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20 de agosto de 2021

Filigrana doutrinária: Sylvio Capanema de Souza - Prestação de Contas na locação

"A cobrança das despesas ordinárias de condomínio, elencadas no § 1 º, depende da comprovação, a ser feita pelo locador ou sublocador, da previsão orçamentária do condomínio e do rateio. Não bastam a previsão e o rateio. É preciso, ainda, que o locador comprove o pagamento, exibindo, quando solicitado pelo locatário, os respectivos recibos. Tais documentos deverão ser solicitados pelo locador ao síndico ou à administradora do edifício, que ficam também obrigados a fornecê-los. Diante da recusa do locador em exibir os documentos comprobatórios das despesas ordinárias, poderá o locatário valer-se da medida cautelar de exibição de documentos, sem prejuízo da consignação judicial do aluguel e dos encargos. Os síndicos e administradores de condomínio passam a ter maior responsabilidade perante os condôminos que são locadores, estando sempre prontos para lhes fornecer cópias das previsões orçamentárias, das atas das assembleias, dos rateias, da utilização do fundo de reserva, para que sejam exibidas aos locatários, viabilizando sua cobrança. A disposição é excelente e oportuna, já que muitos locadores cobram tais despesas aleatoriamente, sem qualquer comprovação, usando-as como uma forma oblíqua para aumentar os aluguéis, que consideram defasados. Têm, agora, os locatários um poderoso e eficiente instrumento para se defender de tão censurável comportamento, condicionando o pagamento destas verbas à exibição dos comprovantes. Diz a lei que a exibição pode ser exigida a qualquer tempo, ou seja, mesmo depois do pagamento. Nesta hipótese, verificando-se que houve cobrança excessiva ou indevida, poderá o locatário recuperar o que pagou, pela via da ação de repetição de indébito. Por isso, é recomendável que os locadores conservem tais documentos, pelo menos pelo prazo de cinco anos, quando se opera, então, a prescrição". 

SOUZA, Sylvio Capanema de. A Lei do Inquilinato Comentada. 8ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2012, p. 135/136.

8 de agosto de 2021

O genitor pode propor ação de prestação de contas em face do outro genitor relativamente aos valores decorrentes de pensão alimentícia

 Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/07/info-699-stj.pdf


ALIMENTOS - O genitor pode propor ação de prestação de contas em face do outro genitor relativamente aos valores decorrentes de pensão alimentícia 

O Código Civil prevê que, após cessar a coabitação dos genitores pela dissolução da sociedade conjugal, os pais continuam com o dever de sustentar os filhos. O pai ou da mãe que não ficar na companhia dos filhos cumprirá esse dever por meio da prestação de alimentos (art. 1.703). Por outro lado, o pai ou a mãe que não ficar com a guarda do filho tem o direito-dever de fiscalizar a manutenção e a educação de sua prole (art. 1.589). O poder-dever fiscalizatório do genitor que não detém a guarda com exclusividade tem por objetivo evitar que ocorram abusos e desvios de finalidade no que tange à administração da pensão alimentícia. Para isso, esse genitor poderá verificar se as despesas e gastos estão sendo realizados para manutenção e educação da prole. STJ. 4ª Turma. REsp 1.911.030-PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 01/06/2021 (Info 699). 

Imagine a seguinte situação hipotética: 

João é pai de Lucas (5 anos). Todos os meses, ele paga R$ 15 mil de pensão alimentícia ao filho, que reside com a mãe da criança (Letícia), ex-esposa de João. Essa situação já perdura há 2 anos. Determinado dia, João ingressou com ação de exigir contas (“ação de prestação de contas”) contra Letícia pedindo para que seja informado como está sendo empregada a pensão alimentícia paga a seu filho. 

Esse pedido é admitido pela jurisprudência? Existe viabilidade jurídica na ação de exigir contas ajuizada pelo alimentante contra a guardiã do menor/alimentado para obtenção de informações acerca da destinação da pensão paga mensalmente? SIM. 

O genitor pode propor ação de prestação de contas em face do outro genitor relativamente aos valores decorrentes de pensão alimentícia. STJ. 4ª Turma. REsp 1.911.030-PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 01/06/2021 (Info 699). 

O Código Civil prevê que, após cessar a coabitação dos genitores pela dissolução da sociedade conjugal, os pais continuam com o dever de sustentar os filhos. O pai ou da mãe que não ficar na companhia dos filhos cumprirá esse dever por meio da prestação de alimentos. Nesse sentido: 

Art. 1.703. Para a manutenção dos filhos, os cônjuges separados judicialmente contribuirão na proporção de seus recursos. 

Por outro lado, o pai ou a mãe que não ficar com a guarda do filho tem o direito-dever de fiscalizar a manutenção e a educação de sua prole: 

Art. 1.589. O pai ou a mãe, em cuja guarda não estejam os filhos, poderá visitá-los e tê-los em sua companhia, segundo o que acordar com o outro cônjuge, ou for fixado pelo juiz, bem como fiscalizar sua manutenção e educação. 

O poder-dever fiscalizatório do genitor que não detém a guarda com exclusividade tem por objetivo evitar que ocorram abusos e desvios de finalidade no que tange à administração da pensão alimentícia. Para isso, esse genitor poderá verificar se as despesas e gastos estão sendo realizados para manutenção e educação da prole. Esse poder-dever fiscalizatório pode ser exercido por meio da ação de exigir contas. A ação de exigir contas propicia que os valores alimentares sejam melhor conduzidos, bem como previne intenções maliciosas de desvio dessas importâncias para finalidades totalmente alheias aos interesses do menor. O objetivo precípuo da prestação de contas é o exercício do direito-dever de fiscalização com vistas a - havendo sinais do mau uso dos recursos pagos a título de alimentos ao filho menor - apurar a sua efetiva ocorrência, o que, se demonstrado, pode dar azo a um futuro processo para suspensão ou extinção do poder familiar do ascendente guardião (art. 1.637 c/c com o art. 1.638 do CC/2002). Vale ressaltar, inclusive, que a Lei nº 13.058/2014 incluiu o § 5º ao art. 1.583 do CC/2002, prevendo expressamente a viabilidade da propositura da ação de prestação de contas pelo alimentante com o intuito de supervisionar a aplicação dos valores da pensão alimentícia em prol das necessidades dos filhos: 

Art. 1.583 (...) § 5º A guarda unilateral obriga o pai ou a mãe que não a detenha a supervisionar os interesses dos filhos, e, para possibilitar tal supervisão, qualquer dos genitores sempre será parte legítima para solicitar informações e/ou prestação de contas, objetivas ou subjetivas, em assuntos ou situações que direta ou indiretamente afetem a saúde física e psicológica e a educação de seus filhos. 

Segundo explica Rolf Madaleno, o § 5º do art. 1.583 do CC: “(...) consagra a possibilidade sempre negada pela jurisprudência brasileira da ação de prestação de contas do pagamento da pensão alimentícia, atribuindo, expressamente, legitimidade ativa ao genitor não guardião para solicitar informações ou prestação de contas sobre assuntos ou situações que reflitam sobre a saúde física e psicológica e educação dos filhos e, obviamente, neste espectro de incidências, a pensão alimentícia se apresenta como fundamental direito a ser fiscalizado, pois ainda que os alimentos não possam ser restituídos, ao menos a readequação dos fatos pode ser redirecionada.” (MADALENO, Rolf. (Direito de Família. 10ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2020, p. 1.023). 

Em suma: O genitor pode propor ação de prestação de contas em face do outro genitor relativamente aos valores decorrentes de pensão alimentícia. STJ. 4ª Turma. REsp 1.911.030-PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 01/06/2021 (Info 699). 

O STJ já havia decidido em sentido parecido há pouco tempo: 

O alimentante não-guardião tem o direito de averiguar se os valores que paga a título de pensão alimentícia estão sendo realmente dirigidos ao beneficiário e voltados ao pagamento de suas despesas e ao atendimento dos seus interesses básicos fundamentais. Essa possibilidade decorre do exercício pleno do poder familiar e tem previsão expressa no § 5º do art. 1.583 do CC: § 5º A guarda unilateral obriga o pai ou a mãe que não a detenha a supervisionar os interesses dos filhos, e, para possibilitar tal supervisão, qualquer dos genitores sempre será parte legítima para solicitar informações e/ou prestação de contas, objetivas ou subjetivas, em assuntos ou situações que direta ou indiretamente afetem a saúde física e psicológica e a educação de seus filhos. Vale ressaltar, no entanto, que o legítimo interesse processual em ação dessa natureza é exclusivamente a finalidade protetiva da criança ou do adolescente beneficiário dos alimentos, diante da sua possível malversação. Esta ação não pode buscar eventual acertamento de contas, perseguições ou picuinhas com a(o) guardiã(ao), ficando vedada a possibilidade de apuração de créditos ou preparação de revisional pois os alimentos são irrepetíveis. STJ. 3ª Turma. REsp 1814639-RS, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Rel. Acd. Min. Moura Ribeiro, julgado em 26/05/2020 (Info 673).

 

Filigrana doutrinária: Ação de Prestação de Contas e Crédito alimentar (Rolf Madaleno)

 “(...) consagra a possibilidade sempre negada pela jurisprudência brasileira da ação de prestação de contas do pagamento da pensão alimentícia, atribuindo, expressamente, legitimidade ativa ao genitor não guardião para solicitar informações ou prestação de contas sobre assuntos ou situações que reflitam sobre a saúde física e psicológica e educação dos filhos e, obviamente, neste espectro de incidências, a pensão alimentícia se apresenta como fundamental direito a ser fiscalizado, pois ainda que os alimentos não possam ser restituídos, ao menos a readequação dos fatos pode ser redirecionada.” 

MADALENO, Rolf. Direito de Família. 10ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2020, p. 1.023. 

8 de junho de 2021

O genitor pode propor ação de prestação de contas em face do outro genitor relativamente aos valores decorrentes de pensão alimentícia.

 REsp 1.911.030-PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 01/06/2021

Pensão alimentícia. Filhos menores. Direito-dever de fiscalização. Ação de prestação de contas. Possibilidade.

O genitor pode propor ação de prestação de contas em face do outro genitor relativamente aos valores decorrentes de pensão alimentícia.


Com o inequívoco objetivo de proteção aos filhos menores, o legislador civil preconiza que, cessando a coabitação dos genitores pela dissolução da sociedade conjugal, o dever de sustento oriundo do poder familiar resolve-se com a prestação de alimentos por aquele que não ficar na companhia dos filhos (art. 1.703 do CC/2002), cabendo-lhe, por outro lado, o direito-dever de fiscalizar a manutenção e a educação de sua prole (Art. 1.589 do CC/2202).

O poder-dever fiscalizatório do genitor que não detém a guarda com exclusividade visa, de forma imediata, à obstrução de abusos e desvios de finalidade quanto à administração da pensão alimentícia, sobretudo mediante verificação das despesas e gastos realizados para manutenção e educação da prole, tendo em vista que, se as importâncias devidas a título de alimentos tiverem sido fixadas em prol somente dos filhos, estes são seus únicos beneficiários.

Nesse contexto, a ação de exigir contas propicia que os valores alimentares sejam melhor conduzidos, bem como previne intenções maliciosas de desvio dessas importâncias para finalidades totalmente alheias àquelas da pessoa à qual deve ser destinada, encartando também um caráter de educação do administrador para conduzir corretamente os negócios dos filhos menores, não se deixando o monopólio do poder de gerência desses valores nas mãos do ascendente guardião.

O objetivo precípuo da prestação de contas é o exercício do direito-dever de fiscalização com vistas a - havendo sinais do mau uso dos recursos pagos a título de alimentos ao filho menor - apurar a sua efetiva ocorrência, o que, se demonstrado, pode dar azo a um futuro processo para suspensão ou extinção do poder familiar do ascendente guardião (art. 1.637 combinado com o art. 1.638 do CC/2002).

Por fim, a Lei n. 13.058/2014, que incluiu o § 5º ao art. 1.583 do CC/2002, positivou a viabilidade da propositura da ação de prestação de contas pelo alimentante com o intuito de supervisionar a aplicação dos valores da pensão alimentícia em prol das necessidades dos filhos.

9 de maio de 2021

REsp 1.707.014/MT: Na vigência do CPC/2015, remanesce o interesse de agir do inventariante na ação de prestação de contas, mantido o caráter dúplice da demanda.

 REsp 1.707.014/MT, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 02/03/2021 

Ação de prestação de contas. Interesse de agir do inventariante. Natureza dúplice da demanda. CPC/2015.

Na vigência do CPC/2015, remanesce o interesse de agir do inventariante na ação de prestação de contas, mantido o caráter dúplice da demanda.


A ação de prestação de contas tem por escopo aclarar o resultado da administração de negócios alheios (apuração da existência de saldo credor ou devedor) e, sob a regência do CPC de 1973, ostentava caráter dúplice quanto à sua propositura, podendo ser deduzida tanto por quem tivesse o dever de prestar contas quanto pelo titular do direito de exigi-las.

Nesse contexto, o dever de prestar contas incumbia àquele que administrava bens ou interesses alheios, ao passo que o direito de as exigir cabia àquele em favor do qual os negócios haviam sido geridos. A apuração de saldo credor, em favor de uma das partes, implicava a prolação de sentença condenatória em detrimento do devedor.

Nessa ordem de ideias, pelo novel diploma, a legitimidade ativa para propor a presente ação é apenas daquele que tem seus bens, valores ou interesses administrados por outrem, isto é, por aquele que detém a pretensão de exigir contas (CPC, art. 550). Como se percebe, o referido procedimento especial é voltado tão somente para a ação de exigir contas, ficando a pretensão de dar contas relegada ao procedimento comum.

No entanto, não se pode olvidar que a pretensão de dar contas sempre teve um procedimento mais simples, já que o autor, de plano, reconhecia o seu dever de prestar as contas, limitando-se o seu mérito a desincumbir de tal mister, recebendo a quitação ou vendo declarado eventual saldo credor/devedor em relação a ele.

Importante destacar, ademais, que embora o dever de dar contas seja único e idêntico, o regime jurídico processual da prestação de contas é diverso, a depender se a administração é legal ou contratual, notadamente em razão dos ditames do novo art. 550 do CPC, voltado às obrigações derivadas de um dever negocial de prestá-las (advogado, depositário, administrador de empresa, síndico, dentre outras), e da contrapartida ao art. 553, destinado processualmente às obrigações determinadas pela lei (inventariante, administrador da falência, tutor, curador, dentre outros).

Ademais, assim como consagrado jurisprudencialmente sob a égide do CPC de 1973, o Codex de 2015 explicitou o dever do autor de, na petição inicial, especificar, detalhadamente, as razões pelas quais exige as contas, instruindo-a com documentos comprobatórios dessa necessidade, se existirem.

São as causas de pedir remota e próxima, as quais devem ser deduzidas, obrigatoriamente, na exordial, a fim de demonstrar a existência de interesse de agir do autor.

Deveras, o inventariante é o administrador e o representante legal do espólio, incumbindo a ele prestar as primeiras e últimas declarações, exibir em cartório os documentos relativos ao espólio, juntar aos autos certidões e documentos, trazer à colação os bens recebidos pelo herdeiro ausente, renunciante ou excluído e requerer a declaração de insolvência (CPC, art. 618). Ainda, ouvidos os interessados e com autorização do juiz, alienar bens, transigir, pagar dívidas e fazer despesas necessárias para conservação e melhoramento dos bens do espólio (CPC, art. 619).

Dentre os deveres do inventariante está - e aqui é importante o destaque -, o dever de "prestar contas de sua gestão ao deixar o cargo ou sempre que o juiz lhe determinar" (CPC, art. 618, VII; CPC/73, art. 991, VII). Portanto, não pode o inventariante encerrar seu mister sem que antes apresente as contas de sua gestão. Com efeito, a atribuição do inventariante é exigência da norma, razão pela qual é obrigado a prestar contas e, por consectário lógico, o seu interesse de agir, para ajuizar a presente ação autônoma de prestação de contas, é presumido.

Não se pode olvidar que, apesar do Código de Processo prever que o incidente de prestação de contas do inventariante deve ser apresentado em apenso aos autos do inventário (CPC, art. 553), pode ocorrer a finalização do processo sucessório sem o acertamento das despesas. Além do mais, como se sabe, o inventariante pode vir, futuramente, a ser civilmente responsável pelos sonegados.

Desse modo, sobressai, nesses casos, o interesse de agir do inventariante na ação de prestação de contas pelo rito especial dos arts. 552 e 553 do CPC/2015 (e não do art. 550 do mesmo código).

Por fim, anote-se que, apesar de não ser um procedimento bifásico, a prestação de contas deve ter mantida o seu caráter dúplice, podendo haver débitos ou créditos a ser liquidados pela sentença.

8 de maio de 2021

Filigrana doutrinária: Ação de Prestação de Contas e Crédito alimentar

[...] A prestação de contas, tecnicamente falando, consiste 'no relacionamento e na documentação comprobatória de todas as receitas e de todas as despesas referentes a uma administração de bens, valores ou interesses de outrem, realizada por força de relação jurídica emergente da lei ou do contrato', sendo que seu objetivo é liquidar dito relacionamento jurídico no seu aspecto econômico (Theodoro Junior, 2012, p. 81). No caso de se querer transpor referida figura para o direito de família (e essa deve ser a hipótese, pois o legislador optou pelo uso do termo 'prestação de contas', que tem significado jurídico o se vai encontrar é que um pai não é credor do outro em face do dever de poder familiar de modo que se possa conceber o dever de prestação de contas entre eles, no sentido técnico do termo. Quando um pai exerce o poder familiar, ele não exerce a função administrando bens, valores ou interesses do outro, mas age exercendo dever que lhe é cometido por lei, diretamente relacionado ao filho e no interesse deste. Para existir a obrigação de prestar contas, há de haver uma relação material entre os sujeitos da relação, na qual se verifique 'a existência efetiva do poder daquele que se diz credor das contas de sujeitar o demandado a prestá-los' (Theodoro Junior, 2012, p. 85). Inexistente essa relação, não há que se falar em dever de prestação de contas, a despeito de o legislador ter atribuído legitimidade a qualquer dos pais para tal finalidade ('qualquer dos genitores sempre será parte legítima'). Se não há a relação de direito material, a legitimidade reconhecida pela lei é vazia, pois sem objeto. Causa espécie, ainda, a previsão de que a prestação de contas possa ser objetiva ou subjetiva, sobre assuntos ou situações que, direta ou indiretamente, afetem a saúde física e psicológica e a educação de seus filhos - uma amplitude que a torna praticamente inatingível. Questões que afetem saúde física e educação até seriam admissíveis, em tese, pois de alguma concretude. Porém, não se vislumbra como conceber uma prestação de contas subjetiva, na medida em que o subjetivo reside no âmbito psíquico e emocional, no espírito da pessoa. Não se concebe que espécie de dever subjacente residiria aqui e onde se chegaria, ao final, com a prestação de contas subjetiva. Difícil conceber a possibilidade de comprovar a ocorrência de fatos subjetivos que, de alguma forma, afetem o filho, com a respectiva relação de causa e efeito. A mesma perplexidade nos ocorre quando pensamos em assuntos (matérias, temas, conversas) ou situações (acontecimentos, oportunidades) como objeto da prestação de contas que, direta ou indiretamente, afetem a saúde física e psicológica do filho. Mais, a prestação de contas está prevista como forma de 'possibilitar a supervisão' dos interesses dos filhos. Em tese, então, o pedido teria que ser justificado na intenção/necessidade de inspecionar para ser admitido. Com efeito, não se questiona que o pai guardião deva manter o filho sob estreita vigilância e proteção. Todavia, disso a pretender que tenha verdadeiro domínio sobre a vida do filho, sem que nada lhe passe, nada atinja o filho sem que antes saiba, como se devesse monitorá-lo ininterruptamente, tudo para que, eventualmente, possa prestar contas a respeito de todos os assuntos ou situações que, direta ou indiretamente, o alcancem, parece-nos inviável. Prestar contas do resfriado, da infecção de garganta, do medo de cachorro que não tinha antes. Prestar contas porque o filho está triste, parece deprimido; está sem fome ou come demais. Não quer comer salada, mas antes comia. Falou um palavrão, desrespeitou o avô. Recusou ler o livro que ganhou. Caiu da bicicleta e se machucou; houve ou não negligência, e assim por diante, em infindáveis hipóteses. E o que dizer das inúmeras possibilidades acerca do elemento causador da situação: a escola, os amigos, os vizinhos, a televisão, a internet, a festinha de aniversário, a casa da avó e seu entorno, os primos, quando estava com o pai no mercado, quando estava com a mãe na farmácia. Difícil imaginar quem vai prestar contas disso e de que forma seria possível. Ainda que se pudesse admitir a obrigação de prestar contas, tratar-se-ia de obrigação inexequível, como regra, salvo situações excepcionais. Será necessário, portanto, especial cautela e ponderação acerca da viabilidade e utilidade de ações nesse sentido, de modo a não permitir ingerência despropositada na esfera de cuidados e diligências do pai guardião.


Denise Damo Comel. in: Revista Síntese, Direito de Família, RDF n.º 92, p. 98/99, 

Filigrana doutrinária: Ação de Prestação de Contas - Daniel Amorim Assumpção Neves

Interessante notar que a prestação de contas não tem como objetivo final tão somente o acertamento das receitas e despesas na administração de bens, valores ou interesses, considerando-se que a discussão das contas será realizada de forma incidental somente como meio para se definir a responsabilidade de pagar do devedor. Essa circunstância leva a melhor doutrina a entender pela natureza condenatória dessa ação, considerando que o seu resultado será a condenação do devedor ao pagamento do saldo apurado. A natureza da ação é realmente condenatória, até mesmo porque os dois pedidos necessariamente cumulados na petição da ação e exigir contas têm essa natureza: (a) condenação à prestação das contas (obrigação de fazer); (b) condenação ao pagamento do saldo residual (obrigação de pagar).


NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo. Salvador: JusPodivim, 2016, p. 550

AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. PENSÃO ALIMENTÍCIA. ART. 1.583, § 5º, DO CC/02. VIABILIDADE JURÍDICA DA AÇÃO DE EXIGIR CONTAS. INTERESSE JURÍDICO E ADEQUAÇÃO DO MEIO PROCESSUAL PRESENTES.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.814.639 - RS (2018/0136893-1) 

RELATOR : MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO

 R.P/ACÓRDÃO : MINISTRO MOURA RIBEIRO 

PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. RECURSO ESPECIAL. RECURSO INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DO NCPC. AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. PENSÃO ALIMENTÍCIA. ART. 1.583, § 5º, DO CC/02. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. INOCORRÊNCIA. VIABILIDADE JURÍDICA DA AÇÃO DE EXIGIR CONTAS. INTERESSE JURÍDICO E ADEQUAÇÃO DO MEIO PROCESSUAL PRESENTES. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE.PROVIDO. 

1. Aplica-se o NCPC a este recurso ante os termos do Enunciado Administrativo nº 3, aprovado pelo Plenário do STJ na sessão de 9/3/2016: Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC. 

2. Não há falar em omissão ou negativa de prestação jurisdicional, na medida em que o Tribunal gaúcho dirimiu, de forma motivada, as questões devolvidas em grau de apelação, pondo fim à controvérsia dos autos. 

3. O cerne da controvérsia gira em torno da viabilidade jurídica da ação de prestar (exigir) contas ajuizada pelo alimentante contra a guardiã do menor/alimentado para obtenção de informações acerca da destinação da pensão paga mensalmente. 

4. O ingresso no ordenamento jurídico da Lei nº 13.058/2014 incluiu a polêmica norma contida no § 5º do art. 1.583 do CC/02, versando sobre a legitimidade do genitor não guardião para exigir informações e/ou prestação de contas contra a guardiã unilateral, devendo a questão ser analisada, com especial ênfase, à luz dos princípios da proteção integral da criança e do adolescente, da isonomia e, principalmente, da dignidade da pessoa humana, que são consagrados pela ordem constitucional vigente. 

5. Na perspectiva do princípio da proteção integral e do melhor interesse da criança e do adolescente e do legítimo exercício da autoridade parental, em determinadas hipóteses, é juridicamente viável a ação de exigir contas ajuizada por genitor(a) alimentante contra a(o) guardiã(o) e representante legal de alimentado incapaz, na medida em que tal pretensão, no mínimo, indiretamente, está relacionada com a saúde física e também psicológica do menor, lembrando que a lei não traz palavras inúteis. 

6. Como os alimentos prestados são imprescindíveis para própria sobrevivência do alimentado, que no caso tem seríssimos problemas de saúde, eles devem ao menos assegurar uma existência digna a quem os recebe. Assim, a função supervisora, por quaisquer dos detentores do poder familiar, em relação ao modo pelo qual a verba alimentar fornecida é empregada, além de ser um dever imposto pelo legislador, é um mecanismo que dá concretude ao princípio do melhor interesse e da proteção integral da criança ou do adolescente. 

7. O poder familiar que detêm os genitores em relação aos filhos menores, a teor do art. 1.632 do CC/02, não se desfaz com o término do vínculo matrimonial ou da união estável deles, permanecendo intacto o poder-dever do não-guardião de defender os interesses superiores do menor incapaz, ressaltando que a base que o legitima é o princípio já destacado. 

8. Em determinadas situações, não se pode negar ao alimentante não-guardião o direito de averiguar se os valores que paga a título de pensão alimentícia estão sendo realmente dirigidos ao beneficiário e voltados ao pagamento de suas despesas e ao atendimento dos seus interesses básicos fundamentais, sob pena de se impedir o exercício pleno do poder familiar. 

9. Não há apenas interesse jurídico, mas também o dever legal, por força do § 5º do art. 1.538 do CC/02, do genitor alimentante de acompanhar os gastos com o filho alimentado que não se encontra sob a sua guarda, fiscalizando o atendimento integral de suas necessidades materiais e imateriais essenciais ao seu desenvolvimento físico e também psicológico, aferindo o real destino do emprego da verba alimentar que paga mensalmente, pois ela é voltada para esse fim. 

9.1. O que justifica o legítimo interesse processual em ação dessa natureza é só e exclusivamente a finalidade protetiva da criança ou do adolescente beneficiário dos alimentos, diante da sua possível malversação, e não o eventual acertamento de contas, perseguições ou picuinhas com a(o) guardiã(ao), devendo ela ser dosada, ficando vedada a possibilidade de apuração de créditos ou preparação de revisional pois os alimentos são irrepetíveis. 

10. Recurso especial parcialmente provido. 

ACÓRDÃO 

Prosseguindo no julgamento, após o voto de desempate da Sra. Ministra Nancy Andrighi, acompanhando a divergência, vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Senhores Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por maioria, conhecer em parte do recurso especial e, nesta parte, dar -lhe parcial provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Moura Ribeiro, que lavrará o acórdão. Votaram vencidos os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino e Ricardo Villas Bôas Cueva. Votaram com o Sr. MINISTRO MOURA RIBEIRO (Presidente) os Srs. Ministros Marco Aurélio Bellizze e Nancy Andrighi. Dr(a). MÁRCIO MELLO CASADO, pela parte RECORRENTE: J E P 

Brasília (DF), 26 de maio de 2020(Data do Julgamento)

AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. VENDA EXTRAJUDICIAL DO BEM. PRESTAÇÃO DE CONTAS. AÇÃO AUTÔNOMA.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.866.230 - SP (2019/0248311-0) 

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI 

PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULA 282/STF. VENDA EXTRAJUDICIAL DO BEM. PRESTAÇÃO DE CONTAS. AÇÃO AUTÔNOMA. 

1. Ação de busca e apreensão de veículo alienado fiduciariamente. 

2. Ação ajuizada em 25/06/2018. Recurso especial concluso ao gabinete em 04/03/2020. Julgamento: CPC/2015. 

3. O propósito recursal é definir se o devedor fiduciante pode pleitear a prestação de contas relativa à venda extrajudicial do bem alienado fiduciariamente no bojo da própria ação de busca e apreensão ou se, ao revés, há a necessidade de ajuizamento de ação autônoma para tal desiderato. 

4. A ausência de decisão acerca dos argumentos invocados pela recorrente em suas razões recursais impede o conhecimento do recurso especial. 

5. No caso de inadimplemento ou mora nas obrigações contratuais garantidas mediante alienação fiduciária, o proprietário fiduciário ou credor poderá vender a coisa a terceiros, independentemente de leilão, hasta pública, avaliação prévia ou qualquer outra medida judicial ou extrajudicial, salvo disposição expressa em contrário prevista no contrato, devendo aplicar o preço da venda no pagamento de seu crédito e das despesas decorrentes e entregar ao devedor o saldo apurado, se houver, com a devida prestação de contas. 

6. As questões concernentes à venda extrajudicial do bem, imputação do valor alcançado no pagamento do débito e apuração acerca de eventual saldo remanescente em favor do devedor não podem ser discutidas, incidentalmente, no bojo da ação de busca e apreensão que, como se sabe, visa tão somente à consolidação da propriedade do bem no patrimônio do credor fiduciário. 

7. Assiste ao devedor fiduciário o direito à prestação de contas, dada a venda extrajudicial do bem, porém tal pretensão deve ser perquirida pela via adequada, qual seja, a ação de exigir/prestar contas. 

8. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, não provido, com majoração de honorários. 

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, conhecer em parte do recurso especial e, nesta parte, negar-lhe provimento, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora. 

Brasília (DF), 22 de setembro de 2020(Data do Julgamento) 

RELATÓRIO 

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI: Cuida-se de recurso especial interposto por MARINA COLANERI BONI - ESPÓLIO, contra acórdão proferido pelo TJ/SP. 

Recurso especial interposto em: 19/03/2019. Concluso ao gabinete em: 04/03/2020. 

Ação: de busca e apreensão de veículo alienado fiduciariamente, ajuizada por BANCO ITAUCARD S.A., em desfavor da recorrente (e-STJ fls. 1-7). 

Sentença: julgou procedente o pedido, para declarar rescindido o contrato e para consolidar nas mãos do recorrido o domínio e a posse plenos e exclusivos do bem (e-STJ fls. 89-90). 

Embargos de declaração: opostos pela recorrente, foram acolhidos para fazer constar da sentença que “(...) poderá o réu oportunamente, se o caso, forte no art. 2º, caput, in fine, do Decreto Lei 911/69, propor ação de prestação de contas autônoma em desfavor do autor (...)” (e-STJ fl. 103). 

Acórdão: negou provimento à apelação interposta pela recorrente, nos termos da seguinte ementa: 

Ação de busca e apreensão – alienação fiduciária – venda extrajudicial do bem – pretensão da devedora em exigir as contas na fase de cumprimento de sentença – impossibilidade diante do pedido e procedimento específicos para tal finalidade – necessidade de ação autônoma – apelação não provida, com observação (art. 85 § 11 do CPC) (e-STJ fl. 132). 

Recurso especial: alega violação dos arts. 2º do Decreto-Lei 911/69; 3º, 4º, 141 e 492 do CPC/2015. Sustenta que: 

a) é possível a efetivação da prestação de contas nos próprios autos da ação de busca e apreensão, não havendo necessidade de ajuizamento de ação autônoma para tal mister; 

b) a exigência de ajuizamento de ação autônoma de prestação de contas viola os princípios da legalidade, da economia processual e da razoável duração do processo; 

c) a prestação de contas é direito expresso do devedor fiduciante, que deve ter ciência do valor apurado com a venda do bem apreendido, sendo um dever do credor fiduciário; e 

d) a majoração de honorários recursais, quando não houve requerimento da parte adversa, representa julgamento ultra petita (e-STJ fls. 131-133). 

Prévio juízo de admissibilidade: o TJ/SP inadmitiu o recurso especial interposto por MARINA COLANERI BONI - ESPÓLIO (e-STJ fls. 171-172), ensejando a interposição de agravo em recurso especial (e-STJ fls. 175-188). 

Decisão monocrática da Presidência: não conheceu do agravo em recurso especial interposto pela recorrente (e-STJ fls. 198-199). 

Agravo interno: foi interposto pela recorrente, pugnando pela reforma da decisão monocrática (e-STJ fls. 202-232). 

Decisão monocrática: ensejou a reconsideração da decisão proferida às fls. 198-199 (e-STJ), tendo sido determinada a reautuação do agravo em recurso especial (e-STJ fl. 245) 

É o relatório. 

VOTO 

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (RELATOR): O propósito recursal é definir se o devedor fiduciante pode pleitear a prestação de contas relativa à venda extrajudicial do bem alienado fiduciariamente no bojo da própria ação de busca e apreensão ou se, ao revés, há a necessidade de ajuizamento de ação autônoma para tal desiderato. 

Aplicação do Código de Processo Civil de 2015, pelo Enunciado administrativo n. 3/STJ. 

1. DA AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO 

1. O acórdão recorrido não decidiu acerca dos argumentos invocados pela recorrente em seu recurso especial quanto aos arts. 141 e 492 do CPC/2015, o que inviabiliza o seu julgamento. Aplica-se, neste caso, a Súmula 282/STF. 

2. DA NECESSIDADE DE AJUIZAMENTO DE AÇÃO AUTÔNOMA DE PRESTAÇÃO DE CONTAS RELATIVA À VENDA EXTRAJUDICIAL DO BEM OBJETO DE BUSCA E APREENSÃO 

2. Inicialmente, convém salientar que, pelo Decreto-Lei 911/69, nas hipóteses de inadimplemento ou mora nas obrigações contratuais garantidas mediante alienação fiduciária, duas são as ações asseguradas ao credor fiduciário para a satisfação do crédito a que faz jus: i) a ação de busca e apreensão do bem (art. 3º, DL 911/69); e ii) a ação de execução, objetivando o pagamento da integralidade da dívida (arts. 4º e 5º, DL 911/69). 

3. Vale lembrar que as ações de busca e apreensão e de execução não podem ser ajuizadas concomitantemente, como mesmo já decidiu este STJ (REsp 576.081/SP, 4ª Turma, DJe 08/06/2010; REsp 210.622/SC, 4ª Turma, DJ 16/02/2004; e REsp 450.990/PR, 3ª Turma, DJe 01/09/2003). Caberá, portanto, ao credor fiduciário optar pelo ajuizamento de apenas uma delas. 

4. Na hipótese de optar pelo ajuizamento da ação de busca e apreensão – situação dos autos –, tem-se que, uma vez apreendido o bem, promover-se-á a sua venda extrajudicial, nos moldes do que dispõe o art. 2º do DL 911/69: 

Art. 2º No caso de inadimplemento ou mora nas obrigações contratuais garantidas mediante alienação fiduciária, o proprietário fiduciário ou credor poderá vender a coisa a terceiros, independentemente de leilão, hasta pública, avaliação prévia ou qualquer outra medida judicial ou extrajudicial, salvo disposição expressa em contrário prevista no contrato, devendo aplicar o preço da venda no pagamento de seu crédito e das despesas decorrentes e entregar ao devedor o saldo apurado, se houver, com a devida prestação de contas (grifos acrescentados). 

5. Efetivada a venda, apura-se o saldo entre o produto da venda e o montante da dívida e encargos, procedendo-se a prestação de contas ao devedor; havendo sobra, o credor deverá entregá-la ao devedor ou, ao contrário, remanescendo saldo devedor, o devedor continua responsável pelo pagamento (CHALHUB, Melhim Namem. Alienação fiduciária: Negócio fiduciário. 5 ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 212). 

6. Vale lembrar que a obrigatoriedade da prestação de contas foi inovação trazida pela Lei 13.043/2014 que, não obstante não fosse expressa anteriormente à sua edição, já era reconhecida como de interesse do devedor fiduciante quando da venda extrajudicial do bem. 

7. A propósito, citam-se precedentes deste STJ nesse sentido: 

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. INTERESSE PROCESSUAL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. BUSCA E APREENSÃO. LEILÃO EXTRAJUDICIAL. VEICULO AUTOMOTOR. ADMINISTRAÇÃO DE INTERESSE DE TERCEIRO. CABIMENTO. 1. A violação do art. 844 do CPC/1973 não foi debatida no Tribunal de origem, o que implica ausência de prequestionamento. Incidência da Súmula n. 282/STF. 2. No caso de alienação extrajudicial de veículo automotor regida pelo art. 2º do Decreto-Lei n. 911/1969 - redação anterior à Lei n. 13.043/2014 -, tem o devedor interesse processual na ação de prestação de contas, quanto aos valores decorrentes da venda e à correta imputação no débito (saldo remanescente). 3. A administração de interesse de terceiro decorre do comando normativo que exige destinação específica do quantum e a entrega de eventual saldo ao devedor. 4. Após a entrada em vigor da Lei n. 13.043/2014, que alterou o art. 2º do Decreto-Lei n. 911/1969, a obrigação de prestar contas ficou expressamente consignada. 5. Recurso especial conhecido em parte e não provido (REsp 1.678.525/SP, 4ª Turma, DJe 09/10/2017). ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. EFETUADA A VENDA DO BEM PELO CREDOR, TEM O DEVEDOR O DIREITO A PRESTAÇÃO DE CONTAS (REsp 67.295/RO, 3ª Turma, DJ 07/10/1996). 

8. Com efeito, reconhece-se que o interesse do devedor fiduciante é evidente nos casos de alienação extrajudicial do bem, uma vez que a solução dada pelo credor fiduciário afeta o seu patrimônio. Como lembrou o Min. Antonio Carlos Ferreira, relator do retrocitado REsp 1.678.525/SP: (...) Ao credor cumpre zelar pela correta destinação da quantia, nos moldes estabelecidos pela norma. Essa incumbência também está ligada ao patrimônio do devedor, o qual ficará vinculado pela dívida remanescente ou terá saldo a receber. Portanto, a administração de interesse de terceiro decorre do comando normativo que exige destinação específica do quantum e a entrega de eventual saldo ao devedor fiduciário. 

9. Indiscutível o interesse do devedor fiduciante na prestação de contas, cumpre definir se tal prestação pode ser pleiteada e, via de consequência, prestada pelo credor fiduciário, no bojo dos próprios autos de ação de busca e apreensão ou se deve haver o ajuizamento de ação autônoma para esta finalidade. 

10. Com efeito, as questões concernentes à venda extrajudicial do bem, imputação do valor alcançado no pagamento do débito e apuração acerca de eventual saldo remanescente em favor do devedor não podem ser discutidas, incidentalmente, no bojo da ação de busca e apreensão que, como se sabe, visa tão somente à consolidação da propriedade do bem no patrimônio do credor fiduciário. 

11. Ademais, vale frisar que o próprio Decreto-Lei expressamente define que a busca e apreensão constitui processo autônomo e independente de qualquer procedimento posterior, senão veja-se: 

Art. 3º O proprietário fiduciário ou credor poderá, desde que comprovada a mora, na forma estabelecida pelo § 2º do art. 2º, ou o inadimplemento, requerer contra o devedor ou terceiro a busca e apreensão do bem alienado fiduciariamente, a qual será concedida liminarmente, podendo ser apreciada em plantão judiciário. (...) § 8º A busca e apreensão prevista no presente artigo constitui processo autônomo e independente de qualquer procedimento posterior. 

12. Ainda quando do julgamento do já mencionado REsp 1.678.525/SP (DJe 09/10/2017) – que, em verdade, discutiu sobre a existência de interesse do devedor fiduciante na prestação de contas quando há venda do bem objeto de garantia fiduciária, anteriormente à edição da Lei 13.043/2014 –, ficou expressamente consignado no voto que “(...) não há possibilidade de alcançar essa prestação de contas no próprio âmbito da ação de busca e apreensão. Com efeito, além do objeto da ação ser restrito ao aspecto possessório, visando à consolidação da posse plena, porque não há título executivo a amparar eventual cumprimento de sentença a respeito do saldo remanescente” (grifos acrescentados). 

13. No mesmo sentido, decisão monocrática proferida pelo Min. Marco Aurélio Bellizze, reconhecendo que assiste ao devedor fiduciário o direito à prestação de contas, dada a venda extrajudicial do bem, porém tal pretensão deve ser perquirida pela via adequada, qual seja, a ação de exigir/prestar contas (AREsp 1.550.376/SP, publicada em 30/10/2019). 

14. O acórdão recorrido, portanto, deve ser mantido. 

Forte nessas razões, CONHEÇO PARCIALMENTE do recurso especial interposto por MARINA COLANERI BONI - ESPÓLIO e, nessa extensão, NEGO-LHE PROVIMENTO para manter o acórdão recorrido, que reconheceu a impossibilidade de a prestação de contas dar-se no bojo da ação de busca e apreensão. 

Nos termos do art. 85, § 11, do CPC/2015, considerando o trabalho adicional imposto ao advogado da parte recorrida em virtude da interposição deste recurso, majoro os honorários fixados anteriormente em 12% (doze por cento) do valor da causa (e-STJ fl. 133) para 15% (quinze por cento). 

Filigrana doutrinária: Prestação de Contas em forma mercantil - Teresa Arruda Alvim

Contas sob a forma adequada, não mais sob a forma mercantil. O CPC/73 tratava da apresentação das contas sob a forma mercantil. Por contas sob a “forma mercantil”, basicamente deve-se entender tais quais lançadas em livros de comércio, com a demonstração de ingressos (receitas), de saídas (despesas), o saldo respectivo e a sua destinação, se objeto de acumulação (aplicações), ou se objeto de investimentos em bens outros. 1.1. O CPC/2015, sem desnaturar a essência da forma sob a qual as contas têm que ser prestadas, optou por evitar a nomenclatura “forma mercantil”, preferindo a expressão genérica “forma adequada”. De nossa parte, pensamos que a nomenclatura da forma sob a qual serão apresentadas as contas é o que menos releva; importa, isto sim, que as contas tenham o conteúdo indicado no caput do art. 551 em exame. 


ARRUDA ALVIM, Teresa; CONCEIÇÃO, Maria Lúcia; RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva; MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros comentários ao novo Código de Processo Civil: artigo por artigo. 3ª Ed. São Paulo: Thomson Reuters, 2020. p. 1.021/1.022.

Filigrana doutrinária: Prestação de Contas em forma mercantil - Nelson Nery Jr.

2. Forma mercantil. A lei exige que o autor ou o réu ofereçam, conforme o caso, escrituração contábil que facilite o exame das contas. Deve a escrituração ser feita com um mínimo de rigor técnico de contabilidade. Muito embora o CPC fale em “forma adequada”, e não mais em “forma mercantil”, na prática isso não muda em comparação com o CPC/1973, já que, havendo relação de administração de bens, é difícil que a prestação de contas não ocorra de formar a relacionar créditos e débitos. 


NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado. 16ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 1.478.

AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. OMISSÃO E NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. INOCORRÊNCIA. DIREITO TRANSITÓRIO. SENTENÇA DE PRIMEIRA FASE PROFERIDA, TRANSITADA E EXECUTADA NA VIGÊNCIA DO CPC/73. DIREITO DE EXIGIR A PRESTAÇÃO NA FORMA DA LEI REVOGADA. PRESTAÇÃO DE CONTAS EM FORMA MERCANTIL E EM FORMA ADEQUADA.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.823.926 - MG (2018/0230229-9) 

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI 

 CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. OMISSÃO E NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. INOCORRÊNCIA. DIREITO TRANSITÓRIO. SENTENÇA DE PRIMEIRA FASE PROFERIDA, TRANSITADA E EXECUTADA NA VIGÊNCIA DO CPC/73. DIREITO DE EXIGIR A PRESTAÇÃO NA FORMA DA LEI REVOGADA. PRESTAÇÃO DE CONTAS EM FORMA MERCANTIL E EM FORMA ADEQUADA. REPERCUSSÃO PRÁTICA INSIGNIFICANTE. NECESSIDADE DE PRESTAÇÃO DE MODO CLARO E INTELIGÍVEL, INDEPENDENTEMENTE DO RÓTULO ATRIBUÍDO À FORMA. RETENÇÃO DE PROCESSO POR ADVOGADO CONSTITUÍDO. INTIMAÇÃO PARA DEVOLUÇÃO POR ÓRGÃO DE IMPRENSA OFICIAL. OBRIGATORIEDADE DA INTIMAÇÃO PESSOAL. ATO ATENTATÓRIO À DIGNIDADE DA JUSTIÇA. CONTEMPT OF COURT. CONDUTA DOLOSA OU CULPOSA DA PARTE. RETENÇÃO POR 629 DIAS. ATRASO EXCESSIVO NA EXECUÇÃO DA OBRIGAÇÃO DE PAGAR QUANTIA CERTA CONSUBSTANCIADA EM CONDENAÇÃO EM HONORÁRIOS. DESRESPEITO À ORDEM JUDICIAL. CULPA IN ELIGENDO E CULPA IN VIGILANDO DA PARTE. APLICAÇÃO DA MULTA. CUMULAÇÃO COM MULTA PELO INADIMPLEMENTO VOLUNTÁRIO DA OBRIGAÇÃO. POSSIBILIDADE. CONDUTA JUDICIAL ANTI-ISÔNOMICA. INOCORRÊNCIA. CONCESSÃO DE PRAZO IDÊNTICO ÀS PARTES. NULIDADE DE ATOS PROCESSUAIS. DEFICIÊNCIA DA FUNDAMENTAÇÃO QUE IMPEDE A COMPREENSÃO DA CONTROVÉRSIA. SÚMULA 284/STF 

1- Ação distribuída em 26/04/2007. Recurso especial interposto em 03/04/2018 e atribuído à Relatora em 28/09/2018. 

2- Os propósitos recursais consistem em definir: (i) se houve negativa de prestação jurisdicional; (ii) se houve a observância da regra processual vigente ao tempo da prolação da sentença e do início da segunda fase da ação de prestação de contas; (iii) se deve ser aplicada alguma penalidade às partes ou aos seus advogados em razão de retenção dos autos por período acima do que havia sido concedido; (iv) se houve violação à regra de igualdade de tratamento das partes; e (v) se os atos processuais praticados anteriormente à cassação de decisão judicial podem ser convalidados. 

3- Tendo o acórdão recorrido se pronunciado sobre a questão controvertida, ainda que mediante fundamentação sucinta, não há que se falar em negativa de prestação jurisdicional, tampouco em violação aos arts. 489, §1º, IV, e 1.022, ambos do CPC/15. 

4- Se proferida, transitada e executada a sentença que julgou a primeira fase da ação de prestação de contas na vigência do CPC/73, adquire o vencedor o direito de exigir que sejam elas prestadas e apuradas na forma da lei revogada, conquanto se reconheça que, na hipótese, que a substituição da prestação de contas de forma mercantil para forma adequada é de pouca repercussão prática, mantendo-se incólume a essência de que as contas deverão ser prestadas de modo claro, inteligível e que atinja a finalidade do processo. 

5- A aplicação de penalidade ao advogado que retém por 629 dias o processo cuja vista lhe havia sido concedida por 30 dias pressupõe que tenha sido o patrono pessoalmente intimado a devolver os autos, não sendo a referida intimação substituível pela publicação no órgão de imprensa oficial. Precedentes. 

6- A aplicação de multa por ato atentatório à dignidade da justiça (também denominado de contempt of court) pressupõe a presença de conduta dolosa ou culposa do agente. Precedentes. 

7- Na hipótese, retido o processo, por 629 dias, pelos advogados constituídos pela parte, de modo a inviabilizar a execução definitiva de sentença quanto aos honorários advocatícios sucumbenciais, está configurada a culpa dos constituintes, seja na modalidade in eligendo (decorrente da má escolha do profissional apto a conduzir o processo judicial), seja na modalidade in vigilando (decorrente da falta de vigilância e de fiscalização das atividades desempenhadas pelo patrono que representava seus interesses judicialmente), impondo-se a aplicação da multa por ato atentatório à dignidade da justiça. 

8- É admissível a aplicação da multa por ato atentatório à dignidade da justiça cumulativamente com a multa pelo inadimplemento voluntário da obrigação de pagar quantia certa. Precedente. 

9- Concedido pelo juiz o prazo de 30 dias para que as partes vencidas apresentassem as contas e idêntico prazo para que o vencedor se manifestasse sobre as contas apresentadas, a retenção indevida do processo, por ato exclusivo da parte, não resulta na conclusão de que teria havido conduta judicial anti-isônomica. 

10- A ausência de apontamento pela parte acerca de quais atos processuais deveriam ser invalidados e não foram, quais atos processuais foram efetivamente convalidados e quais seriam os prejuízos concretamente experimentados, não se conhece do recurso especial, quanto ao ponto, em razão do óbice da Súmula 284/STF. 

11- Recurso especial conhecido em parte e, nessa extensão, parcialmente provido. 

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, conhecer em parte do recurso especial e, nesta parte, dar-lhe parcial provimento, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora. Dr. SÍLVIO DE MAGALHÃES CARVALHO JUNIOR, pela parte RECORRENTE: WALBET DE MATTOS VIANNA 

Brasília (DF), 08 de setembro de 2020(Data do Julgamento)

18 de abril de 2021

PROCEDIMENTOS ESPECIAIS / AGRAVO DE INSTRUMENTO: Não cabe agravo de instrumento contra a decisão interlocutória que, na segunda fase da ação de prestação de contas, defere prova pericial

Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2019/11/info-654-stj.pdf


PROCEDIMENTOS ESPECIAIS / AGRAVO DE INSTRUMENTO: Não cabe agravo de instrumento contra a decisão interlocutória que, na segunda fase da ação de prestação de contas, defere prova pericial 

A decisão interlocutória que, na segunda fase da ação de prestação de contas, defere a produção de prova pericial contábil, nomeia perito e concede prazo para apresentação de documentos, formulação de quesitos e nomeação de assistentes, não é imediatamente recorrível por agravo de instrumento. STJ. 3ª Turma. REsp 1.821.793-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 20/08/2019 (Info 654). 

Ação de exigir contas (ação de prestação de contas) 

No CPC 1973, havia a previsão de um procedimento especial chamado de “ação de prestação de contas”. O CPC 2015 alterou o nome para “ação de exigir contas” (art. 550). 

Duas fases 

O procedimento da ação de prestação de contas (ação de exigir contas) tem como característica a existência, em regra, de duas fases. 1ª fase: nela, o juiz irá decidir se existe ou não a obrigação de o réu prestar contas. Se o julgador decidir que não, o processo encerra-se nesta fase. Contudo, se decidir que sim, será aberta uma segunda fase. 2ª fase: servirá para que o réu propriamente preste as contas pleiteadas pelo autor e para que o julgador avalie se aquele o fez corretamente, reconhecendo a existência de saldo credor ou devedor. 

Em suma, tem-se que a ação de prestação de contas ocorre em duas fases distintas e sucessivas – na primeira, discute-se sobre o dever de prestar contas; na segunda, declarado o dever de prestar contas, serão elas julgadas e apreciadas, se apresentadas (STJ. 3ª Turma. REsp 1.567.768/GO, DJe 30/10/2017). 

“É preciso notar, porém, que não se está diante de dois processos distintos, tramitando simultaneamente nos mesmos autos. O processo, em verdade, é único, embora dividido em duas fases distintas. Há, pois, o ajuizamento de uma única demanda, contendo um único mérito. A análise deste, porém, é dividida em dois momentos: o primeiro, dedicado à verificação da existência do direito de exigir a prestação de contas, o segundo, dirigido à verificação das contas e do saldo eventualmente existente.” (CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. São Paulo: Atlas, 21ª ed., 2014, p. 391). 

A segunda fase do procedimento é uma fase de conhecimento (cognição) 

A atividade jurisdicional que se desenvolve na segunda fase da ação de exigir contas não é de liquidação ou de cumprimento de sentença. Trata-se de uma fase de cognição própria (fase de conhecimento), em que há o acertamento da relação jurídica de direito material que vincula as partes. 

Imagine agora a seguinte situação hipotética: 

A empresa “A1” ajuizou ação de exigir contas contra a empresa “B2”. O juiz considerou que o autor da ação tinha razão em exigir as contas e, então, proferiu uma decisão determinando que o réu preste as contas no prazo de 15 dias, conforme determina o art. 550, § 5º do CPC/2015: 

Art. 550 (...) § 5º A decisão que julgar procedente o pedido condenará o réu a prestar as contas no prazo de 15 (quinze) dias, sob pena de não lhe ser lícito impugnar as que o autor apresentar. 

A ré não recorreu contra a decisão e fez a prestação de contas no prazo determinado. Iniciou-se, portanto, a segunda fase da ação de exigir contas. A parte autora da ação terá agora o prazo de 15 dias para se manifestar sobre as contas apresentadas: 

Art. 550. (...) § 2º Prestadas as contas, o autor terá 15 (quinze) dias para se manifestar, prosseguindo-se o processo na forma do Capítulo X do Título I deste Livro. 

Suponhamos que a empresa autora pediu ao juiz a produção de prova pericial contábil. 

O juiz proferiu decisão interlocutória na qual: a) deferiu a produção da perícia; b) nomeou o perito; c) concedeu prazo para as partes para a apresentação de documentos, formulação de quesitos e para a nomeação de eventuais assistentes técnicos. A empresa ré não concordou e interpôs agravo de instrumento contra essa decisão interlocutória fundamentando o cabimento no parágrafo único do art. 1.015 do CPC/2015: 

Art. 1.015 (...) Parágrafo único. Também caberá agravo de instrumento contra decisões interlocutórias proferidas na fase de liquidação de sentença ou de cumprimento de sentença, no processo de execução e no processo de inventário. 

Agiu corretamente a empresa ré? Cabe agravo de instrumento neste caso? NÃO. 

A decisão interlocutória que, na segunda fase da ação de prestação de contas, defere a produção de prova pericial contábil, nomeia perito e concede prazo para apresentação de documentos, formulação de quesitos e nomeação de assistentes, não é imediatamente recorrível por agravo de instrumento. STJ. 3ª Turma. REsp 1.821.793-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 20/08/2019 (Info 654). 

Conforme já explicado, a atividade jurisdicional que se desenvolve na segunda fase da ação de exigir contas não é de liquidação ou de cumprimento de sentença, mas sim de cognição própria da fase de conhecimento, em que há o acertamento da relação jurídica de direito material que vincula as partes. Nesse sentido, a fase de cumprimento da sentença na ação de prestação de contas apenas se iniciará após a prolação da sentença condenatória que porventura vier a ser proferida na segunda fase do referido procedimento especial. Nesse contexto, a decisão interlocutória que, na segunda fase da referida ação, deferiu a produção de prova pericial contábil, nomeou perito e concedeu prazo para apresentação de documentos, formulação de quesitos e nomeação de assistentes, não se submete ao regime recursal diferenciado que o legislador estabeleceu para as fases de liquidação e cumprimento da sentença (art. 1.015, parágrafo único, do CPC/2015). Ao contrário, submete-se ao regime recursal aplicável à fase de conhecimento, ou seja, incide o caput e os incisos do art. 1.015. Assim, como não existe previsão legal para a recorribilidade imediata da referida decisão interlocutória no caput e nos incisos do art. 1.015 do CPC, não cabe agravo de instrumento nesta hipótese.

16 de abril de 2021

Prazo para cumprimento da primeira fase da prestação de contas tem início com intimação da defesa

 O prazo de 15 dias para que o réu cumpra a condenação na primeira fase do procedimento de exigir contas – previsto no artigo 550, parágrafo 5º, do Código de Processo Civil de 2015 – começa a correr automaticamente quando a defesa é intimada da decisão condenatória. O prazo deve ser observado porque, em regra, o recurso cabível contra essa decisão não tem efeito suspensivo, nos termos do artigo 995 do CPC/2015.

Com base nesse entendimento, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve acórdão do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS) que considerou fora do prazo legal a apresentação de contas por uma financeira. A ação de exigir contas foi proposta por uma cliente com o objetivo de apurar eventual saldo resultante da venda de veículo dado como garantia em alienação fiduciária.

No recurso dirigido ao STJ, a financeira sustentou que os 15 dias para a apresentação das contas só deveriam ser contados após o prazo para recorrer da decisão que encerra a primeira fase do procedimento. Além disso, alegou que a intimação para o cumprimento da condenação teria de ser pessoal, pois a prestação das contas, como obrigação de fazer, é ato pessoal da parte.

Decisão interlocutória

O relator, ministro Marco Aurélio Bellizze, afirmou que, de acordo com o artigo 550, parágrafo 5º, do CPC/2015, a decisão que julgar procedente a primeira fase da ação condenará o réu a prestar contas no prazo de 15 dias, sob pena de não poder impugnar as contas que o autor apresentar.

Segundo ele, o ato que julga procedente a primeira parte da ação de exigir contas possui natureza de decisão interlocutória de mérito, uma vez que não encerra a fase cognitiva do processo. Por essa razão, apontou, o recurso cabível contra ela é o agravo de instrumento (artigo 1.015, inciso II, do CPC/2015) – o qual não possui, em regra, efeito suspensivo.

Por outro lado, se o ato judicial julgar improcedente a primeira fase da ação de exigir contas ou se julgar extinto o processo sem resolução de mérito, ele terá força de sentença e, portanto, será impugnável por meio de apelação.

Novo enfoque

Bellizze lembrou que, em relação aos casos julgados na vigência do CPC/1973, a Terceira Turma firmou o entendimento de que a contagem do prazo de 48 horas previsto no artigo 915, parágrafo 2º, deveria se dar a partir do trânsito em julgado do ato judicial, que era interpretado como sentença.

Entretanto, em relação ao CPC/2015, o relator entendeu não ser possível aplicar a mesma interpretação, exatamente porque, sob a ótica do novo código, a decisão que condena o réu a prestar contas tem natureza jurídica de decisão interlocutória de mérito.

"Dessa forma, inexistindo efeito suspensivo a agravo de instrumento interposto pelo réu contra decisão proferida na primeira fase da ação de exigir contas, não há óbice para que o prazo de 15 dias do parágrafo 5º do artigo 550 do novo CPC comece a fluir automaticamente", afirmou.

Ao manter o acórdão do TJMS, o magistrado destacou que, segundo a jurisprudência do STJ, a intimação da decisão que julga procedente a primeira fase do procedimento de contas deve ser realizada por meio da defesa do réu, sendo desnecessária a intimação pessoal, pois não existe base legal para tanto.

Leia o acórdão.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 1847194

9 de abril de 2021

Companheira só tem direito a receber aluguéis de imóvel exclusivo do falecido até o seu óbito

 A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve acórdão do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) segundo o qual a renda do aluguel de propriedade exclusiva de um dos companheiros só pode ser considerada patrimônio comum durante a vigência da união estável, passando, após o falecimento do proprietário, a integrar o acervo a ser partilhado entre os herdeiros.

Para o colegiado, apenas eventuais aluguéis vencidos e não pagos ao tempo do óbito do proprietário poderiam ser considerados pendentes – circunstância que, se existente, autorizaria sua integração à meação da companheira.

Na ação de prestação de contas que deu origem ao recurso julgado pela turma, ajuizada contra a companheira, o espólio pediu esclarecimentos sobre depósitos em conta bancária conjunta, posteriores à morte do autor da herança, e sobre eventuais créditos em favor do falecido.

Em primeiro grau, a sentença rejeitou as contas apresentadas pela companheira sobrevivente e a condenou a restituir ao espólio os valores equivalentes a aluguéis originados de propriedade exclusiva do companheiro falecido. A decisão foi mantida pelo TJPR, que também considerou que a companheira não havia sido reconhecida como herdeira até aquele momento.

Por meio de recurso especial, a companheira alegou que os aluguéis, embora relativos a bem particular do falecido, seriam patrimônio comum do casal, pois foram recebidos em decorrência de contrato de locação firmado durante a união estável e ainda vigente na data do óbito.

Frutos com​uns

Relatora do recurso, a ministra Nancy Andrighi apontou que, nos termos do artigo 1.725 do Código Civil, aplica-se às relações patrimoniais, na união estável, o regime previsto para a comunhão parcial de bens; e que o artigo 1.660, V, prevê que entram na comunhão os frutos dos bens comuns, ou dos particulares de cada cônjuge, auferidos na constância do relacionamento, ou aqueles pendentes no momento do término da comunhão.

“Verifica-se, assim, que, mesmo quando o bem frugífero constitua patrimônio exclusivo de um dos cônjuges ou companheiros e, via de consequência, não integre o acervo comum do casal (a teor do inciso I do artigo 1.659 do Código Civil), seus frutos seguem destinação diversa, incluindo-se entre os bens comunicáveis”, afirmou a relatora.

Em relação à divisão dos frutos após a extinção do casamento ou da união estável, a ministra destacou jurisprudência do STJ no sentido de que o direito à divisão ocorre no tocante aos valores que foram auferidos durante a convivência.

Nesse sentido, Nancy Andrighi ressaltou que o que autoriza a comunicabilidade dos frutos é a data da ocorrência do fato que gera o direito ao seu recebimento – ou seja, o momento em que o titular adquiriu o direito ao ganho dos valores. Por isso, no caso dos autos, a ministra apontou que a meação dos aluguéis só poderia ocorrer no período relativo ao curso da união estável.

Transmissão aos herdeiros

Além disso, a magistrada lembrou que, de acordo com o artigo 10 da Lei do Inquilinato, no caso de morte do locador, a locação é transmitida aos herdeiros.

“Isso significa que, a partir da data do falecimento do locador – momento em que houve a transmissão dos direitos e deveres decorrentes do contrato de locação aos herdeiros –, todo e qualquer vínculo, ainda que indireto, apto a autorizar a recorrente a partilhar dos aluguéis (como aquele previsto na norma do inciso V do artigo 1.660 do Código Civil) foi rompido, cessando, por imperativo lógico, seu direito à meação sobre eles”, concluiu a ministra ao manter o acórdão do TJPR.

O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.

STJ