TRATAMENTO COLETIVO ADEQUADO DAS
DEMANDAS INDIVIDUAIS REPETITIVAS PELO JUÍZO DE PRIMEIRO GRAU
Análise das regras vigentes e daquelas inseridas no Código de
Processo Civil projetado
Revista de Processo | vol. 234/2014 | p. 181 - 207 | Ago / 2014
DTR\2014\8859
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Flávia
de Almeida Montingelli Zanferdini
Doutora e
Mestre em Direito Processual Civil pela PUCSP. Professora do curso de
pós-graduação stricto sensu da Unaerp-Ribeirão Preto. Juíza de Direito. Membro
do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP).
Alexandre
Gir Gomes
Mestre em
Direito pela UNESP. Especialista em Direito Empresarial pela FGV. Professor da
pós-graduação em Processo Civil da FAAP-Ribeirão Preto. Advogado.
Área
do Direito: Processual
Resumo:
Este trabalho aborda a necessidade de
se estabelecer um regime processual adequado para as demandas individuais
repetitivas ou de massa e analisa os mecanismos de agregação existentes
atualmente, bem como aqueles que estão previstos no Código de Processo Civil
Projetado, com ênfase no estudo do incidente de resolução de demandas
repetitivas.
Palavras-chave:
Demandas individuais de massa - Teses repetitivas - Mecanismos de
agregação - Incidente de resolução.
Abstract:
This issue addresses the need of
procedural rules for the individual mass demands and analyses the aggregation
mechanisms that we have nowadays and those that are in the project of the new
civil procedure rules, emphasizing the study of the incident resolution of
repetitive demands.
Keywords:
Mass demands - Repetitive theses - Aggregation mechanisms -
Repetitive demands incident resolution.
É
importante não esquecer da litigiosidade própria do século XXI, a litigância de
massa. O que se pensou foi o seguinte: há que se adaptar as regras do processo
à realidade da litigância actual. E essa adaptação passa por, primeiro, criar
mecanismos específicos que permitam um tratamento conjunto dos processos;
segundo, conceber instrumentos que possibilitem um tratamento diferencial das
acções, de acordo com as suas características. A idéia é que o juiz disponha de
instrumentos legais que lhe permitam gerir sua pendência volumosa.(GOUVEIA, Mariana França. A acção
especial de litigância de massa.Novas exigências do processo civil:
organização, celeridade e eficácia. Coimbra: Coimbra Ed., 2007. p. 139.)
Sumário:
- 1.Introdução
- 2.Acesso à justiça e aumento da litigiosidade - 3.Duração razoável do
processo, isonomia e demandas individuais repetitivas ou de massa - 4.Demandas
individuais de massa: distinção e conceito - 5.Regras processuais voltadas para
o tratamento de demandas individuais repetitivas ou de massa - 6.Código de
Processo Civil projetado e o tratamento em bloco das demandas individuais
repetitivas no primeiro grau de jurisdição - 7.Propostas de alterações do
instituto e o retrocesso - 8.Conclusões - 9.Referências
Recebido
em: 11.02.2014
Aprovado
em: 03.06.2014
1.
Introdução
A
litigiosidade de massa é a predominante no século XXI.
O incremento
da sociedade de massa em nosso País, juntamente com a ampliação do acesso à
Justiça, notadamente a partir da Carta de 1988, provocou um aumento vertiginoso
de demandas judiciais, em especial daquelas pertinentes ao mercado de consumo,
acarretando sobrecarga de feitos e mais demora na solução de processos.
O que se
vislumbra, atualmente, é um evidente desajustamento entre a oferta e a procura
do sistema judicial. Nesse contexto, as regras processuais devem estar
adaptadas a essa nova litigância.
Não se pode
olvidar que o paradigma sobre o qual foi criado o Código de Processo Civil
vigente é o individualista, que considera cada lide como única, com suas
características próprias, demandando decisão específica, individual.
Alterado o
modelo, dado que vivemos atualmente em uma sociedade de massa, é preciso
adaptar as regras processuais e criar mecanismos específicos que permitam um
tratamento conjunto dos litígios repetitivos, tanto na seara coletiva, como na
individual.
Faz-se
necessário estabelecer instrumentos processuais que possibilitem um tratamento
da demanda de acordo com as suas características, habilitando o juiz a
gerenciar adequadamente todas as ações que deva julgar.
Cuida-se,
aqui, de dar tratamento coletivo e especial às demandas individuais
repetitivas, garantindo-se que sejam cumpridos os postulados constitucionais da
isonomia e da razoável duração do proceso.
A solução em
bloco ou aglutinadora é de todo adequada para as demandas individuais de massa.
Assim,
incentivar a utilização de novos métodos processuais implica importante passo
em dar resposta às modernas demandas sociais e permitir que, sem grandes
investimentos na estrutura do Poder Judiciário, se possa outorgar justiça de
qualidade.
2.
Acesso à justiça e aumento da litigiosidade
Em um Estado
de Direito, faz-se necessário que o sistema judicial seja apto a dar resposta,
em prazo razoável, às lides que se lhe apresentam.
Estamos diante
de um cenário em que, dadas as propostas de universalização da tutela
jurisdicional e da conscientização de direitos consagrados pela Constituição
Federal, ocorreu um aumento vertiginoso no ajuizamento de demandas, sem que
tenha ocorrido um concomitante aparelhamento do Poder Judiciário, que se viu
impotente diante da assustadora quantidade de trabalho (que já foi até mesmo
denominada de “tsunami” de processos).
Segundo
Eduardo Cambi:1 “o tempo presente é marcado por muitas mudanças. A
sociedade tecnológica e de consumo transforma tudo rapidamente. O direito vive
uma crise existencial, tendo dificuldades de promover valores essenciais
como a segurança e a justiça”.
Vivemos,
destarte, o momento da judicialização, ou seja, do fenômeno de intenso e amplo
acesso ao Poder Judiciário, autorizado e incentivado pela Constituição Federal
de 1988, representando a busca de todos pela realização de direitos sociais,
coletivos e individuais. Nesse contexto, a observação de João Luiz Martins
Esteves:
“(…) desde a
edição da Constituição Federal de 1988, particularmente no âmbito da
jurisdicional constitucional, através do controle concreto ou abstrato de leis,
tem sido comum a busca da sociedade pela efetivação dos direitos sociais.
Através de uma visão do panorama geral das atividades desenvolvidas para esta
efetivação é possível enxergar que os sindicatos, as organizações sociais não
governamentais, além do próprio cidadão de maneira individual, depois de uma
série de batalhas no âmbito político, passaram a procurar, através do ingresso
de ações judiciais, um posicionamento do Poder Judiciário quanto à garantia e efetivação
daqueles direitos. Este fenômeno tem sido chamado no mundo acadêmico de
‘judicialização dos conflitos sociais’, ou em uma amplitude que revele a
problematização da atividade política, ‘judicialização da política’ a qual,
muitas das vezes, trás nela embutidas questões de ordem social”.2
Hodiernamente,
além da judicialização dos direitos fundamentais constitucionais e das
políticas públicas, acima apontadas, estão judicializadas também as relações
interpessoais como um todo. Questões que antes eram solucionadas pelo cidadão
diretamente em outras esferas, tais como na própria vizinhança, nas escolas,
nas instituições de saúde, nos Procon’s, nas Delegacias ou mesmo perante os
diversos órgãos da Administração, passaram a ser todas enfrentadas pelo
Judiciário.
Paralelamente,
as crescentes demandas individuais de consumo, tais como as derivadas das
relações bancárias e dos planos de saúde privados, escapam também aos
mecanismos extrajudiciais de solução de conflitos (tais como mediação, conciliação,
arbitragem e, inclusive, os procedimentos administrativos perante órgãos de
defesa do consumidor e respectivas agências reguladoras) e aportam diretamente
no Judiciário, geralmente veiculando teses repetitivas.
Tudo isso, sem
mencionar o amplo desenvolvimento do processo coletivo propriamente dito, para
a tutela de direitos coletivos stricto sensu e difusos, basicamente
desenvolvido através das ações coletivas do Código de Defesa do Consumidor, das
ações civis públicas, das ações populares e das ações de improbidade, bem como
pelas ações para a tutela da própria ordem jurídica, como as relativas ao
controle concentrado de constitucionalidade das leis, cujo crescimento é
igualmente notório na última década.
O fato é que o
Poder Judiciário não tem estrutura suficiente para acompanhar esse crescimento
exponencial de demandas, ainda que sejam feitos investimentos maciços em seu
sempre deficiente, defasado e inadequado aparato. A máquina estatal não
consegue acompanhar o dinamismo social e o ritmo vertiginoso do crescimento de
demandas.3
O gigantismo
da máquina judiciária estatal, de qualquer modo, não parece ser a solução para
o problema. Nesse sentido, anota Rodolfo de Camargo Mancuso:4
“Na verdade, é
inútil inflar a estrutura judiciária, na tentativa de acompanhar o crescimento
geométrico da demanda por justiça, na medida em que essa estratégia leva, ao
fim e ao cabo, a oferecer mais do mesmo (mais processos – mais crescimento
físico da máquina judiciária), pondo em risco o equilíbrio com os demais Poderes
e minando a desejável convivência harmoniosa entre eles: com o Executivo,
assoberbado com as incessantes requisições de verbas orçamentárias para o
crescente custeio da justiça estatal; com o Legislativo, acuado ante a
diminuição de seu espaço institucional, por conta dos avanços do ativismo
judiciário em áreas tradicionalmente reservadas à chamada reserva legal”.
O problema da
hipertrofia quantitativa não é apenas nacional. Vicenzo Vigoriti,5
referindo-se à realidade italiana, afirma que não há mais recursos a serem
destinados aos serviços judiciais, concluindo que a justiça estatal não
funciona de acordo com as exigências do nosso tempo.
Enfim, o
problema da morosidade do processo, que sempre existiu,6 agrava-se
continuamente com o incremento e a diversificação das novas demandas sociais
judicializadas e com o crescente descompasso entre a deficiente estrutura
judiciária e a crescente procura.
Desta forma,
pode-se afirmar que a morosidade é o mais universal de todos os problemas
enfrentados pelos tribunais atualmente.7 Tanto assim que o assunto
passou a ser frequente tema de debates, o que impulsiona as reformas
legislativas.
No Brasil, há
mais de uma década têm sido feitas reformas pontuais das leis processuais com o
escopo de objetivamente agilizar, simplificar e desburocratizar o processo,
como se fosse possível alterar a realidade com a simples promulgação de novas
leis, verdadeiro hábito arraigado na cultura nacional que, ao cabo das contas,
estimula a litigiosidade e provoca insegurança jurídica.8
De qualquer
forma, é possível asseverar que as recentes reformas das leis processuais
puseram o valor efetividade em destaque, sendo certo que no direito processual
pós-moderno (ou neoprocessualismo) vivemos o período em que se clama pelo
“eficientismo processual”.9
As reformas da
lei processual, contudo, por si só, não são aptas a proporcionar e garantir a
efetividade e a eficiência tão almejadas.
Garantindo a
Constituição Federal que a prestação jurisdicional deve se dar em prazo
razoável (art. 5.º, LXXVIII), faz-se necessário que legisladores e operadores
do direito busquem alternativas práticas para que esse postulado seja
efetivamente cumprido.
Ora, é cediço
que o papel a ser desempenhado pelo Código de Processo Civil é o de concretizar
o modelo constitucional, oferecendo um instrumento idôneo para a solução de
conflitos de maneira rápida e segura.
O projeto de
novo Código Processual Civil foi elaborado justamente para atender a essas
necessidades. Suas alterações estruturais estão calcadas em dois grandes
blocos, a saber: o da coletivização dos julgamentos e o da valorização de
precedentes, fenômenos que por certo se entrelaçam.10
De se anotar,
outrossim, que a ideia que embasou a criação de um novo Código de Processo
Civil é a de que o sistema processual civil seja mais simples e flexível,
pressupondo maior confiança e responsabilidade dos juízes de primeira
instância, que deverão ser capazes de resolver com eficiência e em prazo
razoável os litígios que lhes são apresentados.
Sendo a
realidade atual a do excessivo demandismo e não havendo em nosso País a cultura
da solução extrajudicial dos conflitos e tampouco do uso efetivo das ações
coletivas que, com seu caráter preventivo, evitariam, por certo, o ajuizamento
maciço de ações seriais e repetitivas,11 é preciso desenvolver os
instrumentos processuais de tratamento coletivo das demandas individuais de
massa, tornando-os adequados a esta tarefa.
Como adverte,
com propriedade, Leonardo José Carneiro da Cunha,12 para as causas
repetitivas, é necessário conceber um regime processual próprio, com dogmática
específica, que se destine a lhes dar solução prioritária, racional e uniforme.
Trata-se de regime diferenciado do tradicional do Código de Processo Civil
vigente (voltado às ações individuais) e também distinto do regime das ações
coletivas (que formam um microssistema próprio).
Espera-se que
esses novos mecanismos de resolução de demandas individuais repetitivas sejam
adequados para prestar jurisdição em prazo razoável, de forma a otimizá-la,
sem, contudo, desrespeitar o direito fundamental de acesso à justiça, nem as
garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa, bem como sem
afrontar todas as outras garantias processuais fundamentais.
Uma ressalva
há de ser feita, contudo.
Código de
Processo Civil algum será capaz de resolver as mazelas metajurídicas do Poder
Judiciário, que nunca serão sanadas por meras alterações legislativas. Reformas
estruturais deverão ser conduzidas em outra frente de batalha.
3.
Duração razoável do processo, isonomia e demandas individuais repetitivas ou de
massa
Tendo em vista
as novas exigências de uma sociedade predominantemente urbana e de massa, não
mais se aceita como normal a invencível morosidade jurisdicional.
A economia de
mercado, o avanço das tecnologias e a velocidade das transações comerciais
modernas demandam, cada vez mais, respostas rápidas e eficazes do Poder
Judiciário, a exigir que doutrinadores, legisladores e aplicadores do direito
voltem suas atenções para os mecanismos que permitam mais céleres e seguras
soluções.
É preciso
aceitar que as instituições laboriosamente criadas a partir do século XIX, que
previam um modelo “atomizado”13 de aplicação de justiça, são
impotentes para servir nesse novo contexto.
As normas
processuais, como bem explica Ney Castelo Branco Neto,14 antes
elaboradas com escopo de regular as relações entre particulares, não se
adequaram às demandas de massa, porque a ideia cristalizada era a de defender a
propriedade individual, sendo o direito de agir considerado atributo do direito
privado.
Aliás, é certo
que processo significa avançar, caminhar em direção a um fim, razão pela qual
todo processo envolve a ideia de temporalidade15 e, por isso, o
tempo é fator inerente ao processo. Inexorável!
Sendo
instituto essencialmente dinâmico, destina-se o processo a desenvolver-se no
tempo. Tem-se, pois, que é sua a característica ínsita durar, não ser
instantâneo, prolongar-se.16
O que não se
pode tolerar são os atrasos excessivos e injustificados.
Embora seja
utópica a busca do processo perfeito, ideal, rápido e seguro, posto que é ato
humano, necessariamente sujeito a falhas e erros, o ordenamento jurídico não
pode ficar indiferente perante a excessiva demora.
Destarte,
mecanismos precisam ser engendrados para que os efeitos do tempo sobre o
processo e sobre os bens da vida em litígio sejam o menos prejudiciais
possíveis.17
No que tange
especificamente às demandas individuais repetitivas, novos mecanismos
processuais de agregação precisam ser implementados. Note-se que não se trata
de proporcionar justiça de massa, indiferente aos pedidos, mas sim de dar
tratamento coletivo adequado às demandas individuais, que permita e assegure
igual tratamento aos litigantes distintos que estejam envolvidos em uma mesma
situação jurídica.
Tais soluções
coletivas e aglutinadoras devem ser previstas não apenas para serem utilizadas
pelos Tribunais (como já se vê no âmbito dos recursos especiais repetitivos, no
STJ, e nos recursos extraordinários com repercussão geral, no STF), mas também
perante o primeiro grau de jurisdição, onde o aumento dessas demandas
individuais, de massa, tem ocasionado a impotência dos juízes monocráticos em
fazer cumprir a garantia constitucional de prestação jurisdicional tempestiva.
Cuida-se de
racionalizar e aperfeiçoar o sistema processual para que situações como
soluções diferentes ou mais rápidas para a uns em detrimento de outros, em
idêntica situação jurídica, não venham a causar o descrédito e a falência do
sistema judicial.
Ora, não se
pode deixar de lembrar que sendo o processo instrumento de pacificação social,18
a adoção de soluções diversas para a mesma situação jurídica acarreta inegável
insegurança, incerteza do direito e efetivo descrédito no Poder Judiciário.
Até para os
operadores do direito causa espécie perceber a disparidade de decisões
judiciais proferidas em casos com a mesma fundamentação jurídica e fática, tal
como a situação dos poupadores durante os Planos Econômicos Bresser, Verão e
Collor, cuja solução dos casos beira a exatidão matemática. Não teria sido
melhor a edição de uma lei (como norma geral e abstrata), consolidando os
direitos reconhecidos pela jurisprudência formada no âmbito do STF, que já
havia solucionado, há muitos anos, a questão que agora encontra-se reaberta? A
solução legislativa, genérica e uniforme, não teria evitado o ajuizamento das
milhares de demandas?
Sobrou para o
Judiciário, novamente, julgar tais questões.
Como adverte
Kazuo Watanabe,19 povo algum tem estrutura suficiente para tolerar
com tranquilidade e paciência, por muito tempo, contradições flagrantes de
julgados.
A utilização
da jurisprudência de Tribunais Superiores, isto é, dos precedentes, como meio
de uniformizar o entendimento em casos semelhantes revela-se, então, como forma
de respeitar o princípio da igualdade, bem como de proteger a coerência da
ordem jurídica e a previsibilidade e estabilidade das decisões judiciais.
Contundentes são as palavras de Luiz Guilherme Marinoni20 a respeito
desse tema específico:
“É chegado o
momento de se colocar o ponto final no cansativo discurso de que o juiz tem a
liberdade ferida quando obrigado a decidir de acordo com os tribunais
superiores. O juiz, além de liberdade para julgar, tem dever para com o Poder
de que faz parte e para com o cidadão. Possui o dever de manter a coerência do
ordenamento e de zelar pela respeitabilidade e pela credibilidade do Poder
Judiciário. Além disso, não deve transformar a sua própria decisão, aos olhos
do jurisdicionado, em um ‘nada’, ou, pior, em obstáculo que precisa ser contornado
mediante a interposição de recurso ao tribunal superior, violando os direitos
fundamentais à tutela efetiva e à duração razoável do processo. De outra parte,
é certo que o juiz deixa de respeitar a si mesmo e ao jurisdicionado quando
nega as suas próprias decisões. Trata-se de algo pouco mais que contraditório,
beirando, em termos unicamente lógicos, o inconcebível”.
Por tudo isso,
é preciso que o ordenamento pátrio contenha regras que propiciem solução
processual adequada e econômica para as demandas individuais repetitivas.
Enfim, a
construção de um direito processual civil de massa é essencial.
4.
Demandas individuais de massa: distinção e conceito
Demandas
individuais de massa são aquelas que contemplam situações jurídicas homogêneas,
ou seja, identidade de tese jurídica.
Não se trata
de ações idênticas do ponto de vista de repetição de partes, pedido e causa de
pedir, como ocorre na litispendência. Nem se trata das hipóteses legais de
conexão ou continência. A identidade se dá apenas quanto à tese jurídica
versada21 e pela repetição do tema em larga escala, podendo haver,
inclusive pedidos individuais diferenciados ou cumulativos. É pertinente
anotar, outrossim, que ações de massa não se limitam àquelas causas que versam
sobre direitos individuais homogêneos.
Explica
Antonio Adonias Aguiar Bastos,22 a esse respeito:
“Cuida-se de
demandas-tipo, decorrentes de uma relação modelo, que ensejam solução-padrão.
Os processos que versam sobre conflitos massificados lidam com conflitos cujos
elementos objetivos (causa de pedir e pedido) se assemelham, mas não chegam a e
identificar. Cuida-se de questões afins, cujos liames jurídicos materiais
concretos são similares entre si, embora não consistam num só e mesmo vínculo.
A circunstância de haver causas afins é requisito necessário, mas não
suficiente para a configuração dos litígios de massa, O problema não surge com
a semelhança entre as demandas, mas com a sua repetição em grande quantidade. O
processamento de causas semelhantes, por si só, não desafia, de maneira
significativa, a capacidade da estrutura judicial, nem os valores jurídicos
fundamentais (como o do isonomia, da segurança jurídica, da efetividade e da
razoável duração do processo), enquanto elas estiverem diluídas em pequeno
volume nos órgãos judiciais. A categorização das demandas de massa dá-se pelos
critérios acima expostos: identidade de tese, e não em concreto, da causa de
pedir e do pedido, associada à repetição em larga escala. A elas, contrapõem-se
as demandas heterogêneas, cujos elementos objetivos encerram traços
distintivos, não guardando similitude com outras causas, nem o julgamento
conjunto ou com base no precedente”.
A
identificação, ainda em primeiro grau de jurisdição, de processos que tratam de
questões idênticas de direito, proporciona a possibilidade de decisão
jurisdicional conjunta e uniforme, permitindo que se concretize o princípio
constitucional da isonomia e se respeite a unidade da ordem jurídica.
As questões
incidentais ou específicas de cada ação dessa natureza, já que são
individualmente propostas, haverão de ser apreciadas também individualmente, a
seu tempo. Apenas a tese jurídica principal de cada caso deverá ser julgada de
acordo com o caso paradigmático, cuja decisão será de observância obrigatória
nos processos individuais.
Tais demandas
também não se submetem às regras processuais destinadas às ações coletivas.
Apresentam um perfil próprio, isso é, não se identificam completamente com as
demandas propriamente individuais e tampouco com as coletivas. Daí a razão de
serem denominadas de “pseudo-individuais” por alguns operadores, que advogam
também a suspensão de tais ações até que seja definido o caso paradigmático ou
leading case.
Por essa
razão, o processamento e o julgamento das demandas repetitivas ou de massa
exige uma dogmática própria. Trata-se da necessidade de adaptação do processo
civil às especificidades do litígio. Tais ações reclamam um tratamento
processual próprio, um método de solução em bloco, de forma que escolhida uma
ou mais ações como representativa do conflito homogeneizado (o leading case),
uma vez proferida decisão nesta, a tese jurídica adotada deverá ter eficácia
vinculativa e haverá de ser aplicada às demais ações repetitivas, de forma a
preservar os princípios da isonomia, da certeza do direito, da segurança, da
previsibilidade e estabilidade da ordem jurídica.
Cediço que
ações de massa são propostas aos milhares, de forma individual, como tantas
vezes se vê nesse país,23 como, por exemplo, nas ações versando
sobre planos econômicos e índices de caderneta de poupança, tarifa básica de
telefonia e, atualmente, tarifas bancárias de toda ordem.
Afirma Mariana
França Gouveia,24 diante dessa realidade, que é preciso “que o juiz
disponha de instrumentos legais que lhe permitam gerir a sua pendência
volumosa”.
Tanto o modelo
tradicional individualista do Código de Processo Civil em vigor quanto o
microssistema especial das ações coletivas revelam-se insuficientes, por falta
de regras próprias e detalhadas, para enfrentar essa litigiosidade de massa.
A solução em
bloco é boa alternativa. Mecanismos de outorga de solução global,
aglutinadores, propiciam amplo acesso à justiça para aquelas hipóteses que, no
geral, não comportam soluções consensuais e garantem o acesso à ordem jurídica
justa.
5.
Regras processuais voltadas para o tratamento de demandas individuais
repetitivas ou de massa
O Código de
Processo Civil projetado contempla regras que representam verdadeira quebra do
paradigma no que tange ao julgamento das demandas individuais repetitivas.
Estabelece,
assim, mecanismos de agregação de ações.
Em obediência
aos postulados constitucionais, não se admite a criação de mecanismos e
obstáculos que impeçam ou dificultem o acesso à Justiça, o que fatalmente
implicaria em um retrocesso.
Também não se trata
de criar meios para exterminar processos porque ao juiz não incumbe apenas
eliminar as ações que lhe são apresentadas, mas, como adverte Rodolfo de
Camargo Mancuso,25 é seu dever “resolvê-las mediante uma resposta de
qualidade”.
O projeto do
novo diploma processual civil, em especial em sua versão original, tal como
proposta pela Comissão de Juristas que se desincumbiu de tal encargo, partiu do
pressuposto de que “a litigância de massa, a litigância de pequenas dívidas é
produto direto da sociedade de consumo em que vivemos”26 e, embora
não seja a única causa de congestionamento da Justiça, é por certo uma das que
mais contribuem para que isso ocorra.
Cuidaram os
juristas encarregados do anteprojeto, com mestria, de buscar meios que permitam
a solução adequada dessas lides,27 de forma a não causarem colapso
em todo o Sistema Judicial.
Por isso, na
procura de meios mais racionais de resolução de conflitos instituíram o dever
dos operadores do direito ter postura ativa, não se olvidando que se devem
pautar pelos postulados constitucionais, nos quais encontrarão os limites de
sua atuação.
Dessa forma, a
possibilidade de resolver diversas demandas repetitivas, com uma só decisão,
foi prestigiada. O escopo é de:
“manter
coerência, ordem e unidade no sistema, impondo que casos idênticos sejam
solucionados da mesma maneira, privilegiando os princípios da isonomia e da
legalidade, conferindo mais previsibilidade para casos similares ou idênticos e
afastando arbitrariedades ou decisões tomadas ao exclusivo sabor de
contingências ou vicissitudes pessoais do julgador”.28
Ficou claro,
desde o início dos trabalhos, que os mecanismos processuais atualmente em vigor
se destinam precipuamente ao tratamento das demandas de massa perante os órgãos
colegiados.
Regras como
uniformização de jurisprudência com base em precedentes vinculativos dos
Tribunais Superiores e de julgamentos de causas repetitivas ou de repercussão
geral reservam-se, atualmente, exclusivamente aos órgãos colegiados.
Nesse ponto,
não se pode esquecer que o julgamento in limine (ou sentença
emprestada), embasado no art. 285-A do CPC, apenas se refere às hipóteses de
improcedência, restringindo-se àquelas demandas que veiculam matéria de direito
e já julgadas improcedentes por aquele juízo em casos similares.
Caso o Juízo
já tenha proferido muitas outras sentenças de procedência em casos tais, não
poderá utilizar o mecanismo do art. 285-A do CPC, devendo mandar citar o réu,
aguardar a oferta de resposta pelo réu, abrir oportunidade para a réplica, caso
haja matérias preliminares ou alegação de fato impeditivo, modificativo ou
extintivo do direito do autor e, somente depois de tudo isso, estará
eventualmente apto a sentenciar.
Exatamente no
sentido do presente trabalho, vê-se a novel regra do art. 518 do CPC, comumente
denominada de “súmula impeditiva”, que permite ao Juiz de primeiro grau não
receber recurso de apelação caso sua sentença esteja de acordo com Súmula do
STJ ou do STF. Trata-se de relevante instrumento processual para evitar a protelação
de lides individuais repetitivas, cuja matéria já esteja sedimentada por
decisões cristalizadas em precedentes superiores sumulados, mesmo que não
vinculantes. Ocorre que tal preceito teria maior aplicação na prática (vê-se,
atualmente, pouca utilização da regra) se também autorizasse o juiz a não
receber recurso de apelação quando o seu julgamento estivesse de acordo com a
“jurisprudência predominante” nos Tribunais Superiores (isto é, não apenas as
súmulas) e também em seu próprio Tribunal regional.
O fato, porém,
é que tal regra, até o momento, não está sendo repetida no Código de Processo
Civil projetado, haja vista que foram criados outros preceitos29 em
conjunto, com o fito de garantir o respeito aos precedentes, mesmo não
vinculantes, como fator de estabilização e de segurança jurídica.
Por seu turno,
as normas processuais vigentes, relativas aos recursos especiais repetitivos e
aos recursos extraordinários com repercussão geral, só se aplicam –
evidentemente – aos respectivos Tribunais, não tendo aplicação e nem utilidade
direta, como instrumentos de julgamento das demandas individuais repetitivas,
para os juízes de primeiro grau (a quem só resta aguardar o desfecho do
paradigma).
Com isso, no
primeiro grau de jurisdição, avalanches de processos inviabilizam prestação
jurisdicional adequada.
Sem previsão
legal, apenas iniciativas corajosas como foi o “Projeto Poupança”,30
do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, criaram soluções práticas
aplicáveis pelos juízes de primeiro grau. Também nesse caminho e ampliando o
sentido da norma vigente, a recente jurisprudência do Superior Tribunal de
Justiça – STJ, que vem impondo a suspensão até mesmo das ações individuais em
trâmite no primeiro grau (e não apenas dos recursos especiais, como prevê o
Código de Processo Civil) até que se defina o leading case de recurso
especial repetitivo, representativo da controvérsia.31
Tais medidas
jurisprudenciais e práticas, ousadas, posto que tomadas com interpretação
extensiva do ordenamento processual vigente, demonstram a urgência de novas
técnicas processuais para o enfrentamento das demandas individuais de massa,
haja vista que não há estrutura judicial que suporte essas sucessivas
avalanches de ações repetitivas.32
É preciso
concluir que os juízes, como verdadeiros gestores dos processos que entopem a
máquina Judiciária, devem ter a seu dispor mecanismos adequados e modernos que
lhes permitam evitar o estabelecimento do caos pelas demandas individuais
repetitivas, sob pena de ficarem impossibilitados de prestar justiça eficiente
aos demais jurisdicionados, cujas ações judiciais individuais, muitas vezes de
assuntos complexos e específicos, também necessitam de eficaz julgamento.
6.
Código de Processo Civil projetado e o tratamento em bloco das demandas
individuais repetitivas no primeiro grau de jurisdição
A procura em
quantidade pela justiça, na solução de conflitos de massa, acaba por ocasionar
um evidente descompasso entre a oferta e a capacidade do sistema judiciário.
Esse
desajustamento fica ainda mais evidente para os litigantes que, desconhecendo a
real situação enfrentada pelo Poder Judiciário, acompanham de sua casa, pela
internet,33 dia a dia, o andamento de sua ação, dada a recente
informatização e publicização dos processos nos tribunais.
A criação de
mecanismos processuais para solução adequada das demandas de massa permitirá
oferecer resposta uniforme, célere e em bloco para que se possa lidar com a
situação que nos é posta.
Essa
realidade, da procura em massa pela justiça, não se olvide, está consolidada e
não dá a menor mostra de que irá retroceder.
Diante desse
quadro, dadas as conhecidas limitações financeiras e estruturais do Poder
Judiciário, as intervenções legislativas são medidas de fundamental importância
para intervenção efetiva nesse quadro.
6.1
O incidente de resolução de demandas repetitivas no projeto do novo Código de
Processo Civil em sua versão original
O incidente de
resolução de demandas repetitivas, previsto no Código de Processo projetado, na
feição que lhe foi dada pelos autores do projeto, revela-se, por certo, como
adequado instrumento para a solução, inclusive pelo Juízo de Primeiro Grau, de
demandas de massa.
Criado com
admitida inspiração no modelo alemão,34 conforme consta da exposição
de motivos,35 consiste na identificação de processos que versem
sobre a mesma questão de direito e que tramitem ainda em primeiro grau de
jurisdição.
É certo que o
julgamento conjunto de demandas individuais repetitivas, consideradas aquelas
que alberguem “controvérsia com potencial de gerar relevante multiplicação de
processos fundados em idêntica questão de direito e de causar grave insegurança
jurídica, decorrente do risco de coexistência de decisões conflitantes” (cf.
redação do art. 895, caput, do PLS 166 de 2010) foi preocupação nodal no
trabalho da Comissão, de acordo com o que aponta Daniel Levy36 e tem
por escopos afastar decisões contraditórias e permitir o julgamento mais
célere.
Instaurado
mediante pedido ao Presidente do Tribunal local, a iniciativa de sua deflagração
poderá partir do juiz, do Ministério Público, das partes, Defensoria Pública ou
do Relator do recurso.
Os juízos de
admissibilidade e de mérito serão de incumbência do tribunal Pleno ou do Órgão
Especial do respectivo tribunal e a eficácia da decisão limitar-se-á à área de
competência do referido tribunal, salvo decisão em contrário do STF ou de outro
Tribunal Superior.
O incidente
deverá ser julgado em seis meses, tendo preferência sobre os demais feitos,
salvo aqueles que envolvem réu preso e pedidos de habeas corpus.
Sua
instauração e o julgamento demandarão ampla divulgação e publicidade por meio
de registro eletrônico no Conselho Nacional de Justiça, cujo banco de dados
será objeto de alimentação pelos tribunais.
O julgamento
se fará após a requisição de informações do juízo por onde tramite a causa
originária, se necessárias, intimando-se o Ministério Público, que sempre
intervirá obrigatoriamente, caso não seja o próprio requerente. O Parquet também
poderá assumir a titularidade do incidente nas hipóteses de desistência ou de
abandono.
Far-se-á, na
sequência, o juízo de admissibilidade do incidente, pelo Plenário do tribunal
ou, onde houver, pelo Órgão Especial.
Será admitido
o recurso se constatados pelo tribunal estarem presentes os requisitos acima
mencionados: controvérsia com a) potencial de gerar relevante multiplicação de
processos fundados em idêntica questão de direito e b) potencial para causar
grave insegurança jurídica, decorrente do risco de coexistência de decisões
conflitantes, sendo explícita também, segundo o art. 898, § 2.º, do PLS
166/2010, a hipótese de cabimento do incidente quando houver a mera c)
“conveniência” de adoção de decisão paradigmática preventiva.
Rejeitado o
incidente, o curso dos processos de primeira e segunda instâncias eventualmente
suspensos será retomado.
Admitido, o
Presidente do Tribunal determinará, na própria sessão, a suspensão de todos os
processos pendentes, em primeiro e segundo grau de jurisdição, período durante
o qual poderão ser concedidas medidas de urgência no juízo de origem.
O tribunal
julgará a questão de direito, lavrando acórdão vinculativo, haja vista que seu
teor deverá ser obrigatoriamente observado pelos demais juízes e órgãos
fracionários situados no âmbito de sua competência, em todos os processos que
versem sobre a mesma matéria de direito, sob pena de reclamação.
A suspensão em
todo território nacional dos processos em curso que versem sobre a questão do
incidente poderá ser requerida aos Tribunais Superiores com competência para o
julgamento dos recursos especial e extraordinário. Contudo, reservou-se a
legitimidade para formular tal requerimento somente às partes, aos
interessados, ao Ministério Público e à Defensoria Pública. Dentre os
interessados, inserem-se autores ou réus dos processos que discutam a mesma
questão jurídica, independente dos limites da competência territorial da
respectiva lide.
Antes do
julgamento da questão de mérito, o relator ouvirá as partes e demais
interessados na controvérsia, que poderão juntar documentos e até mesmo
requerer diligências para elucidação da questão de direito controvertida,
manifestando-se, na sequência, o Ministério Público.
O recurso
especial ou extraordinário interposto por qualquer das partes, pelo Ministério
Público ou pelo terceiro interessado será dotado de efeito suspensivo,
presumindo-se a repercussão geral de questão constitucional eventualmente
discutida, sem que seja necessária a realização de juízo de admissibilidade na
origem.
Como já
mencionado, a fim de garantir a obediência da tese jurídica paradigmática,
adotada na decisão proferida no incidente de resolução de demandas repetitivas,
diante de sua não observância, caberá reclamação dirigida ao tribunal
competente.
Depreende-se,
portanto, que a decisão terá eficácia vinculativa e erga omnes, pro
et contra, não tendo sido adotados, entre nós, quer o sistema opt in,
quer o sistema opt out.37
De se
ressaltar, ante sua relevância, que no regime do novel incidente de resolução
de demandas repetitivas, do Código Processual Civil projetado, a coisa julgada
formada no caso paradigmático ou leading case atingirá a todos os demais
processos envolvendo questão jurídica idêntica, quer para beneficiar, quer para
prejudicar as partes, que não terão sequer o direito de prosseguir com as suas
demandas individuais durante a suspensão determinada pelo tribunal ou de
excluírem suas causas desse bloco (right to opt out). Presume, portanto,
o novo ordenamento processual, que o caso paradigmático envolverá
representatividade adequada e respeito à cláusula maior do devido processo
legal, razão pela qual estaria legitimada essa coisa julgada daí formada.
Já se pode
antever grandes questões e problemas com a aplicação do instituto38
(isto é, ainda há tempo de aperfeiçoá-lo), tais como a relativa ao tempo de suspensão
dos processos (poderá ser superior a um ano? Durará tal suspensão enquanto
tramitarem os eventuais recursos contra a decisão formada no paradigma ou a
tese terá aplicação imediata, mesmo estando sub judice?) e a relativa a
possibilidade ou não do opt out fundado, por exemplo, na alegação de
inexistência de identidade de temas entre a demanda individual e o paradigma
(terá que ser julgada imediatamente ou o autor individual terá que aguardar o
desfecho do paradigma, como vem entendendo o STJ nos recursos especiais
repetitivos?).
7.
Propostas de alterações do instituto e o retrocesso
As alterações
efetuadas no projeto original pela Câmara dos Deputados (PL 8.046/2010 e
6.025/2005) e agora mantidas na Emenda Aglutinativa Substitutiva Global39
2/2013, contudo, suprimindo do magistrado de primeiro grau a legitimidade para
instaurar o incidente, comprometem, em muito, sua eficiência.
É o magistrado
de primeiro grau quem vai perceber, de início, se há potencial de multiplicação
de demandas. Cuida-se de se lhe atribuir o papel de verdadeiro administrador do
processo.
Nesse
contexto, verificamos que em ordenamento estrangeiro40 que conta com
instituto similar, confia-se ao juiz de primeiro grau a missão de identificar
as causas com potencial de multiplicação e, com isso, a suscitação do
incidente, como verdadeiro gerenciador do processo.
Na Inglaterra,
por exemplo, o instituto da group litigation order (GLO), teve
inicialmente sua aplicação pelos magistrados sem que nem sequer estivesse
positivado. Isso decorria da experiência das cortes que entendiam que um
litígio envolvendo um número substancial de partes deveria ser corretamente
administrado, sendo essencial atribuir aos magistrados poderes extensos para
administrar e gerir sua pletora de processos. Naquele país, autor e réu têm
legitimidade para propor a GLO, bem como o juiz, ex officio, hipótese em
que será exigida autorização do chefe do Poder Judiciário.41
Ora, não se
pode olvidar que o instituto de resolução de demandas seriais é mais gerencial
do que jurídico e seu escopo é “possibilitar que uma estrutura enxuta do Poder
Judiciário possa confrontar-se com uma quantidade enorme de demandas”.42
Da mesma
forma, em Portugal, o regime experimental atribui ao juiz de primeiro grau um
papel determinante.43
Veja-se que
quando tratamos de demandas de massa, trata-se de causas cíveis propostas
individualmente, não sendo expressiva a atuação do Ministério Público e da
Defensoria Pública em casos tais porque, no geral, são demandas envolvendo
relações de consumo, de natureza privada e, em sua grande maioria, com pequenos
valores e partes capazes.
Em sendo
assim, não faz sentido suprimir do Juízo de primeiro grau a possibilidade de
suscitar o incidente ou mesmo de pedir – em prol da segurança jurídica – a extensão
da suspensão das ações aos Tribunais Superiores (como está redigido o art. 900
do PLS 166/2010), permitindo, contudo, que o Ministério Público e a Defensoria
o façam, o que revela, ao que parece, desconfiança na capacidade do magistrado,
na contramão da tendência de valorização do 1.º Grau de Jurisdição.44
Tudo indica
que estamos diante de um resquício do pensamento de que o juiz se reduz a ser
“la bouche qui prononce les paroles de la loi”.45
Esse receio é
efetivo e pode ser encontrado até mesmo no pensamento de processualistas
contemporâneos de expressão, como o lusitano José Lebre de Freitas, que afirma,
referindo-se às reformas processuais portuguesas, dentre elas a que institui o
sistema de aglutinação de causas: “o juiz, é cada vez mais, um manager do
caso que tem que decidir, sendo o preço a pagar a incerteza e a
arbitrariedade”.46
Há, por certo,
também, como anota Antonio Santos Abrantes Geraldes,47 uma postura
de reserva mental dos legisladores quanto à capacidade dos juízes de usar
adequadamente mecanismos processuais de efetivo gerenciamento do processo.
Segundo a EMA
2/2013,48 o instituto, no projeto de lei da Câmara, passou a
apresentar as seguintes alterações quanto à legitimidade para requerê-lo:
“Do incidente
de resolução de demandas repetitivas
Art. 988. É
admissível o incidente de resolução de demandas repetitivas quando, estando
presente o risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica, houver efetiva
repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão
unicamente de direito.
§ 1.º O
incidente pode ser suscitado perante tribunal de justiça ou tribunal regional
federal.
§ 2.º O
incidente somente pode ser suscitado na pendência de qualquer causa de
competência do tribunal.
§ 3.º O pedido
de instauração do incidente será dirigido ao presidente do tribunal:
I – pelo
relator ou órgão colegiado, por ofício;
II – pelas
partes, pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública, pela pessoa jurídica
de direito público ou por associação civil cuja finalidade institucional inclua
a defesa do interesse ou direito objeto do incidente, por petição. (…)”.
No anteprojeto
e no PLS 166/2010,49 o texto era o seguinte:
“Art. 895. É
admissível o incidente de demandas repetitivas sempre que identificada
controvérsia com potencial de gerar relevante multiplicação de processos
fundados em idêntica questão de direito e de causar grave insegurança jurídica,
decorrente do risco de coexistência de decisões conflitantes.
§ 1.º O pedido
de instauração do incidente será dirigido ao Presidente do Tribunal:
I – pelo juiz
ou relator, por ofício;
II – pelas
partes, pelo Ministério Público ou pela Defensoria Pública, por petição.
§ 2.º O ofício
ou a petição a que se refere o § 1.º será instruído com os documentos
necessários à demonstração da necessidade de instauração do incidente.
§ 3.º Se não
for o requerente, o Ministério Público intervirá obrigatoriamente no incidente
e poderá assumir sua titularidade em caso de desistência ou de abandono”.
Excluiu-se,
portanto, a possibilidade do magistrado de 1.º grau de jurisdição suscitar o
conflito, o que representa retrocesso e poderá implicar em grande perda do
potencial do instituto.
Em sua versão
original, inserta no antepreprojeto, a questão da legitimidade para suscitar o
incidente era de todo mais adequada à realidade nacional.
Assim, a
manutenção do rol dos legitimados tal como proposto na formatação original do
incidente pelos autores do projeto pode representar a diferença entre o sucesso
e o fracasso de um instituto que, embora ainda possa ser aperfeiçoado, tudo
indica, será apto a transformar a forma como se faz justiça de massa nesse
país.
8.
Conclusões
Em razão da
massificação das relações interpessoais, houve um aumento vertiginoso de
demandas judiciais, em especial daquelas pertinentes ao mercado de consumo,
acarretando sobrecarga de feitos e atraso na outorga de prestação
jurisdicional.
Há, ainda,
paralelamente a este novel fenômeno, o constante incremento das questões
individuais específicas submetidas ao Poder Judiciário, muitas vezes de grande
complexidade, que demandam efetiva análise pormenorizada, sem contar o recente
desenvolvimento e fomento aos processos coletivos propriamente ditos (ações
civis públicas, ações do CDC, ações populares etc.). Tudo isso, a causar mais
morosidade processual.
As demandas
individuais repetitivas, de massa, formam blocos de ações pseudo-individuais,
veiculando a mesma tese jurídica, razão pela qual devem receber tratamento
coletivizado, adaptado.
Soluções
aglutinadoras são, portanto, de todo adequadas para as demandas de massa,
desejando o presente estudo incentivar a sua criação e utilização para que se
possa dar resposta concreta e adequada a estas novas demandas sociais, sem
grandes investimentos na estrutura do Poder Judiciário. Tudo isso, em busca da
outorga de justiça célere e de qualidade.
Não se trata,
como visto, da utilização das ações coletivas tradicionais (ações civis
públicas, ações coletivas do Código de Defesa do Consumidor, ações populares
etc.), nem da busca desenfreada por mera eliminação de processos, mas sim de
buscar meios e instrumentos novos para a solução rápida e eficaz (justiça de
qualidade) das ações de massa, propostas aos milhares, que vem abarrotando os
tribunais e impedindo a prestação jurisdicional tempestiva e adequada aos
demais processos.
O Código de
Processo Civil em vigor não continha, originariamente, regras para o
enfrentamento de demandas repetitivas, dado que seu caráter era eminentemente
individualista, próprio da época em que foi editado.
Submetido a
sucessivas reformas, contudo, passou a contar com a previsão de técnicas de
julgamento em massa, tais como o a regra das súmulas impeditivas (art. 518 do
CPC), a possibilidade de julgamento dos Recursos Especiais repetitivos e de
recursos extraordinários com repercussão geral, bem como, ainda perante o
primeiro grau de jurisdição, o julgamento liminar de improcedência, previsto no
art. 285-A do CPC.
Outras medidas
de julgamento coletivizado, entretanto, se fazem necessárias, para que se possa
adequadamente enfrentar as constantes questões seriais apresentadas ao Poder
Judiciário.
Esses novos
mecanismos processuais específicos para o tratamento adequado da litigância de
massa deverão permitir, além do descongestionamento dos tribunais, a
uniformidade das decisões para situações jurídicas homogêneas, privilegiando a
segurança jurídica, a previsibilidade, estabilidade e a certeza do direito.
Não se pode,
outrossim, aceitar a ideia estigmatizada de que a litigância de massa é ruim,
procurando-se culpados.
A realidade é
que a litigância de massa é inerente à sociedade de consumo como aquela em que
vivemos. Trata-se de realidade consolidada.
A estrutura
judicial, por outro lado, não é capaz de acompanhar o crescimento exponencial
das demandas.
Nesse
contexto, o instituto de resolução de demandas individuais repetitivas, no
Código de Processo Civil projetado, em sua versão original, foi criado a partir
de inspiração no direito alemão e permite que sejam identificadas, ainda em
primeiro grau de jurisdição, demandas atomizadas que contenham questões de
direito idênticas, de forma que recebam decisão conjunta e uniforme.
Cuida-se,
portanto, de mecanismo processual adequado – embora passível de
aperfeiçoamento, como acima apontado – para lidar com controvérsias capazes de
gerar multiplicação excessiva de processos e decisões conflitantes.
Contudo, a
recente supressão, na Câmara dos Deputados, da possibilidade do magistrado de
1.º grau de jurisdição suscitar o conflito perante o tribunal a que é
subordinado, representa evidente retrocesso e poderá vir a implicar em grande
perda do potencial do instituto, cuja versão original criada no antepreprojeto
é de todo mais adequada à realidade nacional.
9.
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Acesso em: 20.01.2014, às 16 h.
3 Nesse
diapasão, já escrevemos sobre o problema orçamentário do Poder Judiciário,
privado de suficientes recursos, o que se constitui obstáculo que muitas vezes
impede a prestação jurisdicional em prazo razoável, em: ZANFERDINI, Flávia de
Almeida Montingelli. O processo civil no terceiro milênio. Rio de Janeiro:
Forense, 2004.
4 MANCUSO,
Rodolfo de Camargo. A resolução dos conflitos e a função judicial no
contemporâneo Estado de Direito. São Paulo: Ed. RT, 2009. p.27.
5 VIGORITI,
Vincenzo. Mito e Realtà. Processo e mediazione. Revista de Processo. ano
36. vol. 192. p. 395. São Paulo: Ed. RT, fev. 2011.
6 Ovídio
Araújo Baptista da Silva, por exemplo, na década de 70, do século XX, afirmava
que as demandas civis eram uma “longa aventura” e que o procedimento comum
desenrolava-se lentamente. O Poder Judiciário, aduzia, já estava em crise.
Dizia ele: “Ora, se o Poder Judiciário está condenado a sucumbir na luta pela
superação dos problemas gerados pela própria evolução social, ou, pelo menos,
deverá aceitar a permanente inadequação como uma decorrência inelutável das
peculiaridades históricas, tornando-se mais ou menos quiméricas as aspirações
de uma justiça célere e eficiente, não há necessidade de outras justificações
para demonstrar a atualidade e a importância das ações cautelares, que são,
precisamente, os instrumentos capazes de aliviar as tensões criadas por esse
desequilíbrio estrutural, dando aos que procuram a proteção judiciária pelo
menos mais segurança, o que, em última instância, é também um fim colimado pela
jurisdição comum.” As ações cautelares e o novo processo civil. 2. ed.
Rio de Janeiro: Forense, 1976. p. 9-10.
7 Roger Perrot
aduz que o acontecimento processual marcante da última metade do século XX foi,
sem dúvida, o considerável aumento da massa litigiosa, não só na França. Esse
aumento pesou muito nas transformações do processo civil francês. Naquele país,
foi possível verificar que, em vinte anos, o número de causas triplicou, o que
aconteceu em razão da rápida evolução da sociedade, de leis que se sucedem em
ritmo alucinante e que fatalmente geram um contencioso mais abundante.
Contemporaneamente, frisa, as pessoas estão mais bem informadas e não hesitam
em recorrer aos tribunais ante a menor dificuldade. Com um pessoal judiciário
que praticamente não aumentou em número, o resultado é que tribunais apenas
conseguem resolver os litígios após meses, quiçá anos de seu ajuizamento.
Sintetiza referido jurista dizendo que a justiça é fator de paz social e que
consequências temíveis devem ser esperadas, se não lhe for possível desempenhar
plenamente seu papel, sem que as decisões sejam proferidas em prazo razoável e
executadas com rapidez (O processo civil francês na véspera do século XXI.
Revista de Processo. ano 23. vol. 91. p. 204. São Paulo: Ed. RT, jul.-set.
1998). No mesmo sentido, mencionando tratar-se de problema universal, ver:
SANTOS, Boaventura de Souza et al. Os tribunais nas sociedades
contemporâneas. Porto: Afrontamento, 1996. p. 387.
8 Tal fenômeno
não passou despercebido por Rodolfo Camargo Mancuso, que diz: “de modo geral,
tem-se tentado resolver o problema pela via legislativa – a
nomocracia – sem se dar conta de que tal estratégia, experimentada desde o
último quartel do século passado (v.g., a Lei 8.038/1990, dita lei
dos recursos) até hoje não surtiu o resultado esperado, já que os Tribunais
estão sobrecarregados e o crescimento do estoque nacional de processos não dá
sinais de arrefecer.” Trata-se, continua o autor, de: “preferência pela
‘solução normativa’, que se apresenta sob as vestes de uma ‘resposta’ atraente
(porque mais rápida e menos impactante), assim passando aos destinatários a
falaciosa impressão de ‘algo foi feito’.” Acesso à justiça: condicionantes
legítimas e ilegítimas. São Paulo: Ed. RT, 2011. p. 52-53 – destaques do
original.
9 Nesse
sentido, ver: VARGAS, Abraham Luis. Teoria general de los procesos urgentes.
In: PEYRANO, Jorge W. (coord.). Medidas autosatisfactivas. Buenos Aires:
Rubinzal Culzoni Editores, 2004. p. 120.
10 Nesse
diapasão, explica Paulo Roberto da Silva Marquezini, que: “não pode o Poder
Judiciário ser obrigado a apreciar, uma a uma, questões idênticas. Da mesma
forma, não podem os jurisdicionados receberem respostas díspares em situações
iguais. Segurança jurídica e técnicas de julgamento de causas repetitivas são,
certamente, dois lados de uma mesma moeda”. Técnicas de julgamento de causas
repetitivas no direito brasileiro. Dissertação de mestrado, São Paulo,
Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 2012. p. 6.
11 Rodolfo de
Camargo Mancuso explica que a opção pelas ações coletivas seria melhor do que o
tratamento coletivo de demandas individuais. Ensina ser preferível: “submeter
os megaconflitos, desde logo, à jurisdição coletiva, evitando sua pulverização
em multifárias ações individuais replicadas, a melhor técnica e até o bom sendo
sinalizam para esse segundo alvitre”. Acesso à justiça… cit., p. 415.
12 CUNHA,
Leonardo José Carneiro da. O regime processual das causas repetitivas.
Revista de processo. vol. 179. ano 35. p. 143. São Paulo: Ed. RT, jan.
2010.
13 Expressão
consagrada por Kazuo Watanabe: Demandas coletivas e problemas emergentes da
práxis forense. In: TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo (coord.). As garantias do
cidadão na justiça. São Paulo: Saraiva, 1993. p. 185-196.
14 BRANCO
NETO, Ney Castelo. As demandas de massa: uma nova dogmática aplicável às
teses repetitivas, Dissertação de mestrado, Recife, Universidade Católica
de Pernambuco, 2010. p. 22.
15 “A
atividade mediante a qual se desempenha em concreto a função jurisdicional
chama-se processo. Essa função não se cumpre, em verdade, a um só tempo e com
um só ato, mas através de uma série coordenada de atos que se sucedem no tempo
e que tendem à formação de um ato final”. LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de
direito processual civil. Trad. e notas de Cândido Rangel Dinamarco. Rio de
Janeiro: Forense, 1984. p. 33.
16 Adolfo
Gelsi Bidart ensina que o “proceso en sí, que requiere un lapso de cierta
prolongación para actuarse, que no pode realizarse en un instante único”. El
tiempo y el proceso. Revista de Processo. vol. 6. n. 23. p. 110. São
Paulo: Ed. RT, jul.-set. 1981.
17 Diz Ovídio
Araújo Baptista da Silva que a suprema sabedoria do legislador está em saber
distribuir, com equidade e equilibradamente, o tempo no processo, de modo a não
onerar exclusivamente um dos litigantes, em benefício do adversário. Tutela
antecipatória e juízos de verossimilhança. Revista Ciência Jurídica. ano
6. vol. 47. p. 310. Belo Horizonte, set.-out. 1992.
18 “O sistema
processual, segundo a visão de Liebman, não deve ter seu foco metodológico
‘como instrumento posto a serviço dos indivíduos para a defesa de seus
direitos, mas como função pública exercida para a satisfação do interesse
coletivo”. DINAMARCO, Candido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno.
6. ed. São Paulo: Malheiros, 2010. t. I, p. 46.
19 Op. cit.,
p. 190.
20 MARINONI,
Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. 2. ed. rev. e atual. São
Paulo: Ed. RT, 2011. p. 65.
21 De se
anotar, por oportuno, que se chegou a cogitar, durante a tramitação do Projeto
do novo Código de Processo Civil perante o Congresso nacional, na possibilidade
da adoção do incidente de resolução de demandas repetitivas não apenas para as
ações que contenham tese jurídica homogênea, mas também para aquelas que
contemplam identidade de situação fática, o que, ao que tudo indica, está
superado, porque a última versão apresentada não mais contempla essa previsão.
22 BASTOS,
Antonio Adonias Aguiar. Situações jurídicas homogêneas: um conceito necessário
para o processamento das demandas de massa. Revista de Processo. vol.
186. p. 97. São Paulo: Ed. RT, 2010.
23 “Mostra-se
notório que as demandas repetitivas representam a maioria das ações que
tramitam na justiça atualmente no Brasil e que estas seriam uma das grandes
responsáveis pela morosidade na prestação jurisdicional. Resta claro, portanto,
que qualquer tentativa de imprimir uma marcha mais acelerada no trâmite de
ações (tanta as de massa quanto às demais) deverá passar, necessariamente, pela
criação ou reforma de mecanismos que possibilitem a resolução ágil dos
conflitos repetitivos”. OTHARAN, Luiz Felipe. Incidente de resolução de
demandas repetitivas como uma alternativa às ações coletivas: notas de direito
comparado. Disponível em: [www.processoscoletivos.net/ve_ponto.asp?id=58],
p. 1. Acesso em: 05.05.2012, às 13 h 30 min.
24 GOUVEIA,
Mariana França. A acção especial de litigância de massa. Novas exigências do
processo civil: organização, celeridade e eficácia. Coimbra: Coimbra Ed.,
2007. p. 139.
25 MANCUSO,
Rodolfo de Camargo. Acesso à justiça… cit., p. 15.
26 GOUVEIA,
Mariana França. Op. cit., p. 151.
27 Nesse
sentido, a doutrina norte americana afirma que “steps shoud be taken to ensure
that courts provide individual justice, even in a mass context”, FRUEHWALD,
Scorr. Individual Justice in massa tort litigation: judge Jack B.Weinstein
on choice of law in mass tort cases. Disponível em:
[www.hofstra.edu/PDF/Law_fruewald.pdf]. Acesso em: 18.05.2013, às 13 h 40 min.
28 CUNHA,
Leonardo José Carneiro da. As causas repetitivas e a necessidade de um regime
que lhe seja próprio. Revista da Faculdade de Direito Sul de Minas. n.
25. p. 242/243. Pouso Alegre, jul.-dez. 2009.
29 Observe-se,
por exemplo, a preocupação em ampliar o cabimento da reclamação, no art. 942,
tanto do PLS 166/2010 e no PLC 8.046/2010 (mesma redação): “Art. 942. Caberá
reclamação da parte interessada ou do Ministério Público para: I – preservar a
competência do Tribunal; II – garantir a autoridade das decisões do Tribunal;
III – garantir a observância de súmula vinculante; IV – garantir a observância
da tese firmada em incidente de resolução de demandas repetitivas; V – garantir
a observância da tese firmada em incidente de assunção de competência.”
Disponível em: [www.senado.gov.br/atividade/materia/getPDF.asp?t=84496]. Acesso
em: 07.02.2014, às 17 h 30 min. Na EMA – Emenda Aglutinativa Substitutiva
Global, da Câmara, a redação do preceito, que recebe o número 1.000, sofreu
ligeiras modificações, sem perder o sentido. Disponível em: [www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=32F5DED5E0850CD4157D4E2A58274D9C.node2?codteor=1174669&filename=EMA+2/2013+%3D%3E+PL+6025/2005].
Acesso em: 07.02.2014, às 17 h 30 min.
30 Nesse
projeto, suspenderam-se todas as ações individuais que versavam sobre expurgos
inflacionários de poupança, aguardando-se o julgamento das demandas coletivas.
Com isso, além de se evitar a pulverização de decisões, muitas vezes
contraditórios ou meramente repetitivas umas das outras, economizaram-se recursos
públicos de toda ordem, possibilitando que os juízos tenham o tempo necessário
para analisar as muitas outras ações individuais de lides diversas que se lhe
apresentam.
31 Por
exemplo: “(…) 1. A suspensão determinada pelo art. 543-C do CPC aos processos
que cuidam de matéria repetitiva orienta-se às causas que ainda não ascenderam
aos tribunais superiores. Precedentes. (…)”. STJ, AgRg no REsp 1288198/PR, 4.ª
T., j. 01.03.2012, rel. Min. Maria Isabel Gallotti, DJe 09.03.2012.
Disponível em: [www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=1284632&&b=ACOR&p=true&t=JURIDICO&l=10&i=2#].
Acesso em: 22.1.2014, às 11 h 40 min.
32 A questão
da suspensão das ações individuais é bastante tormentosa e merece reflexão mais
aprofundada que, lamentavelmente, é impossível de ser feita no âmbito estrito
do presente estudo. Destaca-se, porém, por ser pertinente, o alerta já feito
por Luiz Rodrigues Wambier e Rita de Cássia Corrêa de Vasconcelos, ao tratarem
dos Recursos especiais repetitivos do art. 543-C do CPC: “(…) a aplicação da
nova disciplina legal deve ocorrer somente quanto não houver dúvida de que se
está tratando de questões de direito verdadeiramente ‘idênticas’ (CPC, art.
543-C, caput), sob pena de se desvirtuar o sentido da lei e se incorrer
em inconstitucionalidade por violação ao princípio do acesso à justiça.”
Recursos especiais repetitivos (Lei 11.672/2008) e ações coletivas.
Informativo Migalhas. Disponível em:
[www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI66402,31047-Recursos+especiais+repetitivos+Lei+116722008+e+acoes+coletivas].
Acesso em: 08.02.2014, às 18 h.
33 “As novas
tecnologias permitem que o tribunal tenha uma extensão, uma antena, no
escritório do mandatário ou mesmo na casa do cidadão. Haverá justiça mais
próxima do que essa justiça domiciliária?”. RANGEL, Paulo Castro. A reforma do
mapa judiciário no contexto da política da justiça. Novas exigências do
processo civil. Op. cit., p. 14.
34 Sobre o
modelo alemão, confira-se o trabalho de Antonio de Passos Cabral: O novo
procedimento-modelo (musterverfahen) alemão: uma alternativa às ações
coletivas. Revista de processo. vol. 147. p. 123/146. São Paulo: Ed. RT,
2007.
35 “Criaram-se
figuras, no novo Código de Processo Civil, para evitar a dispersão excessiva da
jurisprudência. Com isso, haverá condições de se atenuar o assoberbamento de
trabalho no Poder Judiciário, sem comprometer a qualidade da prestação
jurisdicional. Dentre esses instrumentos, está a complementação e o reforço da
eficiência do regime de julgamento de recursos repetitivos, que agora abrange a
possibilidade de suspensão do procedimento das demais ações, tanto no juízo de
primeiro grau, quanto dos demais recursos extraordinários ou especiais, que
estejam tramitando nos tribunais superiores, aguardando julgamento,
desatreladamente dos afetados. Com os mesmos objetivos, criou-se, com
inspiração no direito alemão, o já referido incidente de Resolução de Demandas
Repetitivas, que consiste na identificação de processos que contenham a mesma
questão de direito, que estejam que estejam ainda no primeiro grau de
jurisdição, para decisão conjunta”. Exposição de motivos do anteprojeto do novo
Código de Processo Civil. Disponível em:
[www.senado.gov.br/senado/novocpc/pdf/anteprojeto.pdf]. Acesso em: 22.01.2014,
às 14 h.
36 LEVY,
Daniel. O incidente de resolução de demandas repetitivas no anteprojeto do Novo
Código de Processo Civil. Revista de processo. vol. 196. p. 169. São
Paulo: Ed. RT, 2011.
37 Neste
tópico, vale anotar que o right to opt in (direito de ingressar) e o
right to opt out (direito de exclusão) são institutos próprios das class
actions norte americanas, que se distinguem das ações coletivas
brasileiras, permitindo que o indivíduo, envolvido em controvérsia repetitiva,
peça sua inclusão ou exclusão do grupo que sofrerá os efeitos do julgamento
coletivo. No Brasil, vê-se exemplo do instituto do right to opt in no
art. 22, § 1.º, da nova Lei do Mandado de Segurança (Lei 12.016/2009), que
exige a desistência (de maneira inconstitucional, ao que parece, pois bastaria
suspender o writ) do mandado de segurança individual para que o
impetrante possa se beneficiar da coisa julgada que advirá do mandado de
segurança coletivo. Trata-se de regime muito mais restritivo do que o do Código
de Defesa do Consumidor, onde há integral liberdade ao consumidor aderir ou não
à ação coletiva (opt in), apenas para se beneficiar.
38
Infelizmente, ante o limitado espaço deste artigo, não foi possível aprofundar
os temas e problemas aqui tratados, sendo importante, porém, ressaltá-los, para
fomentar o debate antes que o Novo Código de Processo Civil seja uma realidade
vigente.
39 Arts. 988 e
ss. Disponível em:
[www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=32F5DED5E0850CD4157D4E2A58274D9C.node2?codteor=1174669&filename=EMA+2/2013+%3D%3E+PL+6025/2005].
Acesso em: 07.02.2014, às 18 h.
40 Sobre a
pertinência de se fazer observações sobre o direito comparado, é importe gizar
que no estudo de um novo instituto, é de todo conveniente que sejam verificadas
as experiências já apresentadas em outros países, para que se possa comparar
sistemas e perceber se as soluções internacionais revelaram-se eficientes e até
mesmo para que, de antemão, se possa apurar as suas dificuldades e como vem
sendo enfrentadas.
41 LEVY,
Daniel de Andrade. Op. cit., p. 185.
42 Idem, p.
186.
43 “A ideia
central do Regime se funda na adoção de um modelo processual mais simples e
flexível, conferindo ao juiz uma atuação determinante, aprofundando a
participação do magistrado no processo civil de conhecimento. Atribui ao juiz
uma real direção do processo (…) Ao determinar o dever de gestão processual,
compete ao juiz adotar a tramitação processual adequada às especificidades da
causa”. PINTO, Junior Alexandre Moreira. O regime processual experimental
português. Revista de Processo. vol. 148. p. 173-174. São Paulo: Ed. RT,
2007.
44 O estudo do
contexto do Anteprojeto do Novo Código de Processo Civil permite que se
identifique a tendência de privilegiar um magistrado mais atuante. Não apenas
aplicador da lei, mas verdadeiro administrador do processo.
45 Explicam
Eduardo García Enterría e Aureliano Menéndez Menéndez que: “La idea originaria,
para embridar la antigua liberdad del juez y someterle a su función estricta de
particularizador de la Ley es, pues, que no existe Derecho al margen de la Ley,
que en la Ley y nada más que en ella debe buscarse y encontrarse la solución
para resolver cualquier problema jurídico que pueda plantease. Es el dogma al
que se llamará más tarde el positivismo legalista.” El derecho, la ley y el
juez: dos estudios. Madrid: Cuadernos Civitas, 1997. p. 43.
46 FREITAS,
José Lebre de. Experiência piloto de um novo processo civil. Novas
exigências do processo civil. Op. cit., p. 214.
47 GERALDES,
Antonio Santos Abrantes. Processo especial experimental de litigância de
massas. Novas exigências do processo civil. Op. cit., p. 164/165.
48 Disponível
em:
[www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=32F5DED5E0850CD4157D4E2A58274D9C.node2?codteor=1174669&filename=EMA+2/2013+%3D%3E+PL+6025/2005].
Acesso em: 07.02.2014, às 18 h.
49 Disponível
em: [www.senado.gov.br/senado/novocpc/pdf/anteprojeto.pdf]. Acesso em:
22.01.2014, às 16 h 30 min.