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20 de junho de 2021

Os tribunais podem, diante do recurso de apelação, aplicar a técnica do julgamento antecipado parcial do mérito

 Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/06/info-696-stj.pdf


APELAÇÃO - Os tribunais podem, diante do recurso de apelação, aplicar a técnica do julgamento antecipado parcial do mérito 

Art. 356. O juiz decidirá parcialmente o mérito quando um ou mais dos pedidos formulados ou parcela deles: I - mostrar-se incontroverso; II - estiver em condições de imediato julgamento, nos termos do art. 355. Situação hipotética: João foi vítima de um acidente de carro. Ele ajuizou ação de indenização por danos morais e materiais contra a empresa causadora. O juiz condenou a ré a pagar R$ 50 mil de indenização por danos morais. Por outro lado, negou o pedido para que a empresa pagasse pensão mensal vitalícia ao autor em razão da perda da capacidade laborativa. O pedido foi indeferido mesmo sem ter sido realizada perícia médica. Tanto João como a empresa interpuseram apelação. O Tribunal de Justiça, ao julgar o recurso: a) manteve a condenação por danos morais; b) quanto ao pedido de fixação de pensão por redução da capacidade laborativa, o TJ entendeu que as provas produzidas eram insuficientes e afirmou ser necessária a produção de perícia. Em razão disso, com fundamento no art. 356 do CPC/2015, o TJ apenas anulou a sentença nesse tópico, determinando o retorno dos autos à origem para a complementação da prova. O STJ afirmou que isso era possível. STJ. 3ª Turma. REsp 1.845.542/PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 11/05/2021 (Info 696). 

Julgamento PARCIAL antecipado do mérito 

Suponhamos que o autor tenha ajuizado ação formulando dois pedidos. Após a fase postulatória e antes de entrar na fase instrutória, o juiz pode constatar o seguinte: 

• para eu decidir o pedido 1, não é necessária a produção de outras provas (os documentos juntados já são suficientes); 

• no entanto, para resolver o pedido 2, é indispensável a realização de outras provas (ex: perícia). 

Diante desse cenário, o CPC/2015 autoriza que o magistrado faça o julgamento parcial antecipado do mérito, ou seja, que ele decida desde logo o pedido que estiver em condições de imediato julgamento e continue o processo somente quanto ao outro pedido que necessita de mais provas. Essa possibilidade está prevista no art. 356 do CPC/2015: 

Art. 356. O juiz decidirá parcialmente o mérito quando um ou mais dos pedidos formulados ou parcela deles: I - mostrar-se incontroverso; II - estiver em condições de imediato julgamento, nos termos do art. 355. 

O julgamento antecipado do mérito é uma técnica de abreviamento de parcela do processo (DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Vol. I. 18ª ed. Salvador: JusPodivm, 2016, p. 699). O art. 356 quebra a regra da unicidade da sentença, o que significa dizer que o mérito da causa poderá ser cindido e examinado em duas ou mais decisões prolatadas no curso do processo. Nas palavras da Min. Nancy Andrighi: “Esse preceito legal representa, portanto, o abandono do dogma da unicidade da sentença. Na prática, significa dizer que o mérito da causa poderá ser cindido e examinado em duas ou mais decisões prolatadas no curso do processo.” 

A decisão que julga parcialmente o mérito, nos termos do art. 356, é classificada como decisão interlocutória ou sentença? Qual é o recurso cabível que pode ser interposto pela parte prejudicada? Decisão interlocutória. Trata-se de uma decisão interlocutória de mérito. A decisão proferida com base no art. 356 é impugnável por agravo de instrumento: 

Art. 356 (...) § 5º A decisão proferida com base neste artigo é impugnável por agravo de instrumento. 

No mesmo sentido é o art. 1.015, II, do CPC: 

Art. 1.015. Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre: (...) II - mérito do processo; 

A decisão interlocutória que julga parcialmente o mérito da demanda é proferida com base em cognição exauriente e, ao transitar em julgado, produz coisa julgada material (art. 356, § 3º, do CPC/2015). 

julgamento antecipado do mérito X julgamento PARCIAL antecipado do mérito 

Julgamento antecipado do mérito (art. 355) 

Ocorre quando, depois da fase postulatória, o juiz verificar que já existem nos autos elementos suficientes para o julgamento do mérito de todos os pedidos formulados, sem a necessidade de produção de outras provas.

Haverá o julgamento de todos os pedidos conjuntamente.

Art. 355. O juiz julgará antecipadamente o pedido, proferindo sentença com resolução de mérito, quando: I - não houver necessidade de produção de outras provas; II - o réu for revel, ocorrer o efeito previsto no art. 344 e não houver requerimento de prova, na forma do art. 349.

Não é nenhuma novidade do CPC/2015. Já existia no CPC/1973.


Julgamento PARCIAL antecipado do mérito (art. 356) 

 Ocorre quando, depois da fase postulatória, o juiz verificar que: • um ou mais pedidos já podem ser julgados imediatamente; e • um ou mais pedidos ainda precisam de instrução probatória para serem resolvidos. 

Diante desse cenário, o julgamento do mérito dos pedidos será dividido em momentos diferentes. • o pedido que estiver pronto, será julgado logo; • o pedido que ainda precisar ser instruído, será apreciado posteriormente. 

 Art. 356. O juiz decidirá parcialmente o mérito quando um ou mais dos pedidos formulados ou parcela deles: I - mostrar-se incontroverso; II - estiver em condições de imediato julgamento, nos termos do art. 355. 

Trata-se de uma novidade do CPC/2015. No CPC/1973 não era permitido o julgamento parcial de mérito. 

Esse tema tem sido muito cobrado em provas: 

 (Prefeitura de Senador Canedo/GO – Procurador Municipal 2019) Sobre o julgamento parcial de mérito, é correto afirmar: O juiz decidirá parcialmente o mérito quando um ou mais dos pedidos formulados ou parcela deles mostrar-se incontroverso. (correta) 

 (Prefeitura de São José do Rio Preto/SP – Procurado Municipal 2019 – Vunesp) O juiz decidirá parcialmente o mérito quando um ou mais dos pedidos formulados ou parcela deles se mostrar incontroverso e não houver necessidade de produção de outras provas. (correta) 

 (Câmara de Vinhedo/PR – Procurador Jurídico 2020) A liquidação e o cumprimento da decisão que julgar parcialmente o mérito poderão ser processados em autos suplementares, a requerimento da parte ou a critério do juiz. (correta) 

 (Juiz TJ/RJ 2019 Vunesp) No que diz respeito ao julgamento antecipado parcial de mérito, é correto afirmar que o respectivo pronunciamento judicial pode ser executado, independentemente de caução, ainda que esteja pendente de julgamento recurso contra ele interposto. (correta). 

 (Procurador PGE/AM 2016 CESPE) Cabe recurso de apelação contra julgamento antecipado parcial de mérito proferido sobre matéria incontroversa. (incorreta). 

 (Promotor MPE/SC 2016) O novo Código de Processo Civil prevê expressamente a possibilidade de julgamento antecipado total e parcial do mérito. Enquanto o provimento judicial de julgamento imediato total de mérito é uma sentença impugnável por apelação, a decisão de julgamento antecipado parcial do mérito tem natureza interlocutória, impugnável por agravo de instrumento. (correta) 

 (Câmara de Sumaré/SP – Procurador Jurídico 2017 Vunesp) Havendo julgamento antecipado parcial do mérito, o recurso cabível para a parte interessada é: Agravo de instrumento (correta). 

Feita essa breve revisão, imagine agora a seguinte situação hipotética: 

João foi vítima de um acidente de carro causado por motorista da empresa “X”. Ele ajuizou ação de indenização por danos morais e materiais contra a empresa. O juiz condenou a ré a pagar R$ 50 mil de indenização por danos morais. Por outro lado, o magistrado negou o pedido para que a empresa pagasse pensão mensal vitalícia ao autor em razão da perda da capacidade laborativa. O pedido foi indeferido mesmo sem ter sido realizada perícia para se atestar a alegada perda da capacidade laborativa. Tanto João como a empresa interpuseram apelação. O Tribunal de Justiça, ao julgar o recurso: 

• manteve a condenação por danos morais; 

• quanto ao pedido de fixação de pensão por redução da capacidade laborativa, o TJ entendeu que as provas produzidas eram insuficientes e afirmou ser necessária a produção de perícia. Em razão disso, com fundamento no art. 356 do CPC/2015, o TJ apenas anulou a sentença nesse tópico, determinando o retorno dos autos à origem para a complementação da prova. A empresa interpôs recurso especial alegando que o TJ, ao julgar uma apelação, não pode aplicar o art. 356 porque esse dispositivo deve ficar restrito ao juízo de 1ª instância. 

Agiu corretamente o TJ neste caso? O Tribunal, no julgamento de recurso de apelação, pode valer-se da norma do art. 356 do CPC/2015? SIM. 

Os tribunais podem, diante do recurso de apelação, aplicar a técnica do julgamento antecipado parcial do mérito. STJ. 3ª Turma. REsp 1845542/PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 11/05/2021 (Info 696). 

O art. 356, caput, do CPC/2015, prescreve que “o juiz decidirá parcialmente o mérito” e o § 5º desse dispositivo estabelece que “a decisão proferida com base neste artigo é impugnável por agravo de instrumento”. Diante disso, caso se analisasse o tema exclusivamente sob a ótica da literalidade da norma, a conclusão seria a de que a técnica do julgamento antecipado do mérito só poderia ser aplicada no primeiro grau de jurisdição. No entanto, é necessário fazer uma interpretação sistemática e finalística, conjugando o art. 356 com o § 3º do art. 1.013 do CPC/2015. O art. 1.013, § 3º e § 4º, do CPC/2015 trata sobre a teoria da causa madura, nos seguintes termos: 

Art. 1.013. (...) § 3º Se o processo estiver em condições de imediato julgamento, o tribunal deve decidir desde logo o mérito quando: I - reformar sentença fundada no art. 485; II - decretar a nulidade da sentença por não ser ela congruente com os limites do pedido ou da causa de pedir; III - constatar a omissão no exame de um dos pedidos, hipótese em que poderá julgá-lo; IV - decretar a nulidade de sentença por falta de fundamentação. § 4º Quando reformar sentença que reconheça a decadência ou a prescrição, o tribunal, se possível, julgará o mérito, examinando as demais questões, sem determinar o retorno do processo ao juízo de primeiro grau. 

Assim, congregando-se a teoria da causa madura e a técnica do julgamento antecipado parcial do mérito, infere-se ser mais coerente com o sistema possibilitar que o tribunal casse a sentença apenas parcialmente, para determinar que o juízo de primeiro grau dê prosseguimento ao processo com relação ao pedido de pensionamento, e julgue imediatamente, no mérito, o pedido de danos morais, confirmando a sentença. A cisão do julgamento, em situações como a narrada, viabiliza a prestação, desde logo, de parte da tutela jurisdicional e está em consonância com os princípios da eficiência, da razoável duração do processo e da economia processual. Os pressupostos para utilização da técnica do julgamento antecipado parcial do mérito estão preenchidos: 1) no caso, os pedidos são autônomos e independentes. Isso porque se a prova posteriormente produzida evidenciar a ausência da perda de capacidade laboral, isso não influenciará no pedido já julgado; 2) o TJ concluiu que apenas um dos pedidos não estava pronto para julgamento imediato. 

No caso concreto, o Tribunal anulou parte da sentença e determinou que a produção da prova fosse realizada em 1ª instância. Poderia o próprio tribunal produzir a prova? 

SIM. Se o tribunal considerar insuficiente o conjunto probatório, o CPC prevê a possibilidade de a Corte determinar a sua complementação mediante a conversão do julgamento em diligência, nos termos do art. 932, I e art. 938, § 3º: 

Art. 932. Incumbe ao relator: I - dirigir e ordenar o processo no tribunal, inclusive em relação à produção de prova, bem como, quando for o caso, homologar autocomposição das partes; 

Art. 938. A questão preliminar suscitada no julgamento será decidida antes do mérito, deste não se conhecendo caso seja incompatível com a decisão. (...) § 3º Reconhecida a necessidade de produção de prova, o relator converterá o julgamento em diligência, que se realizará no tribunal ou em primeiro grau de jurisdição, decidindo-se o recurso após a conclusão da instrução. 

Na prática, contudo, é incomum os tribunais utilizarem essa previsão normativa. O que se vê mais no dia a dia forense é o tribunal anular a sentença e remeter os autos ao juízo de origem para que realize a produção das provas. 

Resumindo 

O Tribunal de 2ª instância, ao julgar recurso de apelação, pode aplicar a técnica do julgamento antecipado parcial do mérito. Essa possibilidade encontra alicerce na teoria da causa madura, no fato de que a anulação dos atos processuais é a ultima ratio, no confinamento da nulidade (art. 281 do CPC/2015, segunda parte) e em princípios que orientam o processo civil, nomeadamente, da razoável duração do processo, da eficiência e da economia processual. 

13 de maio de 2021

Efeitos da Apelação: Suspensivo, Devolutivo (Teoria da Causa Madura) e Regressivo

Apelação: Formalidades - art. 1010, CPC

Vícios impugnáveis na apelação e teoria da causa madura

REsp 1.909.451 e o efeito translativo na apelação

REsp 1.909.451-SP e o efeito devolutivo da Apelação

Apelação: Interposição - Procedimento bifásico e Providências que o juízo de 1º grau deve adotar

17 de abril de 2021

RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. CPC/2015. ART. 1.013. APELAÇÃO. EFEITO DEVOLUTIVO. EXTENSÃO DA DEVOLUTIVIDADE DETERMINADA PELO PEDIDO RECURSAL. CAPÍTULO NÃO IMPUGNADO. TRÂNSITO EM JULGADO. PROIBIÇÃO DE REFORMATIO IN PEJUS. CONTRADITÓRIO. INDISPENSABILIDADE. NÃO ACEITAÇÃO PELO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO DA "DECISÃO-SURPRESA".

RECURSO ESPECIAL Nº 1.909.451 - SP (2019/0356294-1) 

RELATOR : MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO 

RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. CPC/2015. ART. 1.013. APELAÇÃO. EFEITO DEVOLUTIVO. EXTENSÃO DA DEVOLUTIVIDADE DETERMINADA PELO PEDIDO RECURSAL. CAPÍTULO NÃO IMPUGNADO. TRÂNSITO EM JULGADO. PROIBIÇÃO DE REFORMATIO IN PEJUS. CONTRADITÓRIO. INDISPENSABILIDADE. NÃO ACEITAÇÃO PELO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO DA "DECISÃO-SURPRESA". 

1. A apelação é interposta contra sentença, podendo compreender todos ou apenas alguns capítulos da decisão judicial recorrida, a depender da delimitação apresentada pelo recorrente em sua petição, que vincula a atuação do órgão ad quem na solução do mérito recursal. 

2. O efeito devolutivo da apelação define o que deverá ser analisado pelo órgão recursal. O "tamanho" dessa devolução se definirá por duas variáveis: sua extensão e sua profundidade. A extensão do efeito devolutivo é exatamente a medida daquilo que se submete, por força do recurso, ao julgamento do órgão ad quem. 

3. No âmbito da devolução, o tribunal poderá apreciar todas as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que não tenham sido solucionadas pela sentença recorrida, mas a extensão do que será analisado é definida pelo pedido do recorrente. Em seu julgamento, o acórdão deverá limitar-se a acolher ou rejeitar o que lhe for requerido pelo apelante, para que não haja ofensa aos princípios da disponibilidade da tutela jurisdicional e o da adstrição do julgamento ao pedido. 

4. O diploma processual civil de 2015 é suficientemente claro ao estabelecer que "a apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada", cabendo ao órgão ad quem apreciar e julgar "todas as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que não tenham sido solucionadas, desde que relativas ao capítulo impugnado" (§ 1º do art. 1.013 do CPC/2015). 

5. Sobre o capítulo não impugnado pelo adversário do apelante, podendo a reforma eventualmente significar prejuízo ao recorrente, incide a coisa julgada. Assim, não há pensar-se em reformatio in pejus, já que qualquer providência dessa natureza esbarraria na res iudicata. 

6. Ao tribunal será permitido julgar o recurso, decidindo, desde logo, o mérito da causa, sem necessidade de requisitar ao juízo de primeiro grau manifestação acerca das questões. Considera-se o processo em condições de imediato julgamento apenas se ambas as partes tiveram oportunidade adequada de debater a questão de mérito que será analisada pelo tribunal. 

7. A utilização pelo juiz de elementos estranhos ao que se debateu no processo produz o que a doutrina e os tribunais, especialmente os europeus, chamam de "decisão-surpresa", considerada inadmissível, tendo em conta a compreensão atual do contraditório. 

8. Recurso especial provido. 

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos, os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça acordam, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Raul Araújo, Maria Isabel Gallotti e Antonio Carlos Ferreira votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Marco Buzzi. Sustentou oralmente o Dr. EMANUEL ZINSLY SAMPAIO CAMARGO, pela parte RECORRENTE: GUSTAVO AUGUSTO KEUSCH ALBANO NOGUEIRA E OUTROS. 

Brasília (DF), 23 de março de 2021(Data do Julgamento) 

RELATÓRIO 

O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO: 

1. CONDOMÍNIO EDIFÍCIO GARAGEM IMERI ajuizou ação de cobrança em face de JOSÉ PERCIVAL ALBANO NOGUEIRA e NORMA LIDIA KEUSCH ALBANO NOGUEIRA para o recebimento das despesas e contribuições condominiais, no valor de R$ 23.940,86 (vinte e três mil, novecentos e quarenta reais e oitenta e seis centavos), referentes a um box de garagem de propriedade dos réus. Em razão do falecimento do primeiro demandado (fl. 99), o Espólio de José Percival Albano Nogueira foi incluído no polo passivo da demanda (fl. 107), assim como seus herdeiros. 

Ao julgar o pedido, o sentenciante de piso reconheceu, por primeiro, a ilegitimidade passiva dos herdeiros, filhos do falecido, "posto que conforme às fls. 44/45, o Box n. 142-A foi transmitido por usufruto a JOSÉ PERCIVAL ALBANO NOGUEIRA e NORMA LIDIA KEUSCH ALBANO NOGUEIRA" (fl. 224), sua viúva. Outrossim, assinalou que apenas o ESPÓLIO DE JOSÉ PERCIVAL ALBANO NOGUEIRA e NORMA LIDIA KEUSCH ALBANO NOGUEIRA seriam partes legítimas para a ação de cobrança. Julgou parcialmente procedente o pedido, observando a prescrição das parcelas da dívida vencidas antes de 16.3.2007. 

JOSÉ PERCIVAL ALBANO NOGUEIRA JUNIOR, VERA CECÍLIA PRADO ALBANO NOGUEIRA PERRONI, GUSTAVO AUGUSTO KEUSCH ALBANO NOGUEIRA, PRISCILA HELENA KEUSCH ALBANO NOGUEIRA FILETTI e GUILHERME PERCIVAL KEUSCH ALBANO NOGUEIRA, herdeiros do ESPÓLIO DE JOSÉ PERCIVAL ALBANO, interpuseram apelação (fls. 255-262) pretendendo a fixação de honorários em desfavor do Condomínio autor da ação. Na mesma oportunidade impugnaram a condenação do ESPÓLIO DE JOSÉ PERCIVAL ALBANO NOGUEIRA, ao argumento, em síntese, de não haver responsabilidade pelo débito condominial, uma vez que José Percival e Norma Lidia nunca fizeram uso do imóvel. Concluíram pela caracterização do abandono do imóvel, nos termos do art. 1275 do CC, o que, por sua vez, teria acarretado a perda da propriedade do Box de Garagem. Alegaram que Norma Lidia Keusch Albano Nogueira faleceu em meados de 1990 e, portanto, os Espólios não poderiam ser condenados ao pagamento de débitos posteriores ao falecimento dos titulares do usufruto do bem, já que a morte dos usufrutuários tem o condão de extinguir o usufruto. 

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo julgou os recursos (fls. 342-350) em acórdão cuja ementa se reproduz abaixo: 

"- Cobrança de despesas condominiais - Se o apelante, intimado a realizar o recolhimento do preparo, não o faz, no prazo de cinco dias, aplica-se a pena de deserção. - Condenação do espólio de José Percival Albano Nogueira e do de Norma Lidia Keusch Albano Nogueira ao pagamento das despesas condominiais em atraso - Inadmissibilidade - Anterior substituição processual do espólio pela viúva e herdeiros filhos, bem como ausência de citação de Norma ou de seu espólio - Sentença anulada - Julgamento nos termos do § 3º do art. 1013 do CPC. - Tem responsabilidade, pelo débito, o proprietário do imóvel sobre o qual incidem as despesas condominiais, diante do caráter propter rem da obrigação - Corréus falecidos eram meros usufrutuários do bem - Responsabilidade apenas dos detentores da nua propriedade - Extinção do processo, sem exame do mérito, em relação a Norma, bem como à viúva e aos demais herdeiros filhos de José Percival. - Recurso do corréu Rodrigo não conhecido e, de ofício, anulada a sentença e, nos termos do inciso II, § 3º, do art. 1.013 do CPC, julgado extinto o processo, sem exame do mérito, em relação aos corréus Maria Helena, José Percival, Vera, Rodrigo e Norma, bem como julgado parcialmente procedente o pedido quanto aos corréus Gustavo, Guilherme e Priscila". 

Opostos embargos de declaração por GUSTAVO ALBANO NOGUEIRA, PRISCILA HELENA ALBANO NOGUEIRA FILETTI e GUILHERME PERCIVAL NOGUEIRA, foram rejeitados (fls. 364-368). Os recorrentes foram os herdeiros, cuja responsabilidade pelo débito condominial fora reconhecida pelo acórdão que julgou a apelação. 

Os embargantes interpuseram recurso especial com fundamento na alínea "a" do permissivo constitucional, alegando violação dos arts. 1.275, III, 1.276 e 1.403, I, todos do CC e arts. 86 e 1013, caput do CPC. 

Asseveram que o acórdão recorrido, ao promover o julgamento de mérito da causa, após a anulação da sentença, acabou por prejudicar a situação dos ora recorrentes, violando o disposto pelo art. 1.013, caput, do CPC, caracterizando reformatio in pejus. 

Argumentam que o art. 1.013, caput, do CPC disciplina que a apelação devolve o conhecimento de toda a matéria “impugnada" e, consequentemente, o que não houver sido impugnado não será devolvido à análise e julgamento pelo Tribunal recursal. 

Asseveram que a sentença extinguiu o feito em relação aos recorrentes e demais corréus, condenando exclusivamente os Espólios de JOSE PERCIVAL ALBANO NOGUEIRA e NORMA LIDIA KEUSCH ALBANO NOGUEIRA e que o recurso de apelação interposto objetivava o afastamento da responsabilidade apenas dos Espólios, porque os reflexos desfavoráveis da decisão apelada repercutiriam sobre seus interesses, tendo em vista a qualidade de herdeiros que possuem. 

Salientam que, pela sentença, haviam sido excluídos do feito, por ilegitimidade passiva, e, após o julgamento da apelação, mesmo sem a interposição de recurso pelo Condomínio, passaram a ser os integrais responsáveis pelo pagamento do débito discutido, matéria que nem sequer teria sido tratada na apelação por eles interposta. 

Defendem, ademais, a impossibilidade de serem responsabilizados pelas despesas condominiais do box de garagem, em razão do evidente “abandono” e falta de interesse no imóvel por parte dos ora recorrentes. 

Alegam que, como nu-proprietários, nunca tiveram conhecimento nem exerceram posse, disposição ou qualquer outro direito sobre aquele bem e que o abandono, nos termos do art. 1.275 do CC, é hipótese de extinção do direito de propriedade, afastando, por consequência, a responsabilidade pelo custeio dos débitos propter rem, na hipótese, das despesas condominiais. 

Contrarrazões apresentadas às fls. 390-392. 

Após a decisão de inadmissão do recurso especial (fls. 394-395), os ora recorrentes interpuseram agravo em recurso especial (fls. 407-417). 

Em sessão de julgamento realizada em 1º.12.2020, esta colenda Turma, por unanimidade, acolheu os embargos de declaração opostos pelos ora recorrentes (fls. 490-495), para converter o agravo em recurso especial (fls. 510-511). 

É o relatório.

VOTO 

O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator): 

2. A principal controvérsia deste recurso consiste na definição da extensão do efeito devolutivo da apelação, na sistemática inaugurada pelo Código de Processo Civil de 2015, com base na interpretação do art. 1.013 daquele diploma legal. 

Para melhor visualização do debate, transcrevo abaixo o dispositivo mencionado: 

Art. 1.013. A apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada. 

§ 1º Serão, porém, objeto de apreciação e julgamento pelo tribunal todas as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que não tenham sido solucionadas, desde que relativas ao capítulo impugnado. 

§ 2º Quando o pedido ou a defesa tiver mais de um fundamento e o juiz acolher apenas um deles, a apelação devolverá ao tribunal o conhecimento dos demais. 

§ 3º Se o processo estiver em condições de imediato julgamento, o tribunal deve decidir desde logo o mérito quando: 

I - reformar sentença fundada no art. 485; 

II - decretar a nulidade da sentença por não ser ela congruente com os limites do pedido ou da causa de pedir; 

III - constatar a omissão no exame de um dos pedidos, hipótese em que poderá julgá-lo; 

IV - decretar a nulidade de sentença por falta de fundamentação. 

§ 4º Quando reformar sentença que reconheça a decadência ou a prescrição, o tribunal, se possível, julgará o mérito, examinando as demais questões, sem determinar o retorno do processo ao juízo de primeiro grau. 

§ 5º O capítulo da sentença que confirma, concede ou revoga a tutela provisória é impugnável na apelação. 

Na hipótese, os recorrentes alegam que o acórdão recorrido, após anular a sentença e promover o julgamento de mérito da causa, acabou por prejudicá-los, violando o disposto no art. 1.013, caput, do CPC, proferindo decisão que caracterizou evidente reformatio in pejus. 

Argumentam que o dispositivo disciplina que a apelação devolve ao órgão ad quem o conhecimento de toda a matéria "impugnada" e, consequentemente, o que não houver sido impugnado não será devolvido à análise e julgamento pelo Tribunal recursal. 

Esclarecem que, em relação aos recorrentes, houve extinção do feito pela sentença, sendo os espólios de JOSE PERCIVAL ALBANO NOGUEIRA e NORMA LIDIA KEUSCH ALBANO NOGUEIRA os únicos condenados ao pagamento da dívida objeto da ação de cobrança originária. Acrescentam que interpuseram o recurso de apelação apenas para que fosse afastada a responsabilidade dos espólios, porque a decisão que os condenou ao pagamento da dívida repercutiria sobre seus interesses, tendo em vista a qualidade de herdeiros que possuem. 

Nessa linha, reiteraram que, pela sentença, haviam sido excluídos do feito, por ilegitimidade passiva, e, após o julgamento da apelação, mesmo sem a interposição de recurso pelo Condomínio, ora recorrido, passaram a ser os integrais responsáveis pelo pagamento do débito discutido, matéria que nem sequer teria sido tratada na apelação por eles interposta. 

No que respeita à ilegitimidade passiva dos ora recorrentes, manifestou-se o juiz sentenciante (fls. 224-226): 

"Sendo a questão de fato e de direito e as provas produzidas suficientes ao seu desate, a lide comporta julgamento antecipado, nos termos do art. 355, I do Código de Processo Civil. Primeiramente, reconheço a ilegitimidade passiva dos réus JOSÉ PERCIVAL ALBANO NOGUEIRA JÚNIOR, MARIA HELENA TOVIANSKAS ALBANO NOGUEIRA, VERA CECÍLIA PRADO ALBANO NOGUEIRA PERRONI, GUSTAVO KEUSCH ALBANO NOGUEIRA, PRISCILA HELENA KEUSCH ALBANO NOGUEIRA FILETTI e GUILHERME PERCIVAL KEUSCH ALBANO NOGUEIRA e RODRIGO OTÁVIO HONORATO NOGUEIRA, posto que conforme às fls. 44/45 o Box n° 142-A foi transmitido por usufruto a JOSÉ PERCIVAL ALBANO NOGUEIRA e NORMA LIDIA KEUSCH ALBANO NOGUEIRA. Portanto, somente o ESPÓLIO DE JOSÉ PERCIVAL ALBANO NOGUEIRA e NORMA LIDIA KEUSCH ALBANO NOGUEIRA são partes legítimas na presente ação. No mérito, a ação é parcialmente procedente. É bem sabido que para a majoritária jurisprudência, as quotas condominiais são dívida propter rem, de modo que o titular de direito real sobre o bem deve por elas responder, na exata medida de seu direito. No entanto, no caso de haver usufrutuário, este é responsável pelas despesas ordinárias. (...) Assim, tratando-se de despesas condominiais ordinárias, compete aos usufrutuários arcarem com seu pagamento. No caso, ESPÓLIO DE JOSÉ PERCIVAL ALBANO NOGUEIRA e NORMA LIDIA KEUSCH ALBANO NOGUEIRA. (...) Em face do exposto, JULGO EXTINTO O PROCESSO em face dos réus JOSÉ PERCIVAL ALBANO NOGUEIRA JÚNIOR, MARIA HELENA TOVIANSKAS ALBANO NOGUEIRA, VERA CECÍLIA PRADO ALBANO NOGUEIRA PERRONI, GUSTAVO KEUSCH ALBANO NOGUEIRA, PRISCILA HELENA KEUSCH ALBANO NOGUEIRA FILETTI e GUILHERME PERCIVAL KEUSCH ALBANO NOGUEIRA e RODRIGO OTÁVIO HONORATO NOGUEIRA, JULGO EXTINTO O PROCESSO com fundamento no artigo 485, VI, do Código de Processo Civil. Ainda, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE esta ação de cobrança para o fim de condenar os réus ESPÓLIO DE JOSÉ PERCIVAL ALBANO NOGUEIRA e NORMA LIDIA KEUSCH ALBANO NOGUEIRA a pagar ao autor os valores das parcelas condominiais e encargos vencidos e não pagos desde março de 2007 até o ajuizamento desta ação, devem ser acrescidos ainda de correção monetária pela Tabela Prática do E. TJSP e de juros de mora de 1% ao mês, em ambos os casos desde o ajuizamento da ação". 

No julgamento da apelação interposta pelos ora recorrentes, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo reformou a sentença, estabelecendo conforme abaixo se transcreve (fls. 345-348): 

"2) A ação de cobrança foi proposta em março de 2012, contra José Percival Albano Nogueira e Norma Lidia Keusch Albano Nogueira, que constam como usufrutuários na matrícula do imóvel que deu origem ao débito (fls. 44145), pretendendo o autor fossem eles condenados ao pagamento das despesas condominiais compreendidas entre setembro de 2003 e dezembro de 2011, bem como das parcelas vencidas no curso da demanda. (...) Pois bem. O encerramento do inventário, com a homologação da partilha, em outubro de 2014 (fl. 183), implicou extinção do espólio de José Percival Albano Nogueira, razão de ter sido determinada a adequação do polo passivo, a fim de nele serem incluídos os herdeiros, o que foi feito, ocorrendo a substituição processual, de forma que só os herdeiros, não mais o espólio, integravam o polo passivo do processo. Além disso, nunca houve citação do espólio de Norma Lidia Keusch Albano Nogueira, que, consoante foi informado pelos apelantes, falecera em meados de 1990. Apesar de o espólio de José Percival não mais integrar o processo e do de Norma nunca o ter integrado nem ter sido citado, a sentença os condenou ao pagamento das despesas inadimplidas, de forma que ela tem de ser anulada, sem necessidade, porém, de retorno dos autos à origem, porque o processo está em condições de imediato julgamento, o que passo a fazer, nos termos do artigo 1.013, § 3º, II, do atual CPC, uma vez que as questões suscitadas tratam apenas de matéria de direito, bem como por já ter sido atendido plenamente o contraditório. (...) José Percival Albano Nogueira e Norma Lidia Keusch Albano Nogueira não eram proprietários, mas usufrutuários do bem gerador das despesas condominiais, conforme consta da matrícula do imóvel (fls. 44145), cuja certidão instruiu a inicial da ação. Detentores da nua propriedade do box de garagem, consoante R.2 da matrícula n° 51.570, do 5° CRI de São Paulo, eram apenas Gustavo Augusto Keusch Albano Nogueira, Guilherme Percival Keusch Albano Nogueira e Priscila Helena Keusch Albano Nogueira (fls. 44vº), que, em razão da morte dos usufrutuários, receberam a integralidade da propriedade. Assim sendo e também porque o imóvel nunca integrou o patrimônio do espólio de José Percival, já que, repito, com sua morte os nus proprietários do bem - Gustavo, Guilherme e Priscila - passaram a ter sua propriedade integral, é induvidosa a ilegitimidade passiva da viúva Maria Helena Tovianskas Albano Nogueira e dos herdeiros filhos José Percival Albano Nogueira Júnior, Vera Cecília Prado Albano Nogueira Perroni e Rodrigo Otávio Honorato Nogueira, não sendo eles responsáveis pelo pagamento de nenhuma das despesas condominiais cobradas no processo, porque nunca foram nem são proprietários do imóvel que lhes deu origem. Dessa forma, reconheço a ilegitimidade passiva dos corréus Maria Helena Tovianskas Albano Nogueira, José Percival Albano Nogueira Júnior, Vera Cecília Prado Albano Nogueira Perroni e Rodrigo Otávio Honorato Nogueira – a quem o apelo aproveita –, assim como em relação a Norma Lidia Keusch Albano Nogueira, e, quanto a eles, julgo extinto o processo, sem resolução do mérito, na forma do art. 485, inc. VI, do CPC. Não custa repetir, a propósito, que o espólio de José Percival Albano Nogueira não mais integrava o processo, porque tinha sido substituído pela viúva e herdeiros filhos, sendo impertinente, portanto, a extinção do feito em relação a ele. 3) Por outro lado, os réus Gustavo, Priscila e Guilherme, únicos proprietários do bem, respondem com exclusividade pelas despesas condominiais em atraso, excetuadas aquelas atingidas pela prescrição, ou seja, as que se venceram até 15.3.2007, porque prescreve em cinco anos a ação de cobrança de cotas condominiais, conforme definiu a Colenda Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, em 18.8.11. (...) Diante disso, julgo parcialmente procedente o pedido inicial, e o faço para condenar os corréus Gustavo Augusto Keusch Albano Nogueira, Guilherme Percival Keusch Albano Nogueira e Priscila Helena Keusch Albano Nogueira Filetti, solidariamente, ao pagamento das despesas condominiais vencidas a partir de 16.3.2007, mais as que se vencerem no curso do processo até o cumprimento integral da obrigação, acrescidas de juros de mora à taxa legal de 1% ao mês, correção monetária e multa de 2%, desde os -- vencimentos de cada parcela, além das custas, despesas processuais e honorários advocatícios ao patrono do autor, que fixo em 10% sobre o valor total da condenação. Diante do exposto: (...) iii) julgo extinto o processo, sem exame do mérito, em relação aos corréus José Percival Albano Nogueira Júnior, Maria Helena Tovianskas Albano Nogueira, Vera Cecília Prado Albano Nogueira Perroni, Rodrigo Otávio Honorato Nogueira e Norma Lidia Keusch Albano Nogueira, nos termos do art. 485, VI, do CPC; iv) julgo parcialmente procedente o pedido quanto aos corréus Gustavo Keusch Albano Nogueira, Priscila Helena Keusch Albano Nogueira Filetti e Guilherme Percival Keusch Albano Nogueira, nos termos acima fixados"

3. Com efeito, convém logo anotar que foram significativas as alterações de institutos do Direito Processual Civil pelo Código de 2015, assim como a introdução de institutos novos, por isso reclamam interpretação, nos moldes realizados por esta Corte Superior, para a adaptação ao cotidiano doutrinário e judicial. 

Quanto à hipótese em debate, identifica-se, de pronto, a necessidade de "revisitar" o recurso de apelação e, principalmente, analisar os efeitos por ele produzidos, para compreender sua disciplina no novo ordenamento processual. 

Como de conhecimento, a apelação visa à obtenção de novo pronunciamento sobre a causa, com reforma total ou parcial da sentença do juiz de primeiro grau. Nessa extensão, “as questões de fato e de direito tratadas no processo, sejam de natureza substancial ou processual, voltam a ser conhecidas e examinadas pelo tribunal”. (THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Execução forçada, processo nos tribunais, recursos e direito intertemporal. v. III. 48. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 595). 

Nesse rumo, importa ressaltar que a proeminência deste recurso se revela nas inúmeras possibilidades de discussões que ele proporciona, de natureza processual, fática ou jurídica, devolvendo-as, quando impugnadas, para reapreciação do Tribunal. 

A apelação é tirada contra sentença (art. 1.009, caput, CPC/2015), sendo que sua interposição pode compreender todos, ou apenas alguns, itens ou capítulos da decisão judicial recorrida, a depender da delimitação apresentada pelo recorrente na interposição do apelo, limitando, assim, a atuação do órgão ad quem na solução do mérito recursal. 

Acerca da teoria da sentença e de sua estrutura, Cândido Rangel Dinamarco, que se dedicou a obra específica sobre o tema, conceitua capítulos da decisão judicial como uma unidade elementar autônoma, no sentido de que cada um deles expressa uma deliberação específica; cada uma dessas deliberações é distinta das contidas nos demais capítulos e resulta da verificação de pressupostos próprios, que não se confundem com os pressupostos das outras. (Capítulos da sentença. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 34). 

Nessa linha, o professor Tauã Lima Rangel, Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal Fluminense, destaca como base fundamental da teoria dos capítulos da sentença o reconhecimento de que, embora formalmente una, a decisão judicial pode abrigar diversos fragmentos decisórios quando analisada sob o aspecto material, tese, diga-se de passagem, cuja relevância não se restringe à academia, tendo em vista sua irrefutável contribuição para otimização da tramitação do processo judicial: "o que a teoria propõe é, indene de dúvidas, a operabilidade como caminho para se atingir eficiência na gestão do instrumental da jurisdição, e, nesse ponto, vai ao encontro de axiomas relevantíssimos à estruturação do ordenamento jurídico brasileiro" (A teoria dos capítulos de sentença no novo CPC: algumas reflexões sobre a temática. Revista Âmbito Jurídico. N. 164. ano XX. Set./2017). 

Destarte, tendo como norte a promoção de uma jurisdição efetiva, o Código novo assumiu o papel de instrumento viabilizador de uma justiça real, veículo de efetivação de direitos materiais, a qual ocorre quando da solução do conflito com enfrentamento do mérito e em tempo razoável. 

É bem verdade que o anunciado pela referida teoria não é obra do Código de Processo de 2015. No entanto, o novo diploma inovou ao conferir cientificidade àquela doutrina, mormente ao positivar o instituto do julgamento antecipado parcial do mérito, prevendo a pulverização de decisões ao longo do iter processual, que, antes, deveriam compor um único decisório (NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. 8. ed. Salvador: JusPodivm, 2016). 

A sistematização da sentença em capítulos guarda íntima relação com o estudo de um dos efeitos produzidos pela apelação, o denominado efeito devolutivo. 

Aliás, a meu ver, mais do que intimamente ligados, o fracionamento ideológico da decisão judicial constitui-se como premissa e, ao mesmo tempo, fundamento da extensão a que cumpre ao efeito devolutivo delimitar. 

Nesse rumo, da mesma forma que a propositura da demanda propicia a delimitação da res in iudicium deducta, é pela interposição do recurso, na produção de seu efeito devolutivo, que se dá a autorização ao tribunal para o exercício de seu poder jurisdicional. 

Por essa perspectiva é que se afirma que o efeito devolutivo causa "a restauração do poder jurisdicional já exercido na decisão e a sua consequente investidura no órgão competente" para julgar o recurso interposto (GRECO, Leonardo. Instituições de Processo Civil. v. 3. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 53). E concluiu Enrico Liebman, em precisa lição, referenciado por Lucas Macêdo, que o efeito devolutivo é a passagem da causa, decidida pelo juiz inferior, à plena cognição do juiz superior (Efeito devolutivo e limites objetivos do juízo recursal: da irrelevância da causa de pedir recursal. Revista de Processo. v. 292. ano 44. São Paulo: Ed. RT, junho 2019, pp. 215-250). 

Na ordem dessas ideias, é mesmo o efeito devolutivo que define o que deverá ser analisado pelo órgão competente no julgamento do recurso. O "tamanho" dessa devolução se definirá por duas medidas: sua extensão e sua profundidade. Sobre essas "medidas" que dão forma ao efeito devolutivo, esclarece José Carlos Barbosa Moreira, com seu estilo inconfundível, que "delimitar a extensão do efeito devolutivo é precisar o que se submete, por força do recurso, ao julgamento do órgão ad quem; medir-lhe a profundidade é determinar com que material há de trabalhar o órgão ad quem para julgar" (Comentários ao Código de Processo Civil. 16. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012, p. 429). 

Na lição de Humberto Theodoro Júnior, em consonância com o dispositivo processual que trata da matéria dentro do âmbito da devolução, o tribunal poderá apreciar todas as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que não tenham sido solucionadas pela sentença recorrida. Adverte, todavia, que a extensão do que será analisado pelo órgão recursal será definida "pelo pedido do recorrente, visto que nenhum juiz ou órgão judicial pode prestar a tutela jurisdicional senão quando requerida pela parte". "Por isso, o art. 1.013 afirma que a apelação devolverá ao tribunal a 'matéria impugnada', o que quer dizer que, em seu julgamento, o acórdão deverá se limitar a acolher ou rejeitar o que lhe for requerido pelo apelante (...)". Assim, "é preciso estar atento, para não ofender o princípio da disponibilidade da tutela jurisdicional e o da adstrição do julgamento ao pedido (princípio da congruência)" (Op. cit. pp. 1.016-1.017). 

Acerca da questão, Pontes de Miranda já orientava que o pedido recursal é manifestação de vontade e, no campo dos recursos cíveis, "recorrer significa comunicar vontade de que o feito, ou parte do feito, continue conhecido, não se tendo, portanto, como definitiva a cognição incompleta, ou completa, que se operara" (Comentários ao Código de Processo Civil. T. VII. Rio de Janeiro: Forense, 1975. p. 4). 

4. Há de ser ressaltada, entretanto, a existência de parcela da doutrina que admite a superação dos limites impostos pela extensão do pedido recursal, permitindo-se, assim, a análise e julgamento pelo órgão ad quem de questões não impugnadas, com a possibilidade de serem reformadas ou anuladas, quando se tratar de matéria de ordem pública. 

O fundamento principal de que se valem os defensores da viabilidade de desconsiderar-se a delimitação operada pelo pedido do recorrente é o dever de pronunciar a nulidade de questões que devam ser conhecidas de ofício. 

Consoante exemplifica Nelson Nery, adepto desse entendimento: "é o caso em que é interposto recurso para a reforma de uma condenação e o tribunal anula toda a sentença por reconhecer a incompetência absoluta do juízo prolator do decisum" (Teoria geral dos recursos. 6. ed. São Paulo: RT, 2004, p. 485). 

Não obstante, conforme pondera José Roberto dos Santos Bedaque, a posição dessa segunda linha de pensamento, se já parecia ser uma opção interpretativa incorreta, agora se tornou insustentável, diante da expressa limitação da extensão do efeito devolutivo disposta no caput e no § 1º do art. 1.013 do CPC/2015 (Apelação: questões sobre admissibilidade e efeitos. In: NERY JUNIOR, Nelson; ALVIM, Teresa Arruda (Coord.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis e de outros meios de impugnação às decisões judiciais. São Paulo: RT, 2003, v. 7, pp. 464-465). 

De fato, basta a leitura do dispositivo equivalente no CPC de 1973 para perceber a alteração sensível que se realizou na nova redação: 

Art. 515. A apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada. 

§ 1º Serão, porém, objeto de apreciação e julgamento pelo tribunal todas as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que a sentença não as tenha julgado por inteiro. 

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Art. 1.013. A apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada. 

§ 1º Serão, porém, objeto de apreciação e julgamento pelo tribunal todas as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que não tenham sido solucionadas, desde que relativas ao capítulo impugnado. 

Deveras, o diploma processual civil em vigor, a meu ver, é suficientemente claro ao estabelecer que "a apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada", cabendo ao órgão ad quem apreciar e julgar "todas as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que não tenham sido solucionadas, desde que relativas ao capítulo impugnado". 

Na linha desse raciocínio, Rodrigo Barioni esclarece, ainda quando vigente o antigo dispositivo, que o texto legal possibilita o conhecimento pelo órgão ad quem de todo o material que estava à disposição do órgão judicante no momento de proferir a sentença (Efeito devolutivo da apelação. São Paulo: RT, 2007, p. 150). 

Elaborado o pedido recursal, tem-se a delimitação da questão ou capítulo que será objeto de análise e julgamento. Em relação ao que foi impugnado estará o tribunal autorizado a valer-se de razões ou argumentos que não foram necessariamente elencados na impugnação do recorrente, desde que se refiram e sejam relevantes ao julgamento da questão recorrida. 

No mesmo rumo do entendimento apresentado, o Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC), em seu enunciado n. 100, há muito destacou: 

100. (art. 1.013, § 1º, parte final) Não é dado ao tribunal conhecer de matérias vinculadas ao pedido transitado em julgado pela ausência de impugnação. (Grupo: Ordem dos Processos no Tribunal, Teoria Geral dos Recursos, Apelação e Agravo) 

5. De outra parte, importante enfatizar que, mesmo entre aqueles que admitem a apreciação e julgamento de questões de ordem pública, ainda que não tenham sido devolvidas ao órgão ad quem, é consenso, porque derivada de lição fundamental, a impossibilidade da reforma da decisão recorrida que prejudique a situação do recorrente, quando o recurso for apenas da parte que será prejudicada, salvo situações excepcionais previstas em lei (caso da majoração dos honorários sucumbenciais recursais, previsto no art. 85, § 11, CPC/2015). 

Destarte, conforme enfatiza Rogério Tucci, embora omisso o Código, a reformatio in pejus não é admitida, não se podendo perder de vista que "tanto quanto o juiz de primeira instância, o órgão colegiado de segundo grau, apesar de investido dos mesmos poderes para conhecer do processo e da lide, não pode manifestar-se sobre o que não constituía objeto do pedido (...), e já não pode mais subsistir qualquer dúvida sobre a vedação da reforma para pior" (Curso de direito processual – Processo civil de conhecimento – II. São Paulo: J. Bushastsky, 1976, p. 247). 

Na mesma toada, arremata Humberto Theodoro Júnior: 

Sobre a parte da sentença que não foi objeto de recurso pelo adversário do apelante, e que eventualmente poderia ser alterada em prejuízo deste, incidiu a coisa julgada, diante de inércia daquele a que a reforma da sentença favoreceria. Assim, não há se pensar em reformatio in pejus, já que qualquer providência dessa natureza esbarraria na res iudicata. (Op. cit. p. 1019). 

A propósito, este o entendimento desta Casa: 

PROCESSO CIVIL. REFORMATIO IN PEJUS. NÃO É DADO AO TRIBUNAL, NO JULGAMENTO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO INTERPOSTO PELO AUTOR, EXTINGUIR O PROCESSO SEM JULGAMENTO DO MERITO, EM FACE DA PROIBIÇÃO DE REFORMATIO IN PEJUS, QUE ABRANGE A PROVISÃO JURISDICIONAL DE OFICIO. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (REsp 65.376/MG, Rel. MIN. COSTA LEITE, TERCEIRA TURMA, julgado em 14/08/1995, DJ 18/09/1995) 

RECURSO. Reformatio in pejus. Carência da ação. Julgamento de ofício. Embargos à arrematação. - O Tribunal não pode, de ofício, reconhecer a carência da ação de embargos e extinguir o processo, no recurso de agravo interposto pelo embargante para ampliar o efeito suspensivo concedido aos embargos. - Recurso conhecido e provido. (REsp 172.263/SP, Rel. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 09/06/1999, DJ 29/05/2000)

CAUTELAR. MEDIDA LIMINAR CONCEDIDA PARCIALMENTE. AGRAVO DE INSTRUMENTO INTERPOSTO PELOS REQUERENTES, VISANDO A AMPLIAR OS EFEITOS DA TUTELA ANTECIPATIVA. ACÓRDÃO QUE, DE OFÍCIO, DECRETA A EXTINÇÃO DO PROCESSO, SEM O CONHECIMENTO DO MÉRITO, EM RELAÇÃO A SEIS DELES. INADMISSIBILIDADE. 1. Interesse processual dos requerentes excluídos existente, dado que a Anapec fora afastada do polo ativo da demanda ajuizada anteriormente. 2. Ao Tribunal não é dado, de ofício, reconhecer a carência de ação e extinguir o processo sem o conhecimento do mérito, no recurso de agravo de instrumento manifestado pelos requerentes, visando a ampliar os efeitos da tutela antecipatória. Precedentes do STJ. 3. Recurso especial conhecido e provido. (REsp 363.529/DF, Rel. Ministro BARROS MONTEIRO, QUARTA TURMA, julgado em 17/02/2005, DJ 28/03/2005)

PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO. EFEITO TRANSLATIVO. REFORMATIO IN PEJUS. IMPOSSIBILIDADE. RITO SUMÁRIO. ADOÇÃO. NULIDADE. PREJUÍZO. NÃO OCORRÊNCIA. INSTRUMENTALIDADE DAS FORMAS. 1 - O efeito translativo do art. 515, §§ 1º e 2º, do CPC não autoriza reformatio in pejus, vale dizer, que o Tribunal, ao conhecer e negar provimento à única apelação do processo, ou seja, a do vencido até então na demanda, promova um agravamento da sua situação, conforme ocorre no caso presente, com a extinção do processo, sem julgamento de mérito, em face da impropriedade do rito processual. Precedentes do STJ. 2 - Ademais, afigura-se desarrazoado sepultar um processo iniciado há duas décadas porque adotado o rito sumaríssimo, hoje sumário, em lugar do ordinário, dando prevalência à forma em detrimento dos fins por ela colimados. Tem inteira aplicação o Princípio da Instrumentalidade das Formas se, como no caso presente, não se divisa a ocorrência de prejuízos para as partes, que puderam produzir provas em audiências fracionadas, dispensar a produção de outras e ainda apresentar razões finais escritas. 3 - Recurso especial conhecido em parte (letra "c") e, nesta extensão, provido para, reformando o acórdão recorrido, determinar a volta dos autos ao Tribunal de origem, para que julgue a apelação conforme entender de direito. (REsp 640.860/RJ, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, QUARTA TURMA, julgado em 18/08/2005, DJ 05/09/2005) 

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE EXTINÇÃO DE CONDOMÍNIO FLORESTAL CUMULADA COM CONDENAÇÃO EM PERDAS E DANOS. EFEITO TRANSLATIVO. INSTÂNCIA ESPECIAL. INAPLICABILIDADE. PREQUESTIONAMENTO. NECESSIDADE. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. ART. 535 DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. EFEITO TRANSLATIVO DA APELAÇÃO. PRINCÍPIO DISPOSITIVO. CONEXÃO RECONHECIDA. INEXISTÊNCIA DE OBRIGATORIEDADE DE JULGAMENTO CONJUNTO. ART. 283 DO CPC. DOCUMENTO INDISPENSÁVEL À PROPOSITURA DA AÇÃO. NÃO CONFIGURAÇÃO. ALEGAÇÃO DE EXCEÇÃO DE CONTRATO NÃO CUMPRIDO. NÃO COMPROVAÇÃO. REEXAME DE PROVAS. INVIABILIDADE. SÚMULA Nº 7/STJ. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULA Nº 211/STJ. SENTENÇA CONDENATÓRIA. HONORÁRIOS. PERCENTUAL SOBRE A CONDENAÇÃO. LIMITES MÍNIMO E MÁXIMO. ART. 20, § 3º, DO CPC. CRITÉRIOS DE FIXAÇÃO DA VERBA HONORÁRIA. PARÁGRAFOS 3º E 4º DO CPC. PRINCÍPIO DA ISONOMIA. NÃO INFRINGÊNCIA. SUCUMBÊNCIA. REDISTRIBUIÇÃO. INVIABILIDADE. SÚMULA Nº 7/STJ. (...) 4. O efeito translativo da apelação, insculpido no artigo 515, § 1º, do CPC, aplicável geralmente às questões de ordem pública, não autoriza o conhecimento pelo julgador de matérias que deveriam ter sido suscitadas pelas partes no momento processual oportuno por força do princípio dispositivo do qual decorre o efeito devolutivo da apelação que limita a atuação do Tribunal às matérias efetivamente impugnadas. (...0 18. Recurso especial conhecido em parte e, na parte conhecida, não provido. (REsp 1484162/PR, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 24/02/2015, DJe 13/03/2015) 

6. Outro ponto relevante, que impõe seja considerado e que toca diretamente ao caso concreto, diz respeito à bilateralidade do juízo, inerente à ideia de processo e à garantia constitucional do contraditório e do direito de defesa. 

Por certo, se, de um lado, não há dúvidas de que o juízo pode decidir a norma aplicável, mesmo sem provocação das partes e contra eventual interesse delas, definindo o correto enquadramento da controvérsia, de outro lado, parece mesmo irrefutável o compromisso com a promoção de princípios fundamentais que são parte indissociável do processo. 

Ora, é intuitivo concluir que a solução de questão estranha ao que fora estabelecido pelo recorrente – mesmo que exclusivamente referente à matéria de ordem pública –, ao ensejo de decidir o processo ou algum incidente no seu curso, comprometerá a efetividade do contraditório. 

É que o entendimento contemporâneo do contraditório o define como prerrogativa de "participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, mediante a possibilidade de, em plena igualdade, influírem em todos os elementos (factos, provas, questão de direito) que se encontrem em ligação com o objeto da causa", uma vez que "o escopo principal do princípio do contraditório deixou assim de ser a defesa, no sentido negativo de oposição ou resistência à actuação alheia, para passar a ser a influência, no sentido positivo de direito de incidir activamente no desenvolvimento do processo" (FREITAS, José Lebre de. Introdução ao Processo Civil. Conceito e princípios gerais. Coimbra: Coimbra Editora, 1996, pp. 96-97). 

No caso dos autos, ainda que se considere como capítulo da sentença a legitimidade passiva da causa, analisada de forma geral, independentemente do réu em relação ao qual se estaria atribuindo essa condição, penso que o julgamento proferido pelo tribunal paulista estaria, ainda assim, maculado pela desobediência à realização do contraditório. 

Noutros termos, mesmo considerando que o fato de os apelantes terem impugnado a legitimidade passiva do ESPÓLIO tenha sido suficiente para devolver ao tribunal a análise da questão "legitimidade passiva", haveria de se reconhecer a nulidade do julgamento por não ter sido dada oportunidade aos recorrentes de manifestarem-se a respeito de matéria cujo julgamento poderia ser-lhes prejudicial. 

7. Cumpre acrescentar, por oportuno, outro viés impeditivo do julgamento pelo órgão ad quem fora dos limites apresentados pelo autor do recurso, sem que haja respeito ao contraditório. É que, ainda que se pretenda valer-se da teoria da causa madura, prestigiada de modo explícito no § 3º do art. 1.013 do CPC, para fundamentar o julgamento da apelação na extensão proposta pelo tribunal paulista, a falta do contraditório acerca da questão decidida se apresentaria, agora, como barreira ao próprio cumprimento daquela teoria. 

Confira-se, uma vez mais, o teor do dispositivo referenciado: 

Art. 1.013. A apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada. (...) 

§ 3º Se o processo estiver em condições de imediato julgamento, o tribunal deve decidir desde logo o mérito quando: 

I - reformar sentença fundada no art. 485 

II - decretar a nulidade da sentença por não ser ela congruente com os limites do pedido ou da causa de pedir; 

III - constatar a omissão no exame de um dos pedidos, hipótese em que poderá julgá-lo; 

IV - decretar a nulidade de sentença por falta de fundamentação. 

Efetivamente, conforme se percebe da simples leitura do dispositivo, nas situações descritas nos seus incisos, ao tribunal será permitido julgar o recurso, decidindo, desde logo, o mérito da causa, sem necessidade de requisitar ao juízo de primeiro grau manifestação acerca daquelas questões, providência já permitida, diga-se de passagem, na sistemática processual regida pelo diploma de 1973 (§ 3º, art. 515). 

Todavia, conforme nos ensina, uma vez mais, Humberto Theodoro Júnior, para considerar-se madura a causa, não basta, por exemplo, que a questão de mérito a ser decidida seja apenas de direito. "Mesmo que não haja prova a ser produzida, não poderá o Tribunal enfrentá-la no julgamento da apelação formulada contra a sentença terminativa, se uma das partes ainda não teve oportunidade processual adequada de debater a questão de mérito. Estar o processo em condições de imediato julgamento significa, em outras palavras, não apenas envolver o mérito da causa questão só de direito que se deve levar em conta, mas também a necessidade de cumprir o contraditório" (Curso de direito processual civil - excecução forçada, processos nos tribunais, recursos e direito intertemporal. v. III. 48. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 1.020). 

No rumo desse raciocínio, considerando-se indispensável o contraditório para configuração da causa madura, já acenava o entendimento desta Corte: 

PROCESSUAL CIVIL E DIREITO DE VIZINHANÇA. RECURSO ESPECIAL. USO DE ÁGUA DE NASCENTE DE OUTRO PRÉDIO. APRECIAÇÃO DE VIOLAÇÃO A DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL. INVIABILIDADE. OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. INEXISTÊNCIA. ARTIGO 515, § 3º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. JULGAMENTO DO MÉRITO DA CAUSA PELO TRIBUNAL, CASO TENHA SIDO PROPICIADO O CONTRADITÓRIO E A AMPLA DEFESA, COM REGULAR E COMPLETA INSTRUÇÃO DO PROCESSO. POSSIBILIDADE. ACORDO, HOMOLOGADO EM JUÍZO PARA SOLUCIONAR CONFLITO, PREVENDO O USO DA ÁGUA DE PRÉDIO DE VIZINHO, NOS MOLDES DO DISPOSTO NO CÓDIGO DE ÁGUAS. DESCONSTITUIÇÃO DO ACORDO, TENDO EM VISTA O ULTERIOR FORNECIMENTO DE ÁGUA NA LOCALIDADE POR CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO. POSSIBILIDADE. RESTRIÇÃO AO DIREITO DE PROPRIEDADE PELO EXERCÍCIO DE DIREITO DE VIZINHANÇA DE CARÁTER PRECÁRIO. USUCAPIÃO. DESCABIMENTO. 1. Embora seja dever de todo magistrado velar a Constituição Federal, para que se evite supressão de competência do egrégio STF, não se admite apreciação, em sede de recurso especial, de matéria constitucional. 2. A interpretação do artigo 515, § 3º, do Código de Processo Civil deve ser realizada de forma sistemática, tomando em consideração o artigo 330, I, do mesmo Diploma. Com efeito, o Tribunal, caso propiciado o contraditório e a ampla defesa, com regular e completa instrução do processo, deve julgar o mérito da causa, mesmo que para tanto seja necessária apreciação do acervo probatório. (...) 6. Recurso especial parcialmente conhecido e, na extensão, não provido. (REsp 1179450/MG, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 15/05/2012, DJe 28/05/2012) 

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COBRANÇA. DESPESAS DE MANUTENÇÃO DE CONDOMÍNIO DE FATO. SENTENÇA. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. RECURSO DE APELAÇÃO. TEORIA DA CAUSA MADURA. INAPLICABILIDADE. NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. 1. Cuida-se, na origem, de ação de cobrança de despesas de manutenção de condomínio de fato (irregular). 2. Segundo a jurisprudência deste Tribunal, o julgamento da lide, na forma do art. 515, § 3º, do CPC/73, é admitido quando, reformada a sentença de extinção do processo sem resolução do mérito, a causa versar sobre questão de direito, ou de direito e fato, e estiver madura para imediata apreciação. 3. Entende-se, entrementes, que a demanda se encontra pronta para julgamento "quando instaurada a relação processual e encerrada a necessária instrução do processo, assegurado às partes o amplo direito de deduzir alegações, de requerer a produção das provas que entender necessárias para demonstrar o próprio direito material e de impugnar as teses e as provas apresentadas pela parte contrária" (REsp 1.340.800/CE, 4ª Turma, DJe de 04/12/2017). 4. Hipótese em que a demanda versa sobre questões de fato e de direito, porém não houve prévia dilação probatória a autorizar o imediato julgamento da lide pelo Tribunal, caracterizando-se, destarte, o cerceamento de defesa em desfavor da parte ré. 5. Agravo interno não provido. (AgInt no AREsp 751.507/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 25/03/2019, DJe 27/03/2019) 

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS DE TERCEIRO. OMISSÕES, OBSCURIDADES E CONTRADIÇÕES INEXISTENTES. TEMPESTIVIDADE DOS EMBARGOS. SÚMULA N. 7 DO STJ. TEORIA DA CAUSA MADURA. AUSÊNCIA DE CITAÇÃO. (...) 4. A teoria da causa madura, disciplinada no art. 515, § 3º, do CPC/1973, não pode ser aplicada quando ausente a citação do réu, ao qual nem mesmo foi deferido prazo para contestar a ação. A simples apresentação de contrarrazões à apelação do autor, sem produzir provas, afirmando tão somente a intempestividade dos embargos de terceiro, a ilegitimidade ativa e a litigância de má-fé da embargante não viabiliza a utilização da referida teoria, pena de cercear o direito à ampla defesa. (...) 7. Recurso especial conhecido em parte e provido também parcialmente. (REsp 1340800/CE, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 21/11/2017, DJe 04/12/2017) 

8. Por fim, mas não menos relevante, deve ser salientado que há no Código Processual de 2015 uma regra geral, positivada em seu art. 10, no sentido da indispensável observância da participação qualificada das partes na formação do juízo decisório. Confira-se: 

Art. 10. O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício. 

Na linha desse entendimento, Estévão Mallet assevera que não se permite ao juiz decidir mediante fundamento ainda não submetido à manifestação das partes, ainda que a questão tenha sido debatida amplamente. Na sequência, pondera o autor: 

Se as partes não puderem discutir e debater potencial enquadramento jurídico da controvérsia, a ser feito de ofício pelo juízo, ou a aplicação de uma norma, cuja incidência no caso nunca foi aventada no processo, ou, ainda, determinada questão considerada de ordem pública, em termos práticos sofrerão sensível limitação ao contraditório. Ficam privadas, ao fim e ao cabo, da efetiva possibilidade influir no convencimento do juízo, inclusive alterando o encaminhamento que se pretende dar ao processo ou o seu desfecho. (...) A utilização pelo juiz, apenas quando do julgamento, de elementos estranhos ao que se debateu no processo – pouco importa trate-se de elementos de fato ou de direito, matéria de ordem pública que seja – produz o que a doutrina e os tribunais especialmente os europeus, chamam de "decisão-surpresa", "decisão solitária" ou, ainda, "sentença de terceira via". Tendo em conta a compreensão atual do contraditório, é algo que se considera inadmissível. (MALLET, Estevão. Notas sobre o problema da chamada “decisão-surpresa". In: Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. n. 109, jan./dez. 2014, p. 389-414). 

No mesmo sentido da legislação e doutrina pátria, a título ilustrativo, sublinhe-se que no direito português, o vigente Código de Processo Civil, aprovado em 2013, repetindo o que já constava no anterior, estabelece, no art. 3º, n. 3, que "o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem" (https://dre.pt/legislacao-consolidada/-/lc/34580575/view). 

Regras de semelhante conteúdo são encontradas no Code de Procédure Civile francês, também conhecido, ainda hoje, como Nouveau Code de Procédure Civile, embora em vigor há mais de três décadas. Seu art. 16 preceitua: "o juiz deve, em todas as circunstâncias, zelar pela observância do princípio do contraditório (...) não sendo possível basear sua decisão nos fundamentos jurídicos que identificou ex officio, sem antes ter convocado as partes a apresentarem as suas observações" (https://www.dalloz.fr/documentation/Document?id=NCPC&scrll=NCPC000191) 

Da jurisprudência desta Casa, sobre a matéria, transcrevo a ementa de recente julgado relatado pela ilustre Ministra Isabel Gallotti: 

PROCESSUAL CIVIL. CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE RESSARCIMENTO DE DANOS. INCORPORAÇÃO DE REDE PARTICULAR DE ENERGIA ELÉTRICA. PRINCÍPIO DA NÃO SURPRESA. AUSÊNCIA DE OFENSA. PRESCRIÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. VINTENÁRIA OU TRIENAL. TERMO INICIAL. MOMENTO DA INCORPORAÇÃO. ENTENDIMENTO ADOTADO NESTA CORTE. VERBETE 83 DA SÚMULA DO STJ. TEORIA DA CAUSA MADURA. NÃO APLICAÇÃO. ARTS. 515, § 1°, E 516 DO CPC/73. IMPOSSIBILIDADE. INDENIZAÇÃO. DEFERIMENTO. REVISÃO. NÃO CABIMENTO. TESES DO RECURSO ESPECIAL QUE DEMANDAM REEXAME DE CONTEXTO FÁTICO E PROBATÓRIO DOS AUTOS. SÚMULA N° 7/STJ. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO AOS FUNDAMENTOS DA DECISÃO. ARTIGO 1.021, § 1º, DO CPC E SÚMULA N. 182/STJ. NÃO PROVIMENTO. 1. O "fundamento" ao qual se refere o art. 10 do CPC/2015 é o fundamento jurídico - circunstância de fato qualificada pelo direito, em que se baseia a pretensão ou a defesa, ou que possa ter influência no julgamento, mesmo que superveniente ao ajuizamento da ação - não se confundindo com o fundamento legal (dispositivo de lei regente da matéria). A aplicação do princípio da não surpresa não impõe, portanto, ao julgador que informe previamente às partes quais os dispositivos legais passíveis de aplicação para o exame da causa. O conhecimento geral da lei é presunção jure et de jure. 2. O Tribunal de origem julgou nos moldes da jurisprudência pacífica desta Corte. Incidente, portanto, o enunciado 83 da Súmula do STJ. 3. Não cabe, em recurso especial, reexaminar matéria fático-probatória (Súmula n. 7/STJ). 4. Nos termos do art. 1021, § 1º, do Código de Processo Civil/2015 e da Súmula 182/STJ, é inviável o agravo interno que deixa de atacar especificamente os fundamentos da decisão agravada. 5. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no REsp 1701258/SP, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 23/10/2018, DJe 29/10/2018)

9. Assim, conclui-se pela violação do art. 1.013 do CPC/2015, uma vez que o acórdão, ao anular a sentença de primeira instância, de ofício, procedeu à análise de mérito da causa, proferindo decisão desfavorável aos recorrentes, que haviam sido excluídos do feito por ilegitimidade passiva, passando, então, a responsáveis pelo pagamento do débito condominial, caracterizando-se indevida reformatio in pejus. 

Nessa extensão, tendo em vista que o efeito prático do reconhecimento da nulidade do acórdão recorrido será a declaração da ilegitimidade passiva dos ora recorrentes, conforme decidido pela sentença, fica prejudicada a análise das demais impugnações que pretendiam comprovar a irresponsabilidade pelo débito condominial a que haviam sido condenados pelo tribunal paulista. 

10. Diante do exposto, dou provimento ao recurso especial para anular o acórdão recorrido, restabelecendo a sentença de primeiro grau em todos os termos em que proferida, prejudicadas as demais questões recursais. 

É o voto. 

5 de abril de 2021

Apelação. Art. 1.013 do CPC/2015. Efeito devolutivo. Extensão. Pedido recursal. Capítulo não impugnado. Trânsito em julgado. Proibição de reformatio in pejus. Contraditório. Indispensabilidade.

 REsp 1.909.451-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 23/03/2021

A extensão do efeito devolutivo da apelação é definida pelo pedido do recorrente e qualquer julgamento fora desse limite não pode comprometer a efetividade do contraditório, ainda que se pretenda aplicar a teoria da causa madura.

A apelação visa à obtenção de novo pronunciamento sobre a causa, com reforma total ou parcial da sentença do juiz de primeiro grau. Nessa extensão, conforme a doutrina, "as questões de fato e de direito tratadas no processo, sejam de natureza substancial ou processual, voltam a ser conhecidas e examinadas pelo tribunal".

Esse recurso é interposto contra sentença (art. 1.009, caput, CPC/2015), podendo compreender todos, ou apenas alguns, itens ou capítulos da decisão judicial recorrida, a depender da delimitação apresentada pelo recorrente na interposição do apelo, limitando, assim, a atuação do órgão ad quem na solução do mérito recursal.

O diploma processual civil de 2015 é suficientemente claro ao estabelecer que "a apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada", cabendo o órgão ad quem apreciar e julgar "todas as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que não tenham sido solucionadas, desde que relativas ao capítulo impugnado" (art. 1.013, § 1º, do CPC/2015).

Assim, o efeito devolutivo da apelação define o que deverá ser analisado pelo órgão recursal. O "tamanho" dessa devolução se definirá por duas variáveis: sua extensão e sua profundidade. A extensão do efeito devolutivo é exatamente a medida daquilo que se submete, por força do recurso, ao julgamento do órgão ad quem.

Dentro do âmbito da devolução, o tribunal poderá apreciar todas as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que não tenham sido solucionadas pela sentença recorrida, mas a extensão do que será analisado é definida pelo pedido do recorrente. Em seu julgamento, o acórdão deverá se limitar a acolher ou rejeitar o que lhe for requerido pelo apelante, para que não haja ofensa ao princípio da disponibilidade da tutela jurisdicional e o da adstrição do julgamento ao pedido.

Sobre o capítulo não impugnado pelo adversário do apelante, e que eventualmente a reforma pudesse significar prejuízo ao recorrente, incide a coisa julgada. Assim, não há se pensar em reformatio in pejus, já que qualquer providência dessa natureza esbarraria na res iudicata.

Ademais, é intuitivo concluir que a solução de questão estranha ao que fora estabelecido pelo recorrente - mesmo que exclusivamente referente à matéria de ordem pública -, ao ensejo de decidir o processo ou algum incidente no seu curso, comprometerá a efetividade do contraditório.

Cumpre acrescentar, por oportuno, outro viés impeditivo do julgamento pelo órgão ad quem fora dos limites apresentado pelo autor do recurso, sem que haja respeito ao contraditório. É que, ainda que se pretenda valer-se da teoria da causa madura, prestigiada de modo explícito no § 3º do art. 1.013 do CPC/2015, a falta do contraditório acerca da questão decidida se apresentaria como barreira ao próprio cumprimento daquela teoria.

Conforme nos ensina a doutrina, para considerar-se madura a causa não basta, por exemplo, que a questão de mérito a ser decidida seja apenas de direito. "Mesmo que não haja prova a ser produzida, não poderá o Tribunal enfrenta-lo no julgamento da apelação formulada contra a sentença terminativa, se uma das partes ainda não teve oportunidade processual adequada de debater a questão de mérito. Estar o processo em condições de imediato julgamento significa, em outras palavras, não apenas envolver o mérito da causa questão só de direito que se deve levar em conta, mas também a necessidade de cumprir o contraditório"



29 de março de 2021

Questões preliminares e de mérito na apelação devem ser votadas em separado, sob pena de nulidade

 No julgamento de apelação, o tribunal deve colher em separado os votos sobre as questões preliminares, garantindo ao magistrado vencido na análise de preliminar que possa votar sobre a matéria de mérito. Uma das razões para essa formalidade – prevista pelo artigo 938 do Código de Processo Civil – é a garantia de que não haverá diminuição do espectro de impugnação em eventuais embargos infringentes.

O entendimento foi firmado pela Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao anular julgamento de apelação no qual o Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5) tomou globalmente os votos, registrando o resultado das questões preliminar e de mérito como resultado final. Por isso, um dos membros do colegiado, vencido em relação a uma preliminar de cerceamento de defesa – que ele acolhia em razão do indeferimento de uma prova –, não pôde se pronunciar sobre o mérito do recurso.

Por meio de embargos infringentes, a defesa apontou a nulidade do julgamento em razão de não ter sido respeitada a colheita de votos em separado sobre a questão preliminar. O TRF5, entretanto, rejeitou essa tese por entender que não houve prejuízo ao julgamento ou à defesa.

Error in procedendo

O ministro Ribeiro Dantas, relator do recurso especial, lembrou que o artigo 939 do CPC estabelece que, se a preliminar for rejeitada ou se a apreciação do mérito for compatível com ela, o julgamento terá sequência com a discussão e a análise da matéria principal, sobre a qual deverão se pronunciar também os juízes vencidos na preliminar.

Segundo o magistrado, ainda que se adotasse interpretação mais restritiva sobre o conceito de preliminar, não seria possível tratar como uma prejudicial o cerceamento de defesa resultante do indeferimento de prova. “Em relação ao processo, o seu acolhimento impõe obstáculo ao julgamento da causa, dada a necessidade de refazimento da prova. Em relação ao mérito recursal, o seu acolhimento também obstaria o julgamento dos demais pontos suscitados pela defesa no apelo, por implicar a remessa dos autos à origem”, explicou.

Em consequência, ao não tomar o voto quanto ao mérito da apelação do juiz vencido na preliminar, o ministro entendeu que o TRF5 incorreu no chamado error in procedendo, violando o artigo 939 do CPC.

Novo julgamento

Ainda segundo o ministro, como os embargos infringentes são recurso de fundamentação vinculada, o tribunal de segunda instância não poderia conhecer da divergência de mérito supondo que o juiz que concluiu pela nulidade da prova fosse absolver o réu.

“Assim, cabíveis os infringentes na origem, e constatado o erro no procedimento relativo ao julgamento da apelação, deve o acórdão apelatório ser anulado, com o retorno dos autos à origem, para que se proceda ao julgamento da apelação com a manifestação de todos os julgadores sobre as questões preliminar e de mérito”, concluiu o ministro.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 1843523

Fonte: STJ

19 de setembro de 2017

PRECLUSÃO DIFERIDA, O FIM DO AGRAVO RETIDO E A AMPLIAÇÃO DO OBJETO DA APELAÇÃO NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL; Revista de Processo, vol. 243, p. 269 - 280, Maio / 2015

PRECLUSÃO DIFERIDA, O FIM DO AGRAVO RETIDO E A AMPLIAÇÃO DO OBJETO DA APELAÇÃO NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

Preclusion granted, the end of the interlocutory appeal (from final judgment) and the broadening of the subject of the appeal in the new Code of Civil Procedure
Revista de Processo | vol. 243/2015 | p. 269 - 280 | Maio / 2015
DTR\2015\7912
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Rodrigo Barioni
Doutor e Mestre em Direito pela PUC-SP. Professor da Faculdade de Direito da PUC-SP. Vice-Presidente do Centro de Estudos Avançados de Processo (Ceapro). Advogado.

Área do Direito: Processual

Resumo: O presente trabalho aborda a alteração do regime da preclusão na fase de conhecimento e a ampliação do objeto do recurso de apelação no novo Código de Processo Civil.

 Palavras-chave:  Novo Código de Processo Civil - Preclusão - Recurso - Apelação - Agravo retido - Agravo de instrumento.

Abstract: This paper is related to the changes occoured in the new Civil Procedure Code, regarding the preclusion and the matters that can be contested in the appeal.

 Keywords:  New Civil Procedure Code - Preclusion - Appeal - Interlocutory appeal.

Sumário:  
- 1.Introdução - 2.O recurso de apelação no Código de Processo Civil de 1973 - 3.O recurso de apelação no novo Código de Processo Civil, em relação às decisões interlocutórias - 4.Aspectos procedimentais - 5.Encerramento


Recebido em: 20.03.2015
Aprovado em: 24.04.2015

1. Introdução

No vigente Código de Processo Civil, o recurso que impugna decisões interlocutórias proferidas por órgão de primeiro grau é o agravo, sob a forma retida ou por instrumento. Enquanto o agravo de instrumento é imediatamente processado perante o tribunal competente para julgá-lo, na modalidade retida o agravo tem efeito devolutivo diferido e condicionado, de maneira que será julgado pelo órgão ad quem apenas por ocasião do julgamento da apelação eventualmente interposta contra a sentença e desde que expressamente requerido nas razões ou contrarrazões de apelação (art. 523, CPC/1973).
No regime atual, o agravo retido apresenta-se como figura impugnativa a obstar a preclusão imediata de questões decididas por meio de decisões interlocutórias, sem, contudo, submeter a matéria automaticamente ao exame do órgão ad quem. Em radical transformação, o Anteprojeto do novo Código de Processo Civil propôs que fosse diferida a preclusão do direito de impugnar as decisões interlocutórias não sujeitas a agravo de instrumento, ao incluir a recorribilidade no âmbito do recurso de apelação.1 Na exposição de motivos, a alteração foi anunciada nos seguintes termos: “Desapareceu o agravo retido, tendo, correlatamente, alterado-se o regime das preclusões. Todas as decisões anteriores à sentença podem ser impugnadas na apelação. Ressalte-se que, na verdade, o que se modificou, nesse particular, foi exclusivamente o momento da impugnação, pois essas decisões, de que se recorria, no sistema anterior, por meio de agravo retido, só eram mesmo alteradas ou mantidas quando o agravo era julgado, como preliminar de apelação. Com o novo regime, o momento de julgamento será o mesmo; não o da impugnação”.
No parágrafo único do art. 923 do Anteprojeto, como se observa na nota 1, está afirmado que “as questões resolvidas na fase cognitiva não ficam cobertas pela preclusão”, quando, na realidade, não estão imediatamente sujeitas a preclusão, ficando alterado o seu regime, que passaria a ser diferido. Se não houver recurso de apelação a conduzir essas questões ao reexame pelo órgão ad quem, sobre elas haverá preclusão.
No Senado Federal, o texto do parágrafo único do art. 923 do Anteprojeto veio a ser alterado, para esclarecer que as decisões interlocutórias sujeitas à nova forma de impugnação seriam aquelas não suscetíveis de agravo de instrumento, bem como acrescentou a possibilidade de o inconformismo ser veiculado nas contrarrazões de apelação.2
A versão da Câmara dos Deputados alterou parcialmente a proposta, ao introduzir um novo parágrafo no aludido dispositivo, para prever a preclusão imediata das questões integrantes de decisão interlocutória, se a parte, na primeira oportunidade de falar nos autos, não formulasse protesto específico contra a decisão. A sugestão representava parcial retorno ao sistema do CPC/1973: de um lado, porque ficava mantida a preclusão imediata, se não realizado o protesto contra a decisão; de outro, porque embora não fosse necessário deduzir as razões recursais no momento da formulação do protesto, caberia à parte interessada registrar seu inconformismo, assegurando, assim, que a questão eventualmente viesse a ser conhecida pelo tribunal quando do julgamento do recurso de apelação.3
Do ponto de vista prático, não é difícil imaginar que o protesto antipreclusivo seria utilizado contra toda e qualquer decisão judicial desfavorável, por ser ato meramente formal, destituído de complexidade – em vista de não ser acompanhado das razões do inconformismo – e gratuito.
Ao retornar ao Senado Federal, prevaleceu a tese inicialmente proposta, qual seja, a alteração do regime da preclusão, que permaneceu imediata quando a decisão for sujeita a agravo de instrumento e diferida para as decisões interlocutórias não impugnáveis por agravo de instrumento:
“Art. 1.009. Da sentença cabe apelação.
§ 1.º As questões resolvidas na fase de conhecimento, se a decisão a seu respeito não comportar agravo de instrumento, não são cobertas pela preclusão e devem ser suscitadas em preliminar de apelação, eventualmente interposta contra a decisão final, ou nas contrarrazões.
§ 2.º Se as questões referidas no § 1.º forem suscitadas em contrarrazões, o recorrente será intimado para, em 15 (quinze) dias, manifestar-se a respeito delas.
§ 3.º O disposto no caput deste artigo aplica-se mesmo quando as questões mencionadas no art. 1.015 integrarem capítulo da sentença”.
O texto do novo Código de Processo Civil4 revela importante alteração do regime das preclusões na fase de conhecimento e do sistema recursal brasileiro, no tocante à impugnação das decisões interlocutórias, a justificar o aprofundamento do estudo do tema e suas consequências práticas.

2. O recurso de apelação no Código de Processo Civil de 1973

A apelação sempre foi referida como o recurso por excelência, não apenas por seu caráter histórico – descendente da appellatio romana –, como por impugnar o ato mais importante do processo – a sentença – e pelas características de seu efeito devolutivo, articulado para ser o maior dentre os recursos.
Atualmente, a apelação tem por finalidade atacar a sentença, seja de mérito, seja terminativa (art. 513 do CPC/1973). O conceito de sentença, por sua vez, é traçado pelo art. 162, § 1.º, do CPC/1973, com redação da Lei 11.232/2005, como “o ato do juiz que implica alguma das situações previstas nos arts. 267 e 269 desta Lei”. Passando ao largo das questões redacionais e da polêmica gerada no início da vigência do dispositivo, verifica-se que, para fins de cabimento de apelação, sentença é entendida como o ato vocacionado a colocar fim ao processo em primeiro grau de jurisdição.5
As decisões interlocutórias, por sua vez, não podem ser impugnadas por meio de apelação. Cabível será o recurso de agravo (retido ou de instrumento), sob pena de preclusão (art. 522 do CPC/1973). Quando a matéria deveria ter sido apreciada por meio de decisão interlocutória, mas acabou decidida no bojo da apelação, tem prevalecido a ideia de que o recurso cabível é a apelação.6 A título ilustrativo, tome-se a hipótese de sentença que indefere o pedido de produção de prova testemunhal formulado pelo autor e julga improcedente o pedido inicial. O recurso de apelação, dada a amplitude de seu efeito devolutivo, é apto a impugnar não só a matéria de mérito, mas igualmente veicular a pretensão à reforma da questão relativa à prova.
Pode ocorrer, porém, de haver determinada questão a ser decidida por meio de decisão interlocutória, mas o juiz deixa de julgá-la. Como inexiste decisão, não há que se falar em recurso de agravo. Por isso, o art. 516 do CPC/1973 determina que essa questão seja decidida pelo tribunal, por ocasião do julgamento do recurso de apelação.7 Como exemplo, a impugnação ao valor da causa que deixou de ser julgada em primeiro grau. No julgamento da apelação deverá o tribunal se pronunciar sobre o tema, independentemente da omissão das partes nas razões ou contrarrazões de apelação.

3. O recurso de apelação no novo Código de Processo Civil, em relação às decisões interlocutórias

O novo Código de Processo Civil amplia o objeto do recurso de apelação, para permitir que as questões resolvidas por decisões interlocutórias, contra as quais não seja possível o manejo do agravo de instrumento, venham a ser suscitadas na apelação ou em contrarrazões.
Apesar da modificação significativa no regime da preclusão das interlocutórias, está mantida a possibilidade, em tese, de se recorrer de toda e qualquer decisão interlocutória: algumas pela via do agravo de instrumento; outras, por meio de apelação. Na prática, contudo, é fácil antever situações para as quais não foi previsto o agravo de instrumento e, ao mesmo tempo, não há interesse recursal em impugnar por meio da apelação. Para esses casos, a solução é permitir a impugnação pela via do mandado de segurança. Assim sucede, por exemplo, no caso de decisão que determine a suspensão do processo em virtude de suposta prejudicialidade externa (art. 313, V, a, do CPC/2015). A decisão não consta no rol dos atos impugnáveis por meio do agravo de instrumento. Tampouco fará sentido impugná-la por meio da apelação, pois logicamente pressupõe que tenha encerrado o período de suspensão do processo. Assim, somente por meio do mandado de segurança a decisão interlocutória poderá ser impugnada.
A distinção entre o agravo de instrumento e a apelação se faz pelo caráter subsidiário da apelação para impugnar decisões interlocutórias: somente aquelas não suscetíveis de agravo de instrumento estarão sujeitas ao reexame em sede de apelação.
Nessa ordem de ideias, é imprescindível identificar as hipóteses de cabimento do agravo de instrumento. Nos casos especificados no novo Código de Processo Civil, caberá ao interessado impugnar a decisão interlocutória por meio do agravo de instrumento. Haverá preclusão temporal, imediata, se não houver a interposição do agravo de instrumento. Não relacionada a decisão como sujeita a agravo de instrumento, incide o regime da preclusão diferida previsto no § 1.º do art. 1.009 do CPC/2015, e permite-se o requerimento para que seja reexaminada no julgamento da apelação.
Esclarecidas as decisões que podem ser objeto de apelação, surge o segundo ponto relevante: o preceito legal indica que a questão tem de ser suscitada como preliminar do recurso de apelação ou das contrarrazões. Apesar da menção ao termo “preliminar”, o que encerraria hipótese de a matéria ser deduzida antes dos fundamentos concernentes à sentença, deve ser reputada válida a alegação mesmo após os fundamentos relacionados à sentença, desde que em capítulo próprio do recurso ou das contrarrazões. Aplica-se, ao caso, o princípio da instrumentalidade das formas, também consagrado no art. 277 do CPC/2015. O importante é que o apelante faça constar a impugnação como objeto do recurso de apelação. Caso omisso o recurso sobre o ponto, a questão não integrará o efeito devolutivo do recurso de apelação e, portanto, não poderá ser examinada pelo órgão ad quem, ainda que venha a ser arguida pelo apelante em sustentação oral.
Outro ponto relevante concerne às contrarrazões. No vigente Código de Processo Civil, os limites objetivos da apelação são fixados pelo recorrente. As contrarrazões não estendem o objeto do recurso de apelação, por tratar-se de meio de contraposição às alegações do apelante. Caso haja interesse em acrescentar objetos a serem enfrentados pelo órgão ad quem, há dois caminhos: a interposição do recurso autônomo ou lançar mão do recurso adesivo. Sem a impugnação por meio de recurso próprio, não se permite ampliar o objeto a ser apreciado por ocasião do julgamento da apelação.8 Nesse sentido, representa relevante novidade a previsão de que o apelado poderá ampliar o thema decidendum do tribunal por meio das contrarrazões ao recurso de apelação.
No direito romano houve determinado período em que a apelação apresentava o denominado “benefício comum”, isto é, a apelação interposta por uma das partes devolvia ao exame do órgão ad quem também as questões desfavoráveis ao apelante, de maneira que o julgamento do recurso poderia ensejar a reformatio in peius.9 Em outras palavras, o apelado, para alcançar situação jurídica mais vantajosa, não necessitava fazer uso do recurso de apelação, podendo o tribunal corrigir os vícios da decisão desfavorável ao apelado no julgamento do recurso do próprio apelante.
Apesar das inúmeras distinções que podem ser apontadas, o novo Código de Processo Civil dá um passo em direção ao “benefício comum” da appellatio romana, ao ampliar os limites objetivos do recurso de apelação por meio das contrarrazões do apelado. Não se trata de transformar as contrarrazões de apelação em recurso – até porque seria absurdo condicionar a apresentação de contrarrazões ao cumprimento de determinados requisitos de admissibilidade recursal, como, v.g., o pagamento de preparo. Antes, verifica-se que as contrarrazões, quando veiculam matéria não sujeita a preclusão, permitem a atuação pelo órgão ad quem ao julgar o próprio recurso de apelação interposto pela parte contrária. O objeto da apelação é simplesmente ampliado pelas contrarrazões. Em outras palavras: a apelação interposta por uma das partes é meio hábil a devolver as matérias contidas no próprio recurso e nas contrarrazões, quando disser respeito a questão solucionada em decisão interlocutória, sobre a qual não haja preclusão. Conclui-se, por consequência, que havendo desistência ou inadmissibilidade do recurso de apelação, as matérias suscitadas nas contrarrazões não serão objeto de apreciação pelo órgão ad quem. A apreciação das matérias deduzidas em contrarrazões, portanto, está condicionada ao conhecimento do recurso de apelação interposto.
Pode ocorrer, porém, de a parte vencedora na causa apresentar interesse recursal em ver determinada decisão interlocutória reapreciada pelo tribunal. Exemplo marcante é do réu que vê rejeitada em primeiro grau a impugnação voltada a majorar o valor atribuído à causa. A decisão não está sujeita a agravo de instrumento. Preenchido está, portanto, o requisito do art. 1.009, § 1.º, do CPC/2015, para que a matéria possa ser suscitada em sede de apelação ou em contrarrazões. No entanto, advém sentença de mérito que julga improcedente o pedido, fixando os honorários advocatícios com base no valor da causa.10 Nesse caso, nada obstante o resultado favorável ao réu, subsiste o interesse recursal em ver reformada a decisão interlocutória que rejeitou a impugnação ao valor da causa, para aumentar a verba honorária. Nesses casos, deve-se admitir que o recurso de apelação seja dirigido exclusivamente contra a decisão interlocutória. A parte não pode ser privada de alcançar situação jurídica mais favorável por falta de veículo próprio para a impugnação da decisão interlocutória que padece de vício. Daí ser necessário interpretar o art. 1.009, caput, em conjunto com o § 1.º do CPC/2015, de maneira a não vedar a utilização da apelação quando o interesse jurídico do recorrente disser respeito exclusivamente à impugnação de eventual decisão interlocutória.
Tema relevante diz respeito à falta de recurso de apelação ou de contrarrazões de apelação, quando há remessa necessária (art. 475 do CPC/1973). Ao interpretar o art. 523 do CPC/1973, o STJ considerou que o reexame necessário, por si só, era suficiente para se considerar requerida a apreciação do agravo retido.11 No novo Código de Processo Civil, porém, a posição não pode ser prestigiada. Conforme é entendimento assente, por força da interpretação restritiva conferida ao instituto, em vista de sua exceção no sistema processual, tem-se que a remessa necessária é restrita à sentença e não abarca as decisões interlocutórias.12 Como as questões previstas no § 1.º do art. 1.009 do CPC/2015 não integram a sentença, as decisões interlocutórias não ficam sujeitas ao reexame necessário, cabendo ao ente público interessado fazer uso do recurso de apelação.
Por fim, conquanto o art. 1.009, § 1.º do CPC/2015, preveja que as questões resolvidas na fase de conhecimento, quando não impugnáveis por agravo de instrumento, não ficam sujeitas a preclusão, tem-se que o legislador não foi suficientemente claro. Na verdade, as decisões ficam suscetíveis de serem revisadas pelo órgão ad quem, desde que arguidas em apelação ou contrarrazões. Ou seja, a preclusão também ocorrerá em relação a essas questões. Disso resulta que, não suscitada a matéria no momento oportuno (razões ou contrarrazões de apelação), ocorrerá a preclusão, de maneira que essa questão não poderá ser validamente invocada em recurso posterior (v.g., em sede de embargos de declaração ou de recurso especial).

4. Aspectos procedimentais

O recurso de apelação tem procedimento único, independentemente de seu objeto. Disso resulta que o fato de o recurso abarcar questões decididas na sentença e em decisões interlocutórias não modifica o fato de serem impugnáveis pela mesma via e, portanto, sujeitas ao mesmo trâmite processual.
À semelhança do Código de Processo Civil de 1973, o prazo de interposição e resposta ao recurso de apelação será de 15 dias no novo Código de Processo Civil. No entanto, caso seja incluída nas contrarrazões a ampliação do objeto do recurso de apelação, para alcançar a revisão de determinadas decisões interlocutórias, em atenção às previsões dos arts. 9.º e 10 do CPC/2015, o apelante obrigatoriamente será intimado a oferecer resposta.
Apresentadas as manifestações, o recurso será remetido ao órgão ad quem sem juízo de admissibilidade em primeiro grau de jurisdição. Processada a apelação no tribunal e designada data para julgamento, permite-se que a sustentação oral inclua as matérias referentes às decisões interlocutórias e à sentença, indistintamente. E caso a matéria seja decidida por maioria de votos, o julgamento prosseguirá com o acréscimo de outros julgadores, na forma prevista no regimento interno.13
Ponto importante diz respeito ao efeito suspensivo do recurso de apelação. O novo Código de Processo Civil mantém, como regra, o efeito suspensivo da apelação, conforme a redação do art. 1.012: “a apelação terá efeito suspensivo”. Como se sabe, o efeito suspensivo atribuído ao recurso impede a produção de efeitos pela decisão impugnada. Com tradicional acuidade, Barbosa Moreira registra a impropriedade da locução “efeito suspensivo”: “a expressão ‘efeito suspensivo’ é, de certo modo, equívoca, porque se presta a fazer supor que só com a interposição do recurso passem a ficar tolhidos os efeitos da decisão, como se até esse momento estivessem eles a manifestar-se normalmente. Na realidade, o contrário é que se verifica: mesmo antes de interposto o recurso, a decisão, pelo simples fato de estar-lhe sujeita, é ato ainda ineficaz, e a interposição apenas prolonga semelhante ineficácia, que cessaria se não se interpusesse o recurso”.14
No caso das decisões interlocutórias não sujeitas a agravo de instrumento, não se pode conceber que fiquem com a eficácia suspensa até que sejam devolvidas ao exame do tribunal por meio do recurso de apelação. Isso inviabilizaria a própria solução do litígio em primeiro grau de jurisdição. Tampouco se compreende que, após a sentença, haja sentido em subtrair os efeitos das decisões interlocutórias que serão objeto de reexame em apelação. Por isso, a conclusão inevitável, a nosso ver, é que o efeito suspensivo da apelação diz respeito exclusivamente à sentença. No tocante às decisões interlocutórias que constituam objeto do recurso, não serão abrangidas pelo efeito suspensivo.
Ainda com relação ao procedimento, cabe uma observação interessante. O novo Código de Processo Civil é estruturado para, sempre que possível, propiciar a sanabilidade dos defeitos dos atos processuais e permitir o julgamento sobre o mérito da causa. Não é diferente no recurso de apelação que trata de matéria concernente a decisão interlocutória. Caso seja constatada a ocorrência de vício sanável, que tenha sido invocado no recurso de apelação ou em contrarrazões, o relator poderá determinar que o defeito seja escoimado e, sempre que possível, prosseguirá no julgamento da causa (art. 938, § 1.º do CPC/2015). A previsão é que essa providência se revele muito importante na prática, para evitar o decreto de nulidade da sentença, com o retorno do processo ao primeiro grau de jurisdição, em razão do acolhimento de error in procedendo de eventual decisão interlocutória.

5. Encerramento

A modificação do regime de preclusões e a ampliação do objeto do recurso de apelação pelo novo Código de Processo Civil, para permitir a impugnação de decisões que na vigência do Código de Processo Civil de 1973 eram recorríveis por meio de agravo retido, representam importantes inovações no sistema, que devem ser cuidadosamente estudadas pelos processualistas.
Pretende-se reduzir o número de recursos, cujo julgamento muitas vezes deixa de ser interessante às partes, em vista do desenvolvimento do processo ou de seu resultado. A iniciativa apresenta-se com potencial para reduzir a atividade das partes (hoje obrigadas a agravar na forma retida, apresentar contraminuta e posteriormente reiterar o pedido de julgamento nas razões recusais) e do Poder Judiciário (pela dispensa do processamento do agravo retido em primeiro grau e, a depender da conduta das partes, pela não impugnação das questões decididas em decisões interlocutórias, em razão da perda de interesse das partes).
   
1 “Art. 923. Da sentença cabe apelação.Parágrafo único. As questões resolvidas na fase cognitiva não ficam cobertas pela preclusão e devem ser suscitadas em preliminar de apelação, eventualmente interposta contra a decisão final”.


2 “Art. 963. Da sentença cabe apelação.Parágrafo único. As questões resolvidas na fase cognitiva, se a decisão a seu respeito não comportar agravo de instrumento, não ficam cobertas pela preclusão e devem ser suscitadas em preliminar de apelação, eventualmente interposta contra a decisão final, ou nas contrarrazões”.


3 “Art. 1.022. Da sentença cabe apelação.§ 1.º As questões resolvidas na fase de conhecimento, se a decisão a seu respeito não comportar agravo de instrumento, têm de ser impugnadas em apelação, eventualmente interposta contra a sentença, ou nas contrarrazões. Sendo suscitadas em contrarrazões, o recorrente será intimado para, em quinze dias, manifestar-se a respeito delas.
§ 2.º A impugnação prevista no § 1.º pressupõe a prévia apresentação de protesto específico contra a decisão no primeiro momento que couber à parte falar nos autos, sob pena de preclusão; as razões do protesto têm de ser apresentadas na apelação ou nas contrarrazões de apelação, nos termos do § 1.º”.


4 Lei 13.105/2015.

5 Cf. Luiz Rodrigues Wambier, Teresa Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medina, Breves comentários à nova sistemática processual civil 2, p. 37; Rodrigo Barioni, Efeito devolutivo da apelação civil, RT, 2007, p. 25-26.

6 Muito embora no tocante à impugnação de decisão referente à tutela antecipada ainda haja divergência doutrinária e jurisprudencial, que se justifica dada a urgência da obtenção de efeito suspensivo ao recurso. Sobre referência acerca do tema, vide nosso Efeito devolutivo da apelação, cit., p. 30, nota 39.

7 “Art. 516. Ficam também submetidas ao tribunal as questões anteriores à sentença, ainda não decididas”.

8 Em outra oportunidade, escrevemos: “A matéria impugnada constitui o mérito do recurso de apelação. À semelhança do que ocorre no primeiro grau, em que o pedido do autor, na petição inicial, é o objeto do processo, o pedido do apelante, ‘autor’ do recurso, é o objeto da apelação. Isto é, o mérito do recurso não se amplia ou se reduz pelas contrarrazões do apelado. E mesmo a ausência de contrarrazões não enseja a revelia do apelado, inexistindo prejuízo ou efeitos adversos decorrentes da não apresentação da resposta ao recurso” (Efeito devolutivo, p. 92).

9 Sobre o tema, oportuna é a lição de Ricardo de Carvalho Aprigliano: “Alguns autores afirmam que a característica do processo civil brasileiro de devolverem-se as alegações e os fundamentos invocados também pela parte contrária, mediante apelação de uma parte, sem necessidade de nova indicação na resposta ao recurso, representa uma espécie de benefício comum da apelação.O raciocínio é correto, pois a ampla devolução das questões suscitadas e discutidas no processo – ainda que a sentença não as tenha julgado por inteiro – e também a devolução de todos os fundamentos alegados fazem com que, no direito brasileiro, a transferência do conhecimento da matéria sirva para ambas as partes, mas dependa só da iniciativa recursal de uma delas. Contudo, o uso da expressão benefício comum deve ser recebido com reservas, em virtude de sua utilização em outro sentido, com o qual a devolução em sentido amplo não se confunde.
De fato, fala-se em ‘benefício comum’ quando o recurso de uma parte pode ser julgado favoravelmente à outra, que não recorreu, possibilitando assim que a situação do único recorrente piore em virtude de seu próprio recurso. Como antes afirmado, esse sistema vigeu por muito tempo nos ordenamentos de diversos países, inclusive o brasileiro, mas foi superado pela concepção do recurso como manifestação do princípio dispositivo das partes.
Completamente diverso é o fato de a matéria debatida pelas partes no processo ser levada ao conhecimento do tribunal com base na iniciativa recursal de uma delas apenas. Nesse caso, a vantagem do apelado parece residir no fato de que o recurso pode ser rejeitado mesmo sem sua intervenção na fase recursal, mas sua situação não pode ser considerada melhor pelo fato de o recurso ser rejeitado. Para a caracterização do benefício comum, seria necessário que o apelado tivesse uma melhora prática de sua situação processual, o que não ocorre” (A apelação e seus efeitos, 2. ed., Atlas, 2007, p. 109).


10 Cf. art. 85, § 2.º, do CPC/2015: “§ 2.º Os honorários serão fixados entre o mínimo de dez e o máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa, atendidos: (…)”.

11 REsp 100715/BA, 1.ª T., rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ 14.04.1997, in RSTJ 96/153.

12 Cf. STJ, AgRg no REsp 757837/PR, 5.ª T., rel. Min. Laurita Vaz, DJe 28.09.2009; STJ, REsp 636438/RS, 5.ª T., rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJ 05.12.2005; STJ, AgRg no Ag 536830/MG, 2.ª T., rel. Min. Franciulli Netto, DJ 08.08.2005.

13 Trata-se da técnica de julgamento prevista no art. 942 do CPC/2015:“Art. 942. Quando o resultado da apelação for não unânime, o julgamento terá prosseguimento em sessão a ser designada com a presença de outros julgadores, que serão convocados nos termos previamente definidos no regimento interno, em número suficiente para garantir a possibilidade de inversão do resultado inicial, assegurado às partes e a eventuais terceiros o direito de sustentar oralmente suas razões perante os novos julgadores.
§ 1.º Sendo possível, o prosseguimento do julgamento dar-se-á na mesma sessão, colhendo-se os votos de outros julgadores que porventura componham o órgão colegiado.
§ 2.º Os julgadores que já tiverem votado poderão rever seus votos por ocasião do prosseguimento do julgamento.
§ 3.º A técnica de julgamento prevista neste artigo aplica-se, igualmente, ao julgamento não unânime proferido em:
I – ação rescisória, quando o resultado for a rescisão da sentença, devendo, nesse caso, seu prosseguimento ocorrer em órgão de maior composição previsto no regimento interno;
II – agravo de instrumento, quando houver reforma da decisão que julgar parcialmente o mérito.
§ 4.º Não se aplica o disposto neste artigo ao julgamento:
I – do incidente de assunção de competência e ao de resolução de demandas repetitivas;
II – da remessa necessária;
III – não unânime proferido, nos tribunais, pelo plenário ou pela corte especial.”



14 Comentários ao Código de Processo Civil, 14. ed., Forense, 2008, p. 258, vol. V.