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3 de fevereiro de 2022

O Ministério Público não possui legitimidade para promover a execução coletiva do art. 98 do Código de Defesa do Consumidor por ausência de interesse público ou social a justificar sua atuação

Processo

REsp 1.801.518-RJ, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 14/12/2021, DJe 16/12/2021.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL, DIREITO DO CONSUMIDOR, DIREITO PROCESSUAL CIVIL

  • Consumo e produção responsáveis
  •  
  • Paz, Justiça e Instituições Eficazes
Tema

Ação Civil Pública. Execução coletiva. Art. 98 do CDC. Direitos individuais homogêneos. Ausência de legitimidade do Ministério Público.

 

DESTAQUE

O Ministério Público não possui legitimidade para promover a execução coletiva do art. 98 do Código de Defesa do Consumidor por ausência de interesse público ou social a justificar sua atuação.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Inicialmente, cumpre salientar que os direitos individuais homogêneos, por sua própria natureza, comportam execução individual na fase de cumprimento de sentença, conforme previsto no art. 97 do CDC.

Além da execução individual, surgem ainda duas outras possibilidades, a execução "coletiva" do art. 98, e a execução residual (fluid recovery) prevista no art. 100, ambos do CDC.

Embora o art. 98 do CDC faça referência aos legitimados elencados no art. 82 do CDC, cumpre observar que, na fase de execução da sentença coletiva, a cognição judicial se limita à função de identificar o beneficiário do direito reconhecido na sentença (cui debeatur) e a extensão individual desse direito (quantum debeatur), pois, nessa fase processual, a controvérsia acerca do núcleo de homogeneidade do direito já se encontra superada.

Essa particularidade da fase de execução constitui óbice à atuação do Ministério Público na promoção da execução coletiva, pois o interesse social, que justificaria a atuação do parquet, à luz do art. 129, inciso III, da Constituição Federal, está vinculado ao núcleo de homogeneidade do direito, sobre o qual não se controverte na fase de execução.

Segundo a doutrina, "a legitimidade do Ministério Público fica reservada para as hipóteses de direitos difusos ou de direitos coletivos em sentido estrito ou, subsidiariamente, para a hipótese de 'coletivização' do resultado do processo, o que se dá quando a quantidade de habilitações individuais é inexpressiva (art. 100 do Código de Defesa do Consumidor). Essa excepcionalíssima hipótese, em que admitimos a legitimidade do Ministério Público em causas que versem direitos individuais homogêneos, decorre justamente dessa nova destinação do resultado concreto da ação".

Nessa linha de entendimento, impõe-se declarar a ilegitimidade ativa do Ministério Público para o pedido de cumprimento da sentença coletiva, sem prejuízo da legitimidade para a execução residual prevista no art. 100 do CDC.

19 de outubro de 2021

O beneficiário de expurgos inflacionários pode promover cumprimento individual de nova sentença coletiva para a cobrança dos juros remuneratórios não contemplados no anterior título judicial coletivo já executado.

Processo

REsp 1.932.243-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 05/10/2021, DJe 08/10/2021.

Ramo do Direito

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

  • Paz, Justiça e Instituições Eficazes
Tema

Ações civis públicas. Direitos individuais homogêneos. Expurgos inflacionários. Cumprimento individual de anterior título executivo. Posterior sentença coletiva mais abrangente. Execução exclusiva dos juros remuneratórios. Possibilidade. Coisa julgada. Inexistência.

 

DESTAQUE

O beneficiário de expurgos inflacionários pode promover cumprimento individual de nova sentença coletiva para a cobrança dos juros remuneratórios não contemplados no anterior título judicial coletivo já executado.


INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

No caso, há duas sentenças coletivas transitadas em julgado sobre o mesmo dano individual homogêneo, uma beneficiando apenas os poupadores de alguns municípios - e executada em primeiro lugar -, e outra beneficiando todos os poupadores do Estado.

Cinge-se a controvérsia, portanto, em verificar se, ante a ausência de pedido de condenação ao pagamento de juros remuneratórios na primeira ação civil pública, seria possível o cumprimento individual de outra sentença coletiva apenas em relação aos juros remuneratórios nesta prevista.

A Segunda Seção desta Corte Superior fixou o entendimento de que, na execução individual de sentença proferida em ação civil pública que reconhece o direito de poupadores aos expurgos inflacionários, descabe a inclusão de juros remuneratórios nos cálculos de liquidação, se inexistir condenação expressa.

No entanto, como o pedido de juros não havia sido formulado na primeira ação civil pública, não há que se falar em violação aos limites objetivos da coisa julgada.

Não se está a tratar, portanto, de execução de verbas não previstas no novo título executivo, tampouco de execução de quantia já objeto de cumprimento de sentença anterior - situações que encontrariam óbice no ordenamento jurídico pátrio -, mas sim de cumprimento de nova sentença coletiva apenas no que tange à pretensão não veiculada em ação anterior e que, portanto, não se encontra coberta pela coisa julgada material.

Conclui-se que, no regime próprio das demandas coletivas envolvendo direitos individuais homogêneos, é lícito aos poupadores promoverem cumprimento individual de sentença coletiva apenas para a cobrança dos juros remuneratórios, ainda que já executado anterior título executivo formado em ação civil pública diversa referente a expurgos inflacionários coincidentes, mas que não contemplava os referidos juros.

15 de outubro de 2021

O Ministério Público possui legitimidade para promover a tutela coletiva de direitos individuais homogêneos, mesmo que de natureza disponível, desde que o interesse jurídico tutelado possua relevante natureza social

Processo

REsp 1.585.794-MG, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 28/09/2021, DJe 01/10/2021.

Ramo do Direito

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

  • Paz, Justiça e Instituições Eficazes
Tema

Ação civil pública. Ministério Público. Legitimidade ad causam. Cobrança de taxa. Associação de moradores. Direito individual homogêneo disponível. Relevância social. Imprescindibilidade.

 

DESTAQUE

O Ministério Público possui legitimidade para promover a tutela coletiva de direitos individuais homogêneos, mesmo que de natureza disponível, desde que o interesse jurídico tutelado possua relevante natureza social.


INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

A controvérsia jurídica diz respeito à legitimidade do Ministério Público para promover ação civil pública em defesa dos direitos de proprietários de imóveis, devido à cobrança de taxas por associação de moradores.

Segundo a jurisprudência desta Corte Superior, o Ministério Público possui legitimidade para promover a tutela coletiva de direitos individuais homogêneos, mesmo que de natureza disponível, desde que o interesse jurídico tutelado possua relevante natureza social.

Em recente decisão da Quarta Turma foi firmado o entendimento de que, na hipótese de defesa do direito do consumidor, a relevância social é intrínseca, por possuir relação direta com o próprio desenvolvimento e bem-estar da sociedade.

Sob a ótica objetiva e subjetiva da relevância social, verifica-se que, no caso, não se busca defender bens ou valores essenciais à sociedade, tais como o direito ao meio ambiente equilibrado, à educação, à cultura ou à saúde, nem se pretende tutelar direito de vulnerável, como o consumidor, o portador de necessidade especial, o indígena, o idoso ou o menor de idade.

Assim, a ação civil pública tem por finalidade apenas evitar a cobrança de taxas, supostamente ilegais, por específica associação de moradores. Nessa perspectiva, não transcende a esfera de interesses puramente particulares e, consequentemente, não possui a relevância social exigida para a tutela coletiva.

8 de agosto de 2021

É possível o débito do valor da parcela mínima do cartão de crédito, pela operadora, quando previsto em cláusula contratual

 Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/07/info-699-stj.pdf


CLÁUSULAS ABUSIVAS - É possível o débito do valor da parcela mínima do cartão de crédito, pela operadora, quando previsto em cláusula contratual 

Não é abusiva a cláusula do contrato de cartão de crédito que autoriza a operadora, em caso de inadimplemento, debitar na conta corrente do titular o pagamento do valor mínimo da fatura, ainda que contestadas as despesas lançadas. STJ. 4ª Turma. REsp 1.626.997-RJ, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 01/06/2021 (Info 699). 

Imagine a seguinte situação hipotética: 

João contratou um cartão de crédito da operadora XYZ. No contrato constava previsão de débito direto, na conta corrente de João, da parcela mínima de pagamento da fatura, caso ele não fizesse o pagamento no prazo acordado. Em determinado mês, João não efetuou o pagamento, pois discordava de algumas despesas lançadas, ou seja, ele contestou o valor da fatura. Ainda assim, a operadora realizou o débito automático do valor mínimo de pagamento em sua conta corrente. Esse depósito do valor mínimo foi feito com base em uma cláusula prevista em alguns contratos de cartão de crédito: “14.1 - Na hipótese do não pagamento da fatura mensal no dia do seu vencimento, o titular, quando correntista do emissor, desde logo autoriza que o valor equivalente ao pagamento mínimo nela estipulado, seja levado a débito em sua conta corrente de depósito à vista, desde que esta possua saldo disponível suficiente para acatá-lo.” 

ACP 

O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro ajuizou ação civil pública contra a operadora alegando que essa cláusula seria abusiva e requerendo que ela não mais seja aposta nos contratos de cartão de crédito. Vejamos o que decidiu o STJ: 

O Ministério Público tem legitimidade para propositura de ação civil pública nesse sentido? SIM. 

Súmula 601-STJ: O Ministério Público tem legitimidade ativa para atuar na defesa de direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos dos consumidores, ainda que decorrentes da prestação de serviço público. 

Direitos individuais homogêneos 

O caso se amolda ao conceito de interesses individuais homogêneos, previsto no inciso III, do parágrafo único do art. 81 do Código de Defesa do Consumidor: 

Art. 81 (...) Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de: (...) II - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum. 

A questão abarca determinado número de pessoas, ligadas por uma origem comum e com um objeto determinado. 

A tese da abusividade da cláusula foi aceita pelo STJ? Tal previsão é abusiva? NÃO. 

Não é abusiva a cláusula do contrato de cartão de crédito que autoriza a operadora/financeira, em caso de inadimplemento, a debitar na conta-corrente do titular o pagamento do valor mínimo da fatura, ainda que contestadas as despesas lançadas. STJ. 4ª Turma. REsp 1.626.997-RJ, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 01/06/2021 (Info 699). 

Princípio da autonomia da vontade 

Segundo o STJ, não há que se falar em abusividade da cláusula do contrato quando não há ofensa ao princípio da autonomia da vontade, que norteia a liberdade de contratar. No caso, João, e todos os demais contratantes, têm resguardado o seu direito ao consentimento livre de contratar cartão de crédito, ou não, com aquela operadora. Estão mantidas a capacidade de se autogovernarem, de fazerem opções e de agirem segundo suas próprias deliberações. Para tanto, basta que a cláusula tenha sido expressamente contratada e a ocorrência do débito, diretamente na conta corrente, devidamente informada ao consumidor. 

Garantia à continuidade do contrato 

A previsão de débito automático na conta corrente do consumidor não tem condão de violar o equilíbrio contratual ou a boa-fé. Para a STJ, trata-se de “mero expediente para facilitar a satisfação do crédito com a manutenção da contratualidade havida entre as partes”. O Tribunal destacou que não há no ordenamento jurídico obrigação legal para a concessão de crédito sem garantia, nem mesmo vedação a tal prática. Ademais, essa operação de débito direto consiste em ferramenta apenas utilizada quando o consumidor não realiza, por si, o pagamento, no prazo contratual, sequer do valor mínimo expressamente acordado para manter o fluxo do contrato de cartão de crédito. Reputar abusiva a cláusula que autoriza a operadora a realizar o débito, em caso de inadimplemento, implicaria na majoração dos custos do crédito para todos, a fim de cobrir os riscos de inadimplência inerentes à operação. Por conseguinte, isso provocaria prejuízo aos consumidores e à própria atratividade de contratos do tipo. 

Previsão expressa 

A possibilidade de débito direto na conta corrente do titular do cartão, a título de pagamento mínimo de fatura, deve, para ser válida, estar expressamente autorizada por cláusulas contratuais adequadamente redigidas. É necessária, portanto, a previsão expressa no contrato. Desta feita, não redundaria em constrangimento apto a denotar defeito na prestação do serviço, nem caracterizaria desprezo à vulnerabilidade do consumidor no mercado. 

O que o BACEN diz a respeito? 

No sítio eletrônico do BACEN, disponível no endereço https://www.bcb.gov.br/ acessoinformacao/perguntasfrequentes-respostas/faq_cartao, consta a seguinte pergunta: “A instituição pode debitar em minha conta corrente valores relativos à fatura do cartão de crédito?”. A resposta fornecida pelo BACEN é a seguinte: “Sim. Desde que você tenha, previamente, solicitado ou autorizado, por escrito ou por meio eletrônico, a realização do débito. A referida autorização pode ser ou ter sido concedida no próprio instrumento contratual de abertura de conta e poderá ser cancelada a seu pedido.” 

O mesmo raciocínio se aplica nos casos em que consumidor contesta a fatura? 

SIM. Nos casos em que o consumidor contesta operações lançadas em sua fatura, após análise interna, o valor é estornado na sua totalidade, inclusive o percentual do valor mínimo eventualmente debitado em sua conta corrente. 

 

27 de outubro de 2017

TRATAMENTO COLETIVO ADEQUADO DAS DEMANDAS INDIVIDUAIS REPETITIVAS PELO JUÍZO DE PRIMEIRO GRAU; vol. 234, p. 181 - 207, Ago / 2014

TRATAMENTO COLETIVO ADEQUADO DAS DEMANDAS INDIVIDUAIS REPETITIVAS PELO JUÍZO DE PRIMEIRO GRAU

Análise das regras vigentes e daquelas inseridas no Código de Processo Civil projetado
Revista de Processo | vol. 234/2014 | p. 181 - 207 | Ago / 2014
DTR\2014\8859
_____________________________________________________________________________________
Flávia de Almeida Montingelli Zanferdini
Doutora e Mestre em Direito Processual Civil pela PUCSP. Professora do curso de pós-graduação stricto sensu da Unaerp-Ribeirão Preto. Juíza de Direito. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP).

Alexandre Gir Gomes
Mestre em Direito pela UNESP. Especialista em Direito Empresarial pela FGV. Professor da pós-graduação em Processo Civil da FAAP-Ribeirão Preto. Advogado.

Área do Direito: Processual

Resumo: Este trabalho aborda a necessidade de se estabelecer um regime processual adequado para as demandas individuais repetitivas ou de massa e analisa os mecanismos de agregação existentes atualmente, bem como aqueles que estão previstos no Código de Processo Civil Projetado, com ênfase no estudo do incidente de resolução de demandas repetitivas.

 Palavras-chave:  Demandas individuais de massa - Teses repetitivas - Mecanismos de agregação - Incidente de resolução.

Abstract: This issue addresses the need of procedural rules for the individual mass demands and analyses the aggregation mechanisms that we have nowadays and those that are in the project of the new civil procedure rules, emphasizing the study of the incident resolution of repetitive demands.

 Keywords:  Mass demands - Repetitive theses - Aggregation mechanisms - Repetitive demands incident resolution.

É importante não esquecer da litigiosidade própria do século XXI, a litigância de massa. O que se pensou foi o seguinte: há que se adaptar as regras do processo à realidade da litigância actual. E essa adaptação passa por, primeiro, criar mecanismos específicos que permitam um tratamento conjunto dos processos; segundo, conceber instrumentos que possibilitem um tratamento diferencial das acções, de acordo com as suas características. A idéia é que o juiz disponha de instrumentos legais que lhe permitam gerir sua pendência volumosa.(GOUVEIA, Mariana França. A acção especial de litigância de massa.Novas exigências do processo civil: organização, celeridade e eficácia. Coimbra: Coimbra Ed., 2007. p. 139.)

Sumário:  
- 1.Introdução - 2.Acesso à justiça e aumento da litigiosidade - 3.Duração razoável do processo, isonomia e demandas individuais repetitivas ou de massa - 4.Demandas individuais de massa: distinção e conceito - 5.Regras processuais voltadas para o tratamento de demandas individuais repetitivas ou de massa - 6.Código de Processo Civil projetado e o tratamento em bloco das demandas individuais repetitivas no primeiro grau de jurisdição - 7.Propostas de alterações do instituto e o retrocesso - 8.Conclusões - 9.Referências


Recebido em: 11.02.2014
Aprovado em: 03.06.2014

1. Introdução

A litigiosidade de massa é a predominante no século XXI.
O incremento da sociedade de massa em nosso País, juntamente com a ampliação do acesso à Justiça, notadamente a partir da Carta de 1988, provocou um aumento vertiginoso de demandas judiciais, em especial daquelas pertinentes ao mercado de consumo, acarretando sobrecarga de feitos e mais demora na solução de processos.
O que se vislumbra, atualmente, é um evidente desajustamento entre a oferta e a procura do sistema judicial. Nesse contexto, as regras processuais devem estar adaptadas a essa nova litigância.
Não se pode olvidar que o paradigma sobre o qual foi criado o Código de Processo Civil vigente é o individualista, que considera cada lide como única, com suas características próprias, demandando decisão específica, individual.
Alterado o modelo, dado que vivemos atualmente em uma sociedade de massa, é preciso adaptar as regras processuais e criar mecanismos específicos que permitam um tratamento conjunto dos litígios repetitivos, tanto na seara coletiva, como na individual.
Faz-se necessário estabelecer instrumentos processuais que possibilitem um tratamento da demanda de acordo com as suas características, habilitando o juiz a gerenciar adequadamente todas as ações que deva julgar.
Cuida-se, aqui, de dar tratamento coletivo e especial às demandas individuais repetitivas, garantindo-se que sejam cumpridos os postulados constitucionais da isonomia e da razoável duração do proceso.
A solução em bloco ou aglutinadora é de todo adequada para as demandas individuais de massa.
Assim, incentivar a utilização de novos métodos processuais implica importante passo em dar resposta às modernas demandas sociais e permitir que, sem grandes investimentos na estrutura do Poder Judiciário, se possa outorgar justiça de qualidade.

2. Acesso à justiça e aumento da litigiosidade

Em um Estado de Direito, faz-se necessário que o sistema judicial seja apto a dar resposta, em prazo razoável, às lides que se lhe apresentam.
Estamos diante de um cenário em que, dadas as propostas de universalização da tutela jurisdicional e da conscientização de direitos consagrados pela Constituição Federal, ocorreu um aumento vertiginoso no ajuizamento de demandas, sem que tenha ocorrido um concomitante aparelhamento do Poder Judiciário, que se viu impotente diante da assustadora quantidade de trabalho (que já foi até mesmo denominada de “tsunami” de processos).
Segundo Eduardo Cambi:1 “o tempo presente é marcado por muitas mudanças. A sociedade tecnológica e de consumo transforma tudo rapidamente. O direito vive uma crise existencial, tendo dificuldades de promover valores essenciais como a segurança e a justiça”.
Vivemos, destarte, o momento da judicialização, ou seja, do fenômeno de intenso e amplo acesso ao Poder Judiciário, autorizado e incentivado pela Constituição Federal de 1988, representando a busca de todos pela realização de direitos sociais, coletivos e individuais. Nesse contexto, a observação de João Luiz Martins Esteves:
“(…) desde a edição da Constituição Federal de 1988, particularmente no âmbito da jurisdicional constitucional, através do controle concreto ou abstrato de leis, tem sido comum a busca da sociedade pela efetivação dos direitos sociais. Através de uma visão do panorama geral das atividades desenvolvidas para esta efetivação é possível enxergar que os sindicatos, as organizações sociais não governamentais, além do próprio cidadão de maneira individual, depois de uma série de batalhas no âmbito político, passaram a procurar, através do ingresso de ações judiciais, um posicionamento do Poder Judiciário quanto à garantia e efetivação daqueles direitos. Este fenômeno tem sido chamado no mundo acadêmico de ‘judicialização dos conflitos sociais’, ou em uma amplitude que revele a problematização da atividade política, ‘judicialização da política’ a qual, muitas das vezes, trás nela embutidas questões de ordem social”.2
Hodiernamente, além da judicialização dos direitos fundamentais constitucionais e das políticas públicas, acima apontadas, estão judicializadas também as relações interpessoais como um todo. Questões que antes eram solucionadas pelo cidadão diretamente em outras esferas, tais como na própria vizinhança, nas escolas, nas instituições de saúde, nos Procon’s, nas Delegacias ou mesmo perante os diversos órgãos da Administração, passaram a ser todas enfrentadas pelo Judiciário.
Paralelamente, as crescentes demandas individuais de consumo, tais como as derivadas das relações bancárias e dos planos de saúde privados, escapam também aos mecanismos extrajudiciais de solução de conflitos (tais como mediação, conciliação, arbitragem e, inclusive, os procedimentos administrativos perante órgãos de defesa do consumidor e respectivas agências reguladoras) e aportam diretamente no Judiciário, geralmente veiculando teses repetitivas.
Tudo isso, sem mencionar o amplo desenvolvimento do processo coletivo propriamente dito, para a tutela de direitos coletivos stricto sensu e difusos, basicamente desenvolvido através das ações coletivas do Código de Defesa do Consumidor, das ações civis públicas, das ações populares e das ações de improbidade, bem como pelas ações para a tutela da própria ordem jurídica, como as relativas ao controle concentrado de constitucionalidade das leis, cujo crescimento é igualmente notório na última década.
O fato é que o Poder Judiciário não tem estrutura suficiente para acompanhar esse crescimento exponencial de demandas, ainda que sejam feitos investimentos maciços em seu sempre deficiente, defasado e inadequado aparato. A máquina estatal não consegue acompanhar o dinamismo social e o ritmo vertiginoso do crescimento de demandas.3
O gigantismo da máquina judiciária estatal, de qualquer modo, não parece ser a solução para o problema. Nesse sentido, anota Rodolfo de Camargo Mancuso:4
“Na verdade, é inútil inflar a estrutura judiciária, na tentativa de acompanhar o crescimento geométrico da demanda por justiça, na medida em que essa estratégia leva, ao fim e ao cabo, a oferecer mais do mesmo (mais processos – mais crescimento físico da máquina judiciária), pondo em risco o equilíbrio com os demais Poderes e minando a desejável convivência harmoniosa entre eles: com o Executivo, assoberbado com as incessantes requisições de verbas orçamentárias para o crescente custeio da justiça estatal; com o Legislativo, acuado ante a diminuição de seu espaço institucional, por conta dos avanços do ativismo judiciário em áreas tradicionalmente reservadas à chamada reserva legal”.
O problema da hipertrofia quantitativa não é apenas nacional. Vicenzo Vigoriti,5 referindo-se à realidade italiana, afirma que não há mais recursos a serem destinados aos serviços judiciais, concluindo que a justiça estatal não funciona de acordo com as exigências do nosso tempo.
Enfim, o problema da morosidade do processo, que sempre existiu,6 agrava-se continuamente com o incremento e a diversificação das novas demandas sociais judicializadas e com o crescente descompasso entre a deficiente estrutura judiciária e a crescente procura.
Desta forma, pode-se afirmar que a morosidade é o mais universal de todos os problemas enfrentados pelos tribunais atualmente.7 Tanto assim que o assunto passou a ser frequente tema de debates, o que impulsiona as reformas legislativas.
No Brasil, há mais de uma década têm sido feitas reformas pontuais das leis processuais com o escopo de objetivamente agilizar, simplificar e desburocratizar o processo, como se fosse possível alterar a realidade com a simples promulgação de novas leis, verdadeiro hábito arraigado na cultura nacional que, ao cabo das contas, estimula a litigiosidade e provoca insegurança jurídica.8
De qualquer forma, é possível asseverar que as recentes reformas das leis processuais puseram o valor efetividade em destaque, sendo certo que no direito processual pós-moderno (ou neoprocessualismo) vivemos o período em que se clama pelo “eficientismo processual”.9
As reformas da lei processual, contudo, por si só, não são aptas a proporcionar e garantir a efetividade e a eficiência tão almejadas.
Garantindo a Constituição Federal que a prestação jurisdicional deve se dar em prazo razoável (art. 5.º, LXXVIII), faz-se necessário que legisladores e operadores do direito busquem alternativas práticas para que esse postulado seja efetivamente cumprido.
Ora, é cediço que o papel a ser desempenhado pelo Código de Processo Civil é o de concretizar o modelo constitucional, oferecendo um instrumento idôneo para a solução de conflitos de maneira rápida e segura.
O projeto de novo Código Processual Civil foi elaborado justamente para atender a essas necessidades. Suas alterações estruturais estão calcadas em dois grandes blocos, a saber: o da coletivização dos julgamentos e o da valorização de precedentes, fenômenos que por certo se entrelaçam.10
De se anotar, outrossim, que a ideia que embasou a criação de um novo Código de Processo Civil é a de que o sistema processual civil seja mais simples e flexível, pressupondo maior confiança e responsabilidade dos juízes de primeira instância, que deverão ser capazes de resolver com eficiência e em prazo razoável os litígios que lhes são apresentados.
Sendo a realidade atual a do excessivo demandismo e não havendo em nosso País a cultura da solução extrajudicial dos conflitos e tampouco do uso efetivo das ações coletivas que, com seu caráter preventivo, evitariam, por certo, o ajuizamento maciço de ações seriais e repetitivas,11 é preciso desenvolver os instrumentos processuais de tratamento coletivo das demandas individuais de massa, tornando-os adequados a esta tarefa.
Como adverte, com propriedade, Leonardo José Carneiro da Cunha,12 para as causas repetitivas, é necessário conceber um regime processual próprio, com dogmática específica, que se destine a lhes dar solução prioritária, racional e uniforme. Trata-se de regime diferenciado do tradicional do Código de Processo Civil vigente (voltado às ações individuais) e também distinto do regime das ações coletivas (que formam um microssistema próprio).
Espera-se que esses novos mecanismos de resolução de demandas individuais repetitivas sejam adequados para prestar jurisdição em prazo razoável, de forma a otimizá-la, sem, contudo, desrespeitar o direito fundamental de acesso à justiça, nem as garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa, bem como sem afrontar todas as outras garantias processuais fundamentais.
Uma ressalva há de ser feita, contudo.
Código de Processo Civil algum será capaz de resolver as mazelas metajurídicas do Poder Judiciário, que nunca serão sanadas por meras alterações legislativas. Reformas estruturais deverão ser conduzidas em outra frente de batalha.

3. Duração razoável do processo, isonomia e demandas individuais repetitivas ou de massa

Tendo em vista as novas exigências de uma sociedade predominantemente urbana e de massa, não mais se aceita como normal a invencível morosidade jurisdicional.
A economia de mercado, o avanço das tecnologias e a velocidade das transações comerciais modernas demandam, cada vez mais, respostas rápidas e eficazes do Poder Judiciário, a exigir que doutrinadores, legisladores e aplicadores do direito voltem suas atenções para os mecanismos que permitam mais céleres e seguras soluções.
É preciso aceitar que as instituições laboriosamente criadas a partir do século XIX, que previam um modelo “atomizado”13 de aplicação de justiça, são impotentes para servir nesse novo contexto.
As normas processuais, como bem explica Ney Castelo Branco Neto,14 antes elaboradas com escopo de regular as relações entre particulares, não se adequaram às demandas de massa, porque a ideia cristalizada era a de defender a propriedade individual, sendo o direito de agir considerado atributo do direito privado.
Aliás, é certo que processo significa avançar, caminhar em direção a um fim, razão pela qual todo processo envolve a ideia de temporalidade15 e, por isso, o tempo é fator inerente ao processo. Inexorável!
Sendo instituto essencialmente dinâmico, destina-se o processo a desenvolver-se no tempo. Tem-se, pois, que é sua a característica ínsita durar, não ser instantâneo, prolongar-se.16
O que não se pode tolerar são os atrasos excessivos e injustificados.
Embora seja utópica a busca do processo perfeito, ideal, rápido e seguro, posto que é ato humano, necessariamente sujeito a falhas e erros, o ordenamento jurídico não pode ficar indiferente perante a excessiva demora.
Destarte, mecanismos precisam ser engendrados para que os efeitos do tempo sobre o processo e sobre os bens da vida em litígio sejam o menos prejudiciais possíveis.17
No que tange especificamente às demandas individuais repetitivas, novos mecanismos processuais de agregação precisam ser implementados. Note-se que não se trata de proporcionar justiça de massa, indiferente aos pedidos, mas sim de dar tratamento coletivo adequado às demandas individuais, que permita e assegure igual tratamento aos litigantes distintos que estejam envolvidos em uma mesma situação jurídica.
Tais soluções coletivas e aglutinadoras devem ser previstas não apenas para serem utilizadas pelos Tribunais (como já se vê no âmbito dos recursos especiais repetitivos, no STJ, e nos recursos extraordinários com repercussão geral, no STF), mas também perante o primeiro grau de jurisdição, onde o aumento dessas demandas individuais, de massa, tem ocasionado a impotência dos juízes monocráticos em fazer cumprir a garantia constitucional de prestação jurisdicional tempestiva.
Cuida-se de racionalizar e aperfeiçoar o sistema processual para que situações como soluções diferentes ou mais rápidas para a uns em detrimento de outros, em idêntica situação jurídica, não venham a causar o descrédito e a falência do sistema judicial.
Ora, não se pode deixar de lembrar que sendo o processo instrumento de pacificação social,18 a adoção de soluções diversas para a mesma situação jurídica acarreta inegável insegurança, incerteza do direito e efetivo descrédito no Poder Judiciário.
Até para os operadores do direito causa espécie perceber a disparidade de decisões judiciais proferidas em casos com a mesma fundamentação jurídica e fática, tal como a situação dos poupadores durante os Planos Econômicos Bresser, Verão e Collor, cuja solução dos casos beira a exatidão matemática. Não teria sido melhor a edição de uma lei (como norma geral e abstrata), consolidando os direitos reconhecidos pela jurisprudência formada no âmbito do STF, que já havia solucionado, há muitos anos, a questão que agora encontra-se reaberta? A solução legislativa, genérica e uniforme, não teria evitado o ajuizamento das milhares de demandas?
Sobrou para o Judiciário, novamente, julgar tais questões.
Como adverte Kazuo Watanabe,19 povo algum tem estrutura suficiente para tolerar com tranquilidade e paciência, por muito tempo, contradições flagrantes de julgados.
A utilização da jurisprudência de Tribunais Superiores, isto é, dos precedentes, como meio de uniformizar o entendimento em casos semelhantes revela-se, então, como forma de respeitar o princípio da igualdade, bem como de proteger a coerência da ordem jurídica e a previsibilidade e estabilidade das decisões judiciais. Contundentes são as palavras de Luiz Guilherme Marinoni20 a respeito desse tema específico:
“É chegado o momento de se colocar o ponto final no cansativo discurso de que o juiz tem a liberdade ferida quando obrigado a decidir de acordo com os tribunais superiores. O juiz, além de liberdade para julgar, tem dever para com o Poder de que faz parte e para com o cidadão. Possui o dever de manter a coerência do ordenamento e de zelar pela respeitabilidade e pela credibilidade do Poder Judiciário. Além disso, não deve transformar a sua própria decisão, aos olhos do jurisdicionado, em um ‘nada’, ou, pior, em obstáculo que precisa ser contornado mediante a interposição de recurso ao tribunal superior, violando os direitos fundamentais à tutela efetiva e à duração razoável do processo. De outra parte, é certo que o juiz deixa de respeitar a si mesmo e ao jurisdicionado quando nega as suas próprias decisões. Trata-se de algo pouco mais que contraditório, beirando, em termos unicamente lógicos, o inconcebível”.
Por tudo isso, é preciso que o ordenamento pátrio contenha regras que propiciem solução processual adequada e econômica para as demandas individuais repetitivas.
Enfim, a construção de um direito processual civil de massa é essencial.

4. Demandas individuais de massa: distinção e conceito

Demandas individuais de massa são aquelas que contemplam situações jurídicas homogêneas, ou seja, identidade de tese jurídica.
Não se trata de ações idênticas do ponto de vista de repetição de partes, pedido e causa de pedir, como ocorre na litispendência. Nem se trata das hipóteses legais de conexão ou continência. A identidade se dá apenas quanto à tese jurídica versada21 e pela repetição do tema em larga escala, podendo haver, inclusive pedidos individuais diferenciados ou cumulativos. É pertinente anotar, outrossim, que ações de massa não se limitam àquelas causas que versam sobre direitos individuais homogêneos.
Explica Antonio Adonias Aguiar Bastos,22 a esse respeito:
“Cuida-se de demandas-tipo, decorrentes de uma relação modelo, que ensejam solução-padrão. Os processos que versam sobre conflitos massificados lidam com conflitos cujos elementos objetivos (causa de pedir e pedido) se assemelham, mas não chegam a e identificar. Cuida-se de questões afins, cujos liames jurídicos materiais concretos são similares entre si, embora não consistam num só e mesmo vínculo. A circunstância de haver causas afins é requisito necessário, mas não suficiente para a configuração dos litígios de massa, O problema não surge com a semelhança entre as demandas, mas com a sua repetição em grande quantidade. O processamento de causas semelhantes, por si só, não desafia, de maneira significativa, a capacidade da estrutura judicial, nem os valores jurídicos fundamentais (como o do isonomia, da segurança jurídica, da efetividade e da razoável duração do processo), enquanto elas estiverem diluídas em pequeno volume nos órgãos judiciais. A categorização das demandas de massa dá-se pelos critérios acima expostos: identidade de tese, e não em concreto, da causa de pedir e do pedido, associada à repetição em larga escala. A elas, contrapõem-se as demandas heterogêneas, cujos elementos objetivos encerram traços distintivos, não guardando similitude com outras causas, nem o julgamento conjunto ou com base no precedente”.
A identificação, ainda em primeiro grau de jurisdição, de processos que tratam de questões idênticas de direito, proporciona a possibilidade de decisão jurisdicional conjunta e uniforme, permitindo que se concretize o princípio constitucional da isonomia e se respeite a unidade da ordem jurídica.
As questões incidentais ou específicas de cada ação dessa natureza, já que são individualmente propostas, haverão de ser apreciadas também individualmente, a seu tempo. Apenas a tese jurídica principal de cada caso deverá ser julgada de acordo com o caso paradigmático, cuja decisão será de observância obrigatória nos processos individuais.
Tais demandas também não se submetem às regras processuais destinadas às ações coletivas. Apresentam um perfil próprio, isso é, não se identificam completamente com as demandas propriamente individuais e tampouco com as coletivas. Daí a razão de serem denominadas de “pseudo-individuais” por alguns operadores, que advogam também a suspensão de tais ações até que seja definido o caso paradigmático ou leading case.
Por essa razão, o processamento e o julgamento das demandas repetitivas ou de massa exige uma dogmática própria. Trata-se da necessidade de adaptação do processo civil às especificidades do litígio. Tais ações reclamam um tratamento processual próprio, um método de solução em bloco, de forma que escolhida uma ou mais ações como representativa do conflito homogeneizado (o leading case), uma vez proferida decisão nesta, a tese jurídica adotada deverá ter eficácia vinculativa e haverá de ser aplicada às demais ações repetitivas, de forma a preservar os princípios da isonomia, da certeza do direito, da segurança, da previsibilidade e estabilidade da ordem jurídica.
Cediço que ações de massa são propostas aos milhares, de forma individual, como tantas vezes se vê nesse país,23 como, por exemplo, nas ações versando sobre planos econômicos e índices de caderneta de poupança, tarifa básica de telefonia e, atualmente, tarifas bancárias de toda ordem.
Afirma Mariana França Gouveia,24 diante dessa realidade, que é preciso “que o juiz disponha de instrumentos legais que lhe permitam gerir a sua pendência volumosa”.
Tanto o modelo tradicional individualista do Código de Processo Civil em vigor quanto o microssistema especial das ações coletivas revelam-se insuficientes, por falta de regras próprias e detalhadas, para enfrentar essa litigiosidade de massa.
A solução em bloco é boa alternativa. Mecanismos de outorga de solução global, aglutinadores, propiciam amplo acesso à justiça para aquelas hipóteses que, no geral, não comportam soluções consensuais e garantem o acesso à ordem jurídica justa.

5. Regras processuais voltadas para o tratamento de demandas individuais repetitivas ou de massa

O Código de Processo Civil projetado contempla regras que representam verdadeira quebra do paradigma no que tange ao julgamento das demandas individuais repetitivas.
Estabelece, assim, mecanismos de agregação de ações.
Em obediência aos postulados constitucionais, não se admite a criação de mecanismos e obstáculos que impeçam ou dificultem o acesso à Justiça, o que fatalmente implicaria em um retrocesso.
Também não se trata de criar meios para exterminar processos porque ao juiz não incumbe apenas eliminar as ações que lhe são apresentadas, mas, como adverte Rodolfo de Camargo Mancuso,25 é seu dever “resolvê-las mediante uma resposta de qualidade”.
O projeto do novo diploma processual civil, em especial em sua versão original, tal como proposta pela Comissão de Juristas que se desincumbiu de tal encargo, partiu do pressuposto de que “a litigância de massa, a litigância de pequenas dívidas é produto direto da sociedade de consumo em que vivemos”26 e, embora não seja a única causa de congestionamento da Justiça, é por certo uma das que mais contribuem para que isso ocorra.
Cuidaram os juristas encarregados do anteprojeto, com mestria, de buscar meios que permitam a solução adequada dessas lides,27 de forma a não causarem colapso em todo o Sistema Judicial.
Por isso, na procura de meios mais racionais de resolução de conflitos instituíram o dever dos operadores do direito ter postura ativa, não se olvidando que se devem pautar pelos postulados constitucionais, nos quais encontrarão os limites de sua atuação.
Dessa forma, a possibilidade de resolver diversas demandas repetitivas, com uma só decisão, foi prestigiada. O escopo é de:
“manter coerência, ordem e unidade no sistema, impondo que casos idênticos sejam solucionados da mesma maneira, privilegiando os princípios da isonomia e da legalidade, conferindo mais previsibilidade para casos similares ou idênticos e afastando arbitrariedades ou decisões tomadas ao exclusivo sabor de contingências ou vicissitudes pessoais do julgador”.28
Ficou claro, desde o início dos trabalhos, que os mecanismos processuais atualmente em vigor se destinam precipuamente ao tratamento das demandas de massa perante os órgãos colegiados.
Regras como uniformização de jurisprudência com base em precedentes vinculativos dos Tribunais Superiores e de julgamentos de causas repetitivas ou de repercussão geral reservam-se, atualmente, exclusivamente aos órgãos colegiados.
Nesse ponto, não se pode esquecer que o julgamento in limine (ou sentença emprestada), embasado no art. 285-A do CPC, apenas se refere às hipóteses de improcedência, restringindo-se àquelas demandas que veiculam matéria de direito e já julgadas improcedentes por aquele juízo em casos similares.
Caso o Juízo já tenha proferido muitas outras sentenças de procedência em casos tais, não poderá utilizar o mecanismo do art. 285-A do CPC, devendo mandar citar o réu, aguardar a oferta de resposta pelo réu, abrir oportunidade para a réplica, caso haja matérias preliminares ou alegação de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor e, somente depois de tudo isso, estará eventualmente apto a sentenciar.
Exatamente no sentido do presente trabalho, vê-se a novel regra do art. 518 do CPC, comumente denominada de “súmula impeditiva”, que permite ao Juiz de primeiro grau não receber recurso de apelação caso sua sentença esteja de acordo com Súmula do STJ ou do STF. Trata-se de relevante instrumento processual para evitar a protelação de lides individuais repetitivas, cuja matéria já esteja sedimentada por decisões cristalizadas em precedentes superiores sumulados, mesmo que não vinculantes. Ocorre que tal preceito teria maior aplicação na prática (vê-se, atualmente, pouca utilização da regra) se também autorizasse o juiz a não receber recurso de apelação quando o seu julgamento estivesse de acordo com a “jurisprudência predominante” nos Tribunais Superiores (isto é, não apenas as súmulas) e também em seu próprio Tribunal regional.
O fato, porém, é que tal regra, até o momento, não está sendo repetida no Código de Processo Civil projetado, haja vista que foram criados outros preceitos29 em conjunto, com o fito de garantir o respeito aos precedentes, mesmo não vinculantes, como fator de estabilização e de segurança jurídica.
Por seu turno, as normas processuais vigentes, relativas aos recursos especiais repetitivos e aos recursos extraordinários com repercussão geral, só se aplicam – evidentemente – aos respectivos Tribunais, não tendo aplicação e nem utilidade direta, como instrumentos de julgamento das demandas individuais repetitivas, para os juízes de primeiro grau (a quem só resta aguardar o desfecho do paradigma).
Com isso, no primeiro grau de jurisdição, avalanches de processos inviabilizam prestação jurisdicional adequada.
Sem previsão legal, apenas iniciativas corajosas como foi o “Projeto Poupança”,30 do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, criaram soluções práticas aplicáveis pelos juízes de primeiro grau. Também nesse caminho e ampliando o sentido da norma vigente, a recente jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça – STJ, que vem impondo a suspensão até mesmo das ações individuais em trâmite no primeiro grau (e não apenas dos recursos especiais, como prevê o Código de Processo Civil) até que se defina o leading case de recurso especial repetitivo, representativo da controvérsia.31
Tais medidas jurisprudenciais e práticas, ousadas, posto que tomadas com interpretação extensiva do ordenamento processual vigente, demonstram a urgência de novas técnicas processuais para o enfrentamento das demandas individuais de massa, haja vista que não há estrutura judicial que suporte essas sucessivas avalanches de ações repetitivas.32
É preciso concluir que os juízes, como verdadeiros gestores dos processos que entopem a máquina Judiciária, devem ter a seu dispor mecanismos adequados e modernos que lhes permitam evitar o estabelecimento do caos pelas demandas individuais repetitivas, sob pena de ficarem impossibilitados de prestar justiça eficiente aos demais jurisdicionados, cujas ações judiciais individuais, muitas vezes de assuntos complexos e específicos, também necessitam de eficaz julgamento.

6. Código de Processo Civil projetado e o tratamento em bloco das demandas individuais repetitivas no primeiro grau de jurisdição

A procura em quantidade pela justiça, na solução de conflitos de massa, acaba por ocasionar um evidente descompasso entre a oferta e a capacidade do sistema judiciário.
Esse desajustamento fica ainda mais evidente para os litigantes que, desconhecendo a real situação enfrentada pelo Poder Judiciário, acompanham de sua casa, pela internet,33 dia a dia, o andamento de sua ação, dada a recente informatização e publicização dos processos nos tribunais.
A criação de mecanismos processuais para solução adequada das demandas de massa permitirá oferecer resposta uniforme, célere e em bloco para que se possa lidar com a situação que nos é posta.
Essa realidade, da procura em massa pela justiça, não se olvide, está consolidada e não dá a menor mostra de que irá retroceder.
Diante desse quadro, dadas as conhecidas limitações financeiras e estruturais do Poder Judiciário, as intervenções legislativas são medidas de fundamental importância para intervenção efetiva nesse quadro.

6.1 O incidente de resolução de demandas repetitivas no projeto do novo Código de Processo Civil em sua versão original

O incidente de resolução de demandas repetitivas, previsto no Código de Processo projetado, na feição que lhe foi dada pelos autores do projeto, revela-se, por certo, como adequado instrumento para a solução, inclusive pelo Juízo de Primeiro Grau, de demandas de massa.
Criado com admitida inspiração no modelo alemão,34 conforme consta da exposição de motivos,35 consiste na identificação de processos que versem sobre a mesma questão de direito e que tramitem ainda em primeiro grau de jurisdição.
É certo que o julgamento conjunto de demandas individuais repetitivas, consideradas aquelas que alberguem “controvérsia com potencial de gerar relevante multiplicação de processos fundados em idêntica questão de direito e de causar grave insegurança jurídica, decorrente do risco de coexistência de decisões conflitantes” (cf. redação do art. 895, caput, do PLS 166 de 2010) foi preocupação nodal no trabalho da Comissão, de acordo com o que aponta Daniel Levy36 e tem por escopos afastar decisões contraditórias e permitir o julgamento mais célere.
Instaurado mediante pedido ao Presidente do Tribunal local, a iniciativa de sua deflagração poderá partir do juiz, do Ministério Público, das partes, Defensoria Pública ou do Relator do recurso.
Os juízos de admissibilidade e de mérito serão de incumbência do tribunal Pleno ou do Órgão Especial do respectivo tribunal e a eficácia da decisão limitar-se-á à área de competência do referido tribunal, salvo decisão em contrário do STF ou de outro Tribunal Superior.
O incidente deverá ser julgado em seis meses, tendo preferência sobre os demais feitos, salvo aqueles que envolvem réu preso e pedidos de habeas corpus.
Sua instauração e o julgamento demandarão ampla divulgação e publicidade por meio de registro eletrônico no Conselho Nacional de Justiça, cujo banco de dados será objeto de alimentação pelos tribunais.
O julgamento se fará após a requisição de informações do juízo por onde tramite a causa originária, se necessárias, intimando-se o Ministério Público, que sempre intervirá obrigatoriamente, caso não seja o próprio requerente. O Parquet também poderá assumir a titularidade do incidente nas hipóteses de desistência ou de abandono.
Far-se-á, na sequência, o juízo de admissibilidade do incidente, pelo Plenário do tribunal ou, onde houver, pelo Órgão Especial.
Será admitido o recurso se constatados pelo tribunal estarem presentes os requisitos acima mencionados: controvérsia com a) potencial de gerar relevante multiplicação de processos fundados em idêntica questão de direito e b) potencial para causar grave insegurança jurídica, decorrente do risco de coexistência de decisões conflitantes, sendo explícita também, segundo o art. 898, § 2.º, do PLS 166/2010, a hipótese de cabimento do incidente quando houver a mera c) “conveniência” de adoção de decisão paradigmática preventiva.
Rejeitado o incidente, o curso dos processos de primeira e segunda instâncias eventualmente suspensos será retomado.
Admitido, o Presidente do Tribunal determinará, na própria sessão, a suspensão de todos os processos pendentes, em primeiro e segundo grau de jurisdição, período durante o qual poderão ser concedidas medidas de urgência no juízo de origem.
O tribunal julgará a questão de direito, lavrando acórdão vinculativo, haja vista que seu teor deverá ser obrigatoriamente observado pelos demais juízes e órgãos fracionários situados no âmbito de sua competência, em todos os processos que versem sobre a mesma matéria de direito, sob pena de reclamação.
A suspensão em todo território nacional dos processos em curso que versem sobre a questão do incidente poderá ser requerida aos Tribunais Superiores com competência para o julgamento dos recursos especial e extraordinário. Contudo, reservou-se a legitimidade para formular tal requerimento somente às partes, aos interessados, ao Ministério Público e à Defensoria Pública. Dentre os interessados, inserem-se autores ou réus dos processos que discutam a mesma questão jurídica, independente dos limites da competência territorial da respectiva lide.
Antes do julgamento da questão de mérito, o relator ouvirá as partes e demais interessados na controvérsia, que poderão juntar documentos e até mesmo requerer diligências para elucidação da questão de direito controvertida, manifestando-se, na sequência, o Ministério Público.
O recurso especial ou extraordinário interposto por qualquer das partes, pelo Ministério Público ou pelo terceiro interessado será dotado de efeito suspensivo, presumindo-se a repercussão geral de questão constitucional eventualmente discutida, sem que seja necessária a realização de juízo de admissibilidade na origem.
Como já mencionado, a fim de garantir a obediência da tese jurídica paradigmática, adotada na decisão proferida no incidente de resolução de demandas repetitivas, diante de sua não observância, caberá reclamação dirigida ao tribunal competente.
Depreende-se, portanto, que a decisão terá eficácia vinculativa e erga omnes, pro et contra, não tendo sido adotados, entre nós, quer o sistema opt in, quer o sistema opt out.37
De se ressaltar, ante sua relevância, que no regime do novel incidente de resolução de demandas repetitivas, do Código Processual Civil projetado, a coisa julgada formada no caso paradigmático ou leading case atingirá a todos os demais processos envolvendo questão jurídica idêntica, quer para beneficiar, quer para prejudicar as partes, que não terão sequer o direito de prosseguir com as suas demandas individuais durante a suspensão determinada pelo tribunal ou de excluírem suas causas desse bloco (right to opt out). Presume, portanto, o novo ordenamento processual, que o caso paradigmático envolverá representatividade adequada e respeito à cláusula maior do devido processo legal, razão pela qual estaria legitimada essa coisa julgada daí formada.
Já se pode antever grandes questões e problemas com a aplicação do instituto38 (isto é, ainda há tempo de aperfeiçoá-lo), tais como a relativa ao tempo de suspensão dos processos (poderá ser superior a um ano? Durará tal suspensão enquanto tramitarem os eventuais recursos contra a decisão formada no paradigma ou a tese terá aplicação imediata, mesmo estando sub judice?) e a relativa a possibilidade ou não do opt out fundado, por exemplo, na alegação de inexistência de identidade de temas entre a demanda individual e o paradigma (terá que ser julgada imediatamente ou o autor individual terá que aguardar o desfecho do paradigma, como vem entendendo o STJ nos recursos especiais repetitivos?).

7. Propostas de alterações do instituto e o retrocesso

As alterações efetuadas no projeto original pela Câmara dos Deputados (PL 8.046/2010 e 6.025/2005) e agora mantidas na Emenda Aglutinativa Substitutiva Global39 2/2013, contudo, suprimindo do magistrado de primeiro grau a legitimidade para instaurar o incidente, comprometem, em muito, sua eficiência.
É o magistrado de primeiro grau quem vai perceber, de início, se há potencial de multiplicação de demandas. Cuida-se de se lhe atribuir o papel de verdadeiro administrador do processo.
Nesse contexto, verificamos que em ordenamento estrangeiro40 que conta com instituto similar, confia-se ao juiz de primeiro grau a missão de identificar as causas com potencial de multiplicação e, com isso, a suscitação do incidente, como verdadeiro gerenciador do processo.
Na Inglaterra, por exemplo, o instituto da group litigation order (GLO), teve inicialmente sua aplicação pelos magistrados sem que nem sequer estivesse positivado. Isso decorria da experiência das cortes que entendiam que um litígio envolvendo um número substancial de partes deveria ser corretamente administrado, sendo essencial atribuir aos magistrados poderes extensos para administrar e gerir sua pletora de processos. Naquele país, autor e réu têm legitimidade para propor a GLO, bem como o juiz, ex officio, hipótese em que será exigida autorização do chefe do Poder Judiciário.41
Ora, não se pode olvidar que o instituto de resolução de demandas seriais é mais gerencial do que jurídico e seu escopo é “possibilitar que uma estrutura enxuta do Poder Judiciário possa confrontar-se com uma quantidade enorme de demandas”.42
Da mesma forma, em Portugal, o regime experimental atribui ao juiz de primeiro grau um papel determinante.43
Veja-se que quando tratamos de demandas de massa, trata-se de causas cíveis propostas individualmente, não sendo expressiva a atuação do Ministério Público e da Defensoria Pública em casos tais porque, no geral, são demandas envolvendo relações de consumo, de natureza privada e, em sua grande maioria, com pequenos valores e partes capazes.
Em sendo assim, não faz sentido suprimir do Juízo de primeiro grau a possibilidade de suscitar o incidente ou mesmo de pedir – em prol da segurança jurídica – a extensão da suspensão das ações aos Tribunais Superiores (como está redigido o art. 900 do PLS 166/2010), permitindo, contudo, que o Ministério Público e a Defensoria o façam, o que revela, ao que parece, desconfiança na capacidade do magistrado, na contramão da tendência de valorização do 1.º Grau de Jurisdição.44
Tudo indica que estamos diante de um resquício do pensamento de que o juiz se reduz a ser “la bouche qui prononce les paroles de la loi”.45
Esse receio é efetivo e pode ser encontrado até mesmo no pensamento de processualistas contemporâneos de expressão, como o lusitano José Lebre de Freitas, que afirma, referindo-se às reformas processuais portuguesas, dentre elas a que institui o sistema de aglutinação de causas: “o juiz, é cada vez mais, um manager do caso que tem que decidir, sendo o preço a pagar a incerteza e a arbitrariedade”.46
Há, por certo, também, como anota Antonio Santos Abrantes Geraldes,47 uma postura de reserva mental dos legisladores quanto à capacidade dos juízes de usar adequadamente mecanismos processuais de efetivo gerenciamento do processo.
Segundo a EMA 2/2013,48 o instituto, no projeto de lei da Câmara, passou a apresentar as seguintes alterações quanto à legitimidade para requerê-lo:
“Do incidente de resolução de demandas repetitivas
Art. 988. É admissível o incidente de resolução de demandas repetitivas quando, estando presente o risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica, houver efetiva repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão unicamente de direito.
§ 1.º O incidente pode ser suscitado perante tribunal de justiça ou tribunal regional federal.
§ 2.º O incidente somente pode ser suscitado na pendência de qualquer causa de competência do tribunal.
§ 3.º O pedido de instauração do incidente será dirigido ao presidente do tribunal:
I – pelo relator ou órgão colegiado, por ofício;
II – pelas partes, pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública, pela pessoa jurídica de direito público ou por associação civil cuja finalidade institucional inclua a defesa do interesse ou direito objeto do incidente, por petição. (…)”.
No anteprojeto e no PLS 166/2010,49 o texto era o seguinte:
“Art. 895. É admissível o incidente de demandas repetitivas sempre que identificada controvérsia com potencial de gerar relevante multiplicação de processos fundados em idêntica questão de direito e de causar grave insegurança jurídica, decorrente do risco de coexistência de decisões conflitantes.
§ 1.º O pedido de instauração do incidente será dirigido ao Presidente do Tribunal:
I – pelo juiz ou relator, por ofício;
II – pelas partes, pelo Ministério Público ou pela Defensoria Pública, por petição.
§ 2.º O ofício ou a petição a que se refere o § 1.º será instruído com os documentos necessários à demonstração da necessidade de instauração do incidente.
§ 3.º Se não for o requerente, o Ministério Público intervirá obrigatoriamente no incidente e poderá assumir sua titularidade em caso de desistência ou de abandono”.
Excluiu-se, portanto, a possibilidade do magistrado de 1.º grau de jurisdição suscitar o conflito, o que representa retrocesso e poderá implicar em grande perda do potencial do instituto.
Em sua versão original, inserta no antepreprojeto, a questão da legitimidade para suscitar o incidente era de todo mais adequada à realidade nacional.
Assim, a manutenção do rol dos legitimados tal como proposto na formatação original do incidente pelos autores do projeto pode representar a diferença entre o sucesso e o fracasso de um instituto que, embora ainda possa ser aperfeiçoado, tudo indica, será apto a transformar a forma como se faz justiça de massa nesse país.

8. Conclusões

Em razão da massificação das relações interpessoais, houve um aumento vertiginoso de demandas judiciais, em especial daquelas pertinentes ao mercado de consumo, acarretando sobrecarga de feitos e atraso na outorga de prestação jurisdicional.
Há, ainda, paralelamente a este novel fenômeno, o constante incremento das questões individuais específicas submetidas ao Poder Judiciário, muitas vezes de grande complexidade, que demandam efetiva análise pormenorizada, sem contar o recente desenvolvimento e fomento aos processos coletivos propriamente ditos (ações civis públicas, ações do CDC, ações populares etc.). Tudo isso, a causar mais morosidade processual.
As demandas individuais repetitivas, de massa, formam blocos de ações pseudo-individuais, veiculando a mesma tese jurídica, razão pela qual devem receber tratamento coletivizado, adaptado.
Soluções aglutinadoras são, portanto, de todo adequadas para as demandas de massa, desejando o presente estudo incentivar a sua criação e utilização para que se possa dar resposta concreta e adequada a estas novas demandas sociais, sem grandes investimentos na estrutura do Poder Judiciário. Tudo isso, em busca da outorga de justiça célere e de qualidade.
Não se trata, como visto, da utilização das ações coletivas tradicionais (ações civis públicas, ações coletivas do Código de Defesa do Consumidor, ações populares etc.), nem da busca desenfreada por mera eliminação de processos, mas sim de buscar meios e instrumentos novos para a solução rápida e eficaz (justiça de qualidade) das ações de massa, propostas aos milhares, que vem abarrotando os tribunais e impedindo a prestação jurisdicional tempestiva e adequada aos demais processos.
O Código de Processo Civil em vigor não continha, originariamente, regras para o enfrentamento de demandas repetitivas, dado que seu caráter era eminentemente individualista, próprio da época em que foi editado.
Submetido a sucessivas reformas, contudo, passou a contar com a previsão de técnicas de julgamento em massa, tais como o a regra das súmulas impeditivas (art. 518 do CPC), a possibilidade de julgamento dos Recursos Especiais repetitivos e de recursos extraordinários com repercussão geral, bem como, ainda perante o primeiro grau de jurisdição, o julgamento liminar de improcedência, previsto no art. 285-A do CPC.
Outras medidas de julgamento coletivizado, entretanto, se fazem necessárias, para que se possa adequadamente enfrentar as constantes questões seriais apresentadas ao Poder Judiciário.
Esses novos mecanismos processuais específicos para o tratamento adequado da litigância de massa deverão permitir, além do descongestionamento dos tribunais, a uniformidade das decisões para situações jurídicas homogêneas, privilegiando a segurança jurídica, a previsibilidade, estabilidade e a certeza do direito.
Não se pode, outrossim, aceitar a ideia estigmatizada de que a litigância de massa é ruim, procurando-se culpados.
A realidade é que a litigância de massa é inerente à sociedade de consumo como aquela em que vivemos. Trata-se de realidade consolidada.
A estrutura judicial, por outro lado, não é capaz de acompanhar o crescimento exponencial das demandas.
Nesse contexto, o instituto de resolução de demandas individuais repetitivas, no Código de Processo Civil projetado, em sua versão original, foi criado a partir de inspiração no direito alemão e permite que sejam identificadas, ainda em primeiro grau de jurisdição, demandas atomizadas que contenham questões de direito idênticas, de forma que recebam decisão conjunta e uniforme.
Cuida-se, portanto, de mecanismo processual adequado – embora passível de aperfeiçoamento, como acima apontado – para lidar com controvérsias capazes de gerar multiplicação excessiva de processos e decisões conflitantes.
Contudo, a recente supressão, na Câmara dos Deputados, da possibilidade do magistrado de 1.º grau de jurisdição suscitar o conflito perante o tribunal a que é subordinado, representa evidente retrocesso e poderá vir a implicar em grande perda do potencial do instituto, cuja versão original criada no antepreprojeto é de todo mais adequada à realidade nacional.

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VIGORITI, Vincenzo. Mito e Realtà. Processo e mediazione. Revista de Processo. ano 36. vol. 192. São Paulo: Ed. RT, fev. 2011.
WAMBIER, Luiz Rodrigues e VASCONCELOS, Rita de Cássia Corrêa. Recursos especiais repetitivos (Lei 11.672/2008) e ações coletivas. Informativo Migalhas. Disponível em: [www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI66402,31047-Recursos+especiais+repetitivos+Lei+116722008+e+acoes+coletivas]. Acesso em: 08.02.2014, às 18 h.
WATANABE, Kazuo. Demandas coletivas e problemas emergentes da práxis forense. In: TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo (coord.). As garantias do cidadão na justiça. São Paulo: Saraiva, 1993.
ZANFERDINI, Flávia de Almeida Montingelli. O processo civil no terceiro milênio. Rio de Janeiro: Forense, 2004.
   
1 CAMBI, Eduardo. Neoconstitucionalismo e neoprocessualismo. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Ed. RT, 2011. p. 19 – itálico do original.

2 ESTEVES, João Luiz Martins. Cidadania e judicialização dos conflitos sociais. Disponível em: [www.uel.br/revistas/uel/index.php/direitopub/article/download/11566/10261]. Acesso em: 20.01.2014, às 16 h.

3 Nesse diapasão, já escrevemos sobre o problema orçamentário do Poder Judiciário, privado de suficientes recursos, o que se constitui obstáculo que muitas vezes impede a prestação jurisdicional em prazo razoável, em: ZANFERDINI, Flávia de Almeida Montingelli. O processo civil no terceiro milênio. Rio de Janeiro: Forense, 2004.

4 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. A resolução dos conflitos e a função judicial no contemporâneo Estado de Direito. São Paulo: Ed. RT, 2009. p.27.

5 VIGORITI, Vincenzo. Mito e Realtà. Processo e mediazione. Revista de Processo. ano 36. vol. 192. p. 395. São Paulo: Ed. RT, fev. 2011.

6 Ovídio Araújo Baptista da Silva, por exemplo, na década de 70, do século XX, afirmava que as demandas civis eram uma “longa aventura” e que o procedimento comum desenrolava-se lentamente. O Poder Judiciário, aduzia, já estava em crise. Dizia ele: “Ora, se o Poder Judiciário está condenado a sucumbir na luta pela superação dos problemas gerados pela própria evolução social, ou, pelo menos, deverá aceitar a permanente inadequação como uma decorrência inelutável das peculiaridades históricas, tornando-se mais ou menos quiméricas as aspirações de uma justiça célere e eficiente, não há necessidade de outras justificações para demonstrar a atualidade e a importância das ações cautelares, que são, precisamente, os instrumentos capazes de aliviar as tensões criadas por esse desequilíbrio estrutural, dando aos que procuram a proteção judiciária pelo menos mais segurança, o que, em última instância, é também um fim colimado pela jurisdição comum.” As ações cautelares e o novo processo civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1976. p. 9-10.

7 Roger Perrot aduz que o acontecimento processual marcante da última metade do século XX foi, sem dúvida, o considerável aumento da massa litigiosa, não só na França. Esse aumento pesou muito nas transformações do processo civil francês. Naquele país, foi possível verificar que, em vinte anos, o número de causas triplicou, o que aconteceu em razão da rápida evolução da sociedade, de leis que se sucedem em ritmo alucinante e que fatalmente geram um contencioso mais abundante. Contemporaneamente, frisa, as pessoas estão mais bem informadas e não hesitam em recorrer aos tribunais ante a menor dificuldade. Com um pessoal judiciário que praticamente não aumentou em número, o resultado é que tribunais apenas conseguem resolver os litígios após meses, quiçá anos de seu ajuizamento. Sintetiza referido jurista dizendo que a justiça é fator de paz social e que consequências temíveis devem ser esperadas, se não lhe for possível desempenhar plenamente seu papel, sem que as decisões sejam proferidas em prazo razoável e executadas com rapidez (O processo civil francês na véspera do século XXI. Revista de Processo. ano 23. vol. 91. p. 204. São Paulo: Ed. RT, jul.-set. 1998). No mesmo sentido, mencionando tratar-se de problema universal, ver: SANTOS, Boaventura de Souza et al. Os tribunais nas sociedades contemporâneas. Porto: Afrontamento, 1996. p. 387.

8 Tal fenômeno não passou despercebido por Rodolfo Camargo Mancuso, que diz: “de modo geral, tem-se tentado resolver o problema pela via legislativa – a nomocracia – sem se dar conta de que tal estratégia, experimentada desde o último quartel do século passado (v.g., a Lei 8.038/1990, dita lei dos recursos) até hoje não surtiu o resultado esperado, já que os Tribunais estão sobrecarregados e o crescimento do estoque nacional de processos não dá sinais de arrefecer.” Trata-se, continua o autor, de: “preferência pela ‘solução normativa’, que se apresenta sob as vestes de uma ‘resposta’ atraente (porque mais rápida e menos impactante), assim passando aos destinatários a falaciosa impressão de ‘algo foi feito’.” Acesso à justiça: condicionantes legítimas e ilegítimas. São Paulo: Ed. RT, 2011. p. 52-53 – destaques do original.

9 Nesse sentido, ver: VARGAS, Abraham Luis. Teoria general de los procesos urgentes. In: PEYRANO, Jorge W. (coord.). Medidas autosatisfactivas. Buenos Aires: Rubinzal Culzoni Editores, 2004. p. 120.

10 Nesse diapasão, explica Paulo Roberto da Silva Marquezini, que: “não pode o Poder Judiciário ser obrigado a apreciar, uma a uma, questões idênticas. Da mesma forma, não podem os jurisdicionados receberem respostas díspares em situações iguais. Segurança jurídica e técnicas de julgamento de causas repetitivas são, certamente, dois lados de uma mesma moeda”. Técnicas de julgamento de causas repetitivas no direito brasileiro. Dissertação de mestrado, São Paulo, Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 2012. p. 6.

11 Rodolfo de Camargo Mancuso explica que a opção pelas ações coletivas seria melhor do que o tratamento coletivo de demandas individuais. Ensina ser preferível: “submeter os megaconflitos, desde logo, à jurisdição coletiva, evitando sua pulverização em multifárias ações individuais replicadas, a melhor técnica e até o bom sendo sinalizam para esse segundo alvitre”. Acesso à justiça… cit., p. 415.

12 CUNHA, Leonardo José Carneiro da. O regime processual das causas repetitivas. Revista de processo. vol. 179. ano 35. p. 143. São Paulo: Ed. RT, jan. 2010.

13 Expressão consagrada por Kazuo Watanabe: Demandas coletivas e problemas emergentes da práxis forense. In: TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo (coord.). As garantias do cidadão na justiça. São Paulo: Saraiva, 1993. p. 185-196.

14 BRANCO NETO, Ney Castelo. As demandas de massa: uma nova dogmática aplicável às teses repetitivas, Dissertação de mestrado, Recife, Universidade Católica de Pernambuco, 2010. p. 22.

15 “A atividade mediante a qual se desempenha em concreto a função jurisdicional chama-se processo. Essa função não se cumpre, em verdade, a um só tempo e com um só ato, mas através de uma série coordenada de atos que se sucedem no tempo e que tendem à formação de um ato final”. LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de direito processual civil. Trad. e notas de Cândido Rangel Dinamarco. Rio de Janeiro: Forense, 1984. p. 33.

16 Adolfo Gelsi Bidart ensina que o “proceso en sí, que requiere un lapso de cierta prolongación para actuarse, que no pode realizarse en un instante único”. El tiempo y el proceso. Revista de Processo. vol. 6. n. 23. p. 110. São Paulo: Ed. RT, jul.-set. 1981.

17 Diz Ovídio Araújo Baptista da Silva que a suprema sabedoria do legislador está em saber distribuir, com equidade e equilibradamente, o tempo no processo, de modo a não onerar exclusivamente um dos litigantes, em benefício do adversário. Tutela antecipatória e juízos de verossimilhança. Revista Ciência Jurídica. ano 6. vol. 47. p. 310. Belo Horizonte, set.-out. 1992.

18 “O sistema processual, segundo a visão de Liebman, não deve ter seu foco metodológico ‘como instrumento posto a serviço dos indivíduos para a defesa de seus direitos, mas como função pública exercida para a satisfação do interesse coletivo”. DINAMARCO, Candido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2010. t. I, p. 46.

19 Op. cit., p. 190.

20 MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Ed. RT, 2011. p. 65.

21 De se anotar, por oportuno, que se chegou a cogitar, durante a tramitação do Projeto do novo Código de Processo Civil perante o Congresso nacional, na possibilidade da adoção do incidente de resolução de demandas repetitivas não apenas para as ações que contenham tese jurídica homogênea, mas também para aquelas que contemplam identidade de situação fática, o que, ao que tudo indica, está superado, porque a última versão apresentada não mais contempla essa previsão.

22 BASTOS, Antonio Adonias Aguiar. Situações jurídicas homogêneas: um conceito necessário para o processamento das demandas de massa. Revista de Processo. vol. 186. p. 97. São Paulo: Ed. RT, 2010.

23 “Mostra-se notório que as demandas repetitivas representam a maioria das ações que tramitam na justiça atualmente no Brasil e que estas seriam uma das grandes responsáveis pela morosidade na prestação jurisdicional. Resta claro, portanto, que qualquer tentativa de imprimir uma marcha mais acelerada no trâmite de ações (tanta as de massa quanto às demais) deverá passar, necessariamente, pela criação ou reforma de mecanismos que possibilitem a resolução ágil dos conflitos repetitivos”. OTHARAN, Luiz Felipe. Incidente de resolução de demandas repetitivas como uma alternativa às ações coletivas: notas de direito comparado. Disponível em: [www.processoscoletivos.net/ve_ponto.asp?id=58], p. 1. Acesso em: 05.05.2012, às 13 h 30 min.

24 GOUVEIA, Mariana França. A acção especial de litigância de massa. Novas exigências do processo civil: organização, celeridade e eficácia. Coimbra: Coimbra Ed., 2007. p. 139.

25 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Acesso à justiça… cit., p. 15.

26 GOUVEIA, Mariana França. Op. cit., p. 151.

27 Nesse sentido, a doutrina norte americana afirma que “steps shoud be taken to ensure that courts provide individual justice, even in a mass context”, FRUEHWALD, Scorr. Individual Justice in massa tort litigation: judge Jack B.Weinstein on choice of law in mass tort cases. Disponível em: [www.hofstra.edu/PDF/Law_fruewald.pdf]. Acesso em: 18.05.2013, às 13 h 40 min.

28 CUNHA, Leonardo José Carneiro da. As causas repetitivas e a necessidade de um regime que lhe seja próprio. Revista da Faculdade de Direito Sul de Minas. n. 25. p. 242/243. Pouso Alegre, jul.-dez. 2009.

29 Observe-se, por exemplo, a preocupação em ampliar o cabimento da reclamação, no art. 942, tanto do PLS 166/2010 e no PLC 8.046/2010 (mesma redação): “Art. 942. Caberá reclamação da parte interessada ou do Ministério Público para: I – preservar a competência do Tribunal; II – garantir a autoridade das decisões do Tribunal; III – garantir a observância de súmula vinculante; IV – garantir a observância da tese firmada em incidente de resolução de demandas repetitivas; V – garantir a observância da tese firmada em incidente de assunção de competência.” Disponível em: [www.senado.gov.br/atividade/materia/getPDF.asp?t=84496]. Acesso em: 07.02.2014, às 17 h 30 min. Na EMA – Emenda Aglutinativa Substitutiva Global, da Câmara, a redação do preceito, que recebe o número 1.000, sofreu ligeiras modificações, sem perder o sentido. Disponível em: [www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=32F5DED5E0850CD4157D4E2A58274D9C.node2?codteor=1174669&filename=EMA+2/2013+%3D%3E+PL+6025/2005]. Acesso em: 07.02.2014, às 17 h 30 min.

30 Nesse projeto, suspenderam-se todas as ações individuais que versavam sobre expurgos inflacionários de poupança, aguardando-se o julgamento das demandas coletivas. Com isso, além de se evitar a pulverização de decisões, muitas vezes contraditórios ou meramente repetitivas umas das outras, economizaram-se recursos públicos de toda ordem, possibilitando que os juízos tenham o tempo necessário para analisar as muitas outras ações individuais de lides diversas que se lhe apresentam.

31 Por exemplo: “(…) 1. A suspensão determinada pelo art. 543-C do CPC aos processos que cuidam de matéria repetitiva orienta-se às causas que ainda não ascenderam aos tribunais superiores. Precedentes. (…)”. STJ, AgRg no REsp 1288198/PR, 4.ª T., j. 01.03.2012, rel. Min. Maria Isabel Gallotti, DJe 09.03.2012. Disponível em: [www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=1284632&&b=ACOR&p=true&t=JURIDICO&l=10&i=2#]. Acesso em: 22.1.2014, às 11 h 40 min.

32 A questão da suspensão das ações individuais é bastante tormentosa e merece reflexão mais aprofundada que, lamentavelmente, é impossível de ser feita no âmbito estrito do presente estudo. Destaca-se, porém, por ser pertinente, o alerta já feito por Luiz Rodrigues Wambier e Rita de Cássia Corrêa de Vasconcelos, ao tratarem dos Recursos especiais repetitivos do art. 543-C do CPC: “(…) a aplicação da nova disciplina legal deve ocorrer somente quanto não houver dúvida de que se está tratando de questões de direito verdadeiramente ‘idênticas’ (CPC, art. 543-C, caput), sob pena de se desvirtuar o sentido da lei e se incorrer em inconstitucionalidade por violação ao princípio do acesso à justiça.” Recursos especiais repetitivos (Lei 11.672/2008) e ações coletivas. Informativo Migalhas. Disponível em: [www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI66402,31047-Recursos+especiais+repetitivos+Lei+116722008+e+acoes+coletivas]. Acesso em: 08.02.2014, às 18 h.

33 “As novas tecnologias permitem que o tribunal tenha uma extensão, uma antena, no escritório do mandatário ou mesmo na casa do cidadão. Haverá justiça mais próxima do que essa justiça domiciliária?”. RANGEL, Paulo Castro. A reforma do mapa judiciário no contexto da política da justiça. Novas exigências do processo civil. Op. cit., p. 14.

34 Sobre o modelo alemão, confira-se o trabalho de Antonio de Passos Cabral: O novo procedimento-modelo (musterverfahen) alemão: uma alternativa às ações coletivas. Revista de processo. vol. 147. p. 123/146. São Paulo: Ed. RT, 2007.

35 “Criaram-se figuras, no novo Código de Processo Civil, para evitar a dispersão excessiva da jurisprudência. Com isso, haverá condições de se atenuar o assoberbamento de trabalho no Poder Judiciário, sem comprometer a qualidade da prestação jurisdicional. Dentre esses instrumentos, está a complementação e o reforço da eficiência do regime de julgamento de recursos repetitivos, que agora abrange a possibilidade de suspensão do procedimento das demais ações, tanto no juízo de primeiro grau, quanto dos demais recursos extraordinários ou especiais, que estejam tramitando nos tribunais superiores, aguardando julgamento, desatreladamente dos afetados. Com os mesmos objetivos, criou-se, com inspiração no direito alemão, o já referido incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, que consiste na identificação de processos que contenham a mesma questão de direito, que estejam que estejam ainda no primeiro grau de jurisdição, para decisão conjunta”. Exposição de motivos do anteprojeto do novo Código de Processo Civil. Disponível em: [www.senado.gov.br/senado/novocpc/pdf/anteprojeto.pdf]. Acesso em: 22.01.2014, às 14 h.

36 LEVY, Daniel. O incidente de resolução de demandas repetitivas no anteprojeto do Novo Código de Processo Civil. Revista de processo. vol. 196. p. 169. São Paulo: Ed. RT, 2011.

37 Neste tópico, vale anotar que o right to opt in (direito de ingressar) e o right to opt out (direito de exclusão) são institutos próprios das class actions norte americanas, que se distinguem das ações coletivas brasileiras, permitindo que o indivíduo, envolvido em controvérsia repetitiva, peça sua inclusão ou exclusão do grupo que sofrerá os efeitos do julgamento coletivo. No Brasil, vê-se exemplo do instituto do right to opt in no art. 22, § 1.º, da nova Lei do Mandado de Segurança (Lei 12.016/2009), que exige a desistência (de maneira inconstitucional, ao que parece, pois bastaria suspender o writ) do mandado de segurança individual para que o impetrante possa se beneficiar da coisa julgada que advirá do mandado de segurança coletivo. Trata-se de regime muito mais restritivo do que o do Código de Defesa do Consumidor, onde há integral liberdade ao consumidor aderir ou não à ação coletiva (opt in), apenas para se beneficiar.

38 Infelizmente, ante o limitado espaço deste artigo, não foi possível aprofundar os temas e problemas aqui tratados, sendo importante, porém, ressaltá-los, para fomentar o debate antes que o Novo Código de Processo Civil seja uma realidade vigente.

39 Arts. 988 e ss. Disponível em: [www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=32F5DED5E0850CD4157D4E2A58274D9C.node2?codteor=1174669&filename=EMA+2/2013+%3D%3E+PL+6025/2005]. Acesso em: 07.02.2014, às 18 h.

40 Sobre a pertinência de se fazer observações sobre o direito comparado, é importe gizar que no estudo de um novo instituto, é de todo conveniente que sejam verificadas as experiências já apresentadas em outros países, para que se possa comparar sistemas e perceber se as soluções internacionais revelaram-se eficientes e até mesmo para que, de antemão, se possa apurar as suas dificuldades e como vem sendo enfrentadas.

41 LEVY, Daniel de Andrade. Op. cit., p. 185.

42 Idem, p. 186.

43 “A ideia central do Regime se funda na adoção de um modelo processual mais simples e flexível, conferindo ao juiz uma atuação determinante, aprofundando a participação do magistrado no processo civil de conhecimento. Atribui ao juiz uma real direção do processo (…) Ao determinar o dever de gestão processual, compete ao juiz adotar a tramitação processual adequada às especificidades da causa”. PINTO, Junior Alexandre Moreira. O regime processual experimental português. Revista de Processo. vol. 148. p. 173-174. São Paulo: Ed. RT, 2007.

44 O estudo do contexto do Anteprojeto do Novo Código de Processo Civil permite que se identifique a tendência de privilegiar um magistrado mais atuante. Não apenas aplicador da lei, mas verdadeiro administrador do processo.

45 Explicam Eduardo García Enterría e Aureliano Menéndez Menéndez que: “La idea originaria, para embridar la antigua liberdad del juez y someterle a su función estricta de particularizador de la Ley es, pues, que no existe Derecho al margen de la Ley, que en la Ley y nada más que en ella debe buscarse y encontrarse la solución para resolver cualquier problema jurídico que pueda plantease. Es el dogma al que se llamará más tarde el positivismo legalista.” El derecho, la ley y el juez: dos estudios. Madrid: Cuadernos Civitas, 1997. p. 43.

46 FREITAS, José Lebre de. Experiência piloto de um novo processo civil. Novas exigências do processo civil. Op. cit., p. 214.

47 GERALDES, Antonio Santos Abrantes. Processo especial experimental de litigância de massas. Novas exigências do processo civil. Op. cit., p. 164/165.

48 Disponível em: [www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=32F5DED5E0850CD4157D4E2A58274D9C.node2?codteor=1174669&filename=EMA+2/2013+%3D%3E+PL+6025/2005]. Acesso em: 07.02.2014, às 18 h.

49 Disponível em: [www.senado.gov.br/senado/novocpc/pdf/anteprojeto.pdf]. Acesso em: 22.01.2014, às 16 h 30 min.