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5 de abril de 2022

Admitir a entrada na residência especificamente para efetuar uma prisão não significa conceder um salvo-conduto para que todo o seu interior seja vasculhado indistintamente, em verdadeira pescaria probatória (fishing expedition), sob pena de nulidade das provas colhidas por desvio de finalidade

Processo

HC 663.055-MT, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 22/03/2022.

Ramo do Direito

DIREITO PROCESSUAL PENAL

  • Paz, Justiça e Instituições Eficazes
Tema

Domicílio. Expressão do direito à intimidade. Asilo inviolável. Exceções constitucionais. Interpretação restritiva. Ausência de fundadas razões. Desvio de finalidade e fishing expedition. Nulidade das provas obtidas.

 

DESTAQUE

Admitir a entrada na residência especificamente para efetuar uma prisão não significa conceder um salvo-conduto para que todo o seu interior seja vasculhado indistintamente, em verdadeira pescaria probatória (fishing expedition), sob pena de nulidade das provas colhidas por desvio de finalidade.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Inicialmente, é preciso fazer uma distinção entre autorização para ingressar em domicílio a fim de efetuar uma prisão e autorização para realizar busca domiciliar à procura de drogas ou outros objetos.

Por se tratar de medida invasiva e que restringe sobremaneira o direito fundamental à intimidade, o ingresso em morada alheia deve se circunscrever apenas ao estritamente necessário para cumprir a finalidade da diligência. É o que se extrai da exegese do art. 248 do CPP, segundo o qual, "Em casa habitada, a busca será feita de modo que não moleste os moradores mais do que o indispensável para o êxito da diligência".

Ora, se mesmo de posse de um mandado de busca e apreensão expedido pelo Poder Judiciário, o executor da ordem deve se ater aos limites do escopo - vinculado à justa causa - para o qual se admitiu a excepcional restrição do direito fundamental à intimidade, com muito mais razão isso deve ser respeitado quando o ingresso em domicílio ocorrer sem prévio respaldo da autoridade judicial competente (terceiro imparcial e desinteressado), sob pena de nulidade das provas colhidas por desvio de finalidade.

Vale dizer, admitir a entrada na residência especificamente para efetuar uma prisão não significa conceder um salvo-conduto para que todo o seu interior seja vasculhado indistintamente, em verdadeira pescaria probatória (fishing expedition).

Dois exemplos bem ilustram a questão. Imagine-se que, no decorrer de uma investigação pela prática dos crimes de furto e receptação, a autoridade policial represente pela concessão de mandado de busca e apreensão, a fim de recuperar um celular subtraído, cujo localizador (GPS) aponte estar em determinada moradia. Deferida a ordem para a procura do aparelho, a polícia, por ocasião do cumprimento da diligência, aproveita a oportunidade para levar cães farejadores com o objetivo de verificar a possível existência de drogas no local, as quais acabam sendo encontradas.

Pense-se, ainda, na situação em que uma motocicleta é roubada e tem início perseguição policial aos assaltantes, os quais se refugiam em casa. Como decorrência do flagrante delito de roubo, os policiais ingressam no local, efetuam a prisão e apreendem o veículo subtraído. Na sequência, decidem aproveitar o fato de já estarem dentro do imóvel para procurar substâncias entorpecentes.

Em ambas as situações hipotéticas trazidas, conquanto seja perfeitamente lícito o ingresso em domicílio, é ilegal a apreensão das drogas, por não haver sido precedida de justa causa quanto à sua existência e por não decorrer de mero encontro fortuito - esse admissível - mas sim de manifesto desvio de finalidade no cumprimento do ato, o qual, no primeiro caso, se limitava a autorizar o ingresso para a recuperação do celular subtraído; no segundo, apenas para efetuar a prisão do roubador e recuperar a motocicleta subtraída.

Desse modo, é ilícita a prova colhida em caso de desvio de finalidade após o ingresso em domicílio, seja no cumprimento de mandado de prisão ou de busca e apreensão expedido pelo Poder Judiciário, seja na hipótese de ingresso sem prévia autorização judicial, como ocorre em situação de flagrante delito. O agente responsável pela diligência deve sempre se ater aos limites do escopo - vinculado à justa causa - para o qual excepcionalmente se restringiu o direito fundamental à intimidade, ressalvada a possibilidade de encontro fortuito de provas.

A violação de domicílio com base no comportamento suspeito do acusado, que empreendeu fuga ao ver a viatura policial, não autoriza a dispensa de investigações prévias ou do mandado judicial para a entrada dos agentes públicos na residência

Processo

HC 695.980-GO, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 22/03/2022, DJe 25/03/2022.

Ramo do Direito

DIREITO CONSTITUCIONAL, DIREITO PROCESSUAL PENAL

  • Paz, Justiça e Instituições Eficazes
Tema

Violação de domicílio. Ingresso policial apoiado em atitude suspeita do acusado. Fuga no momento da abordagem. Ausência de justa causa. Aplicação do entendimento firmado no HC 598.051/SP.

 

DESTAQUE

A violação de domicílio com base no comportamento suspeito do acusado, que empreendeu fuga ao ver a viatura policial, não autoriza a dispensa de investigações prévias ou do mandado judicial para a entrada dos agentes públicos na residência.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Tendo como referência o recente entendimento firmado por esta Corte, nos autos do HC 598.051/SP, o ingresso policial forçado em domicílio, resultando na apreensão de material apto a configurar o crime de tráfico de drogas, deve apresentar justificativa circunstanciada em elementos prévios que indiquem efetivo estado de flagrância de delitos graves, além de estar configurada situação que demonstre não ser possível mitigação da atuação policial por tempo suficiente para se realizar o trâmite de expedição de mandado judicial idôneo ou a prática de outras diligências.

No caso em tela, a violação de domicílio teve como justificativa o comportamento suspeito do acusado - que empreendeu fuga ao ver a viatura policial -, circunstância fática que não autoriza a dispensa de investigações prévias ou do mandado judicial para a entrada dos agentes públicos na residência, acarretando a nulidade da diligência policial.

Ademais, a alegação de que a entrada dos policiais teria sido autorizada pelo agente não merece acolhimento. Isso, porque não há outro elemento probatório no mesmo sentido, salvo o depoimento dos policiais que realizaram o flagrante, tendo tal autorização sido negada em juízo pelo réu.

Por fim, "Segundo a nova orientação jurisprudencial, o ônus de comprovar a higidez dessa autorização, com prova da voluntariedade do consentimento, recai sobre o estado acusador" (HC 685.593/SP, relator Ministro Sebastião Reis Junior, Sexta Turma, DJe 19/10/2021).