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6 de junho de 2021

O endosso de duplicata mercantil com aceite a terceiro de boa-fé dispensa a necessidade de demonstração, pela endossatária, da consumação de negócio de compra e venda de mercadorias subjacentes

Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/05/info-694-stj-1.pdf


TÍTULOS DE CRÉDITO (DUPLICATA) - O endosso de duplicata mercantil com aceite a terceiro de boa-fé dispensa a necessidade de demonstração, pela endossatária, da consumação de negócio de compra e venda de mercadorias subjacentes 

Uma vez aceita, o sacado vincula-se ao título como devedor principal e a ausência de entrega da mercadoria ou de prestação de serviços, ou mesmo quitação referente à relação fundamental ao credor originário, somente pode ser oponível ao sacador, como exceção pessoal, mas não a endossatários de boa-fé. A duplicata é título de crédito causal. Isso significa que, para sua regular constituição, deve haver uma prestação de serviço. Essa causalidade, todavia, não lhe retira o caráter de abstração. Uma vez circulando o título, ao endossatário não podem ser opostas as exceções. STJ. 4ª Turma. REsp 1.518.203-PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 27/04/2021 (Info 694). 

Conceito 

Duplicata é... - um título de crédito - que consiste em uma ordem de pagamento emitida pelo próprio credor - por conta de mercadorias que ele vendeu ou de serviços que prestou - e que estão representados em uma fatura - devendo ser paga pelo comprador das mercadorias ou pelo tomador dos serviços. 

Genuinamente brasileiro 

A duplicata foi criada pelo direito brasileiro, sendo considerada um título genuinamente brasileiro. 

Regulamentação 

A duplicata é regida pela Lei nº 5.474/68 e, agora, também pela Lei nº 13.775/2018. 

Exemplo de emissão de duplicata 

O distribuidor “Silva & Souza Ltda.” vendeu para a loja “Bompé” 70 pares de sapatos. O distribuidor (vendedor) extrai uma fatura dos produtos e emite uma duplicata mercantil dando uma ordem à loja (compradora) para que pague a ele (vendedor) o preço dos pares de sapato e eventuais encargos contratuais. 

Espécies de duplicata 

• Duplicata mercantil: emitida por causa da compra e venda mercantil. 

• Duplicata de serviços: emitida por causa da prestação de serviços. 

Características da duplicata 

a) Título causal: a duplicata só pode ser emitida para documentar o crédito decorrente de dois negócios jurídicos: a compra e venda mercantil ou a prestação de serviços. Essa causa da duplicata é mencionada no próprio título. Por conta dessa característica, alguns autores afirmam que se trata de um título impróprio. Obs: o contrário dos títulos causais são os “não causais” ou “abstratos”, como o caso da nota promissória. 

b) Ordem de pagamento. 

c) Título de modelo vinculado (título formal): os padrões de emissão da duplicata são fixados pelo Conselho Monetário Nacional. A duplicata somente produz efeitos cambiais se observado o padrão exigido para a constituição do título. 

Emissão da duplicata 

O vendedor ou prestador dos serviços emite a fatura discriminando as mercadorias vendidas ou os serviços prestados. Com base nessa fatura, esse vendedor ou prestador poderá emitir a duplicata. 

Remessa da duplicata para ACEITE 

Aceite é o ato por meio do qual o sacado (comprador ou tomador dos serviços) assina o título se obrigando a pagar o crédito ali descrito, na data do vencimento. Assim, emitida a duplicata, nos 30 dias seguintes o sacador (quem emitiu o título) deve remeter o título ao sacado (comprador ou tomador dos serviços) para que ele assine a duplicata no campo próprio para o aceite, restituindo-a ao sacador no prazo de 10 dias. 

O aceite na duplicata é obrigatório 

Na duplicata, o título documenta uma obrigação surgida a partir de um contrato de compra e venda mercantil ou de prestação de serviços. Desse modo, se o vendedor/prestador do serviço, que no caso foi o sacador, cumpriu as suas obrigações contratuais, não há motivo para o devedor recusar o aceite. Em virtude dessa circunstância, a doutrina afirma que o aceite na duplicata é, em regra, obrigatório, somente podendo ser recusado nas hipóteses previstas nos arts. 8º e 21 da Lei nº 5.474/68. 

Recusa do aceite 

Como vimos, o aceite é, em regra, obrigatório. As hipóteses previstas na lei em que o aceite pode ser recusado estão relacionadas com situações em que o sacador (vendedor ou prestador dos serviços) não cumpriu corretamente suas obrigações contratuais ou em que há divergência entre aquilo que foi combinado no contrato e o que consta da duplicata. Estão previstas nos arts. 8º e 21 da Lei nº Lei nº 5.474/68. 

Tipos de aceite 

a) aceite ORDINÁRIO: ocorre quando o sacado (comprador ou tomador dos serviços) não encontra nenhum problema em aceitar e, por isso, assina em um campo próprio localizado na frente (anverso) do título, devolvendo-o em seguida. 

b) aceite PRESUMIDO: ocorre quando o sacado resolve não assinar ou não devolver a duplicata assinada, no entanto, ao receber as mercadorias compradas, ele assinou o comprovante de recebimento, sem fazer qualquer ressalva quanto aos bens adquiridos. Ora, se ele recebeu normalmente as mercadorias, é porque se presume que o vendedor cumpriu sua obrigação contratual. Logo, esse comprador deveria ter feito o aceite da duplicata. Nesses casos, o sacador deverá fazer o protesto do sacado por falta de aceite ou por falta de pagamento. Diante disso, é admitido como aceite presumido da duplicata: O comprovante de entrega das mercadorias assinado pelo sacado acompanhado do instrumento do protesto do título por falta de aceite ou falta de pagamento. 

c) aceite por COMUNICAÇÃO: ocorre quando o sacado retém o título e expressa o aceite em carta ou comunicado. Essa comunicação, mesmo escrita fora do título, produz os mesmos efeitos do aceite. 

Endosso 

Ocorre o endosso quando o credor do título de crédito transmite seus direitos a outra pessoa. O credor que transmite seus direitos sobre o título é chamado de endossante (aquele que faz o endosso). A pessoa que recebe os direitos sobre o título é denominada de endossatário (aquele que é beneficiado com o endosso). O endosso pode ser dividido em: a) endosso próprio; b) endosso impróprio. Endosso próprio É aquele que produz os dois efeitos próprios do endosso, que são: a) transferir a titularidade do crédito do endossante para o endossatário; b) transformar o endossante em codevedor do título (se o devedor principal não pagar o título, o endossatário poderá cobrar o valor do endossante). 

Endosso impróprio 

O endosso impróprio não transfere o crédito para o endossatário, mas apenas permite que este (o endossatário) tenha a posse do título para: • agir em nome do endossante (endosso-mandato); ou • como garantia de uma dívida que o endossante tenha com o endossatário (endosso-caução). 

Feita essa revisão, imagine agora a seguinte situação hipotética: 

João comprou móveis residenciais de uma empresa, que ficou de entregar e instalar os modulados na casa do cliente no prazo de 5 meses. Ficou combinado que João pagaria R$ 50 mil, divididos em 5 meses. Para instrumentalizar esse crédito, foram emitidas 5 duplicatas no valor de R$ 10 mil cada, a serem pagas por João assim que os serviços fossem entregues, mês a mês. No sistema da duplicata, com base neste exemplo, João recebe o nome de “sacado” (comprador) e a movelaria é denominada de sacador (emitente). • Sacado (comprador): é a pessoa que recebe a ordem de pagamento. É aquela que compra a mercadoria ou o serviço e paga para o beneficiário, que é o próprio vendedor. • Sacador (emitente): é quem dá a ordem de pagamento (emite a duplicata). É aquele que vende a mercadoria ou o serviço. 

Vale ressaltar que João, sem conhecer muito bem as regras de direito cambiário, deu aceite nas cinco duplicatas, ou seja, assinou-as na frente do título, comprometendo-se a pagá-las mesmo sem ter ainda recebido os móveis comprados. 

Venda das duplicatas para uma outra empresa 

A loja de modulados, precisando de dinheiro imediatamente para ter capital de giro, “vendeu” essas duplicatas. Em outras palavras, a loja de modulados fez um endosso próprio das duplicatas e, quando ocorresse o dia do vencimento de cada uma delas, quem receberia o valor pago pelo cliente seria a empresa endossatária (empresa beneficiada com o endosso), e não mais a movelaria. 

Atraso nos móveis 

A empresa de modulados entregou as duas primeiras partes dos móveis nos dois primeiros meses, tendo João pagado as duas primeiras duplicatas. A partir do terceiro mês, no entanto, a empresa, alegando atraso na produção, não entregou a terceira parte. Diante disso, João também não pagou a terceira duplicata. Isso se repetiu no quarto e quinto meses. Desse modo, a empresa cumpriu dois meses de seu compromisso contratual e, como não mais entregou os móveis a partir daí, o cliente deixou de pagar as três duplicatas restantes. Ocorre que a empresa endossatária, que já havia “comprado” as duplicatas, não quis saber de nada e, como não houve o pagamento, levou os títulos para protesto. 

Exceções pessoais 

Juridicamente, um dos sentidos da palavra “exceção” é o de defesa. Assim, o termo “exceção” pode ser utilizado como sinônimo de defesa em alguns casos. Em direito cambiário, quando falamos em “exceções pessoais”, estamos querendo dizer que são defesas que a pessoa que emitiu o título de crédito possui em relação àquele em favor de quem foi emitido o título de crédito. Ex: Pedro quer comprar um celular de Mário e emite uma nota promissória. A origem da nota promissória é a compra e venda (trata-se da causa subjacente/causa debendi). O celular apresenta vício e, por isso, Pedro não paga o valor da nota promissória e devolve o celular. Se Mário executar essa nota promissória, Pedro poderá invocar, como exceção pessoal, que a causa subjacente não se concretizou. Trata-se de uma exceção pessoal do emitente em relação ao beneficiário do título. As exceções pessoais podem ser invocadas (alegadas) pelo emitente para deixar de pagar o beneficiário do título. No entanto, em regra, as exceções pessoais não podem ser utilizadas contra pessoas de boa-fé que receberam o título. Isso está previsto no art. 916 do Código Civil: 

Art. 916. As exceções, fundadas em relação do devedor com os portadores precedentes, somente poderão ser por ele opostas ao portador, se este, ao adquirir o título, tiver agido de má-fé. 

Assim, se Mário já havia passado a nota promissória para Juliana, uma terceira pessoa, e ela estava de boa-fé, Juliana poderá executar o título cobrando o valor de Pedro. Este, coitado, ficará sem o celular e terá que pagar o valor do título para Juliana. Obviamente que, depois, Pedro poderá tentar cobrar de Mário aquilo que foi pago. No entanto, repito, não poderá invocar contra Juliana sua exceção pessoal porque o título circulou e agora encontra-se com alguém considerado terceiro de boa-fé. 

Voltando ao exemplo da Loja de Modulados. A empresa endossatária está cobrando de João o valor das três duplicatas não pagas. João não quer pagar porque a mercadoria não foi entregue. João (sacado) poderá invocar isso como exceção pessoal para não pagar à empresa endossatária? NÃO. 

Alguém poderia falar: mas a duplicata é um título causal, ou seja, ela está relacionada com um negócio jurídico. Se este negócio jurídico não foi cumprido, mesmo assim a duplicata terá que ser paga? 

A duplicata é um título causal no momento da sua emissão. No entanto, ela conserva essa característica apenas até a emissão do aceite, expresso ou ficto, quando adquire feição e qualidades próprias dos demais títulos de crédito, tanto que se admite a sua circulação, por cessão ou endosso. Isso porque o aceite confere ao adquirente da duplicata uma segurança jurídica de que o negócio que justificou a emissão do título foi cumprido. A certeza é transmitida pelo próprio devedor (sacado) que, podendo recusar, aceitou o título. Assim, depois do aceite, a duplicata perde o caráter causal, ou seja, desvincula-se do negócio jurídico que lhe deu causa. Além disso, com a circulação (que ocorre com o endosso do título para terceiros), a duplicata passa a ter duas outras características muito relevantes para o direito cambiário: autonomia e abstração. 

a) Autonomia: o possuidor de boa-fé (possuidor do título de crédito), ao cobrar esse título, está exigindo um direito próprio (direito seu), que não pode ser atrapalhado por conta de relações jurídicas anteriores entre o devedor e antigos possuidores do título. Assim, o possuidor de boa-fé do título de crédito não tem nada a ver com o fato de o título ter vícios ou defeitos anteriores. Se ele é o atual possuidor e está de boafé, tem direito ao crédito (obs.: existem algumas exceções ao princípio da autonomia, que não interessam no momento). 

b) Abstração: significa que os títulos de crédito, quando circulam, ficam desvinculados da relação que lhe deu origem. Ex: João comprou um notebook de Ricardo, entregando-lhe uma nota promissória. Ricardo endossou a nota promissória para Rui. Ricardo acabou nunca levando o computador para João. Rui (que estava de boa-fé) poderá cobrar de João o crédito constante da nota promissória e o fato de o contrato não ter sido cumprido não poderá ser invocado para evitar que João pague o débito. Isso porque, como o título circulou, ele já não tem mais nenhuma vinculação com o negócio jurídico que lhe deu origem. Esses dois princípios acima elencados têm por objetivo conferir segurança jurídica ao tráfego comercial e à circulação do crédito. Se a pessoa que recebeu um título de crédito (aparentemente válido) pudesse ficar sem o dinheiro por força de vícios anteriores ou por conta de uma quitação que não consta na cártula, isso geraria um enorme risco ao portador, o que desestimularia as pessoas a aceitarem títulos de crédito. 

João invocou os arts. 288 e 290 do Código Civil para não pagar. Esse argumento, no presente caso, poderá ser acolhido? 

NÃO. Veja o que dizem esses dispositivos: 

Art. 288. É ineficaz, em relação a terceiros, a transmissão de um crédito, se não celebrar-se mediante instrumento público, ou instrumento particular revestido das solenidades do § 1º do art. 654. 

Art. 290. A cessão do crédito não tem eficácia em relação ao devedor, senão quando a este notificada; mas por notificado se tem o devedor que, em escrito público ou particular, se declarou ciente da cessão feita. 

Embora o endosso, no interesse do endossatário terceiro de boa-fé, tenha efeito de cessão, não se aplica e não se confunde com o instituto civilista da cessão de crédito. Em razão disso, não são aplicáveis os arts. 288 e 290 do Código Civil para a obtenção, por meio tão somente do endosso de título de crédito à ordem, dos mesmos efeitos de cessão de crédito. Por um lado, como a duplicata tem aceite, o art. 15 da Lei das Duplicatas (Lei nº 5.474/68) estabelece que a cobrança judicial de duplicata ou triplicata será efetuada de conformidade com o processo aplicável aos títulos executivos extrajudiciais, não havendo necessidade de quaisquer outros documentos, além do título. O inciso II do mesmo dispositivo estabelece que, apenas se a duplicata ou triplicata não for aceita, é necessário, cumulativamente, que haja sido protestada e esteja acompanhada de documento hábil comprobatório da entrega e do recebimento da mercadoria. Por outro lado, o art. 25 da Lei da Duplicata esclarece que se aplicam à duplicata e à triplicata, no que couber, os dispositivos da legislação sobre emissão, circulação e pagamento das Letras de Câmbio. 

Em suma: O endosso de duplicata mercantil com aceite a terceiro de boa-fé dispensa a necessidade de demonstração, pela endossatária, da consumação de negócio de compra e venda de mercadorias subjacente. Uma vez aceita, o sacado vincula-se ao título como devedor principal e a ausência de entrega da mercadoria ou de prestação de serviços, ou mesmo quitação referente à relação fundamental ao credor originário, somente pode ser oponível ao sacador, como exceção pessoal, mas não a endossatários de boa-fé. 

A duplicata é título de crédito causal. Isso significa que, para sua regular constituição, deve haver uma prestação de serviço. Essa causalidade, todavia, não lhe retira o caráter de abstração. Uma vez circulando o título, ao endossatário não podem ser opostas as exceções. STJ. 4ª Turma. REsp 1.518.203-PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 27/04/2021 (Info 694).