrumento. O acórdão recorrido não conheceu do
Recurso, sob o fundamento de que seria "inaplicável na hipótese o disposto no artigo 19,
parágrafo 1º da Lei nº 4.717/65, já que se refere às Ações Populares" e "a Decisão hostilizada
não se enquadra no rol taxativo do artigo 1.015 do Código de Processo Civil" (fls. 48-49,
e-STJ).
Esse entendimento contraria a orientação, consagrada no STJ, de que "O
Código de Processo Civil deve ser aplicado somente de forma subsidiária à Lei de
Improbidade Administrativa. Microssistema de tutela coletiva" (REsp 1.217.554/SP, Rel.
Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 22.8.2013).
A ideia do microssistema de tutela coletiva foi concebida com o fim de
assegurar a efetividade da jurisdição no trato dos direitos coletivos, razão pela qual a previsão
do artigo 19, § 1º, da Lei da Ação Popular ("Das decisões interlocutórias cabe agravo de
instrumento") se sobrepõe, inclusive nos processos de improbidade, à previsão restritiva do
artigo 1.015 do CPC/2015.
Nesse sentido: "Os arts. 21 da Lei da Ação Civil Pública e 90 do CDC, como
normas de envio, possibilitaram o surgimento do denominado Microssistema ou Minissistema de proteção dos interesses ou direitos coletivos amplo senso, no qual se comunicam outras
normas, como o Estatuto do Idoso e o da Criança e do Adolescente, a Lei da Ação Popular,
a Lei de Improbidade Administrativa e outras que visam tutelar direitos dessa natureza, de
forma que os instrumentos e institutos podem ser utilizados com o escopo de 'propiciar sua
adequada e efetiva tutela'" (REsp 695.396/RS, Primeira Turma, Rel. Ministro Arnaldo Esteves
Lima, DJe 27.4.2011).
Confira-se, ainda:
PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO POPULAR. DECISÃO
DECLINATÓRIA DA COMPETÊNCIA. AGRAVO DE INSTRUMENTO.
CABIMENTO. MICROSSISTEMA DE DIREITO COLETIVO. PRESTÍGIO.
1. Conforme estabelecido pelo Plenário do STJ, "aos recursos
interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a
partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade
recursal na forma do novo CPC" (Enunciado Administrativo n. 3).
2. A discussão travada nos presentes autos consiste em saber se é
cabível agravo de instrumento, no bojo de ação popular, contra decisão que
declinou da competência.
3. O aresto distrital não conheceu do recurso por entender que o
art. 1.015 do CPC/2015 elenca um rol taxativo de hipóteses de cabimento do
agravo de instrumento.
4. A despeito de inaplicável a tese fixada pela Corte Especial, sob
a sistemática de recursos representativos, acerca da taxatividade mitigada do rol
do art. 1.015 do CPC/2015 (REsps n. 1.696.396/MT e 1.704.520/MT - DJe
19/12/2018), posto que a decisão agravada na origem é anterior à publicação
daquele paradigma, o caso guarda peculiaridade, porquanto o art. 19, § 1º, da Lei
da Ação Popular traz previsão expressa de que "das decisões interlocutórias cabe
agravo de instrumento." 5. O Superior Tribunal de Justiça tem entendido que as
disposições do Código de Processo Civil aplicam-se de forma subsidiária às
normas insertas nos diplomas que compõem o microssistema de tutela dos
interesses ou direitos coletivos (composto pela Lei da Ação Popular, Lei da Ação
Civil Pública, Lei de Improbidade Administrativa, Mandado de Segurança
Coletivo, Código de Defesa do Consumidor e Estatuto da Criança e do
Adolescente) e, em algumas situações, tem feito prevalecer a norma especial em
detrimento da geral (REsp 1452660/ES, Rel. Ministro OG FERNANDES,
SEGUNDA TURMA, julgado em 19/10/2017, DJe 27/04/2018).
6. A norma específica inserida no microssistema de tutela
coletiva, prevendo a impugnação de decisões interlocutórias mediante
agravo de instrumento (art. 19 da Lei n. 4.717/65), não é afastada pelo rol
taxativo do art. 1.015 do CPC/2015, notadamente porque o inciso XIII
daquele preceito contempla o cabimento daquele recurso em "outros
casos expressamente referidos em lei". 7. Agravo interno provido para anular o aresto recorrido e
determinar que o Tribunal a quo examine o agravo de instrumento ali interposto, como entender de direito.
(AgInt no REsp 1.733.540/DF, Rel. Ministro Gurgel de Faria,
Primeira Turma, DJe 4.12.2019, negritado).
ADMINISTRATIVO. PROCESSO CIVIL. IMPROBIDADE
ADMINISTRATIVA. INCLUSÃO SUPERVENIENTE DE PESSOA
JURÍDICA NO POLO PASSIVO DA DEMANDA. PRESCRIÇÃO.
AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. ADITAMENTO DA INICIAL.
ANUÊNCIA DOS DEMAIS CORRÉUS. DESNECESSIDADE.
1. Não há exame da tese veiculada no apelo especial, no tocante à
necessidade de o art. 219, § 1º, do Código de Processo Civil/1973 ser interpretado
em conjunto com o art. 202, I, do Código Civil. O Tribunal a quo, em nenhum
momento, emitiu juízo de valor sobre a alegativa de que o equívoco do Ministério
Público em não requerer a oportuna notificação dos réus para a apresentação da
defesa prévia impossibilitaria a interrupção do marco prescritivo. Aplica-se, nesse
particular, os óbices das Súmulas 282 e 356 do STF.
2. A jurisprudência do STJ pacificou orientação de que o Código
de Processo Civil só se aplica de forma subsidiária ao microssistema de tutela
coletiva, desde que não afronte os princípios do processo coletivo. Nesse sentido:
REsp 1.217.554/SP, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em
15/8/2013, DJe 22/8/2013.
3. O princípio da estabilidade da demanda não pode ser utilizado,
de maneira absoluta, como óbice ao aditamento da inicial da ação de improbidade
administrativa, especialmente quando ainda não foi prolatado o despacho
saneador, devendo-se aplicar, no caso, o disposto no art. 264, parágrafo único, do
CPC/1973.
4. No que se refere à indigitada violação do art. 294 do CPC/1973 - ante a ausência de consentimento dos demais litisconsortes com a inclusão de
novo réu após a citação -, o dispositivo processual não se aplica na hipótese, por
facultar a transação processual, o que se contrapõe à natureza indisponível do
interesse tutelado na ação de improbidade administrativa, mormente quando
engloba pretensão de ressarcimento ao erário.
5. Recurso especial conhecido em parte e, nessa extensão, não
provido.
(REsp 1.452.660/ES, Rel. Ministro Og Fernandes, Segunda
Turma, DJe 27.4.2018)
Ante o exposto, dou provimento ao Recurso Especial, com
determinação de que o Tribunal de origem conheça do Agravo de Instrumento
interposto pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro e decida como
entender de direito. É como voto. CERTIDÃO DE JULGAMENTO
SEGUNDA TURMA
Número Registro: 2021/0062376-6 PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.925.492 / RJ
Números Origem: 0017047-55.2018.8.19.0000 00170475520188190000 170475520188190000 202025113557
PAUTA: 04/05/2021 JULGADO: 04/05/2021
Relator
Exmo. Sr. Ministro HERMAN BENJAMIN
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro HERMAN BENJAMIN
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. MARIO LUIZ BONSAGLIA
Secretária
Bela. VALÉRIA RODRIGUES SOARES
AUTUAÇÃO
RECORRENTE : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
RECORRIDO : MARIA DA CONCEIÇÃO CALDAS RABHA
ADVOGADO : GABRIEL BORSOTTO THODE - RJ189146
ASSUNTO: DIREITO ADMINISTRATIVO E OUTRAS MATÉRIAS DE DIREITO PÚBLICO - Atos
Administrativos - Improbidade Administrativa
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia SEGUNDA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na
sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
"A Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso, nos termos do voto do(a)
Sr(a). Ministro(a)-Relator(a)."
Os Srs. Ministros Og Fernandes, Mauro Campbell Marques, Assusete Magalhães e
Francisco Falcão votaram com o Sr. Ministro Relator.