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28 de junho de 2021

O Poder Judiciário não pode impor ao MP a obrigação de ofertar ANPP

DIREITO PROCESSUAL PENAL - ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL 

O Poder Judiciário não pode impor ao MP a obrigação de ofertar ANPP 

O Poder Judiciário não pode impor ao Ministério Público a obrigação de ofertar acordo de não persecução penal (ANPP). Não cabe ao Poder Judiciário, que não detém atribuição para participar de negociações na seara investigatória, impor ao MP a celebração de acordos. Não se tratando de hipótese de manifesta inadmissibilidade do ANPP, a defesa pode requerer o reexame de sua negativa, nos termos do art. 28-A, § 14, do CPP, não sendo legítimo, em regra, que o Judiciário controle o ato de recusa, quanto ao mérito, a fim de impedir a remessa ao órgão superior no MP. Isso porque a redação do art. 28-A, § 14, do CPP determina a iniciativa da defesa para requerer a sua aplicação. STF. 2ª Turma. HC 194677/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 11/5/2021 (Info 1017). 

O julgado a seguir comentado trata sobre acordo de não persecução penal (ANPP). Antes de verificar o que foi decidido, vamos fazer uma breve revisão sobre o tema com base na excelente obra de Leonardo Barreto (Manual de Processo Penal. Salvador: Juspodivm, 2021): 

Acordo de não persecução penal (ANPP) 

A Lei nº 13.964/2019 (“Pacote Anticrime”) inseriu o art. 28-A ao CPP, prevendo o instituto do acordo de não persecução penal (ANPP), que pode ser assim conceituado: 

- é um acordo (negócio jurídico) 

- celebrado entre o Ministério Público e o investigado, mas com a necessidade de homologação judicial 

- firmado, em regra, antes do início da ação penal (em regra, é pré-processual) 

- ajuste esse permitido apenas para certos tipos de crimes 

- no ajuste, o investigado se compromete a cumprir determinadas condições 

- e caso cumpra integralmente o acordo, o juízo competente decretará a extinção de punibilidade. 

Mitigação ao princípio da obrigatoriedade da ação penal 

Segundo o princípio da obrigatoriedade, havendo justa causa e estando preenchidos todos os requisitos legais, o membro do Ministério Público é obrigado a oferecer a denúncia. Trata-se de um dever, e não uma faculdade, não sendo reservado ao Ministério Público um juízo discricionário sobre a conveniência e oportunidade de seu ajuizamento. Pode-se dizer, então, que o ANPP é uma exceção ao princípio da obrigatoriedade. Outro exemplo de exceção: o acordo de colaboração premiada, no qual o MP pode conceder ao colaborador como benefício o não oferecimento da denúncia. 

Justiça Penal Consensual 

O instituto do ANPP está diretamente ligado ao movimento chamado Justiça Penal Consensual ou Negociada ou Pactual. O Min. Reynaldo Soares da Fonseca afirma que se trata de instrumento para otimização dos recursos públicos e a efetivação da chamada Justiça multiportas, com a perspectiva restaurativa (HC 607003-SC). 

Formalidades do acordo 

O acordo será formalizado por escrito e será firmado pelo membro do Ministério Público, pelo investigado e por seu defensor (§ 3º do art. 28-A). A celebração e o cumprimento do acordo de não persecução penal não constarão de certidão de antecedentes criminais, exceto para ficar registrado que esse mesmo investigado não poderá fazer novo ANPP no prazo de 5 anos (§ 12 do art. 28-A). 

O acordo de não persecução penal (ANPP) aplica-se a fatos ocorridos antes da Lei nº 13.964/2019, desde que não recebida a denúncia 

A Lei nº 13.964/2019, no ponto em que institui o ANPP, é considerada lei penal de natureza híbrida, admitindo conformação entre a retroatividade penal benéfica e o tempus regit actum. O ANPP se esgota na etapa pré-processual, sobretudo porque a consequência da sua recusa, sua não homologação ou seu descumprimento é inaugurar a fase de oferecimento e de recebimento da denúncia. O recebimento da denúncia encerra a etapa pré-processual, devendo ser considerados válidos os atos praticados em conformidade com a lei então vigente. Dessa forma, a retroatividade penal benéfica incide para permitir que o ANPP seja viabilizado a fatos anteriores à Lei nº 13.964/2019, desde que não recebida a denúncia. Assim, mostra-se impossível realizar o ANPP quando já recebida a denúncia em data anterior à entrada em vigor da Lei nº 13.964/2019. 

STJ. 5ª Turma. HC 607003-SC, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 24/11/2020 (Info 683). 

STF. 1ª Turma. HC 191464 AgR, Rel. Roberto Barroso, julgado em 11/11/2020. 

Requisitos (caput e § 2º do art. 28-A) 

REQUISITOS PARA QUE O MP POSSA PROPOR O ANPP 

1) não ser o caso de arquivamento: Se não houver justa causa ou existir alguma outra razão que impeça a propositura da ação penal, não é caso de oferecer o acordo, devendo o MP pedir o arquivamento do inquérito policial ou investigação criminal. 

2) o investigado deve ter confessado a prática da infração penal: O ANPP exige que o investigado tenha confessado formal (em ato solene) e circunstancialmente (com detalhes) a prática da infração penal. O art. 18, § 2º, da Res. 181/2017-CNMP exige que a confissão seja registrada em áudio e vídeo. 

3) infração penal foi cometida sem violência e sem grave ameaça: A infração penal não pode ter sido cometida com violência ou grave ameaça. Prevalece que é cabível ANPP se a infração foi cometida com violência contra coisa. Assim, o ANPP somente é proibido se a infração foi praticada com grave ameaça ou violência contra pessoa. 

4) a pena mínima da infração penal é menor que 4 anos: A infração penal cometida deve ter pena mínima inferior a 4 anos. Se a pena mínima for igual ou superior a 4 anos, não cabe. Para aferição da pena mínima, serão consideradas as causas de aumento e diminuição aplicáveis ao caso concreto. Aplicam-se ao ANPP, por analogia, as súmulas 243-STJ e 723-STF. 

5) o acordo deve se mostrar necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime no caso concreto: Esse requisito revela que a propositura, ou não, do acordo está atrelada a certo grau de discricionariedade do membro do MP, que avaliará se essa necessidade e suficiência estão presentes no caso concreto. 

6) não caber transação penal: Se for cabível transação penal (art. 76 da Lei nº 9.099/95), o membro do MP deve propor a transação (e não o ANPP). Isso porque se trata de benefício mais vantajoso ao investigado. Por outro lado, mesmo que seja cabível a suspensão condicional do processo, ainda assim, o membro do MP pode propor o ANPP. 

7) o investigado deve ser primário: Se o investigado for reincidente (genérico ou específico), não cabe ANPP. 

8) não haver elementos probatórios que indiquem conduta criminal habitual, reiterada ou profissional, exceto se insignificantes as infrações penais pretéritas: Regra: se houver elementos probatórios que indiquem que o investigado possui uma conduta criminal habitual, reiterada ou profissional, não cabe ANPP. Exceção: se essas infrações pretéritas que o investigado se envolveu forem consideradas “insignificantes”, será possível propor ANPP. 

9) o agente não pode ter sido beneficiado nos 5 anos anteriores ao cometimento da infração com outro ANPP, transação penal ou suspensão condicional do processo: No momento de decidir se vai propor o ANPP, o membro do MP deverá analisar se, nos últimos 5 anos (contados da infração), aquele investigado já foi beneficiado: • com outro ANPP; • com transação penal ou • com suspensão condicional do processo. 

10) a infração praticada não pode estar submetida à Lei Maria da Penha Não cabe ANPP nos crimes praticados no âmbito de violência doméstica ou familiar, ou praticados contra a mulher por razões da condição de sexo feminino, em favor do agressor. 

Condições 

O Ministério Público irá propor que o investigado cumpra as seguintes condições “ajustadas cumulativa e alternativamente”: I - reparar o dano ou restituir a coisa à vítima, exceto na impossibilidade de fazê-lo; II - renunciar voluntariamente a bens e direitos indicados pelo Ministério Público como instrumentos, produto ou proveito do crime; III - prestar serviço à comunidade ou a entidades públicas por período correspondente à pena mínima cominada ao delito diminuída de 1/3 a 2/3, em local a ser indicado pelo juízo da execução; IV - pagar prestação pecuniária a entidade pública ou de interesse social, a ser indicada pelo juízo da execução, que tenha, preferencialmente, como função proteger bens jurídicos iguais ou semelhantes aos aparentemente lesados pelo delito; ou V - cumprir, por prazo determinado, outra condição indicada pelo Ministério Público, desde que proporcional e compatível com a infração penal imputada. 

Recusa do MP de oferecer o acordo 

No caso de recusa, por parte do Ministério Público, em propor o acordo de não persecução penal, o investigado poderá requerer a remessa dos autos a órgão superior, na forma do art. 28 do CPP (§ 14º do art. 28-A). 

Obrigatória a realização de audiência 

Conforme vimos acima, o ANPP precisa de homologação judicial. Antes de decidir pela homologação, o juiz deverá designar audiência para analisar: a) a legalidade do acordo, isto é, se todos os requisitos do art. 28-A do CPP foram cumpridos; e b) a voluntariedade, ou seja, se o investigado deseja realmente o ajuste. Para isso, o magistrado irá fazer oitiva do investigado na presença do seu defensor. 

“Quanto à voluntariedade, o magistrado verificará a ocorrência de algum tipo de vício de vontade, como o erro, o dolo e a coação. Além disso, deverá observar se o agente possui pleno e integral conhecimento do conteúdo do acordo por ele celebrado. No que diz respeito à legalidade, o juiz deverá examinar se o ANPP foi firmado em atendimento às hipóteses legais, assim como se as suas cláusulas estão em consonância com o regramento contido no art. 28-A do CPP. Certo é que o magistrado não poderá apreciar o mérito/conteúdo do acordo, matéria privativa do Ministério Público e do investigado, dentro do campo de negociação reconhecido pela Justiça Penal Consensual, sob pena de violação da sua imparcialidade e do próprio sistema acusatório.” (MOREIRA ALVES, Leonardo Barreto. Manual de Processo Penal. Salvador: Juspodivm, 2021, p. 356). 

Devolução dos autos ao MP 

Se o juiz considerar inadequadas, insuficientes ou abusivas as condições dispostas no acordo de não persecução penal, devolverá os autos ao Ministério Público para que seja reformulada a proposta de acordo, com concordância do investigado e seu defensor (§ 5º do art. 28-A). 

Recusa à homologação 

O juiz poderá recusar homologação à proposta que não atender aos requisitos legais ou quando não for realizada a adequação a que se refere o § 5º do art. 28-A acima mencionado (§ 7º do art. 28-A). Recusada a homologação, o juiz devolverá os autos ao Ministério Público para a análise da necessidade de complementação das investigações ou o oferecimento da denúncia (§ 8º do art. 28-A). 

Homologação do acordo 

Homologado judicialmente o acordo de não persecução penal, o juiz devolverá os autos ao Ministério Público para que inicie sua execução perante o juízo de execução penal (§ 6º do art. 28-A). 

Vítima deverá ser informada da celebração do acordo e de eventual descumprimento 

A vítima será intimada da homologação do acordo de não persecução penal e de seu descumprimento (§ 9º do art. 28-A). 

Cumprimento do acordo 

Cumprido integralmente o acordo de não persecução penal, o juízo competente decretará a extinção de punibilidade (§ 13 do art. 28-A). 

Descumprimento do acordo 

Descumpridas quaisquer das condições estipuladas no acordo de não persecução penal, o Ministério Público deverá comunicar ao juízo, para fins de sua rescisão e posterior oferecimento de denúncia (§ 10 do art. 28-A). O descumprimento do acordo de não persecução penal pelo investigado também poderá ser utilizado pelo Ministério Público como justificativa para o eventual não oferecimento de suspensão condicional do processo (§ 11 do art. 28-A). 

Feita essa revisão, imagine agora a seguinte situação adaptada: 

Beatriz foi denunciada pela prática do crime de tráfico transnacional de drogas, na forma do caput do art. 33 c/c art. 40, I, da Lei nº 11.343/2006: 

Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa. 

Durante a instrução penal, ficou demonstrado que Beatriz é primária, possui bons antecedentes, não se dedicava a atividades criminosas nem integrava organização criminosa. Logo, o Ministério Público requereu a sua condenação, mas pediu que fosse a ela aplicada a causa de diminuição de pena do § 4º do art. 33 (tráfico privilegiado): 

Art. 33 (...) § 4º Nos delitos definidos no caput e no § 1º deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa. 

Diante disso, a defesa sustentou a seguinte tese: 

- a pena mínima do crime de tráfico de drogas é 5 anos; 

- logo, em regra, não cabe acordo de não persecução penal (ANPP); 

- ocorre que o próprio MP reconhece que a acusada tem direito à redução da pena de 1/6 a 2/3; 

- se a pena original (5 anos) for reduzida em 1/6, ficará em 4 anos e 2 meses (não terá direito ao ANPP); 

- se a pena original (5 anos) for reduzida em 1/5, ficará em 4 anos (também não terá direito ao ANPP); 

- porém, se houver a redução em 1/4, 1/3, 1/2 ou 2/3, a pena ficará abaixo de 4 anos, de maneira que a acusada teria, em tese, direito ao ANPP; 

- desse modo, diante do reconhecimento do tráfico privilegiado pelo Parquet, deveria ser oferecida proposta de ANPP mesmo nesta fase processual. 

O juiz abriu vista ao MP que, no entanto, não manifestou interesse na formulação da proposta ao fundamento de que a pena em concreto seria superior a 4 anos. A defesa pediu, então, que o caso fosse analisado pelo órgão superior do MP. O magistrado, contudo, não aceitou a argumentação da defesa, tendo proferido sentença que condenou a ré à pena de 4 anos e 10 meses de reclusão. A defesa da ré, irresignada, impetrou habeas corpus perante o TRF3 pretendendo o reconhecimento do referido benefício, tendo a Corte denegado a ordem. Ao julgar recurso ordinário, o STJ também negou o pedido da defesa. O caso chegou, então, ao STF por meio de habeas corpus. 

O STF determinou que o Ministério Público ofereça o ANPP? É possível ordem judicial nesse sentido? NÃO. 

O Poder Judiciário não pode impor ao Ministério Público a obrigação de ofertar acordo de não persecução penal (ANPP). Não cabe ao Poder Judiciário, que não detém atribuição para participar de negociações na seara investigatória, impor ao MP a celebração de acordos. STF. 2ª Turma. HC 194677/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 11/5/2021 (Info 1017). 

No caso concreto, o juiz agiu corretamente? 

Para o STF, não. No caso, a defesa pediu que fosse proposto o acordo. O MP se recusou. A defesa pediu que a recusa fosse analisada pelo órgão superior do Parquet. Diante disso, o que o magistrado deveria ter feito era aplicar § 14 do art. 28-A do CPP, determinando a remessa dos autos ao órgão superior do MPF, que iria analisar se a recusa do Procurador da República foi correta, ou não. Essa é a solução prevista no § 14 do art. 28-A do CPP: 

Art. 28-A (...) § 14. No caso de recusa, por parte do Ministério Público, em propor o acordo de não persecução penal, o investigado poderá requerer a remessa dos autos a órgão superior, na forma do art. 28 deste Código. 

Se o MP se recusar a oferecer o acordo e a defesa requerer a remessa dos autos ao órgão superior, o juiz é obrigado a remeter? 

Regra: sim. Em regra, não cabe ao Poder Judiciário analisar a recusa do MP e, portanto, se a defesa não se conformar, deverá remeter os autos ao órgão superior do Parquet. Exceção: o STF afirmou que o juiz não precisa remeter ao órgão superior do MP em caso de manifesta inadmissibilidade do ANPP. 

Nas palavras do Min. Gilmar Mendes: 

“Não se tratando de hipótese de manifesta inadmissibilidade do ANPP, a defesa pode requerer o reexame de sua negativa, nos termos do art. 28-A, § 14, do CPP, não sendo legítimo, em regra, que o Judiciário controle o ato de recusa, quanto ao mérito, a fim de impedir a remessa ao órgão superior no MP. Isso porque a redação do art. 28-A, § 14, do CPP determina a iniciativa da defesa para requerer a sua aplicação.” 

Com base nesse entendimento, a 2ª Turma do STF concedeu parcialmente a ordem, para determinar a remessa dos autos à Câmara de Revisão do Ministério Público Federal, a fim de que seja apreciado o ato que negou a oferta de ANPP. 

23 de junho de 2021

O Poder Judiciário pode impor ao MP a obrigação de ofertar ANPP?

Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://www.dizerodireito.com.br/2021/06/o-poder-judiciario-pode-impor-ao-mp.html?utm_source=feedburner&utm_medium=email&utm_campaign=Feed:+com/rviB+(Dizer+o+Direito)

O Poder Judiciário pode impor ao MP a obrigação de ofertar ANPP?


O julgado a seguir comentado trata sobre acordo de não persecução penal (ANPP).

Antes de verificar o que foi decidido, vamos fazer uma breve revisão sobre o tema com base na excelente obra de Leonardo Barreto (Manual de Processo Penal. Salvador: Juspodivm, 2021):

 

Acordo de não persecução penal (ANPP)

A Lei nº 13.964/2019 (“Pacote Anticrime”) inseriu o art. 28-A ao CPP, prevendo o instituto do acordo de não persecução penal (ANPP) que pode ser assim conceituado:

- é um acordo (negócio jurídico)

- celebrado entre o Ministério Público e o investigado, mas com a necessidade de homologação judicial

- firmado, em regra, antes do início da ação penal (em regra, é pré-processual)

- ajuste esse permitido apenas para certos tipos de crimes

- no ajuste, o investigado se compromete a cumprir determinadas condições

- e caso cumpra integralmente o acordo, o juízo competente decretará a extinção de punibilidade.

 

Mitigação ao princípio da obrigatoriedade da ação penal

Segundo o princípio da obrigatoriedade, havendo justa causa e estando preenchidos todos os requisitos legais, o membro do Ministério Público é obrigado a oferecer a denúncia.

Trata-se de um dever, e não uma faculdade, não sendo reservado ao Ministério Público um juízo discricionário sobre a conveniência e oportunidade de seu ajuizamento.

Pode-se dizer, então, que o ANPP é uma exceção ao princípio da obrigatoriedade. Outro exemplo de exceção: o acordo de colaboração premiada na qual o MP pode conceder ao colaborador como benefício o não oferecimento da denúncia.

 

Justiça Penal Consensual

O instituto do ANPP está diretamente ligado ao movimento chamado Justiça Penal Consensual ou Negociada ou Pactual.

O Min. Reynaldo Soares da Fonseca afirma que se trata de instrumento para otimização dos recursos públicos e a efetivação da chamada Justiça multiportas, com a perspectiva restaurativa (HC 607003-SC).

 

Formalidades do acordo

O acordo será formalizado por escrito e será firmado pelo membro do Ministério Público, pelo investigado e por seu defensor (§ 3º do art. 28-A).

A celebração e o cumprimento do acordo de não persecução penal não constarão de certidão de antecedentes criminais, exceto para ficar registrado que esse mesmo investigado não poderá fazer novo ANPP no prazo de 5 anos (§ 12 do art. 28-A).

 

O acordo de não persecução penal (ANPP) aplica-se a fatos ocorridos antes da Lei nº 13.964/2019, desde que não recebida a denúncia

A Lei nº 13.964/2019, no ponto em que institui o ANPP, é considerada lei penal de natureza híbrida, admitindo conformação entre a retroatividade penal benéfica e o tempus regit actum.

O ANPP se esgota na etapa pré-processual, sobretudo porque a consequência da sua recusa, sua não homologação ou seu descumprimento é inaugurar a fase de oferecimento e de recebimento da denúncia.

O recebimento da denúncia encerra a etapa pré-processual, devendo ser considerados válidos os atos praticados em conformidade com a lei então vigente.

Dessa forma, a retroatividade penal benéfica incide para permitir que o ANPP seja viabilizado a fatos anteriores à Lei nº 13.964/2019, desde que não recebida a denúncia.

Assim, mostra-se impossível realizar o ANPP quando já recebida a denúncia em data anterior à entrada em vigor da Lei nº 13.964/2019.

STJ. 5ª Turma. HC 607003-SC, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 24/11/2020 (Info 683).

STF. 1ª Turma. HC 191464 AgR, Rel. Roberto Barroso, julgado em 11/11/2020.

 

Requisitos (caput e § 2º do art. 28-A)

REQUISITOS PARA QUE O MP POSSA PROPOR O ANPP

1) não ser o caso de arquivamento

Se não houver justa causa ou existir alguma outra razão que impeça a propositura da ação penal, não é caso de oferecer o acordo, devendo o MP pedir o arquivamento do inquérito policial ou investigação criminal.

2) o investigado deve ter confessado a prática da infração penal

O ANPP exige que o investigado tenha confessado formal (em ato solene) e circunstancialmente (com detalhes) a prática da infração penal.

O art. 18, § 2º, da Res. 181/2017-CNMP exige que a confissão seja registrada em áudio e vídeo.

3) infração penal foi cometida sem violência e sem grave ameaça

A infração penal não pode ter sido cometida com violência ou grave ameaça.

Prevalece que é cabível ANPP se a infração foi cometida com violência contra coisa.

Assim, o ANPP somente é proibido se a infração foi praticada com grave ameaça ou violência contra pessoa.

4) a pena mínima da infração penal é menor que 4 anos

A infração penal cometida deve ter pena mínima inferior a 4 anos.

Se a pena mínima for igual ou superior a 4 anos, não cabe.

Para aferição da pena mínima, serão consideradas as causas de aumento e diminuição aplicáveis ao caso concreto.

Aplicam-se ao ANPP, por analogia, as súmulas 243-STJ e 723-STF.

5) o acordo deve se mostrar necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime no caso concreto

Esse requisito revela que a propositura, ou não, do acordo está atrelada a certo grau de discricionariedade do membro do MP que avaliará se essa necessidade e suficiência estão presentes no caso concreto.

6) não caber transação penal

Se for cabível transação penal (art. 76 da Lei nº 9.099/95), o membro do MP deve propor a transação (e não o ANPP). Isso porque se trata de benefício mais vantajoso ao investigado.

Por outro lado, mesmo que seja cabível a suspensão condicional do processo, ainda assim, o membro do MP pode propor o ANPP.

7) o investigado deve ser primário

Se o investigado for reincidente (genérico ou específico), não cabe ANPP.

8) não haver elementos probatórios que indiquem conduta criminal habitual, reiterada ou profissional, exceto se insignificantes as infrações penais pretéritas

Regra: se houver elementos probatórios que indiquem que o investigado possui uma conduta criminal habitual, reiterada ou profissional não cabe ANPP.

Exceção: se essas infrações pretéritas que o investigado se envolveu forem consideradas “insignificantes”, será possível propor ANPP.

9) o agente não pode ter sido beneficiado nos 5 anos anteriores ao cometimento da infração, com outro ANPP, transação penal ou suspensão condicional do processo

No momento de decidir se vai propor o ANPP, o membro do MP deverá analisar se, nos últimos 5 anos (contados da infração), aquele investigado já foi beneficiado:

· com outro ANPP;

· com transação penal ou

· com suspensão condicional do processo.

10) a infração praticada não pode estar submetida à Lei Maria da Penha

Não cabe ANPP nos crimes praticados no âmbito de violência doméstica ou familiar, ou praticados contra a mulher por razões da condição de sexo feminino, em favor do agressor.

 

Condições

O Ministério Público irá propor que o investigado cumpra as seguintes condições “ajustadas cumulativa e alternativamente”:

I - reparar o dano ou restituir a coisa à vítima, exceto na impossibilidade de fazê-lo;

II - renunciar voluntariamente a bens e direitos indicados pelo Ministério Público como instrumentos, produto ou proveito do crime;

III - prestar serviço à comunidade ou a entidades públicas por período correspondente à pena mínima cominada ao delito diminuída de 1/3 a 2/3, em local a ser indicado pelo juízo da execução;

IV - pagar prestação pecuniária a entidade pública ou de interesse social, a ser indicada pelo juízo da execução, que tenha, preferencialmente, como função proteger bens jurídicos iguais ou semelhantes aos aparentemente lesados pelo delito; ou

V - cumprir, por prazo determinado, outra condição indicada pelo Ministério Público, desde que proporcional e compatível com a infração penal imputada.

 

Recusa do MP de oferecer o acordo

No caso de recusa, por parte do Ministério Público, em propor o acordo de não persecução penal, o investigado poderá requerer a remessa dos autos a órgão superior, na forma do art. 28 do CPP (§ 14º do art. 28-A).

 

Obrigatória a realização de audiência

Conforme vimos acima, o ANPP precisa de homologação judicial.

Antes de decidir pela homologação, o juiz deverá designar audiência para analisar:

a) a legalidade do acordo, isto é, se todos os requisitos do art. 28-A do CPP foram cumpridos; e

b) a voluntariedade, ou seja, se o investigado deseja realmente o ajuste. Para isso, o magistrado irá fazer oitiva do investigado na presença do seu defensor.

 

“Quanto à voluntariedade, o magistrado verificará a ocorrência de algum tipo de vício de vontade, como o erro, o dolo e a coação. Além disso, deverá observar se o agente possui pleno e integral conhecimento do conteúdo do acordo por ele celebrado. No que diz respeito à legalidade, o juiz deverá examinar se o ANPP foi firmado em atendimento às hipóteses legais, assim como se as suas cláusulas estão em consonância com o regramento contido no art. 28-A do CPP. Certo é que o magistrado não poderá apreciar o mérito/conteúdo do acordo, matéria privativa do Ministério Público e do investigado, dentro do campo de negociação reconhecido pela Justiça Penal Consensual, sob pena de violação da sua imparcialidade e do próprio sistema acusatório.” (MOREIRA ALVES, Leonardo Barreto. Manual de Processo Penal. Salvador: Juspodivm, 2021, p. 356).

 

Devolução dos autos ao MP

Se o juiz considerar inadequadas, insuficientes ou abusivas as condições dispostas no acordo de não persecução penal, devolverá os autos ao Ministério Público para que seja reformulada a proposta de acordo, com concordância do investigado e seu defensor (§ 5º do art. 28-A).

 

Recusa à homologação

O juiz poderá recusar homologação à proposta que não atender aos requisitos legais ou quando não for realizada a adequação a que se refere o § 5º do art. 28-A acima mencionado (§ 7º do art. 28-A).

Recusada a homologação, o juiz devolverá os autos ao Ministério Público para a análise da necessidade de complementação das investigações ou o oferecimento da denúncia (§ 8º do art. 28-A).

 

Homologação do acordo

Homologado judicialmente o acordo de não persecução penal, o juiz devolverá os autos ao Ministério Público para que inicie sua execução perante o juízo de execução penal (§ 6º do art. 28-A).

 

Vítima deverá ser informada da celebração do acordo e de eventual descumprimento

A vítima será intimada da homologação do acordo de não persecução penal e de seu descumprimento (§ 9º do art. 28-A).

 

Cumprimento do acordo

Cumprido integralmente o acordo de não persecução penal, o juízo competente decretará a extinção de punibilidade (§ 13 do art. 28-A).

 

Descumprimento do acordo

Descumpridas quaisquer das condições estipuladas no acordo de não persecução penal, o Ministério Público deverá comunicar ao juízo, para fins de sua rescisão e posterior oferecimento de denúncia (§ 10 do art. 28-A).

O descumprimento do acordo de não persecução penal pelo investigado também poderá ser utilizado pelo Ministério Público como justificativa para o eventual não oferecimento de suspensão condicional do processo (§ 11 do art. 28-A).

 

Feita essa revisão, imagine agora a seguinte situação adaptada:

Beatriz foi denunciada pela prática do crime de tráfico transnacional de drogas, na forma do caput do art. 33 c/c art. 40, I, da Lei nº 11.343/2006:

Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.

 

Durante a instrução penal, ficou demonstrado que Beatriz é primária, possui bons antecedentes, não se dedicava a atividades criminosas nem integrava organização criminosa. Logo, o Ministério Público requereu a sua condenação, mas pediu que fosse a ela aplicada a causa de diminuição de pena do § 4º do art. 33 (tráfico privilegiado):

Art. 33 (...)

§ 4º Nos delitos definidos no caput e no § 1º deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa.

 

Diante disso, a defesa sustentou a seguinte tese:

- a pena mínima do crime de tráfico de drogas é 5 anos;

- logo, em regra, não cabe acordo de não persecução penal (ANPP);

- ocorre que o próprio MP reconhece que a acusada tem direito à redução da pena de 1/6 a 2/3;

- se a pena original (5 anos) for reduzida em 1/6, ficará em 4 anos e 2 meses (não terá direito ao ANPP);

- se a pena original (5 anos) for reduzida em 1/5, ficará em 4 anos (também não terá direito ao ANPP);

- porém, se houver a redução em 1/4, 1/3, 1/2 ou 2/3, a pena ficará abaixo de 4 anos, de maneira que a acusada teria, em tese, direito ao ANPP;

- desse modo, diante do reconhecimento do tráfico privilegiado pelo Parquet, deveria ser oferecida proposta de ANPP mesmo nesta fase processual.

 

O juiz abriu vista ao MP que, no entanto, não manifestou interesse na formulação da proposta ao fundamento de que a pena em concreto seria superior a 4 anos.

A defesa pediu, então, que o caso fosse analisado pelo órgão superior do MP.

O magistrado, contudo, não aceitou a argumentação da defesa, tendo proferido sentença que condenou a ré à pena de 4 anos e 10 meses de reclusão.

A defesa da ré, irresignada, impetrou habeas corpus perante o TRF3, pretendendo o reconhecimento do referido benefício, tendo a Corte, denegado a ordem.

Ao julgar recurso ordinário, o STJ também negou o pedido da defesa.

O caso chegou, então, ao STF por meio de habeas corpus.

 

O STF determinou que o Ministério Público ofereça o ANPP? É possível ordem judicial nesse sentido?

NÃO.

O Poder Judiciário não pode impor ao Ministério Público a obrigação de ofertar acordo de não persecução penal (ANPP).

Não cabe ao Poder Judiciário, que não detém atribuição para participar de negociações na seara investigatória, impor ao MP a celebração de acordos.

STF. 2ª Turma. HC 194677/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 11/5/2021 (Info 1017).

 

No caso concreto, o juiz agiu corretamente?

Para o STF, não.

No caso, a defesa pediu que fosse proposto o acordo. O MP se recusou. A defesa pediu que a recusa fosse analisada pelo órgão superior do Parquet.

Diante disso, o que o magistrado deveria ter feito era aplicar § 14 do art. 28-A do CPP, determinando a remessa dos autos ao órgão superior do MPF que iria analisar se a recusa do Procurador da República foi correta, ou não.

Essa é a solução prevista no § 14 do art. 28-A do CPP:

Art. 28-A (...)

§ 14. No caso de recusa, por parte do Ministério Público, em propor o acordo de não persecução penal, o investigado poderá requerer a remessa dos autos a órgão superior, na forma do art. 28 deste Código.

 

Se o MP se recusar a oferecer o acordo e a defesa requerer a remessa dos autos ao órgão superior, o juiz é obrigado a remeter?

Regra: sim. Em regra, não cabe ao Poder Judiciário analisar a recusa do MP e, portanto, se a defesa não se conformar, deverá remeter os autos ao órgão superior do Parquet.

Exceção: o STF afirmou que o juiz não precisa remeter ao órgão superior do MP em caso de manifesta inadmissibilidade do ANPP.

 

Nas palavras do Min. Gilmar Mendes:

“Não se tratando de hipótese de manifesta inadmissibilidade do ANPP, a defesa pode requerer o reexame de sua negativa, nos termos do art. 28-A, § 14, do CPP, não sendo legítimo, em regra, que o Judiciário controle o ato de recusa, quanto ao mérito, a fim de impedir a remessa ao órgão superior no MP. Isso porque a redação do art. 28-A, § 14, do CPP determina a iniciativa da defesa para requerer a sua aplicação.”

 

Com base nesse entendimento, a 2ª Turma do STF concedeu parcialmente a ordem, para determinar a remessa dos autos à Câmara de Revisão do Ministério Público Federal, a fim de que seja apreciado o ato que negou a oferta de ANPP.