RECURSO ESPECIAL Nº 1.793.637 - PR (2019/0019483-5)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
3ª TURMA
UNANIMIDADE
1. Cuida-se de ação de cobrança de complementação de indenização
securitária do DPVAT por invalidez permanente.
2. Recurso especial interposto em: 18/06/2018; conclusos ao gabinete em:
05/02/2019; aplicação do CPC/15.
3. O propósito recursal consiste em determinar se configura julgamento
para além do pedido (ultra petita) a sentença que concede à vítima de
acidente automobilístico o valor da indenização pelo DPVAT condizente com
o grau de sua invalidez, segundo apurado em perícia do IML superveniente
ao ajuizamento da ação e em valores diversos dos constantes no final da
petição inicial.
4. Agindo o juiz fora dos limites definidos pelas partes e sem estar amparado
em permissão legal que o autorize examinar questões de ofício, haverá
violação ao princípio da congruência, haja vista que o pedido delimita a
atividade do juiz, que não pode dar ao autor mais do que ele pediu,
julgando ultra petita (além do pedido).
5. O CPC/15 contém, contudo, expressa ressalva aos limites do pedido,
permitindo ao juiz considerar fatos supervenientes que constituam o direito
envolvido na lide, na forma do art. 493 do CPC/15.
6. Cabe ao julgador, ademais, a interpretação lógico-sistemática do pedido
formulado na petição inicial a partir da análise dos fatos e da causa de
pedir, o que atende à necessidade conceder à parte o que foi efetivamente
requerido por ela, interpretando o pedido a partir de um exame completo
da petição inicial, e não apenas da parte da petição destinada aos requerimentos finais, sem que isso implique decisão extra ou ultra petita. Precedentes.
7. É indispensável a realização de perícia para verificar o grau de invalidez
do segurado a fim de estabelecer o valor da indenização por invalidez
permanente do seguro obrigatório DPVAT, pois o valor da referida
indenização somente pode ser aferido de acordo com a quantificação da
extensão das lesões sofridas pela vítima. Precedentes.
8. O seguro obrigatório DPVAT é seguro de nítido caráter social cuja
indenização deve ser paga pelas seguradoras sem qualquer margem de
discricionariedade e sempre que atendidos os requisitos da Lei 6.194/74.
Precedente.
9. Assim, o pedido de complementação da indenização paga a menor deve
ser interpretado sistematicamente, a fim de garantir à vítima o valor
correspondente à lesão por ela sofrida, segundo o grau de sua invalidez,
ainda que o pedido específico, formulado ao final da peça inicial, tenha sido
formulado equivocadamente, com a fixação de valor definido; e, não o
suficiente, a eventual realização de laudo pericial pelo Instituto Médico
Legal (IML) no curso do processo deve ser considerado fato superveniente
constitutivo do direito do autor, na forma do art. 493 do CPC/15.
10. Na hipótese concreta, por aplicação da norma constante no art. 493 do
CPC/15, o acórdão que concede ao recorrente a indenização conforme a
posterior perícia médica do IML não pode ser considerada para além do
pedido (ultra petita), razão pela qual não havia motivos para a limitação da
complementação da indenização aos valores numéricos referidos à inicial.
11. Recurso especial provido.
O propósito recursal consiste em determinar se configura julgamento
para além do pedido (ultra petita) a sentença que concede à vítima de acidente
automobilístico o valor da indenização pelo DPVAT condizente com o grau de sua
invalidez, segundo apurado em perícia do IML superveniente ao ajuizamento da
ação e em valores diversos dos constantes no final da petição inicial.
Recurso especial interposto em: 18/06/2018;
Conclusos ao gabinete em: 05/02/2019;
Aplicação do CPC/15.
1. DO PRINCÍPIO DA CONGRUÊNCIA OU ADSTRIÇÃO E DA
SENTENÇA ALÉM DO PEDIDO (ULTRA PETITA)
Um dos mais importantes princípios que instruem o Direito Processual
Civil é o dispositivo, ou da inércia da jurisdição, segundo o qual o direito de ação
pertence às partes ou interessados, sendo o processo instaurado somente mediante sua provocação, conforme previsto, de forma expressa, no art. 2º do
CPC/15.
O princípio da congruência ou adstrição entre o pedido e a sentença é,
por sua vez, manifestação necessária do princípio dispositivo, “daí por que, sendo o
objeto da causa o pedido do autor, não pode o juiz decidir fora dele” (THEODORO
JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil, vol. I, 55ª ed., Rio de Janeiro:
Forense, 2014, pág. 559).
O princípio da congruência se encontra previsto no art. 141 do
CPC/15, e pode ser decomposto em pelo menos duas regras: a) “o conflito de
interesses que surgir entre duas pessoas será decidido pelo juiz não totalmente,
mas apenas nos limites que elas o levarem ao processo” (BARBI. Celso Agrícola.
Comentários ao Código de Processo Civil, Vol. 1, 14ª ed., Rio de Janeiro:
Forense, 2010, pág. 403); e b) o juiz não pode “conhecer de questões não
suscitadas, a cujo respeito a lei exige iniciativa das partes” (Idem, ibidem, pág.
404).
As ressalvas a essas duas regras, que correspondem à atuação de
ofício do magistrado, são excepcionais e estão previstas de forma expressa no
texto legal.
1.1. DA SENTENÇA ALÉM DO PEDIDO (ULTRA PETITA)
Agindo o juiz fora dos limites definidos pelas partes e sem estar
amparado em permissão legal que o autorize examinar questões de ofício, haverá
violação ao princípio da congruência, haja vista que “o pedido delimita a atividade
do juiz (CPC, arts. 2º, 128, 459, 1º parte, e 460), que naÞo pode dar ao autor
mais do que ele pediu, julgando ultra petita (aleìm do pedido), nem
conceder ao autor coisa diversa da pedida, julgando extra petita (fora do pedido), como naÞo pode deixar de se pronunciar sobre todo o pedido, julgando, neste
uìltimo caso, citra petita (aqueìm do pedido)” (BERMUDES, Sergio. Introdução ao
Processo Civil. 5ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2010, pág. 44, sem destaque no
original).
As sentenças extra petita e ultra petita representam a atuação
jurisdicional para mais do que fora delimitado pelas partes com a propositura da
ação, mas, na sentença extra petita, o juiz decide para fora do que estava em causa
(prestação jurisdicional mal executada, porque se presta o que não estava para ser
prestado, se resolve o que não se tinha de resolver), e na ultra petita, decide além
do pedido (prestando às partes mais do que se tinha de prestar).
O julgamento além do pedido (ultra petita) se refere estritamente ao
pedido mediato, isto é, ao bem da vida objeto da tutela jurisdicional, pois,
conforme ressalta a doutrina “o juiz está condicionado a ele para a prolação de sua
sentença, ou seja, indicada a quantidade de bem da vida que se pretende
obter no caso concreto, o juiz não poderá ir além dessa quantificação, concedendo ao autor a mais do que foi pedido” (NEVES, Daniel Amorim
Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. Volume único, 8ª ed., Salvador:
JusPodivum, 2016, livro digital, sem destaque no original).
De fato, no julgamento para além do pedido, o juiz decide o pedido
relativo ao bem da vida que foi formulado na causa, mas vai além dele, dando às
partes mais do que fora pleiteado na inicial, conforme prevê a segunda parte do
art. 492 do CPC/15.
1.2. DA RESSALVA AO JULGAMENTO ULTRA PETITA E DA
POSSIBILIDADE DE O JUIZ, DE OFÍCIO, TOMAR EM CONSIDERAÇÃO FATO
CONSTITUTIVO DO DIREITO QUE INFLUENCIE NO JULGAMENTO DO MÉRITO (ART. 493 DO CPC/15)
A previsão do art. 492 do CPC/15, que proíbe o julgamento diverso do
pedido (extra petita) e o para além do pedido (ultra petita), é objeto de expressa
ressalva no próprio texto legal.
Com efeito, à luz do disposto no art. 493 do CPC/15, é dever do
julgador tomar em consideração, mesmo de ofício, fatos supervenientes que
influam no julgamento da lide, constituindo, modificando ou extinguindo o direito
material alegado, sob pena de a prestação jurisdicional se tornar desprovida de
eficácia ou inapta à justa composição da lide.
Esse dispositivo se alinha à a jurisprudência desta Corte segundo a
qual “a prestação jurisdicional há de compor a lide como esta se apresenta
no momento da entrega” (REsp 156.752/RS, 4ª Turma, DJ de 08/06/1999, sem
destaque no original), sob pena de se tornar contraditória aos fatos revelados e
inapta à justa composição do conflito de interesses.
De fato, por força da previsão do art. 493 do CPC/15, “o julgador deve
sentenciar o processo tomando por base o estado em que o mesmo se
encontra, recepcionando, se for o caso, fato constitutivo que se implementou
supervenientemente ao ajuizamento da ação” (REsp 1720288/RS, Terceira Turma,
DJe 29/05/2020, sem destaque no original), o que é realizado com o objetivo de “de evitar decisões contraditórias e prestigiar os princípios da economia
processual e da segurança jurídica” (AgInt no REsp 1387812/PR, Quarta
Turma, DJe 13/03/2020).
O art. 492 deve, pois, ser interpretado sistematicamente com a
previsão do art. 493 do CPC/15, de forma a se extrair a norma de que esse
reconhecimento de fatos supervenientes que interfiram no julgamento justo da
lide respeita integralmente os princípios da adstrição e da congruência, sobretudo porque não pode implicar alteração da causa de pedir ou do pedido.
Realmente, o fato novo levado em consideração no julgamento não
modifica a causa de pedir e/ou o pedido, haja vista que o fato superveniente que
deve ser considerado no decidir é aquele estreitamente vinculado a lide posta à
apreciação, levando em conta a causa de pedir já deduzida.
Portanto, consoante lição de HUMBERTO THEODORO JÚNIOR:
"A proibição de mudar o pedido e aquela que impede o
juiz de julgar ultra ou extra petita não excluem a possibilidade de o
juiz levar em conta fato superveniente à propositura da ação. A tanto
autoriza o art. 493, desde que o fato novo tenha influência no julgamento da
lide, se refira, obviamente, ao mesmo fato jurídico que já constitui o
objeto da demanda e possa ser tido, em frente a ele, como fato constitutivo,
modificativo ou extintivo. (Curso de Direito Processual Civil, Vol. 1, 56ª ed., Rio
de Janeiro: Forense, 2015, livro digital, sem destaque no original)"
1.3. DA INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA DO PEDIDO DA INICIAL
Seguindo essa mesma linha de justa composição da lide e de
preservação da economia processual e da segurança jurídica, o CPC/15 previu
expressamente em seu art. 322, § 2º, que a interpretação do pedido considerará o
conjunto da postulação e observará o princípio da boa-fé.
Conforme ressalta a doutrina, o objetivo dessa previsão é impor ao
julgador uma visão mais ampla, de forma a observar que “a leitura do pedido não
pode limitar-se à sua literalidade, devendo ser feita sistematicamente, ou seja,
dentro da visão total do conjunto da postulação” (THEODORO JÚNIOR.
Humberto. Curso de Direito Processual Civil, Vol. 1, 56ª ed., Rio de Janeiro:
Forense, 2015, livro digital, sem destaque no original).
A orientação sedimentada no citado dispositivo legal se coaduna com
a jurisprudência desta Corte, que firmou entendimento no sentido de que cabe ao
julgador a interpretação lógico-sistemática do pedido formulado na petição inicial a partir da análise dos fatos e da causa de pedir, considerados em todo o seu
conteúdo. Nesse sentido: REsp 1.255.398/SP, 3ª Turma, DJe de 30/05/2014; AgInt
no AREsp 667.492/MS, DJe de 30/04/2018.
Esta posição consolidada do STJ atende à necessidade conceder à
parte o que foi efetivamente requerido por ela, interpretando o pedido a partir de
um exame completo da petição inicial, e não apenas da parte da petição
destinada aos requerimentos finais, sem que isso implique decisão extra ou
ultra petita. Nesse sentido: REsp 1.639.016/RJ, 3ª Turma, DJe de 04/04/2017;
EDcl no REsp 1.331.100/BA, 4ª Turma, DJe de 10/08/2016; AgRg no Ag
886.219/RS, 3ª Turma, DJe de 07/05/2008 e REsp 440.221/ES, 4ª Turma, DJ de
11/10/2004.
2. DA INDENIZAÇÃO DO DPVAT POR INVALIDEZ PERMANENTE
E DA AFERIÇÃO DA GRAVIDADE DAS LESÕES POR PERÍCIA PELO
INSTITUTO MÉDICO LEGAL
As previsões de interpretação sistemática do pedido e a possibilidade
expressa de o juiz levar em consideração os fatos supervenientes constitutivos,
modificativos ou extintivos do direito que influam no julgamento da causa, na
forma dos arts. 322, § 2º, e 493 do CPC/15, encontram completa adequação nas
ações de complementação de valor indenizatório do DPVAT.
Em primeiro lugar, porque a jurisprudência da e. Segunda Seção
reconhece o caráter social do seguro obrigatório DPVAT, aduzindo que as “seguradoras, [...] não possuem qualquer margem discricionária para
efetivação do pagamento da indenização securitária, sempre que presentes
os requisitos estabelecidos na lei”, porquanto “a Lei n. 6.194/74, em atendimento
a sua finalidade social, é absolutamente protetiva à vítima do acidente” (REsp 1091756/MG, Segunda Seção, DJe 05/02/2018, sem destaque no original).
Em segundo, porque a leitura conjugada dos artigos 3º e 5º da Lei
6.194/74 permite inferir que o legislador estabeleceu apenas o limite máximo do
valor da indenização por invalidez permanente, correspondente a até R$ 13.500,00
(treze mil e quinhentos reais), na redação dada pela Lei 11.482/2007, o que
justifica a necessidade de que as lesões sejam quantificadas pelo instituto médico
legal competente para que se possa apurar o grau de incapacidade do segurado,
fixando-se, em razão da extensão das lesões por ele sofridas, a respectiva
compensação indenizatória.
É, assim, indispensável a realização de perícia para verificar o grau de
invalidez do segurado a fim estabelecer o valor da indenização por invalidez
permanente do seguro obrigatório DPVAT, pois o valor da referida indenização
somente pode ser aferido de acordo com a quantificação da extensão das lesões
sofridas pela vítima.
A doutrina salienta que, mesmo nas hipóteses em que a gravidade das
lesões impliquem uma evidente e imediata invalidez permanente, é “necessária
a obtenção de laudo do Instituto Médico-Legal da jurisdição do acidente ou
da residência da vítima para 'verificação da existência e quantificação das
lesões permanentes, totais ou parciais' [...]"(BERMUDES, Sérgio e FERREIRA,
Frederico. Termo inicial da prescrição do Seguro DPVAT. in: DPVAT: um seguro em
evolução. Rio de Janeiro: Renovar, 2013, p. 262, sem destaque no original).
Nesse mesmo sentido da indispensabilidade do laudo pericial do IML
se posiciona a jurisprudência desta Corte, que, ao examinar os Temas 668 e 875 do
STJ, que se referiam à “discussão sobre o termo inicial da prescrição nas
demandas por indenização do seguro DPVAT nos casos de invalidez permanente da
vítima”, firmou a tese de que “exceto nos casos de invalidez permanente notória, ou naqueles em que o conhecimento anterior resulte comprovado na fase de
instrução, a ciência inequívoca do caráter permanente da invalidez
depende de laudo médico” (REsp 1388030/MG, Segunda Seção, julgado em
11/06/2014, DJe 01/08/2014).
Essa orientação jurisprudencial é reiterada e aprofundada em julgados
recentes, que consignam que “quando, porém, referida pretensão estiver fundada
na natureza permanente da invalidez, o termo inicial da prescrição será a data
da ciência inequívoca dessa condição clínica, o que, salvo nas hipóteses de
invalidez notória, se dá com a elaboração do laudo médico” (AgInt no REsp
1804683/MT, Rel. Terceira Turma, DJe 14/05/2020).
2.1. DA INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA DO PEDIDO DE
COMPLEMENTAÇÃO DE INDENIZAÇÃO E DA PERÍCIA MÉDICA COMO
FATO SUPERVENIENTE CONSTITUTIVO DO DIREITO DO AUTOR QUE DEVE
SER TOMADO EM CONSIDERAÇÃO PELO JUIZ (ART. 493 DO CPC/15)
Nesse contexto, como o seguro obrigatório DPVAT é seguro de nítido
caráter social cuja indenização deve ser paga pelas seguradoras sem qualquer
margem de discricionariedade e sempre que atendidos os requisitos da Lei
6.194/74, (REsp 1091756/MG, Segunda Seção, DJe 05/02/2018), o pedido de
complementação da indenização paga a menor administrativamente deve ser
interpretado sistematicamente, a fim de garantir à vítima o valor correspondente à
lesão por ela efetivamente sofrida, segundo o grau de sua invalidez, ainda que o
pedido específico, formulado ao final da peça inicial, tenha sido formulado
equivocadamente, com a fixação de valor definido, mas inadequado à previsão
legal.
Não o suficiente, a eventual realização de laudo pericial pelo Instituto Médico Legal (IML) no curso do processo deve ser considerada fato superveniente
constitutivo do direito do autor, na forma do art. 493 do CPC/15.
Sob esta perspectiva, a fixação da indenização segundo os parâmetros
legais efetiva e concretamente apurados na hipótese concreta não acarretará a
configuração de sentença para além do pedido (ultra petita).
3. DA HIPÓTESE CONCRETA
Na hipótese concreta, o recorrente ajuizou ação de complementação
da indenização securitária do DPVAT, aduzindo que o valor recebido
administrativamente, de R$ 843,75 (oitocentos e quarenta e três reais e setenta e
cinco centavos) não condizia com a gravidade da lesão por ele sofrida.
Para tanto, apresentou apenas os seus “documentos pessoais,
prontuário hospitalar e boletim de ocorrência, deixando de exigir o Laudo de
Exames de Lesões Corporais confeccionado pelo Instituto Médico Legal – IML, uma vez que os documentos apresentados foram suficientes, por si só, para a
configuração do fato social (acidente), o dano (óbito/invalidez) e o liame de
causalidade entre o acidente e as lesões permanentes” (e-STJ, fl. 5, sem destaque
no original).
Consoante se infere da sentença, a própria seguradora recorrida teria
sustentado a “necessidade de prova pericial a ser realizada pelo IML,
tendo em vista que o laudo médico particular não é meio idôneo para
fundamentar a condenação” (e-STJ, fl. 288).
O referido laudo foi juntado aos autos às fls. 266-267 (e-STJ), tendo
sido a recorrida intimada para se manifestar sobre a citada documentação.
Na oportunidade, a recorrida ressaltou que “em caso de eventual
condenação, o que não se espera, deve ser o valor indenizatório fixado nos termos previsto em lei, ou seja, de acordo com o grau da lesão sofrida e dentro do
valor estipulado na tabela constante em lei” (e-STJ, fl. 279).
No primeiro grau de jurisdição, o pedido foi julgado parcialmente
procedente, para condenar a seguradora recorrida ao pagamento da diferença de
indenização no valor de R$ 506,25 (quinhentos e seis reais e vinte e cinco
centavos), ao fundamento de que “o laudo pericial elaborado pelo IML constatou a
impotência funcional do membro inferior direito do autor na proporção
de 50%” e de que “conforme a tabela de indenizações do seguro DPVAT, a
anquilose total de um dos tornozelos admite indenização equivalente a
20% da importância assegurada (R$ 13.500,00), o que corresponde ao valor
máximo de R$ 2.700,00” (e-STJ, fls. 289-290, sem destaque no original).
Ambas as partes apelaram, tendo sido a apelação da seguradora
parcialmente provida, para modificar os critérios de correção monetária da
diferença indenizatória, e o apelo do recorrente provido, para “condenar a
seguradora ao pagamento de R$3.881,25 (três mil, oitocentos e oitenta e um reais
e vinte e cinco centavos) à título de complementação indenizatória do seguro
obrigatório DPVAT” (e-STJ, fl. 403).
Em sua apelação, o recorrente alegava que foi submetido “a perícia
médica oficial do Estado pelo Instituto Médico Legal – IML, de Maringá-PR, onde
constatou que o acidente automobilístico em questão acarretou a perda de
50% (cinquenta por cento) do membro inferior direito” (e-STJ, fl, 344).
Aduziu que o laudo do IML deveria prevalecer para a apuração do percentual de
invalidez que lhe havia acometido (e-STJ, fl. 345).
O Tribunal de origem considerou que “a perícia confeccionada
pelo IML (fls. 266/267) atestou que o autor apresenta 'déficit funcional
moderado em 50% do membro inferior direito, conforme art. 3° da Lei 11.945/2009'”, concluindo que, “assim, deveria ser pago R$4.725,00 (quatro
mil, setecentos e vinte e cinco reais), vez que a indenização deve ser 70%
(setenta por cento) de R$13.500,00 (que é o previsto na tabela anexa à Lei
6.194/74 para a perda anatômica e/ou funcional completa de um dos membros
inferiores), multiplicado por 50% (cinquenta por cento), tendo em vista a
natureza moderada da lesão” (e-STJ, fl. 401, sem destaque no original).
No entanto, em vista da oposição de embargos de declaração pela
seguradora recorrida, foram atribuídos efeitos modificativos ao referido recurso,
restringindo o valor da complementação da indenização ao montante expresso na
petição inicial, de R$ 2.859,53 (dois mil, oitocentos e cinquenta e nove reais e
cinquenta e três centavos), por se ter reconhecido ofensa ao princípio da
congruência e julgamento para além do pedido (ultra petita), desbordando do ao
pedido inicial.
As conclusões do acórdão recorrido, de que teria ficado configurado o
julgamento para além do pedido (ultra petita), não encontram respaldo na lei e
tampouco na jurisprudência desta Corte.
Como se observa, na hipótese dos autos, supervenientemente ao
ajuizamento da ação, foi elaborado laudo pericial pelo IML (e-STJ, fls. 266-267) que
constatou que a lesão sofrida pelo recorrente foi mais grave do que se imaginou a
princípio a própria vítima no momento de elaboração de sua petição inicial.
Esse fator, essencial para a justa composição da lide, com a fixação do
valor da complementação da indenização segundo os parâmetros expressamente
definidos no art. 3º da Lei 6.194/74, é portanto, fato constitutivo do direito do
autor posterior ao ajuizamento da ação que deve ser levado em consideração pelo
juiz ao proferir a sentença.
A manutenção do entendimento adotado pelo Tribunal de origem implicaria em ofensa aos princípios da segurança jurídica e da celeridade
processual, haja vista que imporia à vítima a necessidade de ingressar com novo
pedido de complementação da indenização, a fim de que seu valor alcançasse o
montante efetivamente devido pela seguradora, segundo a gravidade da lesão por
si sofrida, nos termos da gradação legal.
Nessa linha, por aplicação da norma constante no art. 493 do CPC/15,
a sentença que concede ao recorrente a indenização conforme esse fato posterior
não pode ser considerada para além do pedido (ultra petita), razão pela qual não
havia motivos para a limitação da complementação da indenização aos valores
numéricos referidos à inicial.
4. CONCLUSÃO
Forte nessas razões, DOU PROVIMENTO ao recurso especial para,
reformando o acórdão recorrido, restabelecer a condenação fixada pelo acórdão
que apreciou deu provimento à apelação do recorrente, inclusive quanto aos ônus
da sucumbência.