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5 de abril de 2022

Configura constrangimento ilegal o afastamento do tráfico privilegiado e da redução da fração de diminuição de pena por presunção de que o agente se dedica a atividades criminosas, derivada unicamente da análise da natureza ou da quantidade de drogas apreendidas

Processo

REsp 1.985.297-SP, Rel. Min. João Otávio de Noronha, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 29/03/2022.

Ramo do Direito

DIREITO PENAL

  • Paz, Justiça e Instituições Eficazes
Tema

Tráfico ilícito de entorpecentes. Dosimetria da pena. Natureza e quantidade da droga apreendida. Circunstância preponderante a ser necessariamente observada na primeira fase da dosimetria. Utilização para afastamento do tráfico privilegiado ou modulação da fração de diminuição de pena do § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343/2006. Impossibilidade. Caracterização de bis in idem. Indevida presunção de dedicação a atividades criminosas.

 

DESTAQUE

Configura constrangimento ilegal o afastamento do tráfico privilegiado e da redução da fração de diminuição de pena por presunção de que o agente se dedica a atividades criminosas, derivada unicamente da análise da natureza ou da quantidade de drogas apreendidas.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

A dosimetria da reprimenda penal, atividade jurisdicional caracterizada pelo exercício de discricionariedade vinculada, realiza-se dentro das balizas fixadas pelo legislador.

Nesse aspecto, o tratamento legal conferido ao crime de tráfico de drogas traz peculiaridades a serem observadas nas condenações respectivas; a natureza desse crime de perigo abstrato, que tutela o bem jurídico saúde pública, fez com que o legislador elegesse dois elementos específicos - necessariamente presentes no quadro jurídico-probatório que cerca aquela prática delituosa, a saber, a natureza e a quantidade das drogas - para utilização obrigatória na primeira fase da dosimetria.

Por outro lado, o tráfico privilegiado é instituto criado para beneficiar aquele que ainda não se encontra mergulhado nessa atividade ilícita, independentemente do tipo ou do volume de drogas apreendidas, para implementação de política criminal que favoreça o traficante eventual.

Sobre o tema, no julgamento do RE n. 666.334/AM, submetido ao regime de repercussão geral (Tese n. 712), o STF fixou o entendimento de que a natureza e a quantidade de entorpecentes não podem ser utilizadas em duas fases da dosimetria da pena.

Em seguida, a Terceira Seção do STJ, no julgamento do REsp n. n. 1.887.511/SP (DJe de 1º/7/2021), partindo da premissa fixada na Tese n. 712 do STF, uniformizou o entendimento de que a natureza e a quantidade de entorpecentes devem ser necessariamente valoradas na primeira etapa da dosimetria, para modulação da pena-base.

Com efeito, não há margem, na redação do art. 42 da Lei n. 11.343/2006, para utilização de suposta discricionariedade judicial que redunde na transferência da análise dos vetores "natureza e quantidade de drogas apreendidas" para etapas posteriores, já que erigidos ao status de circunstâncias judiciais preponderantes, sem natureza residual.

Assim, apenas circunstâncias judiciais não preponderantes, previstas no art. 59 do Código Penal, podem ser utilizadas para modulação da fração de diminuição de pena do tráfico privilegiado, desde que não utilizadas para fixação da pena-base.

Em razão disso, configura constrangimento ilegal o afastamento do tráfico privilegiado por presunção de que o agente se dedica a atividades criminosas, derivada unicamente da análise da natureza ou da quantidade de drogas apreendidas; da mesma maneira, configura constrangimento ilegal a redução da fração de diminuição de pena por esse mesmo e único motivo.

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Demonstradas pela instância de origem a estabilidade e permanência do crime de associação para o tráfico de drogas, inviável o revolvimento probatório em sede de habeas corpus visando a modificação do julgado

Processo

HC 721.055-SC, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 22/03/2022, DJe 25/03/2022.

Ramo do Direito

DIREITO PENAL, DIREITO PROCESSUAL PENAL

  • Paz, Justiça e Instituições Eficazes
Tema

Associação para o tráfico de drogas. Estabilidade e permanência. Comprovação. Pleito Absolutório. Incursão no acervo probatório. Inviabilidade.

 

DESTAQUE

Demonstradas pela instância de origem a estabilidade e permanência do crime de associação para o tráfico de drogas, inviável o revolvimento probatório em sede de habeas corpus visando a modificação do julgado.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Esta Corte Superior possui pacífica jurisprudência no sentido de que é necessária a demonstração da estabilidade e da permanência da associação para a condenação pelo crime do art. 35 da Lei n. 11.343/2006.

Sabe-se que, no crime de associação para o tráfico de drogas, há um vínculo associativo duradouro e estável entre seus integrantes, com o objetivo de fomentar especificamente o tráfico de drogas, por meio de uma estrutura organizada e divisão de tarefas para a aquisição e venda de entorpecentes, além da divisão de seus lucros.

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmou-se no sentido de que: Para a configuração do delito de associação para o tráfico de drogas, é necessário o dolo de se associar com estabilidade e permanência, sendo que a reunião de duas ou mais pessoas sem o animus associativo não se subsume ao tipo do art. 35 da Lei n. 11.343/2006. Trata-se, portanto, de delito de concurso necessário (HC n. 434.972/RJ, Relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 26/6/2018, DJe de 1º/8/2018).

No caso, as instâncias ordinárias demonstraram a presença da materialidade e da autoria do delito de associação para o tráfico, com a demonstração da concreta estabilidade e permanência da associação criminosa, tendo em vista, em especial, a prova oral colhida contida nos autos e as conversas extraídas do aparelho celular apreendido, evidenciando que a prática do crime de tráfico de drogas não era eventual, pelo contrário, representava atividade organizada, estável e em função da qual todos os corréus estavam vinculados subjetivamente.

A revisão da conclusão alcançada pelo Tribunal de origem, de sorte a confirmar-se a versão defensiva de que não há comprovação da associação estável a outros corréus para o tráfico de entorpecentes, somente poderia ser feita por meio do exame aprofundado da prova, providência inadmissível na via do habeas corpus.

17 de novembro de 2021

Não é possível que o agente responda pela prática do crime do art. 34 da Lei 11.343/2006 quando a posse dos instrumentos configura ato preparatório destinado ao consumo pessoal de entorpecente

 Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/11/info-709-stj.pdf


LEI DE DROGAS Não é possível que o agente responda pela prática do crime do art. 34 da Lei 11.343/2006 quando a posse dos instrumentos configura ato preparatório destinado ao consumo pessoal de entorpecente 

Para que se configure a lesão ao bem jurídico tutelado pelo art. 34 da Lei nº 11.343/2006, a ação de possuir maquinário e/ou objetos deve ter o especial fim de fabricar, preparar, produzir ou transformar drogas, visando ao tráfico. Assim, ainda que o crime previsto no art. 34 da Lei nº 11.343/2006 possa subsistir de forma autônoma, não é possível que o agente responda pela prática do referido delito quando a posse dos instrumentos se configura como ato preparatório destinado ao consumo pessoal de entorpecente. As condutas previstas no art. 28 da Lei de Drogas recebem tratamento legislativo mais brando, razão pela qual não há respaldo legal para punir com maior rigor as ações que antecedem o próprio consumo pessoal do entorpecente. STJ. 6ª Turma. RHC 135.617-PR, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 14/09/2021 (Info 709). 

Imagine a seguinte situação hipotética: 

João foi encontrado com maquinário e outros objetos destinados ao plantio da erva Cannabis sativa, vulgarmente conhecida como maconha. Também havia em sua casa oito plantas de maconha. O Ministério Público denunciou João pelos crimes do art. 28 e art. 34 da Lei nº 11.343/2006: 

Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas: I - advertência sobre os efeitos das drogas; II - prestação de serviços à comunidade; III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo. 

Art. 34. Fabricar, adquirir, utilizar, transportar, oferecer, vender, distribuir, entregar a qualquer título, possuir, guardar ou fornecer, ainda que gratuitamente, maquinário, aparelho, instrumento ou qualquer objeto destinado à fabricação, preparação, produção ou transformação de drogas, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena - reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e pagamento de 1.200 (mil e duzentos) a 2.000 (dois mil) dias-multa. 

A defesa impetrou habeas corpus perante o Tribunal de Justiça pedindo o trancamento da ação penal quanto ao delito do art. 34 da Lei de Drogas. A ordem foi indeferida pelo TJ, tendo o acusado interposto recurso ao STJ. 

O que decidiu o STJ? Cabe, neste caso, a imputação pelo delito do art. 34 da Lei nº 11.343/2006? 

NÃO. Vou explicar as razões utilizadas pelo STJ, mas antes é importante fazer algumas observações sobre o crime do art. 34 da Lei de Drogas, conhecido como tráfico de maquinário. 

Tráfico de maquinário 

O delito de tráfico de maquinário é previsto no art. 34 da Lei nº 11.343/2006, nos seguintes termos: 

Art. 34. Fabricar, adquirir, utilizar, transportar, oferecer, vender, distribuir, entregar a qualquer título, possuir, guardar ou fornecer, ainda que gratuitamente, maquinário, aparelho, instrumento ou qualquer objeto destinado à fabricação, preparação, produção ou transformação de drogas, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena - reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e pagamento de 1.200 (mil e duzentos) a 2.000 (dois mil) diasmulta. 

Em que consiste o crime 

A pessoa comete esse crime quando fabrica, adquire, utiliza, transporta, oferece, vende, distribui, entrega, possui, guarda ou fornece qualquer objeto destinado à produção de drogas de forma ilícita. 

Punição de atos preparatórios ao tráfico de drogas 

Em regra, os atos preparatórios de um delito não são punidos. A punição, normalmente, só pode existir se o agente iniciou a prática de atos executórios (art. 14, II do CP). O legislador, no entanto, decidiu punir os atos preparatórios do delito de tráfico de drogas (art. 33 da Lei nº 11.343/2006). Para isso, ele criou um tipo específico: o art. 34. Desse modo, o que o art. 34 pune são os atos preparatórios do crime de tráfico de drogas. Assim, antes que o sujeito inicie a execução do art. 33, ele já pode ser punido pelo art. 34. Ex: João irá encomendar pasta base de cocaína de seu fornecedor para preparar “trouxinhas” de cocaína e vender em seu bairro. Antes mesmo que ele faça a “encomenda”, ele adquire sacos plásticos, barbantes, alicate, talco e uma balança de precisão, instrumentos que ele irá utilizar para confeccionar a droga. Se João for preso com tais objetos, não se poderá acusá-lo de tráfico de drogas, uma vez que não iniciou nenhum ato de execução, ficando apenas na preparação. Contudo, poderá ser punido pelo art. 34, ora em estudo. 

Em regra, o crime do art. 34 é subsidiário em relação ao tráfico de drogas (art. 33) 

Veja o que ensina Renato Brasileiro: 

“(...) ocorrendo o crime principal de tráfico de drogas em um mesmo contexto fático, afasta-se a aplicação do tipo subsidiário do art. 34 (lex primaria derogat lex subsidiariae). A título de exemplo, se a polícia não conseguir localizar nenhuma quantidade de droga em um laboratório clandestino durante a execução de um mandado de busca domiciliar, porém encontrar uma balança de precisão com vestígios de cocaína, o agente deverá ser autuado em flagrante delito pela prática do art. 34, porquanto demonstrado que tal aparelho era utilizado na preparação de droga. No entanto, se a Polícia tiver êxito na apreensão de droga e da balança de precisão, estaria tipificado apenas o crime do art. 33, caput, que teria o condão de afastar a aplicação do soldado de reserva do art. 34.” (LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação Criminal Especial Comentada. Niterói: Impetus, 2013, p. 777-778). 

Exemplo concreto: 

Carlos foi preso, em sua residência, com certa quantidade de cocaína destinada à venda. Além da droga, o agente mantinha, no mesmo local, uma balança de precisão e um alicate de unha utilizados na preparação das “trouxinhas” de cocaína. O Ministério Público desejava a condenação do réu pelos delitos do art. 33 e 34 da Lei nº 11.343/2006, em concurso. O STJ, contudo, decidiu que o acusado deveria responder apenas pelo crime de tráfico de drogas (art. 33), ficando o delito do art. 34 absorvido. A prática do crime previsto no art. 33, caput, da Lei de Drogas absorve o delito capitulado no art. 34 da mesma lei, desde que não fique caracterizada a existência de contextos autônomos e coexistentes aptos a vulnerar o bem jurídico tutelado de forma distinta. Na situação em análise, entendeu-se que não há autonomia necessária a embasar a condenação em ambos os tipos penais simultaneamente, sob pena de “bis in idem”. Na situação em análise, o STJ entendeu que, além de a conduta não se mostrar autônoma, a posse de uma balança de precisão e de um alicate de unha não poderia ser considerada como posse de maquinário nos termos do que descreve o art. 34, pois os referidos instrumentos integram a prática do delito de tráfico, não se prestando à configuração do crime de posse de maquinário. STJ. 5ª Turma. REsp 1.196.334-PR, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 19/9/2013. 

Pode haver concurso entre os arts. 33 e 34 se ficar demonstrada a autonomia das condutas 

Exemplo: Pablo foi preso, em sua residência, com certa quantidade de cocaína destinada à venda. Além da droga, o agente mantinha, no mesmo local e em grande escala, objetos, maquinário e utensílios que constituíam um verdadeiro “laboratório” utilizado para a produção, preparo, fabricação e transformação de drogas ilícitas em grandes quantidades. O Ministério Público pediu a condenação do réu pelos delitos do art. 33 e 34 da Lei nº 11.343/2006, em concurso. O STJ concordou com o MP e decidiu que o acusado deveria responder pelos crimes de tráfico de drogas (art. 33) e tráfico de maquinário (art. 34), em concurso. Nessa situação, as circunstâncias fáticas demonstraram que havia verdadeira autonomia das condutas, o que inviabilizava a incidência do princípio da consunção. O princípio da consunção deve ser aplicado quando um dos crimes for o meio normal para a preparação, execução ou mero exaurimento do delito visado pelo agente, situação que fará com que este absorva aquele outro delito, desde que não ofendam bens jurídicos distintos. Dessa forma, a depender do contexto em que os crimes foram praticados, será possível o reconhecimento da absorção do delito previsto no art. 34 pelo crime previsto no art. 33. Contudo, para tanto, é necessário que não fique caracterizada a existência de contextos autônomos e coexistentes aptos a vulnerar o bem jurídico tutelado de forma distinta. Levando-se em consideração que o crime do art. 34 visa coibir a produção de drogas, enquanto o art. 33 tem por objetivo evitar a sua disseminação, deve-se analisar, para fins de incidência ou não do princípio da consunção, a real lesividade dos objetos tidos como instrumentos destinados à fabricação, preparação, produção ou transformação de drogas. Relevante aferir, portanto, se os objetos apreendidos são aptos a vulnerar o tipo penal em tela quanto à coibição da própria produção de drogas. Logo, se os maquinários e utensílios apreendidos não forem suficientes para a produção ou transformação da droga, será possível a absorção do crime do art. 34 pelo do art. 33, haja vista ser aquele apenas meio para a realização do tráfico de drogas (como a posse de uma balança e de um alicate – objetos que, por si sós, são insuficientes para o fabrico ou transformação de entorpecentes, constituindo apenas um meio para a realização do delito do art. 33). Contudo, a posse ou depósito de maquinário e utensílios que demonstrem a existência de um verdadeiro laboratório voltado à fabricação ou transformação de drogas implica autonomia das condutas, por não serem esses objetos meios necessários ou fase normal de execução do tráfico de drogas. STJ. 5ª Turma. AgRg no AREsp 303.213-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 8/10/2013. 

Maquinário, aparelho, instrumento ou qualquer objeto destinado à produção de drogas 

É muito difícil que exista uma máquina, aparelho ou instrumento que tenha sido idealizado com a finalidade exclusiva de produzir drogas ilícitas. Desse modo, para que o sujeito seja punido pelo art. 34, é preciso verificar se aquele maquinário encontrado era destinado, no caso concreto, para o tráfico de drogas. Ex: uma balança de cozinha não é um aparelho que tenha sido criado com o objetivo de preparar droga. No entanto, se esta balança de precisão é encontrada juntamente com sacos plásticos, alicates e resquícios de substância que aparente cocaína, em um local que parece um verdadeiro laboratório de produção de drogas, pode-se concluir que se trata de instrumento destinado à preparação de “trouxinhas” de cocaína. 

Sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar 

Para que se configure o delito, é necessário que o maquinário seja destinado à produção de drogas sem que o agente tenha autorização para isso, ou tenha agido em desacordo com determinação legal ou regulamentar. Dessa forma, se o agente tiver autorização, não há crime. Ex: em uma farmácia de manipulação, existem diversos objetos destinados à produção de drogas (remédios). No entanto, esse estabelecimento possui autorização e as drogas preparadas estão de acordo com a determinação regulamentar dos órgãos competentes. 

Não há o crime do art. 34 da Lei nº 11.343/2006 se a posse dos instrumentos é ato preparatório do delito do art. 28 

Para que se configure a lesão ao bem jurídico tutelado pelo art. 34 da Lei nº 11.343/2006, a ação de possuir maquinário e/ou objetos deve ter o especial fim de fabricar, preparar, produzir ou transformar drogas, visando ao tráfico. Assim, ainda que o crime previsto no art. 34 da Lei nº 11.343/2006 possa subsistir de forma autônoma, não é possível que o agente responda pela prática do referido delito quando a posse dos instrumentos se configura como ato preparatório destinado ao consumo pessoal de entorpecente. As condutas previstas no art. 28 da Lei de Drogas recebem tratamento legislativo mais brando, razão pela qual não há respaldo legal para punir com maior rigor as ações que antecedem o próprio consumo pessoal do entorpecente. Considerando que, nos termos do §1º do art. 28 da Lei de Drogas, nas mesmas penas do caput incorre quem cultiva a planta destinada ao preparo de pequena quantidade de substância ou produto (óleo), seria um contrassenso jurídico que a posse de objetos destinados ao cultivo de planta psicotrópica, para uso pessoal, viesse a caracterizar um crime muito mais grave, equiparado a hediondo e punido com pena privativa de liberdade de três a dez anos de reclusão, além do pagamento de vultosa multa. 

Art. 28 (...) § 1º Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica. 

Aquele que cultiva uma planta naturalmente faz uso de ferramentas típicas de plantio, tais como a maior parte dos itens apreendidos no caso (vasos, substrato de plantas, gotejador, lona, hastes de estufa, fibra de coco), razão pela qual se deve concluir que a posse de tais objetos está abrangida pela conduta típica prevista no aludido §1º do art. 28 da Lei nº 11.343/2006 e, portanto, não é capaz de configurar delito autônomo. Por fim, é consenso jurídico que o legislador, ao despenalizar a conduta de posse de entorpecente para uso pessoal, conferiu tratamento penal mais brando aos usuários de drogas. Nesse contexto, se a própria legislação reconhece o menor potencial ofensivo da conduta do usuário que adquire drogas diretamente no mercado espúrio de entorpecentes, não há como evadir-se à conclusão de que também se encontra em situação de baixa periculosidade o agente que sequer fomentou o tráfico, haja vista ter cultivado pessoalmente a própria planta destinada à extração do óleo, para seu exclusivo consumo. 

Em suma: Não é possível que o agente responda pela prática do crime do art. 34 da Lei nº 11.343/2006 quando a posse dos instrumentos configura ato preparatório destinado ao consumo pessoal de entorpecente. STJ. 6ª Turma. RHC 135.617-PR, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 14/09/2021 (Info 709). 

19 de julho de 2021

LEI DE DROGAS - Compete ao Juízo Federal do endereço do destinatário da droga, importada via Correio, processar e julgar o crime de tráfico internacional

 Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/07/info-698-stj-1.pdf


LEI DE DROGAS - Compete ao Juízo Federal do endereço do destinatário da droga, importada via Correio, processar e julgar o crime de tráfico internacional 

No caso de importação da droga via correio, se o destinatário for conhecido porque consta seu endereço na correspondência, a Súmula 528/STJ deve ser flexibilizada para se fixar a competência no Juízo do local de destino da droga, em favor da facilitação da fase investigativa, da busca da verdade e da duração razoável do processo. Importação da droga via postal (Correios) configura tráfico transnacional de drogas (art. 33 c/c art. 40, I, da Lei nº 11.343/2006). A competência para julgar esse delito será do local onde a droga foi apreendida ou do local de destino da droga? 

• Entendimento anterior do STJ: local de apreensão da droga Essa posição estava manifestada na Súmula 528 do STJ, aprovada em 13/05/2015: Súmula 528-STJ: Compete ao juiz federal do local da apreensão da droga remetida do exterior pela via postal processar e julgar o crime de tráfico internacional. 

• Entendimento atual do STJ: local de destino da droga. Na hipótese de importação da droga via correio cumulada com o conhecimento do destinatário por meio do endereço aposto na correspondência, a Súmula 528/STJ deve ser flexibilizada para se fixar a competência no Juízo do local de destino da droga, em favor da facilitação da fase investigativa, da busca da verdade e da duração razoável do processo. STJ. 3ª Seção. CC 177.882-PR, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 26/05/2021 (Info 698). 

Imagine a seguinte situação hipotética: 

Lucas, que mora em Londrina (PR), comprou pela internet ecstasy de Julian, um vendedor de drogas residente na Holanda. Julian remeteu, da Holanda, a caixa contendo a droga. Ocorre que, ao chegar no Brasil, em um voo internacional que pousou em São Paulo, a caixa foi levada para inspeção no posto da Receita Federal e lá se descobriu, por meio da máquina de raio X, a existência da droga. Desse modo, tem-se o seguinte cenário: 

• endereço do destinatário da droga importada via Correio: Londrina (PR). 

• local da apreensão da droga remetida do exterior pela via postal: São Paulo (SP). 


Qual foi o delito, em tese, praticado pela pessoa que seria destinatária da droga (que encomendou o entorpecente)? Tráfico transnacional de drogas (art. 33 c/c art. 40, I, da Lei nº 11.343/2006). Lucas importou a droga. 

A competência para julgar será da Justiça Estadual ou Federal? Justiça Federal, nos termos do art. 109, V, da CF/88 e art. 70 da Lei nº 11.343/2006: 

Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: (...) V - os crimes previstos em tratado ou convenção internacional, quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente; 

Art. 70. O processo e o julgamento dos crimes previstos nos arts. 33 a 37 desta Lei, se caracterizado ilícito transnacional, são da competência da Justiça Federal. 

A competência será da Justiça Federal de São Paulo ou de Londrina? 

Importação da droga via postal (Correios) Tráfico transnacional de drogas (art. 33 c/c art. 40, I, da Lei nº 11.343/2006) A competência será do local onde a droga foi apreendida ou do local de destino da droga? 


Entendimento anterior do STJ: Local de apreensão da droga (no ex: SP) 

Essa posição estava manifestada na Súmula 528 do STJ, aprovada em 13/05/2015: Súmula 528-STJ: Compete ao juiz federal do local da apreensão da droga remetida do exterior pela via postal processar e julgar o crime de tráfico internacional. 

Argumentos desse antigo entendimento: O CPP prevê que a competência é definida pelo local em que o crime se consumar: Art. 70. A competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração, ou, no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução. A conduta prevista no art. 33, caput, da Lei nº 11.343/2006 constitui delito formal, multinuclear, sendo que, para sua consumação, basta a execução de qualquer das condutas previstas no dispositivo legal. No caso em tela, a pessoa que encomendou a droga praticou o verbo “importar”, que significa “fazer vir de outro país, estado ou município; trazer para dentro.” Logo, pode-se afirmar que o delito se consumou no instante em que o produto importado tocou o território nacional, entrada essa consubstanciada na apreensão da droga. Vale ressaltar que, para que ocorra a consumação do delito de tráfico transnacional de drogas, é desnecessário que a correspondência chegue ao destinatário final. Se chegar, haverá mero exaurimento da conduta. A consumação (importação) ocorreu quando a encomenda entrou no território nacional. Dessa forma, o delito se consumou no local de entrada da mercadoria, sendo esse o juízo competente, nos termos do art. 70 do CPP. 


Entendimento atual do STJ: Local de destino da droga (no ex: Londrina) 

Na hipótese de importação da droga via correio cumulada com o conhecimento do destinatário por meio do endereço aposto na correspondência, a Súmula 528/STJ deve ser flexibilizada para se fixar a competência no Juízo do local de destino da droga, em favor da facilitação da fase investigativa, da busca da verdade e da duração razoável do processo. STJ. 3ª Seção. CC 177.882-PR, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 26/05/2021 (Info 698). 

 Argumentos do novo entendimento: • O primeiro argumento decorre do bom senso. Em São Paulo desembarca a maioria das remessas importadas, via correios, do exterior. A existência de destinatário certo e devidamente identificado colocaria a Polícia Federal lotada no Estado de São Paulo para investigar indivíduo que residisse, v.g., em Porto Alegre, no Rio de Janeiro, em Boa Vista, em Cuiabá etc. Enfim, em qualquer lugar do Brasil para onde a encomenda estivesse endereçada.  

Isso dificultaria sobremaneira as investigações, quando não as inviabilizasse por completo; 

• O segundo argumento decorre da regra que define a competência pelo lugar em que efetivamente se consuma a infração, circunstância esta essencial para a fixação da competência, nos termos do art. 70, do CPP. Para que haja a remessa da droga ao Brasil, é necessário que o importador entabule um negócio (evidentemente ilícito). Não é crível, ainda mais no âmbito do tráfico internacional, que alguém remeta drogas para o Brasil gratuitamente ou ofereça essa remessa como um presente sem ônus. É evidente que há um negócio espúrio preliminar à remessa do entorpecente. Assim, quando o importador acerta a remessa do entorpecente, efetua o pagamento do preço e se cerca dos cuidados para que receba o produto, o negócio se encontra aperfeiçoado, dependendo o seu êxito integral, tão somente, do efetivo recebimento da droga. Desse modo, a consumação da importação da droga ocorre no momento da entabulação do negócio jurídico. Logo, o local de apreensão da mercadoria em trânsito não se confunde com o local da consumação do delito, o qual já se encontrava perfeito e acabado desde a negociação. 

A ementa oficial do julgado fala em “flexibilização da Súmula 528 do STJ”: 

“(...) 7. A fixação da competência no local de destino da droga, quando houver postagem do exterior para o Brasil com o conhecimento do endereço designado para a entrega, proporcionará eficiência da colheita de provas relativamente à autoria e, consequentemente, também viabilizará o exercício da defesa de forma mais ampla. Em suma, deve ser estabelecida a competência no Juízo do local de destino do entorpecente, mediante flexibilização da Súmula n. 528/STJ, em favor da facilitação da fase investigativa, da busca da verdade e da duração razoável do processo. (...)” 

Em suma: Na hipótese de importação da droga via correio cumulada com o conhecimento do destinatário por meio do endereço aposto na correspondência, a Súmula 528/STJ deve ser flexibilizada para se fixar a competência no Juízo do local de destino da droga, em favor da facilitação da fase investigativa, da busca da verdade e da duração razoável do processo. STJ. 3ª Seção. CC 177.882-PR, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 26/05/2021 (Info 698). 

Logo, para fins de concurso público, deve-se adotar essa expressão (“flexibilização da Súmula 528 do STJ”). Na prática, contudo, o que se percebe é que o enunciado foi superado, ou seja, seu entendimento não mais representa a jurisprudência atual do Tribunal e, na minha opinião, não resta outro caminho a não ser cancelar a súmula ou, no mínimo, alterar a sua redação. Tanto isso é verdade que o Min. Relator Joel Ilan Paciornik determinou que fosse encaminhada cópia da decisão “à Comissão de Jurisprudência para adequação da Súmula n. 528/STJ”. Alguns poderiam argumentar que a Súmula 528 continua a ser aplicada nos casos em que a droga é remetida via postal, mas não se conhece o destinatário. Essa hipótese é improvável. Isso porque toda correspondência remetida já deve ter, necessariamente, o endereço do destinatário. Logo, me parece que, a partir de agora, se a droga foi remetida via postal, a competência sempre será do juízo do destinatário da droga. Este é o novo critério.

8 de junho de 2021

Compete ao Juízo Federal do endereço do destinatário da droga, importada via Correio, processar e julgar o crime de tráfico internacional.

 CC 177.882-PR, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, Terceira Seção, por unanimidade, julgado em 26/05/2021.


Tráfico internacional. Importação. Apreensão da droga em Centro Internacional dos Correios distante do local de destino. Facilidade para colheita de provas da autoria delitiva no endereço do destinatário do entorpecente. Competência do Juízo do local de destino da droga. Flexibilização da Súmula n. 528 do STJ.


Compete ao Juízo Federal do endereço do destinatário da droga, importada via Correio, processar e julgar o crime de tráfico internacional.


O núcleo da controvérsia consiste em verificar a possibilidade de redimensionar o alcance da Súmula n. 528/STJ, a qual cuida de tráfico de drogas praticado via postal, nos mesmos moldes em que a Terceira Seção desta Corte Superior de Justiça, no precedente do CC 172.392/SP, flexibilizou a incidência da Súmula n. 151/STJ, no caso de contrabando e descaminho, quando a mercadoria apreendida estiver em trânsito e conhece-se o endereço da empresa importadora destinatária da mercadoria.

Conforme Súmula n. 528/STJ, "Compete ao Juiz Federal do local da apreensão da droga remetida do exterior pela via postal processar e julgar o crime de tráfico internacional". Feita a necessária digressão sobre os julgados inspiradores da Súmula n. 528/STJ, constata-se que o Ministro Rogerio Schietti Cruz, no julgamento do CC 134.421/TJ (DJe 4/12/2014), propôs a revisão do seu posicionamento para, exclusivamente no caso de importação de droga via correio (ou seja, quando conhecido o destinatário), reconhecer como competente o Juízo do local de destino da droga. Malgrado tenha vencido a tese pela competência do local da apreensão da droga, em nome da segurança jurídica, a dinâmica do tempo continua revelando as dificuldades investigativas no caso de importação via correios, quando a droga é apreendida em local distante do destino conhecido.

Com efeito, "Em situações excepcionais, a jurisprudência desta Corte tem admitido a fixação da competência para o julgamento do delito no local onde tiveram início os atos executórios, em nome da facilidade para a coleta de provas e para a instrução do processo, tendo em conta os princípios que atendem à finalidade maior do processo que é a busca da verdade real" (CC 151.836/GO, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, TERCEIRA SEÇÃO, DJe 26/6/2017).

Ademais, uma vez abraçada a tese de que a consumação da importação da droga ocorre no momento da entabulação do negócio jurídico, o local de apreensão da mercadoria em trânsito não se confunde com o local da consumação do delito, o qual já se encontrava perfeito e acabado desde a negociação.

Ressalte-se que a prestação jurisdicional efetiva depende de investigação policial eficiente. Caso inicialmente o local da apreensão da droga possa apresentar-se como facilitador da colheita de provas no tocante à materialidade delitiva, em um segundo momento, a distância do local de destino da droga dificulta sobremaneira as investigações da autoria delitiva, sendo inegável que os autores do crime possuem alguma ligação com o endereço aposto na correspondência.

A fixação da competência no local de destino da droga, quando houver postagem do exterior para o Brasil com o conhecimento do endereço designado para a entrega, proporcionará eficiência da colheita de provas relativamente à autoria e, consequentemente, também viabilizará o exercício da defesa de forma mais ampla.

Desse modo, na hipótese de importação da droga via correio cumulada com o conhecimento do destinatário por meio do endereço aposto na correspondência, a Súmula n. 528/STJ deva ser flexibilizada para se fixar a competência no Juízo do local de destino da droga, em favor da facilitação da fase investigativa, da busca da verdade e da duração razoável do processo.

10 de abril de 2021

STJ fixa critérios para utilizar natureza e quantidade de drogas no § 4º, art. 33, Lei 11.343/06

 A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que é possível utilizar a natureza e quantidade de drogas no § 4º, art. 33, Lei 11.343/06, tanto para fins de valorar eventual redução, entre 1/6 e 2/3, quanto para impedir a incidência da minorante, no caso de demonstrarem dedicação à prática delitiva.

 A decisão (AgRg no HC 630.134/RS) teve como relator o ministro Felix Fischer.

Utilização da natureza e quantidade de drogas no § 4º

PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. DOSIMETRIA. TRÁFICO PRIVILEGIADO. QUANTUM PROPORCIONAL À NATUREZA DA DROGA APREENDIDA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. AGRAVO DESPROVIDO.

I – A parte que se considerar agravada por decisão de relator, à exceção do indeferimento de liminar em procedimento de habeas corpus e recurso ordinário em habeas corpus, poderá requerer, dentro de cinco dias, a apresentação do feito em mesa relativo à matéria penal em geral, para que a Corte Especial, a Seção ou a Turma sobre ela se pronuncie, confirmando-a ou reformando-a.

II – O parágrafo 4º, do art. 33, da Lei n. 11.343/06, dispõe que as penas do crime de tráfico de drogas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa. Na ausência de indicação pelo legislador das balizas para o percentual de redução previsto no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06, a natureza e a quantidade de droga apreendida, assim como as demais circunstâncias do art. 59 do CP, podem ser utilizadas na definição de tal índice ou, até mesmo, no impedimento da incidência da minorante, quando evidenciarem a dedicação do agente ao tráfico de entorpecentes.

III – Na espécie, houve fundamentação concreta e idônea para a fração do tráfico privilegiado, ante a natureza bastante lesiva da substância ilícita (crack), em consonância com o atual entendimento do col. Pretório Excelso, bem como desta eg. Corte Superior de Justiça.

Agravo regimental desprovido.

(AgRg no HC 630.134/RS, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 23/03/2021, DJe 29/03/2021)
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Pedro Ganem
Redator do Canal Ciências Criminais
Fonte: Canal Ciências Criminais