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5 de outubro de 2021

A reinquirição de testemunha de defesa, na fase de diligências da ação penal originária, consoante o art. 10 da Lei n. 8.038/1990, não implica a implícita declaração de nulidade da pronúncia, proferida quando não havia prerrogativa de foro

Processo

RHC 133.694-RS, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 14/09/2021, DJe 20/09/2021.

Ramo do Direito

DIREITO PROCESSUAL PENAL

  • Paz, Justiça e Instituições Eficazes
Tema

Pronúncia. Posterior deslocamento da competência para o STF. Mudança de rito. Art. 10 da Lei n. 8.038/1990. Realização de diligências. Nulidade da pronúncia. Inocorrência.

 

DESTAQUE

A reinquirição de testemunha de defesa, na fase de diligências da ação penal originária, consoante o art. 10 da Lei n. 8.038/1990, não implica a implícita declaração de nulidade da pronúncia, proferida quando não havia prerrogativa de foro.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

A diplomação do réu, acusado da prática de homicídio com dolo eventual, no cargo de Deputado Federal, com a subida dos autos ao Supremo Tribunal Federal, conduz a uma alteração do rito processual, que passa a prever uma fase de diligências anterior às alegações escritas, na forma do art. 10 da Lei n. 8.038/1990, sem que isso acarrete a nulidade dos atos anteriormente praticados pelo juízo então competente.

A determinação pela Corte Suprema da reinquirição de testemunhas de defesa, na fase de diligências da ação penal originária, consoante o art. 10 da Lei n. 8.038/1990, não implica na implícita declaração de nulidade da pronúncia, proferida quando não havia prerrogativa de foro, apenas havendo uma diferença de rito, sem a previsão legal da mesma etapa no chamado sumário da culpa, primeira fase do rito dos crimes dolosos contra a vida.

Importante observar, outrossim, que a fase de diligências tinha que ser realmente antecipada pelo STF naquela ocasião, porque no anterior procedimento ela aconteceria posteriormente, na fase dos art. 422, parte final, e art. 423, I, do CPP, justamente "para sanar qualquer nulidade ou esclarecer fato que interesse ao julgamento da causa".

Dito de outra forma, enquanto o procedimento adotado pelo STF estava previsto para o momento anterior aos memoriais, o rito dos crimes dolosos contra a vida apenas o previa para o judicium causae, ou seja, para a sua segunda etapa. Logo, nada mais apropriado do que realmente considerar a medida adotada na Suprema Corte como equivalente às diligências daquele segundo momento do procedimento do Tribunal do Júri, antes apenas do relatório e da inclusão da ação penal em pauta de julgamento (art. 423, II, do CPP).


7 de maio de 2021

CARTA PRECATÓRIA. INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHA. DEPOIMENTO. DEGRAVAÇÃO. ART. 460 DO CPC/2015. COMPETÊNCIA DO JUÍZO DEPRECANTE.

CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 150.252 - SP (2016/0323461-8) 

RELATOR : MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA 

CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. PROCESSUAL CIVIL. DIREITO INTERTEMPORAL. CARTA PRECATÓRIA. INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHA. DEPOIMENTO. DEGRAVAÇÃO. ART. 460 DO CPC/2015. COMPETÊNCIA DO JUÍZO DEPRECANTE. 

1. Cinge-se a controvérsia a definir o juízo competente para a degravação de depoimento colhido nos autos de carta precatória por sistema audiovisual na vigência do Código de Processo Civil de 2015. 

2. O cumprimento de carta precatória é composto por diversos atos, os quais possuem suficiente autonomia para não serem considerados um ato único, mas sim como vários procedimentos isolados, aos quais é possível a aplicação de norma processual superveniente. 

3. Na vigência do Código de Processo Civil de 2015, a colheita de prova testemunhal por gravação passou a ser um método convencional, ficando a degravação prevista apenas para hipóteses excepcionais em que, em autos físicos, for interposto recurso, sendo impossível o envio da documentação eletrônica. 

4. Em caso de precatória inquiritória, a gravação dos depoimentos colhidos em audiência pelo método audiovisual é suficiente para a devolução da carta adequadamente cumprida. 

5. Na hipótese excepcional de se mostrar necessária a degravação, deverá ser realizada pelo juízo deprecante ou pela parte interessada. 

6. Conflito de competência conhecido para declarar a competência do Juízo de Direito da 12ª Vara Cível de São Paulo. 

ACÓRDÃO 

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a Segunda Seção, por unanimidade, conhecer do conflito de competência e declarou competente o suscitante, o Juízo de Direito da 12ª Vara Cível de São Paulo-SP, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Marco Buzzi, Marco Aurélio Bellizze, Moura Ribeiro, Nancy Andrighi, Luis Felipe Salomão, Raul Araújo, Paulo de Tarso Sanseverino e Antonio Carlos Ferreira votaram com o Sr. Ministro Relator. Presidiu o julgamento a Sra. Ministra Maria Isabel Gallotti. 

Brasília (DF), 10 de junho de 2020(Data do Julgamento) 

RELATÓRIO 

O EXMO. SR. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA (Relator): Trata-se de conflito negativo de competência tendo como suscitante o JUÍZO DE DIREITO DA 12ª VARA CÍVEL DE SÃO PAULO - SP, e suscitado o JUÍZO DE DIREITO DA VARA DE PRECATÓRIAS DE GOIÂNIA - GO. 

Colhe-se dos autos que no cumprimento de carta precatória inquiritória, o Juízo de Direito da Vara de Precatórias de Goiânia realizou a colheita da prova oral pelo sistema de audiovisual. Devolvida a carta ao Juízo deprecante, foi aditada e novamente encaminhada ao Juízo deprecado para que realizasse a degravação do depoimento colhido. 

O Juízo da Vara de Precatórios de Goiânia, com fundamento nas normas do Código de Processo Civil de 2015, entendeu não ser devida a degravação, determinando a devolução da carta precatória ao Juízo de São Paulo. 

Diante disso, o Juízo de Direito da 12ª Vara Cível de São Paulo suscitou o presente conflito de competência, fazendo referência aos CC nº 126.798/RS, 126.747/RS e 140.860/SP. 

A Subprocuradoria-Geral da República opinou pela competência do Juízo deprecado em parecer assim sintetizado: 

"CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. PROCESSUAL CIVIL. CARTA PRECATÓRIA. INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHA. DEGRAVAÇÃO DO RESPECTIVO DEPOIMENTO. ART. 460, § 1º, DO CPC. COMPETÊNCIA DO JUÍZO DEPRECADO. PARECER PELA DECLARAÇÃO DA COMPETÊNCIA DO JUÍZO DE DIREITO DA VARA DE PRECATÓRIAS DE GOIÂNIA - GO" (fl. 54, e-STJ). 

É o relatório. 

VOTO 

O EXMO. SR. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA (Relator): Cinge-se a controvérsia a definir o juízo competente para a degravação de depoimento colhido nos autos de carta precatória por sistema audiovisual na vigência do Código de Processo Civil de 2015. 

1. Breve histórico Colhe-se dos autos que na ação monitória ajuizada por Totvs S.A. contra Etasa Empreendimentos Taquaruçu Ltda., em trâmite na 12ª Vara Cível do Foro Central de São Paulo, foi deferida, em 26.2.2013, a oitiva de testemunha residente na Comarca de Goiânia por carta precatória (fl. 4, e-STJ). 

Diante da deficiência de instrução da carta precatória e da necessidade de juntada dos documentos faltantes, o depoimento da testemunha foi colhido somente em 20.5.2016, com a utilização de sistema audiovisual, juntando-se aos autos "a mídia física contendo a gravação do depoimento da(s) testemunha(s), em envelope lacrado com a identificação do processo de origem" (fl. 36, e-STJ). 

Com o retorno da carta precatória, o Juízo da 12ª Vara Cível de São Paulo determinou o seu aditamento e encaminhamento para que o Juízo de Goiânia realizasse a degravação do depoimento, o que foi recusado em vista da seguinte fundamentação: 

"(...) A coleta de prova oral foi realizada por este juízo com observância de todas as formalidades legais, da forma autorizada pelo § 5º do Art. 367 do CPC, que dispõe que 'A audiência poderá ser integralmente gravada em imagem e em áudio, em meio digital ou analógico, desde que assegure o rápido acesso das partes e dos órgãos julgadores, observada a legislação específica'. Nos termos do art. 2º da Resolução nº 105/2010 do CNJ 'Os depoimentos documentados por meio audiovisual não precisam de transcrição. Parágrafo único. O magistrado quando for de sua preferência pessoal, poderá determinar que os servidores que estão afetos a seu gabinete ou secretaria procedam à degravação, observando, nesse caso, as recomendações médicas quanto à prestação desse serviço. Portanto, se é da preferência do juiz deprecante que o depoimento seja transcrito, deverá ele próprio determinar aos servidores de seu gabinete que o faça. A jurisprudência citada pelo juiz deprecante em seu despacho tem por base dispositivo do Código de Processo Civil de 1973, já revogado. Além de não ser atribuição deste juízo, deve ser observado que esta Vara de Precatórias atende o País todo, recebendo mensalmente cerca de duas mil cartas precatórias, realiza em cada período do dia aproximadamente trinta audiências, e não dispõe de estrutura em termos de pessoal para realizar a transcrição dos depoimentos que são colhidos por meio audiovisual" (fls. 39/40, e-STJ). 

Com o retorno da precatória, o Juízo da 12ª Vara Cível de São Paulo decidiu suscitar o presente conflito de competência, afirmando: 

"(...) Este magistrado havia se julgado incompetente para cuidar da degravação do testemunho colhido por carta precatória pelo Juízo da Vara de Precatórios da Comarca de Goiânia, entendendo-a a ele cometida. In verbis: Vistos. Desentranhe-se a carta precatória e restitua-se ao Juízo deprecado, a fim de que providencie com a máxima brevidade a transcrição do depoimento lá colhido e, só depois, devolva-a a este Juízo (pois apenas então estará efetivamente cumprida). Ressalto a compreensão uníssona do C. Superior Tribunal de Justiça a respeito: (...) No mesmo sentido, v.g., os Conflitos de Competência nº 140.860/SP, nº 106.403/RS, nº 123.578/RS, nº 126.799/RS e nº 123.737/RS, todos daquela Corte. Ressalto também, por cautela, que a produção da prova foi-lhe confiada sob a vigência do Código de Processo Civil de 1973, donde são as balizas deste, não do novo diploma, que regulam a concreção dos atos deprecados, até sua conclusão (tempus regit actum). Int. (sic, fls. 375 dos autos, negrito do original, grifo adicionado). De igual teor, vide Conflitos de Competência nº 126.798/RS e nº 140.860/SP, ambos do Superior Tribunal de Justiça, resolvidos ainda sob a égide do Código de Processo Civil de 1973 (que entendo reger a espécie, segundo explicitei acima). Pois bem. Deu-se no destino, porém, que o Juízo deprecado interpretou a questão de modo diverso, recusou a competência para a providência em questão e determinou singelamente a restituição da carta precatória a esta Vara. Todavia, forte nos motivos consignados na r. decisão trás colacionada, sigo compreendendo que cabe àquele Juízo degravar a prova que colheu por meio audiovisual - e, se, como alega, 'não dispõe de estrutura em termos de pessoal para realizar a transcrição dos depoimentos' (sic) então desde logo realizasse o testemunho em suporte físico (papel). Aliás, vale frisar que a presente demanda tramita em autos físicos. De qualquer sorte, a situação desta 12ª Vara Cível Central da Comarca de São Paulo/SP (ingente quantidade de feitos em trâmite, complexidade ímpar de razoável parte deles, precariedade do quadro funcional etc.) certamente não é melhor nem mais tranquila do que a narrada alhures por Sua Excelência, sendo mesmo impraticável deslocar um servidor deste Ofício para suprir procedimento que teria de ter sido executado no destino. Não fomos nós, Magistrado e serventuários do 12º Ofício Cível Central da Comarca de São Paulo/SP, quem criamos o impasse que, em detrimento da celeridade processual, agora se desenha nos autos. Espera-se e requer-se apenas que o Juízo da Vara de Precatórias da Comarca de Goiânia/GO conclua o ato deprecato como lhe compete, degravando o depoimento prestado exatamente a Sua Excelência" (fls. 42/44, e-STJ). 

2. Do conflito de competência 

Nos termos do artigo 66, II, do Código de Processo Civil de 2015, há conflito de competência quando 2 (dois) ou mais juízes se consideram incompetentes, atribuindo um ao outro a competência para determinado ato. 

Na hipótese dos autos, ambos os juízos declararam-se incompetentes para a realização da degravação do depoimento colhido por audiovisual, motivo pelo qual está configurado o conflito negativo de competência. 

3. Da legislação aplicável 

O Juízo suscitante entendeu que o deferimento da oitiva de testemunha em Comarca diversa, a expedição de carta precatória, a colheita do depoimento e a devolução da carta cumprida se constituem em ato único, que uma vez iniciado, deve ser concluído sob a mesma legislação, no caso o Código de Processo Civil de 1973: 

"(...) Ressalto também, por cautela, que a produção da prova foi-lhe confiada sob a vigência do Código de Processo Civil de 1973, donde são as balizas deste, não do novo diploma, que regulam a concreção dos atos deprecados, até sua conclusão (tempus regit actum)" (fl. 43, e-STJ). 

A jurisprudência desta Corte se firmou no sentido de que o Código de Processo Civil de 2015 adotou em matéria de direito intertemporal a teoria do isolamento dos atos processuais, dispondo, em seu art. 14 que "a norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada". Assim, a aplicação da lei nova somente pode se dar em relação aos atos processuais futuros e não àqueles já iniciados ou consumados. 

Apesar de o cumprimento de carta precatória ser composto por diversos atos, esses possuem suficiente autonomia para não serem considerados um ato único, mas sim como vários atos isolados, aos quais é possível a aplicação de norma processual superveniente. 

Com efeito, a carta precatória é um meio de realização de diligências em comarca diversa daquela onde tramita o processo. As normas processuais que tratam das cartas regulam, em linhas gerais, seus requisitos (arts. 202 a 212 do CPC/1973 e arts. 260 a 268 do CPC/2015), mas as diligências a serem realizadas são disciplinadas em normas próprias. 

Diante disso, parece possível concluir que os requisitos para a expedição da carta, como a indicação dos juízes, a menção ao ato que lhe constitui o objeto, o prazo para o seu cumprimento, devem observar a norma vigente no momento de sua expedição. No entanto, a diligência a ser realizada está dissociada desses requisitos, devendo seguir a nova norma processual, pois não há interferência em ato processual já praticado. 

Na hipótese dos autos, a expedição da carta precatória foi deferida em 26.2.2013, durante a vigência do CPC/1973 (fl. 4, e-STJ). A audiência para a oitiva de testemunha ocorreu sob a vigência do CPC/2015, em 20.5.2016 (fl. 36, e-STJ) e o aditamento e devolução da carta pra que o Juízo deprecado realizasse a degravação em 15.6.2016. 

Assim, parece que os 2 (dois) últimos atos devem seguir o regramento do Código de Processo Civil de 2015. 

4. Da jurisprudência formada na vigência do Código de Processo Civil de 1973 

Na vigência do Código de Processo Civil de 1973, a jurisprudência da Segunda Seção se consolidou no sentido de que cabia ao Juízo deprecado a realização da degravação, pois o ato integrava a diligência a ser realizada e o Código, conquanto permitisse a colheita do depoimento por outro meio idôneo, previa sua degravação quando o juiz assim determinasse, de ofício ou por requerimento das partes, ou quando houvesse recurso da sentença. 

Transcreve-se, a propósito, trecho do bem lançado voto do Ministro Luis Felipe Salomão no julgamento do CC nº 126.747/RS: 

"(...) Com efeito, a legislação processual civil possui regramento próprio tratando do tema em questão, qual seja, o art. 417, § 1º, inserido na seção atinente à prova testemunhal, que assim dispõe: Art. 417. O depoimento, datilografado ou registrado por taquigrafia, estenotipia ou outro método idôneo de documentação, será assinado pelo juiz, pelo depoente e pelos procuradores, facultando-se às partes a sua gravação. § 1º. O depoimento será passado para a versão datilográfica quando houver recurso da sentença ou noutros casos, quando o juiz o determinar, de ofício ou a requerimento da parte. Assim, para logo cabe esclarecer que a Resolução n. 105/2010, do Conselho Nacional de Justiça - CNJ, dispõe sobre a matéria no âmbito do processo penal. No campo do processo civil, como visto, não há lacuna, devendo, a meu juízo, ser aplicado o dispositivo legal antes indicado. 6. Com efeito, o legislador, mesmo havendo registro da audiência e depoimentos em outro meio idôneo de documentação, não parece ter dispensado a versão vertida para o escrito quando o ato é praticado por precatória. De fato, com o avanço tecnológico observado na 'era digital' surgiu a Lei n. 11.419 de 19 de dezembro de 2006 (Lei do Processo Eletrônico), que deu nova redação ao § 1º do art. 417, acima transcrito. A mencionada Lei, ao possibilitar o registro dos depoimentos de testemunhas por taquigrafia, estenotipia ou outro método idôneo de documentação, não só permitiu tornar mais mais céleres os depoimentos, tendo em vista a desnecessidade de sua redução a termo, mas também possibilitou registro fiel da íntegra do ato, com imagem e som, em vez da simples escrita. Em relação à necessidade de degravação dos depoimentos colhidos, nos termos do § 1º do art. 417 do CPC, este só deverá ser datilografado quando houver recurso da sentença ou em alguns poucos casos, quando o julgador o determinar, de ofício, ou a requerimento da parte. É bem de ver que o Poder Judiciário tem buscado, nos recursos tecnológicos, meios para otimizar a prestação jurisdicional em busca da celeridade; porém, deve-se harmonizar todos os interesses daqueles que atuam no feito, observando-se, por óbvio, o devido processo legal. Nesse contexto, a regra trazida pelo Código de Processo Civil, de desnecessidade de degravação e de não transcrição dos depoimentos orais registrados por taquigrafia, estenotipia ou outro método idôneo de documentação, deve ser adequada quando ocorrer a deprecação do ato. Realmente, se ao juiz deprecante, por qualquer motivo, ocorrer a necessidade de ter acesso ao conteúdo dos depoimentos orais registrados pelos referidos meios, pode, nesse caso, de ofício ou a requerimento das partes, determinar que o depoimento seja degravado e passado para a versão datilográfica, providência que incumbirá ao juízo deprecado" (grifou-se). 

O Código de Processo Civil de 2015 inovou ao permitir, no artigo 453, § 1º, a oitiva de testemunha que residir em comarca diversa por meio de videoconferência, o que dispensa, inclusive, a utilização de carta precatória, ao menos em parte. 

No que se refere à forma de colheita da prova, privilegiou aquela obtida por meio de gravação, ao prever essa hipótese no caput do art. 460. A degravação, quando se tratar de autos físicos, deve ocorrer em situações em que for impossível o envio da documentação eletrônica com o recurso interposto. Eis a redação do artigo: 

"Art. 460. O depoimento poderá ser documentado por meio de gravação. § 1º Quando digitado ou registrado por taquigrafia, estenotipia ou outro método idôneo de documentação, o depoimento será assinado pelo juiz, pelo depoente e pelos procuradores. § 2º Se houver recurso em processo em autos não eletrônicos, o depoimento somente será digitado quando for impossível o envio de sua documentação eletrônica. § 3º Tratando-se de autos eletrônicos, observar-se-á o disposto neste Código e na legislação específica sobre a prática eletrônica de atos processuais" (grifou-se). 

Observa-se que o artigo 460 do CPC/2015 não mais prevê, como fazia o artigo 417, § 1º, do CPC/1973, a degravação "noutros casos, quando o juiz o determinar, de ofício ou a requerimento da parte". Isso não significa que essas hipóteses são vedadas, mas demonstra o intuito do Código de incentivar a utilização da mídia eletrônica, tornando a degravação uma situação excepcional. 

Nesse contexto, como a gravação passou a ser um método convencional e a degravação está prevista somente "quando for impossível o envio de sua documentação eletrônica", parece que o juízo deprecado pode realizar a colheita da prova por gravação sem realizar a transcrição, pois se supõe que o envio da mídia eletrônica já é suficiente para se entender o ato como completo, estando regularmente cumprida a carta precatória. Vale ressaltar que a utilização da gravação por audiovisual permite a realização de um número expressivo de audiências no mesmo dia, conforme relatou o Juízo suscitado (fl. 40, e-STJ). 

5. Do caso concreto 

No caso dos autos a audiência para a oitiva de testemunha ocorreu em 20.5.2016 (fl. 36, e-STJ) e o aditamento e devolução da carta pra que o Juízo deprecado realizasse a degravação em 15.6.2016. Assim, os atos foram realizados já na vigência do Código de Processo Civil de 2015. 

O juízo suscitado consignou que as partes presentes não se opuseram à colheita da prova pelo sistema audiovisual e devolveu a carta precatória com a juntada da "mídia física contendo a gravação do depoimento da(s) testemunha(s), em envelope lacrado com a identificação do processo de origem" (fl. 36, e-STJ). 

Assim, à luz do disposto no artigo 460 do CPC/2015, o juízo deprecado cumpriu a carta precatória em sua integralidade, devendo ser reconhecida a competência do juízo deprecante para realizar ou autorizar que as partes realizem a degravação caso se mostre necessária. 

6. Do dispositivo 

Ante o exposto, conheço do conflito para declarar a competência do JUÍZO DE DIREITO DA 12ª VARA CÍVEL DE SÃO PAULO - SP. 

É o voto. 

30 de abril de 2021

DIREITO PROCESSUAL PENAL / PROVAS: Descumprimento do art. 212 do CPP e eventual nulidade processual

Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/04/info-1012-stf.pdf


DIREITO PROCESSUAL PENAL / PROVAS: Descumprimento do art. 212 do CPP e eventual nulidade processual 

Não cabe ao juiz, na audiência de instrução e julgamento de processo penal, iniciar a inquirição de testemunha, cabendo-lhe, apenas, complementar a inquirição sobre os pontos não esclarecidos. STF. 1ª Turma. HC 187035/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 6/4/2021 (Info 1012). 

Art. 212 do CPP e Lei nº 11.690/2008 

O art. 212 do Código de Processo Penal dispõe sobre a forma de inquirição das testemunhas na audiência. Este dispositivo foi alterado no ano de 2008 e atualmente prevê: 

Art. 212. As perguntas serão formuladas pelas partes diretamente à testemunha, não admitindo o juiz aquelas que puderem induzir a resposta, não tiverem relação com a causa ou importarem na repetição de outra já respondida. Parágrafo único. Sobre os pontos não esclarecidos, o juiz poderá complementar a inquirição. (Redação dada pela Lei nº 11.690/2008) 

Com a reforma do CPP, operada pela Lei nº 11.690/2008, a participação do juiz na inquirição das testemunhas foi reduzida ao mínimo possível. Desse modo, as perguntas agora são formuladas diretamente pelas partes (MP e defesa) às testemunhas (sistema de inquirição direta ou cross examination). 

Quem começa perguntando: quem arrolou 

Outra inovação trazida é pela Lei nº 11.690/2008: quem começa perguntando à testemunha é a parte que teve a iniciativa de arrolá-la. Ex: na denúncia, o MP arrolou duas testemunhas (Carlos e Fernando). A defesa, na resposta escrita, também arrolou uma testemunha (André). No momento da audiência de instrução, inicia-se ouvindo as testemunhas arroladas pelo MP (Carlos e Fernando). 

Quem primeiro fará perguntas a essas testemunhas? 

O Ministério Público. Quando o MP acabar de perguntar, a defesa terá direito de formular seus questionamentos e, por fim, o juiz poderá complementar a inquirição, se houver pontos não esclarecidos. 

Depois de serem ouvidas todas as testemunhas de acusação, serão inquiridas as testemunhas de defesa (no exemplo dado, apenas André). Quem primeiro fará as perguntas a André? 

A defesa. Quando a defesa acabar de perguntar, o Ministério Público terá direito de formular questionamentos e, por fim, o juiz poderá complementar a inquirição, se houver pontos não esclarecidos. 

Como funciona(va) na prática a inquirição? 

Redação original do CPP 

As perguntas elaboradas pelas partes (MP e defesa) eram feitas à testemunha por intermédio do juiz. Era o chamado sistema presidencialista. Assim, pelo sistema antigo, o Promotor de Justiça falava: “Excelência, eu queria saber da testemunha se ela viu o réu matar a vítima”. O juiz então falava: “testemunha, você viu o réu matar a vítima?” Só quando o juiz reperguntava é que a testemunha podia responder o questionamento. Era um excesso de formalismo que em nada contribuía para a celeridade e simplicidade da instrução. 

Depois da Lei nº 11.690/2008 (atualmente) 

As perguntas são formuladas pelas partes diretamente à testemunha. É o chamado sistema da inquirição direta. O sistema de inquirição direta divide-se em: 

a) direct examination (quando a parte que arrolou a testemunha faz as perguntas) e 

b) cross examination (quando a parte contrária é quem formula as perguntas). Em provas, contudo, é comum vir a expressão cross examination como sinônima de inquirição direta. 

Ex: o Juiz passa a palavra ao promotor: “Dr., o senhor pode formular as perguntas diretamente à testemunha arrolada pela acusação.” Daí, então, o Promotor inicia as perguntas, dirigindo-se diretamente à testemunha: “Você viu o réu matar a vítima? O réu segurava um revólver? Qual era a cor de sua camisa?” 

O que o juiz fará? 

Em regra, o juiz deverá apenas ficar calado, ouvindo e valorando, em seu íntimo, as perguntas e as respostas. O juiz deverá, contudo, intervir e indeferir a pergunta formulada pela parte caso se verifique uma das seguintes situações: 

a) Quando a pergunta feita pela parte puder induzir a resposta da testemunha; 

b) Quando a pergunta não tiver relação com a causa; 

c) Quando a pergunta for a repetição de outra já respondida. 

Se ocorrer alguma dessas três situações, o juiz deverá indeferir a pergunta antes que a testemunha responda. 

Como funciona(va) na prática a ordem das perguntas? 

Redação original do CPP 

O juiz era quem começava perguntando para as testemunhas. A ordem de perguntas era a seguinte: 

1º) O juiz fazia todas as perguntas que queria; 

2º) A parte que arrolou a testemunha fazia outras perguntas; 

3º) A parte contrária àquela que arrolou a testemunha fazia outras perguntas. 

Ex: Ivo foi arrolado como testemunha pela defesa. O juiz começava perguntando. Quando acabava, a defesa fazia perguntas. Por fim, o MP formulava seus questionamentos. 


Depois da Lei nº 11.690/2008 (atualmente) 

As partes formulam as perguntas à testemunha antes do juiz, que é o último a inquirir. A ordem de perguntas é atualmente a seguinte: 

1º) A parte que arrolou a testemunha faz as perguntas que entender necessárias; 

2º) A parte contrária àquela que arrolou a testemunha faz outras perguntas; 

3º) O juiz, ao final, poderá complementar a inquirição sobre os pontos não esclarecidos. 

Ex: Ivo foi arrolado como testemunha pela defesa. A defesa do réu começa perguntando. Quando acabar, o juiz passa a palavra ao MP, que irá formular as perguntas que entender necessárias. Por fim, o juiz poderá perguntar sobre algum ponto que não foi esclarecido. Vimos que o juiz é, portanto, o último a perguntar, fazendo-o apenas para complementar pontos não esclarecidos. 

O que acontece se o juiz não obedecer a esta regra? O que ocorre se o juiz iniciar as perguntas, inquirindo a testemunha antes das partes? 

Existem duas correntes sobre o tema: 

1ª corrente: se o juiz inicia as perguntas há inobservância do art. 212 do CPP, o que gera a nulidade do ato. É como se fosse uma nulidade absoluta: 

Não cabe ao juiz, na audiência de instrução e julgamento de processo penal, iniciar a inquirição de testemunha, cabendo-lhe, apenas, complementar a inquirição sobre os pontos não esclarecidos. STF. 1ª Turma. HC 161658/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 2/6/2020 (Info 980). STF. 1ª Turma. HC 187035/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 6/4/2021 (Info 1012). 

No caso concreto, a defesa alegou nulidade processual por desrespeito ao art. 212 do CPP, por ter o juízo inquerido diretamente as testemunhas. A magistrada que presidia a audiência reputou observados o contraditório e a ampla defesa, porque depois de perguntar, ela permitiu que os defensores e o MP fizessem questionamentos. A 1ª Turma do STF, por maioria (3x2), entendeu que houve nulidade. A alteração promovida pela Lei nº 11.690/2008 modificou substancialmente a sistemática procedimental da inquirição de testemunhas. As partes, em modelo mais consentâneo com o sistema acusatório, têm o protagonismo na audiência. Cabe-lhes a formulação de perguntas diretamente às testemunhas. Ao juiz, como presidente da audiência, cabe o controle do ato processual para que a prova seja produzida nos moldes legais e pertinentes ao caso. Ele não atua como mero espectador, mas exerce, no tocante à produção da prova testemunhal, especificamente quanto à formulação de perguntas às testemunhas, papel subsidiário, secundário, de modo que somente é legítima sua atividade instrutória após o prévio exercício do direito à prova pelas partes e para saneamento de dúvida quanto a aspectos não esclarecidos e relevantes. Não pode o magistrado, em substituição à atuação das partes, ser o protagonista do ato de inquirição e tomar para si o papel de primeiro questionador das testemunhas, mesmo porque compete às partes a comprovação do quanto alegado. 

2ª corrente: o fato de o juiz iniciar a inquirição das testemunhas pode gerar, quando muito, nulidade relativa, cujo reconhecimento depende da demonstração do prejuízo para a parte que a suscita. 

A inobservância do procedimento previsto no art. 212 do CPP pode gerar, quando muito, nulidade relativa, cujo reconhecimento depende da demonstração do prejuízo para a parte que a suscita. A defesa trouxe argumentação genérica, sem demonstrar qualquer prejuízo concretamente sofrido, capaz de nulificar o julgado. Nesse contexto, incide a regra segundo a qual não haverá declaração de nulidade quando não demonstrado o efetivo prejuízo causado à parte (pas de nullité sans grief). STF. 1ª Turma. HC 177530 AgR, Rel. Alexandre de Moraes, julgado em 20/12/2019. 

Jurisprudência em Teses (Ed. 69) Tese 12: A inquirição das testemunhas pelo Juiz antes que seja oportunizada às partes a formulação das perguntas, com a inversão da ordem prevista no art. 212 do Código de Processo Penal, constitui nulidade relativa. 

Não é possível anular o processo, por ofensa ao art. 212 do Código de Processo Penal, quando não verificado prejuízo concreto advindo da forma como foi realizada a inquirição das testemunhas, sendo certo que, segundo entendimento consolidado neste Superior Tribunal, o simples advento de sentença condenatória não tem o condão, por si só, de cristalizar o prejuízo indispensável para o reconhecimento da nulidade. STJ. 5ª Turma. AgRg no AREsp 1493757/SP, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 28/04/2020. 

A inquirição das testemunhas pelo juiz antes que seja oportunizada a formulação das perguntas às partes, com a inversão da ordem prevista no art. 212 do Código de Processo Penal, constitui nulidade relativa. Não havendo demonstração do prejuízo, nos termos exigidos pelo art. 563 do mesmo estatuto processual, não se procede à anulação do ato. STJ. 6ª Turma. AgRg no HC 578.934/SP, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 02/06/2020. 

Assim, não deve ser acolhida a alegação de nulidade em razão da não observância da ordem de formulação de perguntas às testemunhas, estabelecida pelo art. 212 do CPP, se a parte não se desincumbiu do ônus de demonstrar o prejuízo decorrente da inversão da ordem de inquirição das testemunhas. A demonstração de prejuízo, a teor do art. 563 do CPP, é essencial à alegação de nulidade. 

Essa segunda corrente parece ser majoritária, tendo sido adotada em provas de concurso: 

 (Juiz TJ/BA 2019 CEBRASPE) A formulação de perguntas pelo juiz com a inversão do rito previsto no art. 212 do CPP é causa de nulidade que independe da demonstração de prejuízo. (errado) 

 (Promotor MP/MS 2018) Na audiência de instrução e julgamento, porque iniciada a inquirição pelo próprio magistrado, em desobediência a ordem disposta no Código de Processo Penal, há nulidade relativa, devendo a parte interessada arguir a nulidade no próprio ato, sob pena de preclusão. (certo) 

 (Juiz de Direito TJ/RS 2012) Conforme determina o art. 212 do Código de Processo Penal, as perguntas serão formuladas pelas partes diretamente à testemunha. Não observado esse sistema, impõe-se a declaração de nulidade, desde que demonstrado o prejuízo. (certo) 

 (Delegado PC/MA 2012 FGV) Desde a reforma do Código de Processo Penal realizada pela Lei 11.690 de 2008, as perguntas às testemunhas devem ser formuladas diretamente pelas partes. Contudo, de acordo com a jurisprudência majoritária dos Tribunais Superiores, se o magistrado iniciar as perguntas haverá apenas nulidade relativa. (certo)

18 de abril de 2021

Não cabe ao juiz, na audiência de instrução e julgamento de processo penal, iniciar a inquirição de testemunha, cabendo-lhe, apenas, complementar a inquirição sobre os pontos não esclarecidos

 DIREITO PROCESSUAL PENAL – PROVAS

 

Atuação do juiz e ordem de inquirição de testemunhas - HC 187035/SP 

 

Resumo:

 

Não cabe ao juiz, na audiência de instrução e julgamento de processo penal, iniciar a inquirição de testemunha, cabendo-lhe, apenas, complementar a inquirição sobre os pontos não esclarecidos.

 

Assim dispõe o art. 212 do Código de Processo Penal (CPP) (1) o qual prevê a possibilidade de o próprio juiz veicular perguntas apenas se verificados, ante o questionamento das partes, pontos não esclarecidos (2).

A alteração promovida pela Lei 11.690/2008 modificou substancialmente a sistemática procedimental da inquirição de testemunhas. As partes, em modelo mais consentâneo com o sistema acusatório, têm o protagonismo na audiência. Cabe-lhes a formulação de perguntas diretamente às testemunhas. Ao juiz, como presidente da audiência, cabe o controle do ato processual para que a prova seja produzida nos moldes legais e pertinentes ao caso. Ele não atua como mero espectador, mas exerce, no tocante à produção da prova testemunhal, especificamente quanto à formulação de perguntas às testemunhas, papel subsidiário, secundário, de modo que somente é legítima sua atividade instrutória após o prévio exercício do direito à prova pelas partes e para saneamento de dúvida quanto a aspectos não esclarecidos e relevantes.

Não pode o magistrado, em substituição à atuação das partes, ser o protagonista do ato de inquirição e tomar para si o papel de primeiro questionador das testemunhas, mesmo porque compete às partes a comprovação do quanto alegado (3).

Com base nesse entendimento, a Primeira Turma, por maioria, deferiu a ordem de habeas corpus, para reconhecer a nulidade do processo-crime a partir da audiência de instrução, com a necessária renovação do ato. Vencidos os ministros Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso.

(1) CPP: “Art. 212. As perguntas serão formuladas pelas partes diretamente à testemunha, não admitindo o juiz aquelas que puderem induzir a resposta, não tiverem relação com a causa ou importarem na repetição de outra já respondida. Parágrafo único. Sobre os pontos não esclarecidos, o juiz poderá complementar a inquirição.”

(2) Precedente: HC 111.815/SP, redator do acórdão Min. Luiz Fux (DJe de 14.2.2018).

(3) CPP: “Art. 156.  A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício:”

HC 187035/SP, relator Min. Marco Aurélio, julgamento em 6.4.2021