RECURSO ESPECIAL Nº 1.920.332 - SP (2020/0183158-3)
RELATOR : MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE
RECORRENTE : SINDICATO DOS MOTORISTAS E SERVIDORES DA P.M.S.P
RECORRIDO : AUGUSTO OLIVEIRA DA SILVA
EMENTA
RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS
MATERIAIS E MORAIS AJUIZADA POR FILIADO EM DESFAVOR DE SINDICATO E DE
ADVOGADO. LEVANTAMENTO E APROPRIAÇÃO INDEVIDA DE QUANTIA POR PATRONO
EM DEMANDA JUDICIAL. CAUSÍDICO QUE PRESTA ASSISTÊNCIA JURÍDICA AOS
SINDICALIZADOS. RESPONSABILIDADE OBJETIVA E SOLIDÁRIA DA ENTIDADE SINDICAL
PELOS ATOS PRATICADOS PELO ADVOGADO, NO EXERCÍCIO PROFISSIONAL.
INCIDÊNCIA DOS ARTS. 932, III, E 933 DO CÓDIGO CIVIL. RECURSO ESPECIAL
CONHECIDO E DESPROVIDO.
1. O propósito recursal consiste em aferir a responsabilidade do sindicato pelos prejuízos
causados ao filiado em razão de levantamento e apropriação indevida de valores por
advogado indicado pela entidade sindical.
2. Nos termos dos arts. 932, III, e 933 do Código Civil, o empregador ou comitente responde
de forma objetiva pela conduta culposa ou dolosa que o empregado ou preposto pratica no
exercício de seu trabalho ou por ocasião deste.
2.1. Para a configuração da referida responsabilidade objetiva indireta, é prescindível a
existência de um contrato típico de trabalho, sendo suficiente que alguém preste serviço sob
o interesse e o comando de outrem.
3. Comprovada a relação jurídica entre o sindicato e o autor do dano – profissional este
colocado à disposição dos sindicalizados para prestar-lhes assistência jurídica, responde a
entidade sindical de forma objetiva e solidária pelos atos ilícitos praticados pelo advogado no
exercício do trabalho que lhe competir, ou em razão dele.
4. Recurso especial conhecido e desprovido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam
os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar
provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Moura Ribeiro, Nancy Andrighi, Paulo de Tarso Sanseverino
(Presidente) e Ricardo Villas Bôas Cueva votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília, 08 de junho de 2021 (data do julgamento).
MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE,
RELATÓRIO
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE:
Cuida-se de recurso especial interposto por Sindicato dos Motoristas e
Servidores da P. M. S. P., fundamentado na alínea a do permissivo constitucional.
Depreende-se dos autos que Augusto Oliveira da Silva propôs ação em
desfavor do sindicato recorrente e de Everton Ferreira, buscando a condenação dos réus à
restituição do montante levantado e retido indevidamente por seu ex-patrono e ao
pagamento de danos morais.
Na inicial, o autor alegou que, em 12/11/2012, ao se dirigir ao departamento
jurídico do Sindicato para obter informações sobre o andamento da ação judicial que os
sindicalizados haviam promovido contra a Prefeitura Municipal de São Paulo, por meio de
assistência jurídica do requerido, o advogado ora demandado solicitou que o autor
revogasse os poderes dos antigos patronos e assinasse nova procuração, ocasião em
que foi postulado o levantamento da quantia que lhe cabia no referido processo. Aduziu
que, em fevereiro de 2018, constatou, por meio da sua nova procuradora, que o valor foi
creditado diretamente na conta-corrente do corréu, mas nenhuma quantia lhe foi
repassada.
O Juízo de primeiro grau julgou parcialmente procedente o feito para
condenar solidariamente o sindicato e o advogado corréu ao pagamento de R$ 41.182,67
(quarenta e um mil, cento e oitenta e dois reais e sessenta e sete centavos), atualizados
monetariamente a partir do ajuizamento da ação e acrescidos de juros de mora desde a
citação, bem como de danos morais no importe de R$ 8.000,00 (oito mil reais).
Interpostas apelações pelas partes, a Trigésima Primeira Câmara de Direito
Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo negou provimento aos recursos do sindicato e
do autor e não conheceu do apelo do advogado corréu.
O acórdão está assim ementado (e-STJ, fls. 142-143):
APELAÇÕES AÇÃO DE COBRANÇA CUMULADA COM PEDIDO
INDENIZATÓRIO POR DANOS MORAIS SENTENÇA QUE JULGOU
PARCIALMENTE PROCEDENTES AS PRETENSÕES DO AUTOR,
CONDENANDO SOLIDARIAMENTE O SINDICATO E O CAUSÍDICO CORRÉUS A PAGAR-LHE R$ 41.182,67, CIFRA POR ESTE
LEVANTADA NOS AUTOS Nº 0441447-05.1993 E NÃO REPASSADA
AO MANDANTE, BEM COMO A INDENIZAR-LHE POR DANOS MORAIS
EM R$ 8.000,00, QUANTIAS A SEREM MONETARIAMENTE
CORRIGIDAS E ACRESCIDAS DE JUROS DE MORA APELO DO
ADVOGADO QUE NÃO SUPERA JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE, POR
HAVER DEIXADO TRANSCORRER “IN ALBIS” O PRAZO ASSINALADO
PARA SUPLEMENTAR O PREPARO, IMPONDO-SE O
RECONHECIMENTO DA DESERÇÃO INCONTROVERSO O INDEVIDO
APOSSAMENTO, PELO PATRONO INDICADO PELO SINDICATO AO
AUTOR PARA PRESTAR-LHE ASSISTÊNCIA JURÍDICA, DE CRÉDITO
A ESTE PERTENCENTE DEPOSITADO NOUTROS AUTOS EMBORA
O SINDICATO SE INDIGNE COM O RECONHECIMENTO DA
SOLIDARIEDADE PELOS PREJUÍZOS EXPERIMENTADOS PELO
REQUERENTE, FATO É QUE, AO RECOMENDAR AO SINDICALIZADO
OS SERVIÇOS ADVOCATÍCIOS PRESTADOS PELO REVEL,
ASSUMIU, PERANTE AQUELE, CORRESPONSABILIDADE PELA
INTEGRIDADE DA ATUAÇÃO PROFISSIONAL DESTE, POR FORÇA
DO QUE ESTABELECEM OS ARTIGOS 932, INCISO III, E 933 DO
CÓDIGO CIVIL. ENTIDADE ASSOCIATIVA QUE SE BENEFICIOU DO
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS ADVOCATÍCIOS E,
DADO O CARÁTER INSTITUCIONAL- PROTETIVO DO SINDICATO
PARA COM OS SEUS ASSOCIADOS, NÃO TEM LUGAR A
PRETENSÃO DE SE ISENTAR DE CORRESPONSABILIDADE PELAS
REPERCUSSÕES NEGATIVAS GERADAS PELA CONDUTA
ANTIÉTICA DO PROFISSIONAL QUE A ESTES CONFIA. NOUTROS
TERMOS, NA CONDIÇÃO DE COMITENTE NA PRESTAÇÃO DA
ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA, PATROCINANDO A CAUSA POR MEIO DE
PREPOSTOS SEUS, DEVE RESPONDER SOLIDARIAMENTE PELOS
PREJUÍZOS DECORRENTES DE DESÍDIA NO DEVER DE
FISCALIZAÇÃO DA RELAÇÃO DE MANDATO, DERIVADO DA
OBRIGAÇÃO GERAL DE ZELAR PELA CORRETA CONSECUÇÃO
DOS SERVIÇOS PRESTADOS A SEUS ASSOCIADOS, DIRETAMENTE
OU POR MEIO DE SEUS PREPOSTOS NO QUE TANGE ÀS AS
ARGUIÇÕES DEDUZIDAS NA INSURGÊNCIA DO AUTOR,
SINTETIZADAS NA TESE DE INSUFICIÊNCIA DO “QUANTUM”
ARBITRADO, JULGO ADEQUADA AOS PARÂMETROS DE
PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE A IMPORTÂNCIA ELEITA
NO PRIMEIRO GRAU DE JURISDIÇÃO, DE R$ 8.000,00 NEGO
PROVIMENTO AOS RECURSOS DO SINDICATO RÉU E DO AUTOR E
NÃO CONHEÇO DO APELO INTERPOSTO PELO ADVOGADO
CORRÉU.
Opostos embargos de declaração pelo sindicato, foram rejeitados (e-STJ,
fls. 159-164).
Daí a interposição do presente recurso especial (e-STJ, fls. 167-176), no
qual o Sindicato dos Motoristas e Servidores da P. M. S. P. alega violação dos arts. 932, III,
e 933 do Código Civil; e 32 da Lei n. 8.906/1994.
Sustenta, em síntese, que "não pode responder solidariamente com
pagamento da condenação fixada, pois não foi responsável pelo soerguimento dos valores
nos autos e sim o corréu Everton, sendo que falta a entidade sindical a qualidade de
atividade de escritório de advocacia" (e-STJ, fl. 171).
Afirma que "a indicação de um mero profissional para tutelar as ações dos
associados não pode originar uma obrigação civil que é inerente do advogado" (e-STJ, fl.
171).
Ressalta, por fim, que "não é empregador do advogado, o mesmo não é seu
serviçal e, outrossim, jamais agiu como preposto autorizado do sindicato, portanto, restou
claro e demonstrada a inexistência da responsabilidade solidária" (e-STJ, fl. 172).
Contrarrazões apresentadas às fls. 188-192 (e-STJ).
Em juízo prévio de admissibilidade, o Tribunal de origem inadmitiu o recurso
especial dando azo à interposição do AREsp n. 1.733.836-SP, o qual foi provido para
determinar sua reautuação.
É o relatório.
VOTO
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE (RELATOR):
Enfatiza-se, de início, que o recurso especial foi interposto contra decisão
publicada após a entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015, sendo analisados
os pressupostos de admissibilidade recursais à luz do regramento nele previsto
(Enunciado Administrativo n. 3/STJ).
O propósito recursal consiste em aferir a responsabilidade do sindicato pelos
prejuízos causados ao filiado em razão de levantamento e apropriação indevida de valores
por advogado indicado pela entidade sindical.
Segundo consta da inicial, o autor do presente feito, ora recorrido, promoveu
ação em desfavor da Prefeitura Municipal de São Paulo, por meio da assistência jurídica
do Sindicato dos Motoristas e Servidores da P. M. S. P., a qual tramita perante a Vara da
Fazenda Pública do Foro Central de São Paulo.
Ao se dirigir às dependências da entidade sindical, a fim de obter
informações acerca do andamento do feito, o demandante foi orientado pelo advogado
Everton Ferreira a revogar os poderes dos antigos patronos e assinar nova procuração,
conferindo-lhe poderes para atuar naquela demanda.
Entretanto, o referido causídico levantou o numerário que cabia ao autor no
referido processo, e não lhe repassou nenhuma quantia.
Diante do ocorrido, o autor ajuizou ação contra o Sindicato e o advogado, a
qual foi julgada parcialmente procedente para condenar solidariamente os réus ao
pagamento de R$ 41.182,67 (quarenta e um mil, cento e oitenta e dois reais e sessenta e
sete centavos), referentes à retenção indevida, e R$ 8.000,00 (oito mil reais) a título de
danos morais.
O fundamento utilizado pela Corte local para manter a condenação do
sindicato foi de que, "ao recomendar aos sindicalizados os serviços advocatícios
prestados pelo revel, assumiu, perante aquele, corresponsabilidade pela integridade da
atuação profissional deste, por força do que estabelecem os artigos 932, inciso III, e 933 do Código Civil" (e-STJ, fl. 147).
Feito esse breve resumo dos fatos, passo à análise da questão de fundo do
presente recurso especial.
De início, revela-se incontroverso nos autos que o sindicato recorrente
indicou o Dr. Everton Ferreira para prestar assistência jurídica ao sindicalizado, bem como
que o referido advogado se apropriou indevidamente de quantia que cabia apenas ao autor,
ora recorrido, nos autos do cumprimento de sentença de n. 0411447-05.1993.8.26.0053,
manejado contra a Prefeitura Municipal de São Paulo.
Aliás, estes fatos não foram sequer impugnados pelos réus em contestação.
Quanto à relação entre o patrono e o sindicato, a situação foi bem
esclarecida pelo Tribunal de origem, conforme se verifica dos seguintes trechos do
acórdão recorrido (e-STJ, fls. 147-148 - original sem grifo):
Em prosseguimento, embora o sindicato se indigne com o
reconhecimento da solidariedade pelos prejuízos experimentados pelo
requerente, fato é que, ao recomendar ao sindicalizado os serviços
advocatícios prestados pelo revel, assumiu, perante aquele,
corresponsabilidade pela integridade da atuação profissional deste,
por força do que estabelecem os artigos 932, inciso III, e 933 do
Código Civil.
Averígua-se que, ao tempo dos fatos, encontrava-se
estabelecida entre os réus verdadeira parceria, através da qual
os serviços advocatícios oferecidos pelo sindicato e prestados
pelo corréu consubstanciavam benefício aos funcionários
sindicalizados e importante atrativo para a sindicalização de
novos funcionários da categoria. O próprio instrumento de mandato na ocasião outorgado pelo autor
a Everton Ferreira para representá-lo naquela contenda do labor,
copiado a fls. 12, é expresso ao identificá-lo como “contratado
do SINDICATO DOS MOTORISTAS E SERVIDORES DA
PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO PAULO”, a evidenciar, assim, a
simbiose entre sua atuação naqueles autos e o serviço de
assistência jurídica prestado pela pessoa jurídica corré aos
seus sindicalizados. O cenário avistado, destarte, impede que o imbróglio em análise seja
apreendido como mero episódio esporádico, fruto de ocasional
prestação defeituosa de serviços, para os fins de afastar do sindicato
o dever de fiscalizar a regularidade da atuação dos profissionais que
elege para prestar assistência jurídica aos sindicalizados em questões
relacionadas ao labor.
Indubitavelmente o primeiro apelante se beneficiou do contrato de
prestação de serviços advocatícios e, dado o caráter
institucional-protetivo do sindicato para com os seus associados, não
tem lugar a pretensão de se isentar de corresponsabilidade pelas
repercussões negativas geradas pela conduta antiética do profissional que a estes confia.
Noutros termos, na condição de comitente na prestação da
assistência judiciária, patrocinando a causa por meio de
prepostos seus, deve responder solidariamente pelos
prejuízos decorrentes de desídia no dever de fiscalização da
relação de mandato, derivado da obrigação geral de zelar pela
correta consecução dos serviços prestados a seus associados,
diretamente ou por meio de seus prepostos. Sendo certa a apropriação indevida de crédito pertencente ao autor
pelo patrono indicado pelo sindicato, remanescendo incontroversos o
dano e o nexo de causalidade, e tendo sido evidenciado o status
de garante legal ostentado pela entidade representativa de
classe de trabalhadores pela atuação dos profissionais que
elege para prestar assistência jurídica, justificando adoção do
modelo jurídico da responsabilidade por fato de terceiro e,
assim, aferição objetiva de sua culpa, exsurge inexorável seu
dever solidário de reparar os efeitos danosos do ato ilícito.
Tal o quadro delineado, entendo que não assiste razão ao recorrente.
É certo que, nos termos do art. 32 do Estatuto da Ordem dos Advogados do
Brasil, Lei n. 8.906/1994, o advogado responde civilmente pelos atos que, no exercício da
profissão, praticar com dolo ou culpa.
Dessa forma, incontroversa a conduta dolosa do advogado constituído,
diante do levantamento de quantia depositada em favor do autor e da ausência de repasse
do montante ao credor, assegurado à vítima o direito de indenização.
Cinge-se a controvérsia, contudo, apenas quanto à existência, ou não, de
responsabilidade do sindicato recorrente pelos danos decorrentes do ato ilícito perpetuado
pelo advogado em desfavor do sindicalizado.
A responsabilidade civil, em princípio, é individual, ou seja, cada pessoa
responde por seus próprios atos (art. 942 do Código Civil). Entretanto, em certos casos – conforme leciona Rui Stoco, "para que justiça se faça, é necessário levar mais longe a
indagação, a saber, se é possível desbordar da pessoa causadora do prejuízo e alcançar
outra pessoa, à qual o agente esteja ligado por uma relação jurídica e, em consequência,
possa ela ser convocada a responder. Dessarte, a responsabilidade por fato de outrem
não ocorre sem que haja uma razão lógico-jurídica, nem indiscriminadamente" (Tratado de
responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. 10ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2014, p. 1.270).
No que diz respeito à responsabilidade civil por fato de terceiro, ensinam Elpídio Donizetti e Felipe Quintella:
Há casos em que o Direito estabelece a responsabilidade civil de uma
pessoa pelo fato de um terceiro, por haver uma relação entre essa
pessoa e o terceiro, que determina a transcendência da
responsabilidade.
A responsabilidade civil independente de culpa pelo fato de terceiro
também costuma ser denominada responsabilidade objetiva indireta,
justamente pelo fato de a lei determinar a responsabilidade de uma
pessoa, independentemente de culpa – por isso, objetiva –, pelo fato
de outra pessoa – por isso, indireta (Curso didático de direito civil. 6ª
ed. São Paulo: Atlas, 2017, p. 427).
Nesse particular, o art. 932 do Código Civil prevê alguns casos excepcionais
em que a pessoa deve suportar as consequências do fato de outrem. Vejamos:
Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil:
I - os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e
em sua companhia;
II - o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem
nas mesmas condições;
III - o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e
prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão
dele;
IV - os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde
se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus
hóspedes, moradores e educandos;
V - os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime,
até a concorrente quantia.
O art. 933 do mesmo diploma, por sua vez, preceitua que todos os
responsáveis designados no dispositivo anterior responderão pelo ato praticado pelos
terceiros, mesmo que não haja culpa, sendo a responsabilidade civil, portanto, objetiva e
solidária (art. 942, parágrafo único, do CC).
Por outro lado, ainda que a responsabilidade dos pais, tutores, curadores,
empregadores e etc seja objetiva, para a configuração do dever de indenizar destas
pessoas, é necessária a comprovação de que os filhos, tutelados, curatelados,
empregados e prepostos tenham agido com culpa ou dolo, conforme já decidido por esta
Corte Superior:
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE RESPONSABILIDADE CIVIL POR
FATO DE OUTREM (EMPREGADOR). ART. 932, II, CC/2002.
ACIDENTE DE TRÂNSITO CAUSADO POR PREPOSTO.
FALECIMENTO DO MARIDO. DANOS MATERIAIS E MORAIS. AÇÃO
PENAL. CAUSA IMPEDITIVA DA PRESCRIÇÃO. ART. 200 DO CC/2002. OCORRÊNCIA.
1. Impera a noção de independência entre as instâncias civil e
criminal, uma vez que o mesmo fato pode gerar, em tais esferas,
tutelas a diferentes bens jurídicos, acarretando níveis diversos de
intervenção. Nessa seara, o novo Código Civil previu dispositivo
inédito em seu art. 200, reconhecendo causa impeditiva da prescrição:
"quando a ação se originar de fato que deva ser apurado no juízo
criminal, não correrá a prescrição antes da respectiva sentença
definitiva".
2. Estabeleceu a norma, em prestígio à boa-fé, que o início do prazo
prescricional não decorre da violação do direito subjetivo em si, mas,
ao revés, a partir da definição por sentença, no juízo criminal, que
apure definitivamente o fato. A aplicação do art. 200 do Código Civil
tem valia quando houver relação de prejudicialidade entre as esferas
cível e penal - isto é, quando a conduta originar-se de fato também a
ser apurado no juízo criminal -, sendo fundamental a existência de
ação penal em curso (ou ao menos inquérito policial em trâmite).
3. Na hipótese, houve ação penal com condenação do motorista da
empresa ré, ora recorrida, à pena de 02 (dois) anos de detenção, no
regime aberto, além da suspensão da habilitação, por 06 (seis)
meses, como incurso no art. 302 do Código de Trânsito Brasileiro, c/c
art. 121, § 3°, do Código Penal, sendo que a causa petendi da
presente ação civil foi o ilícito penal advindo de conduta culposa do
motorista da empresa recorrida.
4. O novo Código Civil (art. 933), seguindo evolução
doutrinária, considera a responsabilidade civil por ato de
terceiro como sendo objetiva, aumentando sobejamente a
garantia da vítima. Malgrado a responsabilização objetiva do
empregador, esta só exsurgirá se, antes, for demonstrada a
culpa do empregado ou preposto, à exceção, por evidência, da
relação de consumo. 5. Assim, em sendo necessário - para o reconhecimento da
responsabilidade civil do patrão pelos atos do empregado - a
demonstração da culpa anterior por parte do causador direto do dano,
deverá, também, incidir a causa obstativa da prescrição (CC, art. 200)
no tocante à referida ação civil ex delicto, caso essa conduta do
preposto esteja também sendo apurada em processo criminal.
Dessarte, tendo o acidente de trânsito - com óbito da vítima - ocorrido
em 27/3/2003, o trânsito em julgado da ação penal contra o preposto
em 9/1/2006 e a ação de indenização por danos materiais e morais
proposta em 2/7/2007, não há falar em prescrição.
6. É firme a jurisprudência do STJ de que "a sentença penal
condenatória não constitui título executivo contra o responsável civil
pelos danos decorrentes do ilícito, que não fez parte da relação
jurídico-processual, podendo ser ajuizada contra ele ação, pelo
processo de conhecimento, tendente à obtenção do título a ser
executado" (REsp 343.917/MA, Rel. Ministro CASTRO FILHO,
TERCEIRA TURMA, julgado em 16/10/2003, DJ 03/11/2003, p. 315),
como ocorre no presente caso.
7. Recurso especial provido.
(REsp n. 1.135.988/SP, Relator o Ministro Luis Felipe Salomão,
Quarta Turma, julgado em 8/10/2013, DJe 17/10/2013 - original sem grifo)
Sob essa perspectiva, tem-se que o empregado ou preposto que pratica ato
ilícito no exercício de seu trabalho ou por ocasião deste, impõe ao seu empregador ou
comitente a responsabilidade objetiva indireta. Isso em razão do vínculo existente entre
ambos.
Em relação à responsabilidade dos empregadores ou comitantes, Flávio
Tartuce afirma que "a incidência do inciso III do art. 932 independe da existência de uma
relação de emprego ou de trabalho, bastando a presença de uma relação jurídica baseada
na confiança, denominada relação de pressuposição" (Manual de responsabilidade civil. São Paulo: Método, volume único, 2018, p. 403).
No mesmo sentido, ao comentar a responsabilidade prevista no art. 932, III,
do CC, ensina Daniel Carnacchioni que "há necessidade de relação entre o autor direto do
fato e o responsável, não necessariamente de emprego ou trabalho" (Manual de Direito
Civil. Salvador: JusPodivm, volume único, 2021, p. 919).
Nesse cenário, denota-se que o empregador ou comitente tem
responsabilidade objetiva pela conduta culposa ou dolosa que o empregado ou preposto
pratica no exercício de seu trabalho ou por ocasião deste, sendo prescindível, para o
reconhecimento do vínculo de preposição, que exista um contrato típico de trabalho entre
eles, sendo suficiente a relação de dependência ou que alguém preste serviço sob o
interesse e o comando de outrem.
Nesse sentido:
RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE DE TRABALHO.
FUNCIONÁRIO DE EMPRESA ATINGIDO POR DISPARO DE COLEGA
DE TRABALHO. VIGILANTE PRESTADOR DE SERVIÇO
TERCEIRIZADO. VINCULO DE PREPOSIÇÃO. RECONHECIMENTO.
CULPA PRESUMIDA DA PREPONENTE. INEXISTÊNCIA DE PROVA EM
CONTRÁRIO PELA RÉ. CULPA IN ELIGENDO E CULPA IN VIGILANDO.
RECURSO PROVIDO. APLICAÇÃO DO DIREITO À ESPÉCIE.
FIXAÇÃO DA CONDENAÇÃO.
I - Na linha da jurisprudência deste Tribunal, "para o reconhecimento
do
vínculo de preposição não é preciso que exista um contrato típico de
trabalho; é suficiente a relação de dependência ou que alguém preste
serviço sob o interesse e o comando de outrem".
II - Nos termos do enunciado nº 341 da súmula/STF, "é presumida a
culpa do patrão ou do comitente pelo ato culposo do empregado ou
preposto". III - Além de não ter a ré cuidado de afastar referida presunção, os
fatos
registrados no acórdão revelam a ocorrência de culpa in eligendo e in
vigilando.
(REsp n. 284.586/RJ, Relator o Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira,
Quarta Turma, julgado em 25/3/2003, DJ de 28/4/2003, p. 203)
RESPONSABILIDADE CIVIL. USINA. TRANSPORTE DE
TRABALHADORES RURAIS. MOTORISTA PRESTADOR DE SERVIÇO
TERCEIRIZADO. VÍNCULO DE PREPOSIÇÃO. RECONHECIMENTO. - Para o reconhecimento do vínculo de preposição, não é preciso que
exista um contrato típico de trabalho; é suficiente a relação de
dependência ou que alguém preste serviço sob o interesse e o
comando de outrem. Precedentes.
Recurso especial não conhecido.
(REsp n. 304.673/SP, Relator o Ministro Barros Monteiro, Quarta
Turma, julgado em 25/9/2001, DJ de 11/3/2002, p. 257)
Na espécie, ficou consignado no acórdão que o próprio instrumento de
mandato outorgado pelo autor ao Dr. Everton Ferreira, é expresso ao identificá-lo como
“contratado do Sindicato dos motoristas e servidores da prefeitura municipal de São
Paulo”, a evidenciar, assim, a simbiose entre sua atuação naqueles autos e o serviço de
assistência jurídica prestado pela pessoa jurídica ré aos seus sindicalizados.
Ademais, o causídico peticionava nos autos da demanda promovida pelos
sindicalizados em desfavor do ente público, em papel com timbre do sindicato ora
recorrente.
Constata-se, portanto, que as instâncias ordinárias, soberanas na análise
das provas, concluíram que o recorrente atuou na condição de comitente na prestação da
assistência judiciária ao sindicalizado, patrocinando a causa por meio de seus prepostos.
Para Arnaldo Rizzardo, o termo comitente, empregado no inciso III do art.
932, significa a pessoa que dá ordens e instruções a empregado, preposto ou serviçais
(Responsabilidade civil. 8ª. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019, p. 255).
Dessa forma, sendo incontroverso que os danos causados ao autor foram
decorrentes do ato ilícito perpetrado por profissional, não apenas indicado, mas que
mantinha relação jurídica com o sindicato, a fim de atuar na defesa dos interesses de seus
associados, de rigor a aplicação dos arts. 932, III, e 933 do Código Civil.
Ainda que pela sistemática do atual Código Civil não se exija que os
responsáveis descritos no art. 932 tenham agido com culpa na escolha (in iligendo) ou na fiscalização (in vigilando), é certo que, no caso concreto, o ora recorrente, em observância
ao princípio da boa-fé objetiva – que exige de entidade sindical uma maior cautela na
escolha dos profissionais que atuam na defesa dos interesses de seus associados, atraiu
para si a responsabilidade pela contratação do advogado responsável pela condução do
processo.
Outrossim, diante do vínculo de confiança existente entre o sindicato e o
sindicalizado, notadamente em relação ao profissional indicado por aquele, o insurgente
também possuía o dever de fiscalizar e acompanhar os atos praticados pelo advogado
corréu.
Essa é a compreensão que se extrai da lição de Sérgio Cavalhieri Filho:
A chamada responsabilidade por fato de outrem - expressão originária
francesa - é responsabilidade por fato próprio omissivo, porquanto as
pessoas que respondem a esse título terão sempre concorrido para o
dano por falta de cuidado ou vigilância. Assim, não muito próprio falar
em fato de outrem. O ato do autor material do dano é apenas a causa
imediata, sendo a omissão daquele que tem o dever de guarda ou
vigilância a causa mediata, que nem por isso deixa de ser causa
eficiente.
[...]
Em apertada síntese, a responsabilidade pelo fato de outrem
constitui-se pela infração do dever de vigilância. Não se trata, em
outras palavras, de responsabilidade por fato alheio, mas por fato
próprio decorrente da violação do dever de vigilância (Programa de
responsabilidade civil. 11ª ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 236).
Em face disso, configurada a relação jurídica entre o sindicato e o autor do
dano – profissional este colocado à disposição dos sindicalizados para prestar-lhes
assistência jurídica, responde a entidade sindical de forma objetiva e solidária pelos atos
ilícitos praticados pelo advogado no exercício do trabalho que lhe competir, ou em razão
dele (arts. 932, III, e 933 do Código Civil).
Ante o exposto, conheço do recurso especial e nego-lhe provimento.
Nos termos do art. 85, § 11, do CPC/2015, majoro a verba honorária em 3%
sobre o valor da condenação, a ser paga em favor dos advogados do autor, ora recorrido.
É como voto.
CERTIDÃO DE JULGAMENTO
TERCEIRA TURMA
Número Registro: 2020/0183158-3 PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.920.332 / SP
Números Origem: 1075841-48.2018.8.26.0100 10758414820188260100
PAUTA: 08/06/2021 JULGADO: 08/06/2021
Relator
Exmo. Sr. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. DURVAL TADEU GUIMARÃES
Secretária
Bela. MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA
AUTUAÇÃO
RECORRENTE : SINDICATO DOS MOTORISTAS E SERVIDORES DA P.M.S.P
ADVOGADO : ALEXANDRE ÂNGELO DO BOMFIM - SP202713
RECORRIDO : AUGUSTO OLIVEIRA DA SILVA
ADVOGADO : CRISTINA DA COSTA BARROS - SP259651
INTERES. : EVERTON FERREIRA
ADVOGADO : EVERTON FERREIRA - SP258919
ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Obrigações - Espécies de Contratos - Mandato
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na
sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A Terceira Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso especial, nos termos
do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a).
Os Srs. Ministros Moura Ribeiro, Nancy Andrighi, Paulo de Tarso Sanseverino
(Presidente) e Ricardo Villas Bôas Cueva votaram com o Sr. Ministro Relator.