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26 de fevereiro de 2022

Não há falar em trancamento da ação penal quando a complexidade dos fatos e da adequação típica das condutas a eles, na conformidade da plausível articulação de juízos normativos preliminares da denúncia, implicam a conveniência da instrução probatória

Processo

RHC 150.707-PE, Rel. Min. João Otávio de Noronha, Rel. Acd. Min. Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, por maioria, julgado em 15/02/2022.

Ramo do Direito

DIREITO PENAL, DIREITO PROCESSUAL PENAL

Tema

Abandono de incapaz com resultado morte. Dever de assistência. Assunção fática da posição de garante. Atipicidade penal não configurada de plano. Necessidade de prosseguimento da ação penal.

 

DESTAQUE

Não há falar em trancamento da ação penal quando a complexidade dos fatos e da adequação típica das condutas a eles, na conformidade da plausível articulação de juízos normativos preliminares da denúncia, implicam a conveniência da instrução probatória.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Trata-se de pedido de trancamento de ação penal sob fundamento do comprometimento do matricial dever de assistência, a improbabilidade do perigo decorrente da omissão e a imprevisibilidade objetiva do resultado culposo.

Para análise da isenção da responsabilidade penal imputando o comprometimento do dever de assistência em virtude do comportamento da própria vítima deve-se compreender a complexa estrutura normativa desses tipos penais omissivos próprios e impróprios.

Sucintamente, a posição de garante, ao qual é imposto o dever de impedir o resultado, tem suas hipóteses descritas nas alíneas do art. 13, § 2º, do Código Penal.

Evidentemente, o dever geral de proteção previsto no artigo 227 da Constituição Federal e reforçado no artigo 70 da Lei n. 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA) se traduz numa norma de conteúdo programático e não se amolda à alínea a do art. 13, § 2º, do Código Penal.

Esse dever geral não é compatível com a especial relação disposta no delito de abandono de incapaz, que exige um dever de assistência decorrente de cuidado, guarda, vigilância ou autoridade entre os sujeitos ativo e passivo.

Ao reverso, esses dispositivos representam mais um objetivo mirado pelo constituinte, que impõem principalmente ao Poder Público uma atuação orientada com a finalidade de proteger os interesses das crianças e adolescentes, em virtude da sua peculiar condição de pessoas em desenvolvimento.

Obviamente, esse dever de alguma forma também é atribuído à sociedade, porém, não na acepção especial como a prevista na elementar do delito em questão, mas como um dever genérico, que pode se amoldar em outra infração penal, como na omissão de socorro, por exemplo.

No presente caso, o dever de assistência, que integra o tipo, adviria da assunção fática da posição de garante, nos precisos termos da alínea b do dispositivo supracitado.

A esse respeito, não obstante a adoção da teoria formal pelo Código Penal - prevista no art. 13, § 2º, do CP -, a doutrina cuidou de reavaliar o instituto através de critérios materiais, pois, aquelas não atendem suficientemente ao princípio da legalidade, nem são capazes de retratar todas as hipóteses geradoras de uma posição de garantidor. Dessa forma, inserida no contexto de especial posição de defesa de certos bens jurídicos, assentou-se que dela faz parte a "assunção, por parte de alguém, de uma função protetiva unilateral ou bilateral, que independentemente de um contrato formal, conduza a que se lhe confie a proteção do bem jurídico".

Relativamente a essa hipótese de assunção do encargo, reputa-se indispensável, evidentemente, a voluntariedade e a consciência do dever assumido. Veja-se, também, que da assunção decorre uma expectativa, uma confiança de que haverá por parte do garantidor a efetiva assistência ao incapaz.

Efetivamente, a assunção fática deve ser expressa, verbalmente aferível, ou demonstrada pela exteriorização do comportamento da pessoa que efetivamente assume a responsabilidade de resguardar o incapaz dos prováveis perigos e lesões a que estará submetido se sozinho estiver.

Indubitável que a assunção da posição de garantidor não será irrestrita; terá seus limites definidos pelo contexto de proteção aos quais aderiu a pessoa que se dispôs a servir como responsável pela elisão do risco/resultado.

Na macro perspectiva do mandamus, o aspecto que desponta como mais relevante é a tenra idade da criança (cinco anos ao tempo do fato), de forma a ser razoável deduzir que, nas circunstâncias reveladas pela investigação, se o infante logrou se subtrair da assistência, a omissão penalmente relevante já estaria configurada de per si porque a paciente, presumivelmente, não agira com a necessária cautela e com a abnegação que lhe era devida.

De toda sorte, em casos desse peculiar jaez (criança de pouca idade), se e enquanto o cuidado, guarda, vigilância ou autoridade estiverem comprometidos pela fuga inevitável do incapaz, não haverá se atribuir ao garantidor os riscos do período em que o sujeito passivo permaneceu desassistido.

No entanto, as nuances que definirão esse lapso temporal atípico deverão ser objeto de cautelosa, sensível e detalhada instrução probatória, pois não restará configurado o delito omissivo quando demonstrado que a pessoa à qual se atribui a obrigação de evitar o resultado não tinha condições de agir para impedi-lo.

Portanto, da análise perfunctória consentânea à via estreita do habeas corpus, não se vislumbra inequívoca atipicidade da conduta irrogada à paciente.

Ademais, com esteio nos fatos descritos na denúncia, teoricamente, é possível identificar na exordial acusatória as situações ensejadoras do perigo concreto: 1) a tenra idade da vítima (absolutamente incapaz de defender-se de quaisquer situações de perigo que se apresentassem à sua frente); 2) a falta de familiaridade com o local; 3) a incapacidade de determinar o correto curso do elevador, tendo em vista que acionou diversos botões aleatoriamente, exceto o que o levaria ao encontro de sua genitora, no pavimento térreo.

Com efeito, a complexidade dos fatos e da adequação típica das condutas a eles, na conformidade da plausível articulação de juízos normativos preliminares da denúncia implicam a conveniência da instrução probatória.

10 de maio de 2021

HABEAS CORPUS - A superveniência de sentença condenatória torna prejudicado o pedido feito no habeas corpus se buscava o trancamento da ação penal sob a alegação de falta de justa causa

Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/05/info-692-stj.pdf 


HABEAS CORPUS - A superveniência de sentença condenatória torna prejudicado o pedido feito no habeas corpus se buscava o trancamento da ação penal sob a alegação de falta de justa causa 

Súmula 648-STJ: A superveniência da sentença condenatória prejudica o pedido de trancamento da ação penal por falta de justa causa feito em habeas corpus. STJ. 3ª Seção. Aprovada em 14/04/2021, DJe 19/04/2021. 

Imagine a seguinte situação hipotética: 

O Ministério Público ajuizou ação penal contra João acusando-o da prática de determinado crime. O juiz recebeu a denúncia e determinou a citação do réu para responder a acusação. João apresentou resposta escrita alegando que não havia justa causa e que, portanto, ele deveria ser absolvido sumariamente. O magistrado, contudo, rejeitou o pedido de absolvição sumária e determinou o início da instrução penal. 

João ainda continuava inconformado. Existe algum recurso que ele possa interpor? Cabe algum recurso contra a decisão do juiz que rejeita o pedido de absolvição sumária? 

NÃO. Não existe recurso cabível na legislação para esse caso. Diante disso, a jurisprudência admite a impetração de habeas corpus sob o argumento de que existe risco à liberdade de locomoção. Desse modo, em nosso exemplo, a defesa de João impetrou habeas corpus no Tribunal de Justiça pedindo o trancamento da ação penal por falta de justa causa. O Desembargador negou o pedido de liminar e designou o dia 15/08 para o julgamento do habeas corpus pela Câmara Criminal do TJ. Ocorre que, antes disso, no dia 08/08, o juiz proferiu sentença condenando o réu. 

Diante desse cenário, o que acontece com o julgamento do habeas corpus? O Tribunal de Justiça irá apreciar o mérito do habeas corpus? 

NÃO. A superveniência de sentença condenatória torna prejudicado o pedido feito no habeas corpus se buscava o trancamento da ação penal sob a alegação de falta de justa causa. A sentença condenatória analisa a existência de justa causa de forma mais aprofundada, após a instrução penal com contraditório e ampla defesa. Logo, não faz mais sentido o Tribunal examinar a decisão de rejeição da absolvição sumária se já há uma nova decisão mais aprofundada. Será essa nova manifestação (sentença) que precisará ser analisada. Logo, o réu terá que interpor apelação contra a sentença condenatória, recurso de cognição ampla por meio do qual toda a matéria será devolvida ao Tribunal, que terá a possibilidade de examinar se a condenação foi acertada, ou não. 

Não é cabível examinar a inépcia da inicial acusatória, bem como a justa causa para ação penal, após a prolação de sentença condenatória, porquanto todos os elementos da exordial acusatória, bem como da conduta criminosa, foram amplamente debatidos pelas instâncias ordinárias, em cognição vertical e exauriente. STJ. 5ª Turma. AgRg no HC 463.788/SP, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 13/11/2018. 

O pedido de trancamento do processo por inépcia da denúncia ou por ausência de justa causa para a persecução penal não é cabível quando já há sentença, pois seria incoerente analisar a mera higidez formal da acusação ou os indícios da materialidade delitiva se a própria pretensão condenatória já houver sido acolhida, depois de uma análise vertical do acervo fático e probatório dos autos. STJ. 6ª Turma. RHC 32.524/PR, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 4/10/2016. 

E se a sentença tivesse sido absolutória? Se o juiz tivesse absolvido João, o HC também ficaria prejudicado? 

SIM. Com maior razão, o habeas corpus estaria prejudicado, mas agora por outro motivo: falta de interesse processual já que a providência buscada pela defesa foi alcançada em 1ª instância. Nesse sentido: 

A superveniência de sentença absolutória, na linha da orientação firmada nesta Corte, torna prejudicado o pedido que buscava o trancamento da ação penal sob a alegação de falta de justa causa. STJ. 6ª Turma. AgInt no RHC 31.478/SP, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, julgado em 26/03/2019. 

Essa foi a explicação da súmula. Vejamos agora três situações correlatadas envolvendo habeas corpus. 

Situação 1: O juiz, a requerimento do MP, decretou a prisão preventiva de Pedro. A defesa impetrou habeas corpus no Tribunal de Justiça alegando que não estavam presentes os pressupostos da prisão preventiva. Logo, o advogado pediu, no habeas corpus, a revogação da prisão preventiva. Esse foi o pedido do writ. Antes que o habeas corpus fosse julgado, o juiz prolatou sentença condenando Pedro pelo crime e, na oportunidade, manteve a prisão cautelar, negando o direito do réu de recorrer em liberdade. 

Indaga-se: o habeas corpus fica prejudicado? Depende: 

• se, na sentença, o juiz, para manter a prisão preventiva, se valeu dos mesmos fundamentos que havia utilizado na decisão anterior: o habeas corpus NÃO fica prejudicado. O Tribunal terá que apreciar. 

• se, na sentença, o juiz, para manter a prisão preventiva, se valeu de outros fundamentos diferentes do que já havia utilizado na decisão anterior: o habeas corpus fica prejudicado. Isso porque ainda que o Tribunal entendesse que os argumentos utilizados na decisão não foram corretos, o magistrado já mencionou outros fundamentos para a prisão, devendo esses novos argumentos serem também impugnados. Ex: na decisão que decretou a prisão preventiva, o juiz afirmou que o réu estaria ameaçando as testemunhas (prisão decretada por conveniência da instrução processual). Na sentença, o magistrado manteve a prisão preventiva sob a alegação de que existiria risco concreto de o réu fugir caso ele fosse solto (prisão para assegurar a aplicação da lei penal). 

A sentença penal condenatória superveniente que não permite ao réu recorrer em liberdade, somente prejudica o exame do recurso em habeas corpus quando contiver fundamentos diversos daqueles utilizados na decisão que decretou a prisão preventiva, o que não ocorreu no caso dos autos. STJ. 5ª Turma. RHC 105.673/MG, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 13/08/2019. 

Situação 2: habeas corpus e concessão de suspensão condicional do processo 

Imagine a seguinte situação hipotética: João foi denunciado pela prática do crime de descaminho (art. 334, caput, do CP). O juiz recebeu a denúncia e designou audiência. A defesa de Pedro impetrou habeas corpus no TRF pedindo o trancamento da ação penal por ausência de justa causa. O habeas corpus ficou no TRF aguardando ser julgado. Antes que o writ fosse apreciado, chegou o dia da audiência. Como a pena mínima deste delito é igual a 1 ano, o MP ofereceu proposta de suspensão condicional do processo. João, acompanhado de seu advogado, aceitou a proposta pelo período de prova de 2 anos. 

Diante disso, indaga-se: com a suspensão condicional do processo, o habeas corpus que estava pendente fica prejudicado ou o TRF deverá julgá-lo mesmo assim? O Tribunal deverá julgar o habeas corpus. É a posição tranquila da jurisprudência: 

O fato de o denunciado ter aceitado a proposta de suspensão condicional do processo formulada pelo Ministério Público (art. 89 da Lei nº 9.099/95) não constitui empecilho para que seja proposto e julgado habeas corpus em seu favor, no qual se pede o trancamento da ação penal. Isso porque o réu que está cumprindo suspensão condicional do processo fica em liberdade, mas ao mesmo tempo terá que cumprir determinadas condições impostas pela lei e pelo juiz e, se desrespeitá-las, o curso do processo penal retomará. Logo, ele tem legitimidade e interesse de ver o HC ser julgado para extinguir de vez o processo. STJ. 5ª Turma. RHC 41527-RJ, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 3/3/2015 (Info 557). 

Situação 3: habeas corpus e transação penal 

Imagine agora a seguinte situação hipotética: Pedro foi denunciado pela prática de lesões corporais dolosas. O juiz recebeu a denúncia. A defesa de Pedro impetrou habeas corpus no Tribunal de Justiça pedindo o trancamento da ação penal por ausência de justa causa. O habeas corpus ficou lá no TJ aguardando ser julgado. Enquanto isso, foi designada audiência. No curso da audiência, o Ministério Público, melhor analisando os fatos, entendeu que houve lesões corporais culposas, infração de menor potencial ofensivo, prevista no art. 129, § 6º do Código Penal. Assim, na própria audiência, o Promotor de Justiça pediu a desclassificação para lesões corporais culposas, pleito que foi acolhido pelo juiz. Em seguida, o Promotor ofereceu proposta de transação penal, que foi aceita por João. O juiz homologou o acordo de transação penal e tornou sem efeito a decisão de recebimento da denúncia. A decisão que recebeu a denúncia foi anulada pelo juiz considerando que o benefício da transação penal ocorre antes do início da ação penal. 

Como você lembra, havia um habeas corpus tramitando no TJ e que ainda não havia sido julgado. Diante disso, indaga-se: com a celebração da transação penal, o habeas corpus que estava pendente fica prejudicado ou o TJ deverá julgá-lo mesmo assim? 

• STJ: SIM. Fica prejudicado. A concessão do benefício da transação penal impede a impetração de habeas corpus em que se busca o trancamento da ação penal. STJ. 6ª Turma. HC 495148-DF, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, julgado em 24/09/2019 (Info 657). 

• STF: NÃO. Não impede e o TJ deverá julgar o mérito do habeas corpus. A realização de acordo de transação penal não enseja a perda de objeto de habeas corpus anteriormente impetrado. 

A aceitação do acordo de transação penal não impede o exame de habeas corpus para questionar a legitimidade da persecução penal. Embora o sistema negocial possa trazer aprimoramentos positivos em casos de delitos de menor gravidade, a barganha no processo penal pode levar a riscos consideráveis aos direitos fundamentais do acusado. Assim, o controle judicial é fundamental para a proteção efetiva dos direitos fundamentais do imputado e para evitar possíveis abusos que comprometam a decisão voluntária de aceitar a transação. Não há qualquer disposição em lei que imponha a desistência de recursos ou ações em andamento ou determine a renúncia ao direito de acesso à Justiça. 

STF. 2ª Turma. HC 176785/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 17/12/2019 (Info 964).