RECLAMAÇÃO Nº 35.958 - CE (2018/0125713-2)
RELATOR : MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE
RECLAMAÇÃO. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE
SEGURANÇA. 1. CABIMENTO. PRESERVAÇÃO DA COMPETÊNCIA DO STJ. 2. JUÍZO DE
ADMISSIBILIDADE. TRIBUNAL DE ORIGEM. INCOMPETÊNCIA. 3. RECLAMAÇÃO
PROCEDENTE.
1. A reclamação é via própria para preservar a competência do Superior Tribunal de Justiça.
2. O recurso ordinário, consectário direto do duplo grau de jurisdição, tem a mesma natureza
jurídica do recurso de apelação, razão pela qual a ele se aplicava, analogicamente, o
procedimento de julgamento da apelação, previsto no CPC/1973.
3. O atual sistema processual, além de alterar o processamento dos recursos de apelação,
passou a dispor expressamente da sistemática aplicável ao recebimento e processamento
dos recurso ordinários.
4. Diante da determinação legal de imediata remessa dos autos do recurso ordinário ao
Tribunal Superior, independentemente de juízo prévio de admissibilidade, a negativa de
seguimento ao recurso pelo Tribunal a quo configura indevida invasão na esfera de
competência do STJ, atacável, portanto, pela via da reclamação constitucional.
5. Reclamação procedente.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam
os Ministros da Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conhecer
e julgar procedente a reclamação, cassando a decisão de admissibilidade do recurso
ordinário proferida nos autos do Mandado de Segurança nº 0620480-78.2018.8.06.0000, e
determinar sua remessa imediata para esta Corte Superior, após intimado o recorrido para
apresentar contrarrazões, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Moura Ribeiro, Nancy Andrighi, Luis Felipe Salomão, Raul
Araújo, Antonio Carlos Ferreira e Ricardo Villas Bôas Cueva votaram com o Sr. Ministro
Relator.
Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino e
Marco Buzzi.
Presidiu o julgamento a Sra. Ministra Maria Isabel Gallotti.
Brasília, 10 de abril de 2019 (data do julgamento).
RELATÓRIO
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE:
Cuida-se de reclamação apresentada por Alberto Bezerra de Souza e
fundamentada no art. 105, I, f, da Constituição Federal, na qual se aponta como reclamado
o Tribunal de Justiça do Ceará.
Em suas razões, sustenta o reclamante que o TJ/CE teria usurpado a
competência desta Corte Superior ao proferir juízo de admissibilidade em recurso ordinário
em mandado de segurança interposto perante Tribunal reclamado e dirigido ao STJ.
Acrescenta que o recurso ordinário tem natureza de apelação e somente poderia ter sua
admissibilidade apreciada pelo Tribunal ad quem. Pleiteou, liminarmente, a concessão de
efeito suspensivo ao Mandado de Segurança n. 0620480-78.2018.8.06.0000, o que foi
indeferido sob o fundamento de ausência de periculum in mora.
Contestação oferecida pelo interessado, Banco do Brasil S.A. (e-STJ, fls.
269-290).
Informações prestadas pelo Tribunal reclamado (e-STJ, fls. 291-309).
Em parecer de lavra do Subprocurador-Geral da República Dr. Maurício
Vieira Bracks, o Ministério Público Federal opina pelo não conhecimento da presente
reclamação.
É o relatório.
VOTO
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE (RELATOR):
Cinge-se a controvérsia a definir se, no sistema processual civil vigente,
caracteriza usurpação de competência o exercício do juízo de admissibilidade em recurso
ordinário em mandado de segurança pelo Tribunal a quo.
De início, destaco a questão da admissibilidade desta reclamação,
porquanto, além da manifestação do Ministério Público Federal, há decisões recentes no
âmbito do STJ que reafirmam não ser esta a via adequada para impugnar decisões que
inadmitiram o recurso ordinário na origem. Nesse sentido: RCL. n. 35.503/SP, Rel.Min.
Benedito Gonçalves, de 30/5/2018; e RCL n. 35.113/DF, Rel. Min. Francisco Falcão, de
21/11/2017.
Essas decisões, entretanto, apenas reiteram os precedentes das três
Seções desta Corte Superior, erigidos sob o fundamento da inadmissibilidade de utilização
da reclamação constitucional como sucedâneo recursal. É o que se depreende das
ementas dos seguintes acórdãos:
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ORDINÁRIO. MANDADO DE
SEGURANÇA. RECLAMAÇÃO.
1. A reclamação não é via própria para atacar acórdão que nega
seguimento a recurso ordinário em mandado de segurança, no âmbito
do segundo grau, por ausência de preparo.
2. A competência originária e recursal do Superior Tribunal de Justiça
é de natureza fechada. Impossível de ser ampliada para propiciar
conhecimento de recurso ou ação originária não prevista na
Constituição Federal.
3. Agravo regimental improvido.
(AgRg na Rcl n. 552/SP, Rel. Min. José Delgado, Primeira Seção, DJ
21/9/1998, p. 41)
AGRAVO INTERNO. RECLAMAÇÃO. AFRONTA À DECISÃO DESTE
TRIBUNAL. INOCORRÊNCIA.
A reclamação oferecida perante esta Corte visa a preservar a
competência do Tribunal ou a garantir a autoridade de suas decisões
(artigos 105, "I", "f", da CF e 187 do RI/STJ), sendo inadmissível sua
utilização para atacar decisão de tribunal estadual que nega
seguimento a recurso ordinário em mandado de segurança, a qual
deveria ter sido objeto de agravo interno, cujo julgamento pelo órgão
colegiado ensejaria a interposição de recurso especial. Agravo a que se nega provimento.
(AgRg nos EDcl na Rcl n. 2.339/SP, Rel. Min. Castro Filho, Segunda
Seção, DJ 12/4/2007, p. 208)
PROCESSUAL CIVIL. RECLAMAÇÃO. PRETENSÃO DE
DESTRANCAMENTO DE RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE
SEGURANÇA INADMITIDO NO TRIBUNAL DE ORIGEM. NÃO
CABIMENTO DO REMÉDIO. DECISÃO PASSÍVEL DE RECURSO.
INVIABILIDADE DE RECLAMAÇÃO COMO SUCEDÂNEO RECURSAL.
1. É inviável a utilização da reclamação como sucedâneo de eventual
recurso, pois essa hipótese não se enquadra nos casos de cabimento
da reclamação, previstas no art. 13 da Lei n.º 8.038/90 e no art. 187
do Regimento Interno deste Tribunal, especificamente de preservar a
competência do Tribunal e/ou de garantir a autoridade das suas
decisões. Precedentes.
2. É descabida utilização da reclamação para veicular a pretensão de
destrancar recurso ordinário em mandado de segurança inadmitido
pelo Tribunal de origem, na medida em que tal provimento judicial é
impugnável via recurso.
3. Reclamação improcedente.
(Rcl n. 1.824/SP, Rel. Min. Laurita Vaz, Terceira Seção, DJe
7/10/2009)
Todavia, a admissibilidade da reclamação deve ser revista por esta Corte
Superior, uma vez que, no caso concreto, não se está diante de uma pretensão de
rediscussão dos fundamentos da decisão de inadmissibilidade nem de mera reforma de
suas conclusões. Com efeito, a presente reclamação deduz lide típica da ação
constitucional utilizada, na medida em que pretende a efetiva cassação de decisão
apontada como nula em virtude da apontada incompetência do Tribunal a quo.
Nesse viés, o cabimento da presente reclamação é indissociável do próprio
mérito da demanda, em que se debate a quem se atribui a competência para o julgamento
de admissibilidade do recurso ordinário.
Nos termos do art. 105, II, b, da Constituição Federal, o STJ é o órgão
competente para o julgamento de recursos ordinários interpostos contra acórdãos
denegatórios proferidos em mandado de segurança de competência originária dos
tribunais federais e estaduais. Todavia, o procedimento desses recursos no STJ não era
detalhado pela Lei n. 12.016/2009, que regula o mandado de segurança, tampouco pelo
CPC/1973.
Diante da omissão legislativa e observando a natureza jurídica do referido
recurso, que se identificava com a do recurso de apelação, porque ambos são consectários diretos do duplo grau de jurisdição, esta Corte Superior firmou o
entendimento de que ao recurso ordinário era aplicável, analogicamente, o procedimento
previsto no CPC/1973 para julgamento de apelações cíveis. Nessa trilha, caberia ao órgão
a quo, no recebimento dos recursos ordinários, o exame prévio da sua admissibilidade à
simetria do previsto no art. 518 do CPC/1973. Somente após a decisão pelo recebimento
do recurso é que os autos eram então remetidos ao STJ para julgamento de mérito.
Nesse sentido (sem destaques no original):
RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. IRRESIGNAÇÃO
INTERPOSTA CONTRA DECISÃO INTERLOCUTÓRIA.
NÃO-CABIMENTO SOB PENA DE SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA.
INDEFERIMENTO PARCIAL DE PEDIDO DE LIMINAR POSTULADO
COM A IMPETRAÇÃO. INEXISTÊNCIA DA ALEGADA TERATOLOGIA.
NÃO-CONHECIMENTO DO RECURSO ORDINÁRIO COM REMESSA
DOS AUTOS À ORIGEM PARA O JULGAMENTO DO MÉRITO DO
MANDAMUS.
1. Nos termos do art. 105, inc. II, letra b, da Constituição Federal,
compete ao Superior Tribunal de Justiça julgar, em sede de recurso
ordinário, os mandados de segurança decididos em única instância
pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do
Distrito Federal e Territórios, quando denegatória a decisão. Assim
sendo, não havendo ainda decisão de mérito, não há como conhecer
da irresignação, sob pena de supressão de instância.
2. Aplicam-se ao recurso ordinário em mandado de segurança,
quanto aos requisitos de admissibilidade e ao procedimento,
as regras do Código de Processo Civil relativas à apelação, recurso cabível contra decisão que extingue o processo (CPP, arts.
267 e 269 ? RISTJ, art. 247).
3. Não fora isso, apenas para argumentar, não há teratologia na
decisão colegiada atacada, uma vez que o eventual deferimento de
pedido de liminar formulado em sede de mandado de segurança está
condicionado, simultaneamente, à relevância do seu fundamento e à
ineficácia da medida quando do julgamento definitivo, pressupostos
ausentes na hipótese.
4. Com efeito, o deferimento parcial pelo Plenário do Tribunal a quo
da liminar reclamada no aludido writ, garantindo aos impetrantes a
disponibilidade dos rendimentos recebidos de pessoa jurídica a título
de verbas alimentícias, em valor correspondente aos do ano anterior,
declarados quando do ajuste anual do imposto de renda, afastou
eventual ilegalidade e/ou abuso constante no decisum objeto da
impetração, assegurando a eficácia da decisão a ser proferida quando
do julgamento do mérito do writ.
5. Recurso ordinário não conhecido, com o retorno dos autos a origem
para o julgamento do mérito da impetração.
(RMS n. 17.405/CE, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, DJ
26/9/2005, p. 407)
Contudo, o atual sistema processual, além de alterar o procedimento para processamento e julgamento das apelações, dispõe também de forma específica acerca
do processamento dos recursos ordinários nos arts. 1.027 e 1.028 do CPC/2015.
Segundo o novo regramento legal, o duplo grau de jurisdição não se sujeita
ao exame prévio de admissibilidade pelo órgão de origem. Isso porque o legislador, além
de eliminar a possibilidade de o juiz negar seguimento à apelação, foi expresso em
determinar a imediata remessa dos autos do recurso ordinário ao juízo ad quem. É o que
se depreende do art. 1.208, § 2º e 3º (sem destaques no original):
Art. 1.028. [...] § 2º O recurso previsto no art. 1.027, incisos I e II,
alínea “a” [os mandados de segurança decididos em única instância
pelos tribunais regionais federais ou pelos tribunais de justiça dos
Estados e do Distrito Federal e Territórios, quando denegatória a
decisão], deve ser interposto perante o tribunal de origem, cabendo
ao seu presidente ou vice-presidente determinar a intimação
do recorrido para, em 15 (quinze) dias, apresentar as
contrarrazões.
§ 3º Findo o prazo referido no § 2º, os autos serão remetidos ao
respectivo tribunal superior, independentemente de juízo de
admissibilidade.
Diante da disposição expressa e atual, não remanesce nenhuma dúvida
acerca da competência exclusiva desta Corte Superior para analisar o preenchimento dos
requisitos essenciais à admissibilidade do recurso ordinário, bem como para apreciação
de seu mérito. Nesse contexto, ao obstar a subida dos autos, sem competência negar
seguimento ao recurso interposto, o Tribunal de Justiça do Estado do Ceará acabou por
invadir a esfera de competência desta Corte Superior.
Com esses fundamentos, conheço da presente reclamação para julgá-la
procedente, cassando a decisão de admissibilidade do recurso ordinário, proferida nos
autos do Mandado de Segurança n. 0620480-78.2018.8.06.0000 e determinando sua
remessa imediata para esta Corte Superior, após intimado o recorrido para apresentar
contrarrazões.
É como voto.