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5 de outubro de 2021

É inconstitucional o reconhecimento de direitos previdenciários nas relações que se amoldam ao instituto do concubinato, mesmo que a união tenha sido mantida durante longo período e com aparência familiar

 Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/09/info-1024-stf.pdf

 

DIREITO PREVIDENCIÁRIO - PENSÃO POR MORTE: É inconstitucional o reconhecimento de direitos previdenciários nas relações que se amoldam ao instituto do concubinato, mesmo que a união tenha sido mantida durante longo período e com aparência familiar 

É incompatível com a Constituição Federal o reconhecimento de direitos previdenciários (pensão por morte) à pessoa que manteve, durante longo período e com aparência familiar, união com outra casada, porquanto o concubinato não se equipara, para fins de proteção estatal, às uniões afetivas resultantes do casamento e da união estável. STF. Plenário. RE 883168/SC, Rel. Dias Toffoli, julgado em 2/8/2021 (Repercussão Geral – Tema 526) (Info 1024). 

Em que consiste a união estável? 

A união estável é uma entidade familiar, caracterizada pela união entre duas pessoas, do mesmo sexo ou de sexos diferentes, que possuem convivência pública, contínua e duradoura, com o objetivo de constituição de família. 

Previsão 

O instituto da união estável é previsto no art. 226, § 3º da Constituição Federal e no art. 1.723 e seguintes do Código Civil: 

Art. 226 (...) § 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. 

Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família. 

Apesar da CF/88 e do CC/2002 falarem em união de homem e mulher, o STF, ao julgar a ADI 4.277-DF em conjunto com a ADPF 132-RJ, entendeu que é possível a existência de uniões estáveis homoafetivas, ou seja, entre pessoas do mesmo sexo (ADI 4277, Rel. Min. Ayres Britto, Tribunal Pleno, julgado em 05/05/2011). 

Requisitos para a caracterização da união estável 

a) a união deve ser pública (não pode ser oculta, clandestina); 

b) a união deve ser duradoura, ou seja, estável, apesar de não se exigir um tempo mínimo; 

c) a união deve ser contínua (sem que haja interrupções constantes); 

d) a união deve ser estabelecida com o objetivo de constituir uma família; 

e) as duas pessoas não podem ter impedimentos para casar; 

f) a união entre essas duas pessoas deve ser exclusiva (é impossível a existência de uniões estáveis concomitantes e a existência de união estável se um dos componentes é casado e não separado de fato). 

A coabitação é um requisito da união estável? NÃO. 

O CC-2002 não exige que os companheiros residam sob o mesmo teto, de sorte que continua em vigor, com as devidas adaptações, a antiga Súmula 382-STF: A vida em comum sob o mesmo teto, “more uxório”, não é indispensável à caracterização do concubinato. 

Imagine agora a seguinte situação hipotética: João é casado com Francisca, com quem tem dois filhos. Ocorre que João, em virtude de sua profissão, passa 15 dias por mês em outro Município trabalhando. Em uma dessas viagens, ele conheceu Regina, por quem se apaixonou. Diante disso, ele passou a também viver com Regina. 15 dias com a sua esposa e nos outros 15 dias com a outra mulher. Em um Município, ele é conhecido publicamente como marido de Francisca e, no outro, como “companheiro” de Regina. Vale ressaltar que uma não sabe da existência da outra. Essa situação perdurou por 5 anos, até que João faleceu. Ambas buscaram pensão por morte do INSS alegando que eram dependentes de João. Francisca, como cônjuge, e Regina, como companheira de união estável. 

É possível reconhecer a existência de união estável, neste caso? Regina terá direito à pensão por morte? NÃO. 

Como o indivíduo já era casado, a segunda relação firmada não pode ser reconhecida juridicamente como união estável. João mantinha com Regina algo que é denominado de “concubinato”, nos termos do art. 1.727 do Código Civil: 

Art. 1.727. As relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar, constituem concubinato. 

“Etimologicamente, concubinato é comunhão de leito. Vem do latim cum (com); cubrare (dormir): concubinatos. Seria a união ilegítima do homem e da mulher. E, segundo o sentido de concubinatus, o estado de mancebia, ou seja, a companhia de cama sem provação legal.” (ROSA, Conrado Paulina da. Direito de Família Contemporâneo. Salvador: Juspodivm, 2021, p. 125). Em virtude da tradição do direito brasileiro de proteger a monogamia em detrimento da autonomia privada, a jurisprudência não admite a existência concomitante de casamento e união estável. Também não se admite a existência concomitante de duas uniões estáveis. 

Tal vedação encontra-se expressamente prevista na legislação? 

SIM. Encontra-se na primeira parte do § 1º do art. 1.723 do Código Civil: 

Art. 1.723 (...) § 1º A união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos do art. 1.521; (...) 

Art. 1.521. Não podem casar: (...) VI - as pessoas casadas; 

Assim, a regra é a seguinte: 

· pessoa casada com “A” não pode simultaneamente ter união estável com “B”; 

· pessoa que já vive em união estável com “A” não pode simultaneamente ter união estável com “B”. 

Nas palavras do Min. Dias Toffoli: “Ora, se uma pessoa casada não pode casar, por força do art. 1.521, VI do Código Civil; se uma pessoa casada não pode ter reconhecida uma união estável concomitante, por força do art. 1.723, § 1º, c/c o art. 1.521, VI, do Código Civil; seguindo essa linha de argumentação, uma pessoa que esteja convivendo em uma união estável não pode ter reconhecida, simultaneamente, uma outra união estável.” 

Exceção 

O Código Civil prevê uma exceção a essa regra e diz que, se o indivíduo casado estiver separado de fato, ele poderá ter união estável com outra pessoa. É a segunda parte do § 1º do art. 1.723: 

Art. 1723 (...) § 1º A união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos do art. 1.521; não se aplicando a incidência do inciso VI no caso de a pessoa casada se achar separada de fato ou judicialmente. 

Assim, em nosso exemplo, se João estivesse separado de fato de Francisca, aí sim a sua relação com Regina poderia ser considerada como união estável. 

Tese fixada pelo STF 

O STF já possuía alguns julgados afirmando as conclusões acima expostas e, no fim de 2020, reafirmou sua jurisprudência sob a sistemática da repercussão geral, tendo fixado a seguinte tese: 

A preexistência de casamento ou de união estável de um dos conviventes, ressalvada a exceção do artigo 1.723, § 1º, do Código Civil, impede o reconhecimento de novo vínculo referente ao mesmo período, inclusive para fins previdenciários, em virtude da consagração do dever de fidelidade e da monogamia pelo ordenamento jurídico-constitucional brasileiro. STF. Plenário. RE 1045273, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 18/12/2020 (Repercussão Geral – Tema 529) (Info 1003). 

O STF afirmou que, em que pese o fato de o art. 226, § 3º, da Constituição Federal ter afastado o preconceito e a discriminação à união estável, que não mais faziam sentido frente à evolução da mentalidade social, constata-se que, em determinadas situações, a união não pode ser considerada estável, mas, sim, concubinato, quando houver causas impeditivas ao casamento, previstas no art. 1.521 do Código Civil. O Direito brasileiro, à semelhança de outros sistemas jurídicos ocidentais, adota o princípio da monogamia, segundo o qual uma mesma pessoa não pode contrair e manter simultaneamente dois ou mais vínculos matrimoniais, sob pena de se configurar a bigamia, tipificada, inclusive, como crime previsto no art. 235 do Código Penal: 

Art. 235. Contrair alguém, sendo casado, novo casamento: Pena - reclusão, de dois a seis anos. 

Por esse motivo, a existência de casamento ou de união estável é, por si só, óbice ao reconhecimento de uma outra união paralelamente estabelecida por um dos companheiros durante o mesmo período, independentemente de se tratar de relacionamentos hétero ou homoafetivos. 

Posição do STJ 

Importante esclarecer que o STJ já possuía o mesmo entendimento: 

A relação concubinária mantida simultaneamente ao matrimônio não pode ser reconhecida como união estável quando ausente separação de fato ou de direito do cônjuge. Nas hipóteses em que o concubinato impuro repercute no patrimônio da sociedade de fato aplica-se o Direito das obrigações. A partilha decorrente de sociedade de fato entre pessoas impõe a prova do esforço comum na construção patrimonial (Súmula nº 380/STF). STJ. 3ª Turma. REsp 1628701/BA, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 07/11/2017. 

A jurisprudência do STJ e do STF é sólida em não reconhecer como união estável a relação concubinária não eventual, simultânea ao casamento, quando não estiver provada a separação de fato ou de direito do parceiro casado. STJ. 4ª Turma. AgInt no AREsp 999.189/MS, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 16/05/2017. 

Tema 529 

Ao julgar o RE 883168/SC (Tema 529), o STF reafirmou seu entendimento: 

É incompatível com a Constituição Federal o reconhecimento de direitos previdenciários (pensão por morte) à pessoa que manteve, durante longo período e com aparência familiar, união com outra casada, porquanto o concubinato não se equipara, para fins de proteção estatal, às uniões afetivas resultantes do casamento e da união estável. STF. Plenário. RE 883168/SC, Rel. Dias Toffoli, julgado em 2/8/2021 (Repercussão Geral – Tema 526) (Info 1024). 

É inconstitucional o reconhecimento de direitos previdenciários nas relações que se amoldam ao instituto do concubinato, mesmo que a união tenha sido mantida durante longo período e com aparência familiar. O microssistema jurídico que rege a família como base da sociedade (CF, art. 226, caput) orienta-se pelos princípios da monogamia, da exclusividade e da boa-fé, bem como pelos deveres de lealdade e fidelidade que visam a conferir maior estabilidade e segurança às relações familiares. No Código Civil, a relação duradoura estabelecida entre pessoas impedidas de casar é nomeada concubinato para distingui-la da união estável, precisamente sob o aspecto do impedimento ao casamento, e afastar seu reconhecimento como entidade familiar (CC, art. 1.566, I). Para efeito de diferenciação entre a união estável e o concubinato, o art. 1.727 do CC deve ser lido em conjunto com o art. 1.723, § 1º, do CC. Ademais, o Tribunal, ao debater questões similares, concluiu não ser possível o reconhecimento de uma segunda união estável e o consequente rateio de pensão por morte. 

Qual a diferença entre o caso analisado (Tema 526) e aquele decidido pelo STF no Tema 529? 

Na verdade, o Relator entendeu que há similitude entre as questões constitucionais debatidas em cada um dos temas: 

Tema 526: ‘Recurso extraordinário em que se discute, à luz dos artigos 201, V, e 226, § 3º, da Constituição Federal, a possibilidade, ou não, de reconhecimento de direitos previdenciários (pensão por morte) à pessoa que manteve, durante longo período e com aparência familiar, união com outra casada’. 

Tema 529: ‘Recurso extraordinário com agravo em que se discute, à luz dos artigos 1º, III; 3º, IV; 5º, I, da Constituição Federal, a possibilidade, ou não, de reconhecimento jurídico de união estável e de relação homoafetiva concomitantes, com o consequente rateio de pensão por morte’.

Assim, a única diferença é que, no Tema 529, o caso concreto envolvia relação homoafetiva, o que não interfere em nada. Desse modo, os dois temas poderiam até mesmo ter sido julgados em conjunto.