RECURSO ESPECIAL Nº 1.909.451 - SP (2019/0356294-1)
RELATOR : MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO
RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. CPC/2015. ART. 1.013.
APELAÇÃO. EFEITO DEVOLUTIVO. EXTENSÃO DA DEVOLUTIVIDADE
DETERMINADA PELO PEDIDO RECURSAL. CAPÍTULO NÃO
IMPUGNADO. TRÂNSITO EM JULGADO. PROIBIÇÃO DE
REFORMATIO IN PEJUS. CONTRADITÓRIO. INDISPENSABILIDADE.
NÃO ACEITAÇÃO PELO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO DA
"DECISÃO-SURPRESA".
1. A apelação é interposta contra sentença, podendo compreender todos
ou apenas alguns capítulos da decisão judicial recorrida, a depender da
delimitação apresentada pelo recorrente em sua petição, que vincula a
atuação do órgão ad quem na solução do mérito recursal.
2. O efeito devolutivo da apelação define o que deverá ser analisado pelo
órgão recursal. O "tamanho" dessa devolução se definirá por duas
variáveis: sua extensão e sua profundidade. A extensão do efeito
devolutivo é exatamente a medida daquilo que se submete, por força do
recurso, ao julgamento do órgão ad quem.
3. No âmbito da devolução, o tribunal poderá apreciar todas as questões
suscitadas e discutidas no processo, ainda que não tenham sido
solucionadas pela sentença recorrida, mas a extensão do que será
analisado é definida pelo pedido do recorrente. Em seu julgamento, o
acórdão deverá limitar-se a acolher ou rejeitar o que lhe for requerido pelo
apelante, para que não haja ofensa aos princípios da disponibilidade da
tutela jurisdicional e o da adstrição do julgamento ao pedido.
4. O diploma processual civil de 2015 é suficientemente claro ao
estabelecer que "a apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da
matéria impugnada", cabendo ao órgão ad quem apreciar e julgar "todas
as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que não tenham
sido solucionadas, desde que relativas ao capítulo impugnado" (§ 1º do
art. 1.013 do CPC/2015).
5. Sobre o capítulo não impugnado pelo adversário do apelante, podendo a reforma eventualmente significar prejuízo ao recorrente, incide a coisa
julgada. Assim, não há pensar-se em reformatio in pejus, já que qualquer
providência dessa natureza esbarraria na res iudicata.
6. Ao tribunal será permitido julgar o recurso, decidindo, desde logo, o
mérito da causa, sem necessidade de requisitar ao juízo de primeiro grau
manifestação acerca das questões. Considera-se o processo em
condições de imediato julgamento apenas se ambas as partes tiveram
oportunidade adequada de debater a questão de mérito que será
analisada pelo tribunal.
7. A utilização pelo juiz de elementos estranhos ao que se debateu no
processo produz o que a doutrina e os tribunais, especialmente os
europeus, chamam de "decisão-surpresa", considerada inadmissível,
tendo em conta a compreensão atual do contraditório.
8. Recurso especial provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, os Ministros da Quarta Turma do
Superior Tribunal de Justiça acordam, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial,
nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Raul Araújo, Maria Isabel Gallotti
e Antonio Carlos Ferreira votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Marco Buzzi.
Sustentou oralmente o Dr. EMANUEL ZINSLY SAMPAIO CAMARGO, pela parte
RECORRENTE: GUSTAVO AUGUSTO KEUSCH ALBANO NOGUEIRA E OUTROS.
Brasília (DF), 23 de março de 2021(Data do Julgamento)
RELATÓRIO
O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO:
1. CONDOMÍNIO EDIFÍCIO GARAGEM IMERI ajuizou ação de cobrança em
face de JOSÉ PERCIVAL ALBANO NOGUEIRA e NORMA LIDIA KEUSCH ALBANO
NOGUEIRA para o recebimento das despesas e contribuições condominiais, no valor de R$
23.940,86 (vinte e três mil, novecentos e quarenta reais e oitenta e seis centavos), referentes
a um box de garagem de propriedade dos réus. Em razão do falecimento do primeiro
demandado (fl. 99), o Espólio de José Percival Albano Nogueira foi incluído no polo passivo da
demanda (fl. 107), assim como seus herdeiros.
Ao julgar o pedido, o sentenciante de piso reconheceu, por primeiro, a
ilegitimidade passiva dos herdeiros, filhos do falecido, "posto que conforme às fls. 44/45, o
Box n. 142-A foi transmitido por usufruto a JOSÉ PERCIVAL ALBANO NOGUEIRA e NORMA
LIDIA KEUSCH ALBANO NOGUEIRA" (fl. 224), sua viúva. Outrossim, assinalou que apenas o
ESPÓLIO DE JOSÉ PERCIVAL ALBANO NOGUEIRA e NORMA LIDIA KEUSCH ALBANO
NOGUEIRA seriam partes legítimas para a ação de cobrança. Julgou parcialmente
procedente o pedido, observando a prescrição das parcelas da dívida vencidas antes de
16.3.2007.
JOSÉ PERCIVAL ALBANO NOGUEIRA JUNIOR, VERA CECÍLIA PRADO
ALBANO NOGUEIRA PERRONI, GUSTAVO AUGUSTO KEUSCH ALBANO NOGUEIRA,
PRISCILA HELENA KEUSCH ALBANO NOGUEIRA FILETTI e GUILHERME PERCIVAL
KEUSCH ALBANO NOGUEIRA, herdeiros do ESPÓLIO DE JOSÉ PERCIVAL ALBANO,
interpuseram apelação (fls. 255-262) pretendendo a fixação de honorários em desfavor do
Condomínio autor da ação. Na mesma oportunidade impugnaram a condenação do ESPÓLIO DE JOSÉ PERCIVAL ALBANO NOGUEIRA, ao argumento, em síntese, de não
haver responsabilidade pelo débito condominial, uma vez que José Percival e Norma Lidia
nunca fizeram uso do imóvel. Concluíram pela caracterização do abandono do imóvel, nos
termos do art. 1275 do CC, o que, por sua vez, teria acarretado a perda da propriedade do
Box de Garagem. Alegaram que Norma Lidia Keusch Albano Nogueira faleceu em meados de
1990 e, portanto, os Espólios não poderiam ser condenados ao pagamento de débitos
posteriores ao falecimento dos titulares do usufruto do bem, já que a morte dos usufrutuários
tem o condão de extinguir o usufruto.
O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo julgou os recursos (fls. 342-350)
em acórdão cuja ementa se reproduz abaixo:
"- Cobrança de despesas condominiais - Se o apelante, intimado a realizar o
recolhimento do preparo, não o faz, no prazo de cinco dias, aplica-se a
pena de deserção. - Condenação do espólio de José Percival Albano Nogueira e do de Norma
Lidia Keusch Albano Nogueira ao pagamento das despesas condominiais
em atraso - Inadmissibilidade - Anterior substituição processual do espólio
pela viúva e herdeiros filhos, bem como ausência de citação de Norma ou
de seu espólio - Sentença anulada - Julgamento nos termos do § 3º do art.
1013 do CPC. - Tem responsabilidade, pelo débito, o proprietário do imóvel sobre o qual
incidem as despesas condominiais, diante do caráter propter rem da
obrigação - Corréus falecidos eram meros usufrutuários do bem - Responsabilidade apenas dos detentores da nua propriedade - Extinção do
processo, sem exame do mérito, em relação a Norma, bem como à viúva e
aos demais herdeiros filhos de José Percival. - Recurso do corréu Rodrigo não conhecido e, de ofício, anulada a
sentença e, nos termos do inciso II, § 3º, do art. 1.013 do CPC, julgado
extinto o processo, sem exame do mérito, em relação aos corréus Maria
Helena, José Percival, Vera, Rodrigo e Norma, bem como julgado
parcialmente procedente o pedido quanto aos corréus Gustavo, Guilherme
e Priscila".
Opostos embargos de declaração por GUSTAVO ALBANO NOGUEIRA,
PRISCILA HELENA ALBANO NOGUEIRA FILETTI e GUILHERME PERCIVAL NOGUEIRA,
foram rejeitados (fls. 364-368). Os recorrentes foram os herdeiros, cuja responsabilidade pelo
débito condominial fora reconhecida pelo acórdão que julgou a apelação.
Os embargantes interpuseram recurso especial com fundamento na alínea "a"
do permissivo constitucional, alegando violação dos arts. 1.275, III, 1.276 e 1.403, I, todos do
CC e arts. 86 e 1013, caput do CPC.
Asseveram que o acórdão recorrido, ao promover o julgamento de mérito da
causa, após a anulação da sentença, acabou por prejudicar a situação dos ora recorrentes,
violando o disposto pelo art. 1.013, caput, do CPC, caracterizando reformatio in pejus.
Argumentam que o art. 1.013, caput, do CPC disciplina que a apelação devolve
o conhecimento de toda a matéria “impugnada" e, consequentemente, o que não houver sido
impugnado não será devolvido à análise e julgamento pelo Tribunal recursal.
Asseveram que a sentença extinguiu o feito em relação aos recorrentes e
demais corréus, condenando exclusivamente os Espólios de JOSE PERCIVAL ALBANO
NOGUEIRA e NORMA LIDIA KEUSCH ALBANO NOGUEIRA e que o recurso de apelação
interposto objetivava o afastamento da responsabilidade apenas dos Espólios, porque os
reflexos desfavoráveis da decisão apelada repercutiriam sobre seus interesses, tendo em
vista a qualidade de herdeiros que possuem.
Salientam que, pela sentença, haviam sido excluídos do feito, por ilegitimidade
passiva, e, após o julgamento da apelação, mesmo sem a interposição de recurso pelo
Condomínio, passaram a ser os integrais responsáveis pelo pagamento do débito discutido,
matéria que nem sequer teria sido tratada na apelação por eles interposta.
Defendem, ademais, a impossibilidade de serem responsabilizados pelas
despesas condominiais do box de garagem, em razão do evidente “abandono” e falta de
interesse no imóvel por parte dos ora recorrentes.
Alegam que, como nu-proprietários, nunca tiveram conhecimento nem
exerceram posse, disposição ou qualquer outro direito sobre aquele bem e que o abandono, nos termos do art. 1.275 do CC, é hipótese de extinção do direito de propriedade, afastando,
por consequência, a responsabilidade pelo custeio dos débitos propter rem, na hipótese, das
despesas condominiais.
Contrarrazões apresentadas às fls. 390-392.
Após a decisão de inadmissão do recurso especial (fls. 394-395), os ora
recorrentes interpuseram agravo em recurso especial (fls. 407-417).
Em sessão de julgamento realizada em 1º.12.2020, esta colenda Turma, por
unanimidade, acolheu os embargos de declaração opostos pelos ora recorrentes (fls.
490-495), para converter o agravo em recurso especial (fls. 510-511).
É o relatório.
VOTO
O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):
2. A principal controvérsia deste recurso consiste na definição da extensão do
efeito devolutivo da apelação, na sistemática inaugurada pelo Código de Processo Civil de
2015, com base na interpretação do art. 1.013 daquele diploma legal.
Para melhor visualização do debate, transcrevo abaixo o dispositivo
mencionado:
Art. 1.013. A apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria
impugnada.
§ 1º Serão, porém, objeto de apreciação e julgamento pelo tribunal todas as
questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que não tenham sido
solucionadas, desde que relativas ao capítulo impugnado.
§ 2º Quando o pedido ou a defesa tiver mais de um fundamento e o juiz
acolher apenas um deles, a apelação devolverá ao tribunal o conhecimento
dos demais.
§ 3º Se o processo estiver em condições de imediato julgamento, o tribunal
deve decidir desde logo o mérito quando:
I - reformar sentença fundada no art. 485;
II - decretar a nulidade da sentença por não ser ela congruente com os limites do pedido ou da causa de pedir;
III - constatar a omissão no exame de um dos pedidos, hipótese em que
poderá julgá-lo;
IV - decretar a nulidade de sentença por falta de fundamentação.
§ 4º Quando reformar sentença que reconheça a decadência ou a
prescrição, o tribunal, se possível, julgará o mérito, examinando as demais
questões, sem determinar o retorno do processo ao juízo de primeiro grau.
§ 5º O capítulo da sentença que confirma, concede ou revoga a tutela
provisória é impugnável na apelação.
Na hipótese, os recorrentes alegam que o acórdão recorrido, após anular a
sentença e promover o julgamento de mérito da causa, acabou por prejudicá-los, violando o
disposto no art. 1.013, caput, do CPC, proferindo decisão que caracterizou evidente
reformatio in pejus.
Argumentam que o dispositivo disciplina que a apelação devolve ao órgão ad
quem o conhecimento de toda a matéria "impugnada" e, consequentemente, o que não
houver sido impugnado não será devolvido à análise e julgamento pelo Tribunal recursal.
Esclarecem que, em relação aos recorrentes, houve extinção do feito pela
sentença, sendo os espólios de JOSE PERCIVAL ALBANO NOGUEIRA e NORMA LIDIA
KEUSCH ALBANO NOGUEIRA os únicos condenados ao pagamento da dívida objeto da
ação de cobrança originária. Acrescentam que interpuseram o recurso de apelação apenas
para que fosse afastada a responsabilidade dos espólios, porque a decisão que os condenou
ao pagamento da dívida repercutiria sobre seus interesses, tendo em vista a qualidade de
herdeiros que possuem.
Nessa linha, reiteraram que, pela sentença, haviam sido excluídos do feito, por
ilegitimidade passiva, e, após o julgamento da apelação, mesmo sem a interposição de
recurso pelo Condomínio, ora recorrido, passaram a ser os integrais responsáveis pelo
pagamento do débito discutido, matéria que nem sequer teria sido tratada na apelação por
eles interposta.
No que respeita à ilegitimidade passiva dos ora recorrentes, manifestou-se o
juiz sentenciante (fls. 224-226):
"Sendo a questão de fato e de direito e as provas produzidas suficientes ao
seu desate, a lide comporta julgamento antecipado, nos termos do art. 355,
I do Código de Processo Civil.
Primeiramente, reconheço a ilegitimidade passiva dos réus JOSÉ
PERCIVAL ALBANO NOGUEIRA JÚNIOR, MARIA HELENA TOVIANSKAS
ALBANO NOGUEIRA, VERA CECÍLIA PRADO ALBANO NOGUEIRA
PERRONI, GUSTAVO KEUSCH ALBANO NOGUEIRA, PRISCILA HELENA
KEUSCH ALBANO NOGUEIRA FILETTI e GUILHERME PERCIVAL
KEUSCH ALBANO NOGUEIRA e RODRIGO OTÁVIO HONORATO
NOGUEIRA, posto que conforme às fls. 44/45 o Box n° 142-A foi
transmitido por usufruto a JOSÉ PERCIVAL ALBANO NOGUEIRA e NORMA LIDIA KEUSCH ALBANO NOGUEIRA. Portanto, somente o
ESPÓLIO DE JOSÉ PERCIVAL ALBANO NOGUEIRA e NORMA LIDIA
KEUSCH ALBANO NOGUEIRA são partes legítimas na presente ação.
No mérito, a ação é parcialmente procedente.
É bem sabido que para a majoritária jurisprudência, as quotas condominiais
são dívida propter rem, de modo que o titular de direito real sobre o bem
deve por elas responder, na exata medida de seu direito. No entanto, no
caso de haver usufrutuário, este é responsável pelas despesas ordinárias.
(...)
Assim, tratando-se de despesas condominiais ordinárias, compete aos
usufrutuários arcarem com seu pagamento. No caso, ESPÓLIO DE JOSÉ
PERCIVAL ALBANO NOGUEIRA e NORMA LIDIA KEUSCH ALBANO
NOGUEIRA.
(...)
Em face do exposto, JULGO EXTINTO O PROCESSO em face dos réus
JOSÉ PERCIVAL ALBANO NOGUEIRA JÚNIOR, MARIA HELENA
TOVIANSKAS ALBANO NOGUEIRA, VERA CECÍLIA PRADO ALBANO
NOGUEIRA PERRONI, GUSTAVO KEUSCH ALBANO NOGUEIRA,
PRISCILA HELENA KEUSCH ALBANO NOGUEIRA FILETTI e GUILHERME
PERCIVAL KEUSCH ALBANO NOGUEIRA e RODRIGO OTÁVIO
HONORATO NOGUEIRA, JULGO EXTINTO O PROCESSO com fundamento
no artigo 485, VI, do Código de Processo Civil.
Ainda, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE esta ação de cobrança para
o fim de condenar os réus ESPÓLIO DE JOSÉ PERCIVAL ALBANO
NOGUEIRA e NORMA LIDIA KEUSCH ALBANO NOGUEIRA a pagar ao autor
os valores das parcelas condominiais e encargos vencidos e não pagos
desde março de 2007 até o ajuizamento desta ação, devem ser acrescidos
ainda de correção monetária pela Tabela Prática do E. TJSP e de juros de
mora de 1% ao mês, em ambos os casos desde o ajuizamento da ação".
No julgamento da apelação interposta pelos ora recorrentes, o Tribunal de
Justiça do Estado de São Paulo reformou a sentença, estabelecendo conforme abaixo se
transcreve (fls. 345-348):
"2) A ação de cobrança foi proposta em março de 2012, contra José Percival
Albano Nogueira e Norma Lidia Keusch Albano Nogueira, que constam como
usufrutuários na matrícula do imóvel que deu origem ao débito (fls. 44145),
pretendendo o autor fossem eles condenados ao pagamento das despesas
condominiais compreendidas entre setembro de 2003 e dezembro de 2011,
bem como das parcelas vencidas no curso da demanda.
(...)
Pois bem.
O encerramento do inventário, com a homologação da partilha, em outubro
de 2014 (fl. 183), implicou extinção do espólio de José Percival Albano
Nogueira, razão de ter sido determinada a adequação do polo passivo, a fim
de nele serem incluídos os herdeiros, o que foi feito, ocorrendo a
substituição processual, de forma que só os herdeiros, não mais o espólio,
integravam o polo passivo do processo.
Além disso, nunca houve citação do espólio de Norma Lidia Keusch Albano
Nogueira, que, consoante foi informado pelos apelantes, falecera em
meados de 1990.
Apesar de o espólio de José Percival não mais integrar o processo e do de Norma nunca o ter integrado nem ter sido citado, a sentença
os condenou ao pagamento das despesas inadimplidas, de forma
que ela tem de ser anulada, sem necessidade, porém, de retorno
dos autos à origem, porque o processo está em condições de
imediato julgamento, o que passo a fazer, nos termos do artigo
1.013, § 3º, II, do atual CPC, uma vez que as questões suscitadas
tratam apenas de matéria de direito, bem como por já ter sido
atendido plenamente o contraditório.
(...)
José Percival Albano Nogueira e Norma Lidia Keusch Albano Nogueira não
eram proprietários, mas usufrutuários do bem gerador das despesas
condominiais, conforme consta da matrícula do imóvel (fls. 44145), cuja
certidão instruiu a inicial da ação.
Detentores da nua propriedade do box de garagem, consoante R.2
da matrícula n° 51.570, do 5° CRI de São Paulo, eram apenas Gustavo
Augusto Keusch Albano Nogueira, Guilherme Percival Keusch
Albano Nogueira e Priscila Helena Keusch Albano Nogueira (fls.
44vº), que, em razão da morte dos usufrutuários, receberam a
integralidade da propriedade.
Assim sendo e também porque o imóvel nunca integrou o patrimônio
do espólio de José Percival, já que, repito, com sua morte os nus
proprietários do bem - Gustavo, Guilherme e Priscila - passaram a
ter sua propriedade integral, é induvidosa a ilegitimidade passiva da
viúva Maria Helena Tovianskas Albano Nogueira e dos herdeiros
filhos José Percival Albano Nogueira Júnior, Vera Cecília Prado
Albano Nogueira Perroni e Rodrigo Otávio Honorato Nogueira, não
sendo eles responsáveis pelo pagamento de nenhuma das despesas
condominiais cobradas no processo, porque nunca foram nem são
proprietários do imóvel que lhes deu origem.
Dessa forma, reconheço a ilegitimidade passiva dos corréus Maria
Helena Tovianskas Albano Nogueira, José Percival Albano Nogueira
Júnior, Vera Cecília Prado Albano Nogueira Perroni e Rodrigo Otávio
Honorato Nogueira – a quem o apelo aproveita –, assim como em
relação a Norma Lidia Keusch Albano Nogueira, e, quanto a eles,
julgo extinto o processo, sem resolução do mérito, na forma do art.
485, inc. VI, do CPC.
Não custa repetir, a propósito, que o espólio de José Percival Albano
Nogueira não mais integrava o processo, porque tinha sido substituído pela
viúva e herdeiros filhos, sendo impertinente, portanto, a extinção do feito em
relação a ele.
3) Por outro lado, os réus Gustavo, Priscila e Guilherme, únicos
proprietários do bem, respondem com exclusividade pelas
despesas condominiais em atraso, excetuadas aquelas atingidas
pela prescrição, ou seja, as que se venceram até 15.3.2007, porque
prescreve em cinco anos a ação de cobrança de cotas condominiais,
conforme definiu a Colenda Terceira Turma do Superior Tribunal de
Justiça, em 18.8.11.
(...)
Diante disso, julgo parcialmente procedente o pedido inicial, e o
faço para condenar os corréus Gustavo Augusto Keusch Albano
Nogueira, Guilherme Percival Keusch Albano Nogueira e Priscila
Helena Keusch Albano Nogueira Filetti, solidariamente, ao pagamento das despesas condominiais vencidas a partir de
16.3.2007, mais as que se vencerem no curso do processo até o
cumprimento integral da obrigação, acrescidas de juros de mora à
taxa legal de 1% ao mês, correção monetária e multa de 2%, desde os -- vencimentos de cada parcela, além das custas, despesas
processuais e honorários advocatícios ao patrono do autor, que fixo
em 10% sobre o valor total da condenação.
Diante do exposto: (...)
iii) julgo extinto o processo, sem exame do mérito, em relação aos
corréus José Percival Albano Nogueira Júnior, Maria Helena
Tovianskas Albano Nogueira, Vera Cecília Prado Albano Nogueira
Perroni, Rodrigo Otávio Honorato Nogueira e Norma Lidia Keusch
Albano Nogueira, nos termos do art. 485, VI, do CPC;
iv) julgo parcialmente procedente o pedido quanto aos corréus
Gustavo Keusch Albano Nogueira, Priscila Helena Keusch Albano
Nogueira Filetti e Guilherme Percival Keusch Albano Nogueira, nos
termos acima fixados".
3. Com efeito, convém logo anotar que foram significativas as alterações de
institutos do Direito Processual Civil pelo Código de 2015, assim como a introdução de
institutos novos, por isso reclamam interpretação, nos moldes realizados por esta Corte
Superior, para a adaptação ao cotidiano doutrinário e judicial.
Quanto à hipótese em debate, identifica-se, de pronto, a necessidade de
"revisitar" o recurso de apelação e, principalmente, analisar os efeitos por ele produzidos,
para compreender sua disciplina no novo ordenamento processual.
Como de conhecimento, a apelação visa à obtenção de novo pronunciamento
sobre a causa, com reforma total ou parcial da sentença do juiz de primeiro grau. Nessa
extensão, “as questões de fato e de direito tratadas no processo, sejam de natureza
substancial ou processual, voltam a ser conhecidas e examinadas pelo tribunal”.
(THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Execução forçada,
processo nos tribunais, recursos e direito intertemporal. v. III. 48. ed. Rio de Janeiro: Forense,
2016. p. 595).
Nesse rumo, importa ressaltar que a proeminência deste recurso se revela nas
inúmeras possibilidades de discussões que ele proporciona, de natureza processual, fática
ou jurídica, devolvendo-as, quando impugnadas, para reapreciação do Tribunal.
A apelação é tirada contra sentença (art. 1.009, caput, CPC/2015), sendo que
sua interposição pode compreender todos, ou apenas alguns, itens ou capítulos da decisão
judicial recorrida, a depender da delimitação apresentada pelo recorrente na interposição do
apelo, limitando, assim, a atuação do órgão ad quem na solução do mérito recursal.
Acerca da teoria da sentença e de sua estrutura, Cândido Rangel Dinamarco,
que se dedicou a obra específica sobre o tema, conceitua capítulos da decisão judicial como uma unidade elementar autônoma, no sentido de que cada um deles
expressa uma deliberação específica; cada uma dessas deliberações é
distinta das contidas nos demais capítulos e resulta da verificação de
pressupostos próprios, que não se confundem com os pressupostos das
outras.
(Capítulos da sentença. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 34).
Nessa linha, o professor Tauã Lima Rangel, Doutor em Ciências Jurídicas e
Sociais pela Universidade Federal Fluminense, destaca como base fundamental da teoria dos
capítulos da sentença o reconhecimento de que, embora formalmente una, a decisão judicial
pode abrigar diversos fragmentos decisórios quando analisada sob o aspecto material, tese,
diga-se de passagem, cuja relevância não se restringe à academia, tendo em vista sua
irrefutável contribuição para otimização da tramitação do processo judicial: "o que a teoria
propõe é, indene de dúvidas, a operabilidade como caminho para se atingir eficiência na
gestão do instrumental da jurisdição, e, nesse ponto, vai ao encontro de axiomas
relevantíssimos à estruturação do ordenamento jurídico brasileiro" (A teoria dos capítulos de
sentença no novo CPC: algumas reflexões sobre a temática. Revista Âmbito Jurídico. N. 164.
ano XX. Set./2017).
Destarte, tendo como norte a promoção de uma jurisdição efetiva, o Código
novo assumiu o papel de instrumento viabilizador de uma justiça real, veículo de efetivação de
direitos materiais, a qual ocorre quando da solução do conflito com enfrentamento do mérito e
em tempo razoável.
É bem verdade que o anunciado pela referida teoria não é obra do Código de
Processo de 2015. No entanto, o novo diploma inovou ao conferir cientificidade àquela
doutrina, mormente ao positivar o instituto do julgamento antecipado parcial do mérito, prevendo a pulverização de decisões ao longo do iter processual, que, antes, deveriam
compor um único decisório (NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito
Processual Civil. 8. ed. Salvador: JusPodivm, 2016).
A sistematização da sentença em capítulos guarda íntima relação com o
estudo de um dos efeitos produzidos pela apelação, o denominado efeito devolutivo.
Aliás, a meu ver, mais do que intimamente ligados, o fracionamento ideológico
da decisão judicial constitui-se como premissa e, ao mesmo tempo, fundamento da extensão
a que cumpre ao efeito devolutivo delimitar.
Nesse rumo, da mesma forma que a propositura da demanda propicia a
delimitação da res in iudicium deducta, é pela interposição do recurso, na produção de seu
efeito devolutivo, que se dá a autorização ao tribunal para o exercício de seu poder
jurisdicional.
Por essa perspectiva é que se afirma que o efeito devolutivo causa "a restauração do poder jurisdicional já exercido na decisão e a sua consequente investidura no
órgão competente" para julgar o recurso interposto (GRECO, Leonardo. Instituições de
Processo Civil. v. 3. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 53). E concluiu Enrico Liebman, em
precisa lição, referenciado por Lucas Macêdo, que o efeito devolutivo é a passagem da
causa, decidida pelo juiz inferior, à plena cognição do juiz superior (Efeito devolutivo e limites
objetivos do juízo recursal: da irrelevância da causa de pedir recursal. Revista de Processo.
v. 292. ano 44. São Paulo: Ed. RT, junho 2019, pp. 215-250).
Na ordem dessas ideias, é mesmo o efeito devolutivo que define o que deverá
ser analisado pelo órgão competente no julgamento do recurso. O "tamanho" dessa
devolução se definirá por duas medidas: sua extensão e sua profundidade. Sobre essas
"medidas" que dão forma ao efeito devolutivo, esclarece José Carlos Barbosa Moreira, com
seu estilo inconfundível, que "delimitar a extensão do efeito devolutivo é precisar o que se
submete, por força do recurso, ao julgamento do órgão ad quem; medir-lhe a profundidade é
determinar com que material há de trabalhar o órgão ad quem para julgar" (Comentários ao
Código de Processo Civil. 16. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012, p. 429).
Na lição de Humberto Theodoro Júnior, em consonância com o dispositivo
processual que trata da matéria dentro do âmbito da devolução, o tribunal poderá apreciar
todas as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que não tenham sido
solucionadas pela sentença recorrida. Adverte, todavia, que a extensão do que será analisado
pelo órgão recursal será definida "pelo pedido do recorrente, visto que nenhum juiz ou órgão
judicial pode prestar a tutela jurisdicional senão quando requerida pela parte". "Por isso, o art.
1.013 afirma que a apelação devolverá ao tribunal a 'matéria impugnada', o que quer dizer
que, em seu julgamento, o acórdão deverá se limitar a acolher ou rejeitar o que lhe for
requerido pelo apelante (...)". Assim, "é preciso estar atento, para não ofender o princípio da
disponibilidade da tutela jurisdicional e o da adstrição do julgamento ao pedido (princípio da
congruência)" (Op. cit. pp. 1.016-1.017).
Acerca da questão, Pontes de Miranda já orientava que o pedido recursal é
manifestação de vontade e, no campo dos recursos cíveis, "recorrer significa comunicar
vontade de que o feito, ou parte do feito, continue conhecido, não se tendo, portanto, como
definitiva a cognição incompleta, ou completa, que se operara" (Comentários ao Código de
Processo Civil. T. VII. Rio de Janeiro: Forense, 1975. p. 4).
4. Há de ser ressaltada, entretanto, a existência de parcela da doutrina que
admite a superação dos limites impostos pela extensão do pedido recursal, permitindo-se,
assim, a análise e julgamento pelo órgão ad quem de questões não impugnadas, com a
possibilidade de serem reformadas ou anuladas, quando se tratar de matéria de ordem
pública.
O fundamento principal de que se valem os defensores da viabilidade de
desconsiderar-se a delimitação operada pelo pedido do recorrente é o dever de pronunciar a
nulidade de questões que devam ser conhecidas de ofício.
Consoante exemplifica Nelson Nery, adepto desse entendimento: "é o caso em
que é interposto recurso para a reforma de uma condenação e o tribunal anula toda a
sentença por reconhecer a incompetência absoluta do juízo prolator do decisum" (Teoria
geral dos recursos. 6. ed. São Paulo: RT, 2004, p. 485).
Não obstante, conforme pondera José Roberto dos Santos Bedaque, a posição
dessa segunda linha de pensamento, se já parecia ser uma opção interpretativa incorreta,
agora se tornou insustentável, diante da expressa limitação da extensão do efeito devolutivo
disposta no caput e no § 1º do art. 1.013 do CPC/2015 (Apelação: questões sobre
admissibilidade e efeitos. In: NERY JUNIOR, Nelson; ALVIM, Teresa Arruda (Coord.).
Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis e de outros meios de impugnação às
decisões judiciais. São Paulo: RT, 2003, v. 7, pp. 464-465).
De fato, basta a leitura do dispositivo equivalente no CPC de 1973 para
perceber a alteração sensível que se realizou na nova redação:
Art. 515. A apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria
impugnada.
§ 1º Serão, porém, objeto de apreciação e julgamento pelo tribunal todas as
questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que a sentença não
as tenha julgado por inteiro.
------------------------------------------------------------------------------
Art. 1.013. A apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria
impugnada.
§ 1º Serão, porém, objeto de apreciação e julgamento pelo tribunal todas as
questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que não tenham sido
solucionadas, desde que relativas ao capítulo impugnado.
Deveras, o diploma processual civil em vigor, a meu ver, é suficientemente
claro ao estabelecer que "a apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria
impugnada", cabendo ao órgão ad quem apreciar e julgar "todas as questões suscitadas e
discutidas no processo, ainda que não tenham sido solucionadas, desde que relativas ao
capítulo impugnado".
Na linha desse raciocínio, Rodrigo Barioni esclarece, ainda quando vigente o
antigo dispositivo, que o texto legal possibilita o conhecimento pelo órgão ad quem de todo o
material que estava à disposição do órgão judicante no momento de proferir a sentença
(Efeito devolutivo da apelação. São Paulo: RT, 2007, p. 150).
Elaborado o pedido recursal, tem-se a delimitação da questão ou capítulo que
será objeto de análise e julgamento. Em relação ao que foi impugnado estará o tribunal autorizado a valer-se de razões ou argumentos que não foram necessariamente elencados
na impugnação do recorrente, desde que se refiram e sejam relevantes ao julgamento da
questão recorrida.
No mesmo rumo do entendimento apresentado, o Fórum Permanente de
Processualistas Civis (FPPC), em seu enunciado n. 100, há muito destacou:
100. (art. 1.013, § 1º, parte final) Não é dado ao tribunal conhecer de
matérias vinculadas ao pedido transitado em julgado pela ausência de
impugnação. (Grupo: Ordem dos Processos no Tribunal, Teoria Geral dos
Recursos, Apelação e Agravo)
5. De outra parte, importante enfatizar que, mesmo entre aqueles que admitem
a apreciação e julgamento de questões de ordem pública, ainda que não tenham sido
devolvidas ao órgão ad quem, é consenso, porque derivada de lição fundamental, a
impossibilidade da reforma da decisão recorrida que prejudique a situação do recorrente,
quando o recurso for apenas da parte que será prejudicada, salvo situações excepcionais
previstas em lei (caso da majoração dos honorários sucumbenciais recursais, previsto no art.
85, § 11, CPC/2015).
Destarte, conforme enfatiza Rogério Tucci, embora omisso o Código, a
reformatio in pejus não é admitida, não se podendo perder de vista que "tanto quanto o juiz de
primeira instância, o órgão colegiado de segundo grau, apesar de investido dos mesmos
poderes para conhecer do processo e da lide, não pode manifestar-se sobre o que não
constituía objeto do pedido (...), e já não pode mais subsistir qualquer dúvida sobre a
vedação da reforma para pior" (Curso de direito processual – Processo civil de
conhecimento – II. São Paulo: J. Bushastsky, 1976, p. 247).
Na mesma toada, arremata Humberto Theodoro Júnior:
Sobre a parte da sentença que não foi objeto de recurso pelo
adversário do apelante, e que eventualmente poderia ser alterada
em prejuízo deste, incidiu a coisa julgada, diante de inércia daquele
a que a reforma da sentença favoreceria. Assim, não há se pensar
em reformatio in pejus, já que qualquer providência dessa natureza
esbarraria na res iudicata. (Op. cit. p. 1019).
A propósito, este o entendimento desta Casa:
PROCESSO CIVIL. REFORMATIO IN PEJUS. NÃO É DADO AO TRIBUNAL,
NO JULGAMENTO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO INTERPOSTO PELO
AUTOR, EXTINGUIR O PROCESSO SEM JULGAMENTO DO MERITO, EM
FACE DA PROIBIÇÃO DE REFORMATIO IN PEJUS, QUE ABRANGE A
PROVISÃO JURISDICIONAL DE OFICIO. RECURSO CONHECIDO E
PROVIDO.
(REsp 65.376/MG, Rel. MIN. COSTA LEITE, TERCEIRA TURMA, julgado
em 14/08/1995, DJ 18/09/1995)
RECURSO. Reformatio in pejus. Carência da ação. Julgamento de ofício.
Embargos à arrematação. - O Tribunal não pode, de ofício, reconhecer a carência da ação de
embargos e extinguir o processo, no recurso de agravo interposto
pelo embargante para ampliar o efeito suspensivo concedido aos
embargos. - Recurso conhecido e provido.
(REsp 172.263/SP, Rel. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, SEGUNDA
SEÇÃO, julgado em 09/06/1999, DJ 29/05/2000)
CAUTELAR. MEDIDA LIMINAR CONCEDIDA PARCIALMENTE. AGRAVO DE
INSTRUMENTO INTERPOSTO PELOS REQUERENTES, VISANDO A
AMPLIAR OS EFEITOS DA TUTELA ANTECIPATIVA. ACÓRDÃO QUE, DE
OFÍCIO, DECRETA A EXTINÇÃO DO PROCESSO, SEM O CONHECIMENTO
DO MÉRITO, EM RELAÇÃO A SEIS DELES. INADMISSIBILIDADE.
1. Interesse processual dos requerentes excluídos existente, dado que a
Anapec fora afastada do polo ativo da demanda ajuizada anteriormente.
2. Ao Tribunal não é dado, de ofício, reconhecer a carência de ação e
extinguir o processo sem o conhecimento do mérito, no recurso de
agravo de instrumento manifestado pelos requerentes, visando a
ampliar os efeitos da tutela antecipatória. Precedentes do STJ.
3. Recurso especial conhecido e provido.
(REsp 363.529/DF, Rel. Ministro BARROS MONTEIRO, QUARTA TURMA,
julgado em 17/02/2005, DJ 28/03/2005)
PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO. EFEITO TRANSLATIVO. REFORMATIO
IN PEJUS. IMPOSSIBILIDADE. RITO SUMÁRIO. ADOÇÃO. NULIDADE.
PREJUÍZO. NÃO OCORRÊNCIA. INSTRUMENTALIDADE DAS FORMAS.
1 - O efeito translativo do art. 515, §§ 1º e 2º, do CPC não autoriza
reformatio in pejus, vale dizer, que o Tribunal, ao conhecer e negar
provimento à única apelação do processo, ou seja, a do vencido até
então na demanda, promova um agravamento da sua situação,
conforme ocorre no caso presente, com a extinção do processo,
sem julgamento de mérito, em face da impropriedade do rito
processual. Precedentes do STJ.
2 - Ademais, afigura-se desarrazoado sepultar um processo iniciado há
duas décadas porque adotado o rito sumaríssimo, hoje sumário, em lugar
do ordinário, dando prevalência à forma em detrimento dos fins por ela
colimados. Tem inteira aplicação o Princípio da Instrumentalidade das
Formas se, como no caso presente, não se divisa a ocorrência de prejuízos
para as partes, que puderam produzir provas em audiências fracionadas,
dispensar a produção de outras e ainda apresentar razões finais escritas.
3 - Recurso especial conhecido em parte (letra "c") e, nesta extensão,
provido para, reformando o acórdão recorrido, determinar a volta dos autos
ao Tribunal de origem, para que julgue a apelação conforme entender de
direito.
(REsp 640.860/RJ, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, QUARTA
TURMA, julgado em 18/08/2005, DJ 05/09/2005)
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE EXTINÇÃO DE
CONDOMÍNIO FLORESTAL CUMULADA COM CONDENAÇÃO EM PERDAS E DANOS. EFEITO TRANSLATIVO. INSTÂNCIA ESPECIAL.
INAPLICABILIDADE. PREQUESTIONAMENTO. NECESSIDADE. NEGATIVA
DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. ART. 535 DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA.
EFEITO TRANSLATIVO DA APELAÇÃO. PRINCÍPIO DISPOSITIVO.
CONEXÃO RECONHECIDA. INEXISTÊNCIA DE OBRIGATORIEDADE DE
JULGAMENTO CONJUNTO. ART. 283 DO CPC. DOCUMENTO
INDISPENSÁVEL À PROPOSITURA DA AÇÃO. NÃO CONFIGURAÇÃO.
ALEGAÇÃO DE EXCEÇÃO DE CONTRATO NÃO CUMPRIDO. NÃO
COMPROVAÇÃO. REEXAME DE PROVAS. INVIABILIDADE. SÚMULA Nº
7/STJ. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULA Nº 211/STJ.
SENTENÇA CONDENATÓRIA. HONORÁRIOS. PERCENTUAL SOBRE A
CONDENAÇÃO. LIMITES MÍNIMO E MÁXIMO. ART. 20, § 3º, DO CPC.
CRITÉRIOS DE FIXAÇÃO DA VERBA HONORÁRIA. PARÁGRAFOS 3º E 4º
DO CPC. PRINCÍPIO DA ISONOMIA. NÃO INFRINGÊNCIA. SUCUMBÊNCIA.
REDISTRIBUIÇÃO. INVIABILIDADE. SÚMULA Nº 7/STJ.
(...)
4. O efeito translativo da apelação, insculpido no artigo 515, § 1º, do
CPC, aplicável geralmente às questões de ordem pública, não
autoriza o conhecimento pelo julgador de matérias que deveriam ter
sido suscitadas pelas partes no momento processual oportuno por
força do princípio dispositivo do qual decorre o efeito devolutivo da
apelação que limita a atuação do Tribunal às matérias efetivamente
impugnadas.
(...0
18. Recurso especial conhecido em parte e, na parte conhecida, não
provido.
(REsp 1484162/PR, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA,
TERCEIRA TURMA, julgado em 24/02/2015, DJe 13/03/2015)
6. Outro ponto relevante, que impõe seja considerado e que toca diretamente
ao caso concreto, diz respeito à bilateralidade do juízo, inerente à ideia de processo e à
garantia constitucional do contraditório e do direito de defesa.
Por certo, se, de um lado, não há dúvidas de que o juízo pode decidir a norma
aplicável, mesmo sem provocação das partes e contra eventual interesse delas, definindo o
correto enquadramento da controvérsia, de outro lado, parece mesmo irrefutável o
compromisso com a promoção de princípios fundamentais que são parte indissociável do
processo.
Ora, é intuitivo concluir que a solução de questão estranha ao que fora
estabelecido pelo recorrente – mesmo que exclusivamente referente à matéria de ordem
pública –, ao ensejo de decidir o processo ou algum incidente no seu curso, comprometerá a
efetividade do contraditório.
É que o entendimento contemporâneo do contraditório o define como
prerrogativa de "participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio,
mediante a possibilidade de, em plena igualdade, influírem em todos os elementos (factos,
provas, questão de direito) que se encontrem em ligação com o objeto da causa", uma vez que "o escopo principal do princípio do contraditório deixou assim de ser a defesa, no sentido
negativo de oposição ou resistência à actuação alheia, para passar a ser a influência, no
sentido positivo de direito de incidir activamente no desenvolvimento do processo"
(FREITAS, José Lebre de. Introdução ao Processo Civil. Conceito e princípios gerais. Coimbra: Coimbra Editora, 1996, pp. 96-97).
No caso dos autos, ainda que se considere como capítulo da sentença a
legitimidade passiva da causa, analisada de forma geral, independentemente do réu em
relação ao qual se estaria atribuindo essa condição, penso que o julgamento proferido pelo
tribunal paulista estaria, ainda assim, maculado pela desobediência à realização do
contraditório.
Noutros termos, mesmo considerando que o fato de os apelantes terem
impugnado a legitimidade passiva do ESPÓLIO tenha sido suficiente para devolver ao tribunal
a análise da questão "legitimidade passiva", haveria de se reconhecer a nulidade do
julgamento por não ter sido dada oportunidade aos recorrentes de manifestarem-se a
respeito de matéria cujo julgamento poderia ser-lhes prejudicial.
7. Cumpre acrescentar, por oportuno, outro viés impeditivo do julgamento pelo
órgão ad quem fora dos limites apresentados pelo autor do recurso, sem que haja respeito ao
contraditório. É que, ainda que se pretenda valer-se da teoria da causa madura, prestigiada
de modo explícito no § 3º do art. 1.013 do CPC, para fundamentar o julgamento da apelação
na extensão proposta pelo tribunal paulista, a falta do contraditório acerca da questão
decidida se apresentaria, agora, como barreira ao próprio cumprimento daquela teoria.
Confira-se, uma vez mais, o teor do dispositivo referenciado:
Art. 1.013. A apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria
impugnada.
(...)
§ 3º Se o processo estiver em condições de imediato julgamento, o
tribunal deve decidir desde logo o mérito quando:
I - reformar sentença fundada no art. 485
II - decretar a nulidade da sentença por não ser ela congruente com os
limites do pedido ou da causa de pedir;
III - constatar a omissão no exame de um dos pedidos, hipótese em que
poderá julgá-lo;
IV - decretar a nulidade de sentença por falta de fundamentação.
Efetivamente, conforme se percebe da simples leitura do dispositivo, nas
situações descritas nos seus incisos, ao tribunal será permitido julgar o recurso, decidindo,
desde logo, o mérito da causa, sem necessidade de requisitar ao juízo de primeiro grau
manifestação acerca daquelas questões, providência já permitida, diga-se de passagem, na
sistemática processual regida pelo diploma de 1973 (§ 3º, art. 515).
Todavia, conforme nos ensina, uma vez mais, Humberto Theodoro Júnior, para
considerar-se madura a causa, não basta, por exemplo, que a questão de mérito a ser
decidida seja apenas de direito. "Mesmo que não haja prova a ser produzida, não poderá o
Tribunal enfrentá-la no julgamento da apelação formulada contra a sentença terminativa, se
uma das partes ainda não teve oportunidade processual adequada de debater a
questão de mérito. Estar o processo em condições de imediato julgamento significa,
em outras palavras, não apenas envolver o mérito da causa questão só de direito que
se deve levar em conta, mas também a necessidade de cumprir o contraditório" (Curso
de direito processual civil - excecução forçada, processos nos tribunais, recursos e direito
intertemporal. v. III. 48. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 1.020).
No rumo desse raciocínio, considerando-se indispensável o contraditório para
configuração da causa madura, já acenava o entendimento desta Corte:
PROCESSUAL CIVIL E DIREITO DE VIZINHANÇA. RECURSO ESPECIAL.
USO DE ÁGUA DE NASCENTE DE OUTRO PRÉDIO. APRECIAÇÃO DE
VIOLAÇÃO A DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL. INVIABILIDADE. OMISSÃO,
CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. INEXISTÊNCIA. ARTIGO 515, § 3º, DO
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. JULGAMENTO DO MÉRITO DA CAUSA
PELO TRIBUNAL, CASO TENHA SIDO PROPICIADO O CONTRADITÓRIO E
A AMPLA DEFESA, COM REGULAR E COMPLETA INSTRUÇÃO DO
PROCESSO. POSSIBILIDADE. ACORDO, HOMOLOGADO EM JUÍZO PARA
SOLUCIONAR CONFLITO, PREVENDO O USO DA ÁGUA DE PRÉDIO DE
VIZINHO, NOS MOLDES DO DISPOSTO NO CÓDIGO DE ÁGUAS.
DESCONSTITUIÇÃO DO ACORDO, TENDO EM VISTA O ULTERIOR
FORNECIMENTO DE ÁGUA NA LOCALIDADE POR CONCESSIONÁRIA DE
SERVIÇO PÚBLICO. POSSIBILIDADE. RESTRIÇÃO AO DIREITO DE
PROPRIEDADE PELO EXERCÍCIO DE DIREITO DE VIZINHANÇA DE
CARÁTER PRECÁRIO. USUCAPIÃO. DESCABIMENTO.
1. Embora seja dever de todo magistrado velar a Constituição Federal, para
que se evite supressão de competência do egrégio STF, não se admite
apreciação, em sede de recurso especial, de matéria constitucional.
2. A interpretação do artigo 515, § 3º, do Código de Processo Civil
deve ser realizada de forma sistemática, tomando em consideração
o artigo 330, I, do mesmo Diploma. Com efeito, o Tribunal, caso
propiciado o contraditório e a ampla defesa, com regular e completa
instrução do processo, deve julgar o mérito da causa, mesmo que
para tanto seja necessária apreciação do acervo probatório.
(...)
6. Recurso especial parcialmente conhecido e, na extensão, não provido.
(REsp 1179450/MG, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA
TURMA, julgado em 15/05/2012, DJe 28/05/2012)
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COBRANÇA. DESPESAS DE
MANUTENÇÃO DE CONDOMÍNIO DE FATO. SENTENÇA. EXTINÇÃO DO
PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. RECURSO DE APELAÇÃO.
TEORIA DA CAUSA MADURA. INAPLICABILIDADE. NECESSIDADE DE
DILAÇÃO PROBATÓRIA. 1. Cuida-se, na origem, de ação de cobrança de despesas de manutenção
de condomínio de fato (irregular).
2. Segundo a jurisprudência deste Tribunal, o julgamento da lide, na forma
do art. 515, § 3º, do CPC/73, é admitido quando, reformada a sentença de
extinção do processo sem resolução do mérito, a causa versar sobre
questão de direito, ou de direito e fato, e estiver madura para imediata
apreciação.
3. Entende-se, entrementes, que a demanda se encontra pronta para
julgamento "quando instaurada a relação processual e encerrada a
necessária instrução do processo, assegurado às partes o amplo
direito de deduzir alegações, de requerer a produção das provas
que entender necessárias para demonstrar o próprio direito
material e de impugnar as teses e as provas apresentadas pela
parte contrária" (REsp 1.340.800/CE, 4ª Turma, DJe de 04/12/2017).
4. Hipótese em que a demanda versa sobre questões de fato e de direito,
porém não houve prévia dilação probatória a autorizar o imediato
julgamento da lide pelo Tribunal, caracterizando-se, destarte, o
cerceamento de defesa em desfavor da parte ré.
5. Agravo interno não provido.
(AgInt no AREsp 751.507/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA
TURMA, julgado em 25/03/2019, DJe 27/03/2019)
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS DE TERCEIRO.
OMISSÕES, OBSCURIDADES E CONTRADIÇÕES INEXISTENTES.
TEMPESTIVIDADE DOS EMBARGOS. SÚMULA N. 7 DO STJ. TEORIA DA
CAUSA MADURA. AUSÊNCIA DE CITAÇÃO.
(...)
4. A teoria da causa madura, disciplinada no art. 515, § 3º, do CPC/1973,
não pode ser aplicada quando ausente a citação do réu, ao qual nem
mesmo foi deferido prazo para contestar a ação. A simples apresentação de
contrarrazões à apelação do autor, sem produzir provas, afirmando tão
somente a intempestividade dos embargos de terceiro, a ilegitimidade ativa
e a litigância de má-fé da embargante não viabiliza a utilização da referida
teoria, pena de cercear o direito à ampla defesa.
(...)
7. Recurso especial conhecido em parte e provido também parcialmente.
(REsp 1340800/CE, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA
TURMA, julgado em 21/11/2017, DJe 04/12/2017)
8. Por fim, mas não menos relevante, deve ser salientado que há no Código
Processual de 2015 uma regra geral, positivada em seu art. 10, no sentido da indispensável
observância da participação qualificada das partes na formação do juízo decisório.
Confira-se:
Art. 10. O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em
fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade
de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de
ofício.
Na linha desse entendimento, Estévão Mallet assevera que não se permite ao juiz decidir mediante fundamento ainda não submetido à manifestação das partes, ainda
que a questão tenha sido debatida amplamente. Na sequência, pondera o autor:
Se as partes não puderem discutir e debater potencial enquadramento
jurídico da controvérsia, a ser feito de ofício pelo juízo, ou a aplicação de
uma norma, cuja incidência no caso nunca foi aventada no processo, ou,
ainda, determinada questão considerada de ordem pública, em termos
práticos sofrerão sensível limitação ao contraditório. Ficam privadas, ao fim
e ao cabo, da efetiva possibilidade influir no convencimento do juízo,
inclusive alterando o encaminhamento que se pretende dar ao processo ou
o seu desfecho.
(...)
A utilização pelo juiz, apenas quando do julgamento, de elementos
estranhos ao que se debateu no processo – pouco importa trate-se de
elementos de fato ou de direito, matéria de ordem pública que seja – produz
o que a doutrina e os tribunais especialmente os europeus, chamam de
"decisão-surpresa", "decisão solitária" ou, ainda, "sentença de terceira via".
Tendo em conta a compreensão atual do contraditório, é algo que se
considera inadmissível.
(MALLET, Estevão. Notas sobre o problema da chamada
“decisão-surpresa". In: Revista da Faculdade de Direito da Universidade de
São Paulo. n. 109, jan./dez. 2014, p. 389-414).
No mesmo sentido da legislação e doutrina pátria, a título ilustrativo, sublinhe-se
que no direito português, o vigente Código de Processo Civil, aprovado em 2013, repetindo o
que já constava no anterior, estabelece, no art. 3º, n. 3, que "o juiz deve observar e fazer
cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo
caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de
conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se
pronunciarem" (https://dre.pt/legislacao-consolidada/-/lc/34580575/view).
Regras de semelhante conteúdo são encontradas no Code de Procédure Civile
francês, também conhecido, ainda hoje, como Nouveau Code de Procédure Civile, embora
em vigor há mais de três décadas. Seu art. 16 preceitua: "o juiz deve, em todas as
circunstâncias, zelar pela observância do princípio do contraditório (...) não sendo possível
basear sua decisão nos fundamentos jurídicos que identificou ex officio, sem antes ter
convocado as partes a apresentarem as suas observações"
(https://www.dalloz.fr/documentation/Document?id=NCPC&scrll=NCPC000191)
Da jurisprudência desta Casa, sobre a matéria, transcrevo a ementa de recente
julgado relatado pela ilustre Ministra Isabel Gallotti:
PROCESSUAL CIVIL. CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL.
AÇÃO DE RESSARCIMENTO DE DANOS. INCORPORAÇÃO DE REDE
PARTICULAR DE ENERGIA ELÉTRICA. PRINCÍPIO DA NÃO SURPRESA.
AUSÊNCIA DE OFENSA. PRESCRIÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. VINTENÁRIA
OU TRIENAL. TERMO INICIAL. MOMENTO DA INCORPORAÇÃO.
ENTENDIMENTO ADOTADO NESTA CORTE. VERBETE 83 DA SÚMULA DO STJ. TEORIA DA CAUSA MADURA. NÃO APLICAÇÃO. ARTS. 515, § 1°, E
516 DO CPC/73. IMPOSSIBILIDADE. INDENIZAÇÃO. DEFERIMENTO.
REVISÃO. NÃO CABIMENTO. TESES DO RECURSO ESPECIAL QUE
DEMANDAM REEXAME DE CONTEXTO FÁTICO E PROBATÓRIO DOS
AUTOS. SÚMULA N° 7/STJ. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO AOS
FUNDAMENTOS DA DECISÃO. ARTIGO 1.021, § 1º, DO CPC E SÚMULA N.
182/STJ. NÃO PROVIMENTO.
1. O "fundamento" ao qual se refere o art. 10 do CPC/2015 é o
fundamento jurídico - circunstância de fato qualificada pelo direito,
em que se baseia a pretensão ou a defesa, ou que possa ter
influência no julgamento, mesmo que superveniente ao ajuizamento
da ação - não se confundindo com o fundamento legal (dispositivo
de lei regente da matéria). A aplicação do princípio da não surpresa
não impõe, portanto, ao julgador que informe previamente às partes
quais os dispositivos legais passíveis de aplicação para o exame da
causa.
O conhecimento geral da lei é presunção jure et de jure.
2. O Tribunal de origem julgou nos moldes da jurisprudência pacífica desta
Corte. Incidente, portanto, o enunciado 83 da Súmula do STJ.
3. Não cabe, em recurso especial, reexaminar matéria fático-probatória
(Súmula n. 7/STJ).
4. Nos termos do art. 1021, § 1º, do Código de Processo Civil/2015 e da
Súmula 182/STJ, é inviável o agravo interno que deixa de atacar
especificamente os fundamentos da decisão agravada.
5. Agravo interno a que se nega provimento.
(AgInt no REsp 1701258/SP, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI,
QUARTA TURMA, julgado em 23/10/2018, DJe 29/10/2018)
9. Assim, conclui-se pela violação do art. 1.013 do CPC/2015, uma vez que o
acórdão, ao anular a sentença de primeira instância, de ofício, procedeu à análise de mérito
da causa, proferindo decisão desfavorável aos recorrentes, que haviam sido excluídos do
feito por ilegitimidade passiva, passando, então, a responsáveis pelo pagamento do débito
condominial, caracterizando-se indevida reformatio in pejus.
Nessa extensão, tendo em vista que o efeito prático do reconhecimento da
nulidade do acórdão recorrido será a declaração da ilegitimidade passiva dos ora recorrentes,
conforme decidido pela sentença, fica prejudicada a análise das demais impugnações que
pretendiam comprovar a irresponsabilidade pelo débito condominial a que haviam sido
condenados pelo tribunal paulista.
10. Diante do exposto, dou provimento ao recurso especial para anular o
acórdão recorrido, restabelecendo a sentença de primeiro grau em todos os termos em que
proferida, prejudicadas as demais questões recursais.
É o voto.