Fonte: Dizer o Direito
Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/04/info-691-stj.pdf
DUPLICATA - O terceiro de boa-fé, endossatário, em operação de endosso-caução,
não perde seu crédito de natureza cambial em vista da quitação feita ao endossante
(credor originário), sem resgate da cártula
Nas operações de endosso-caução – nas quais a parte endossante transmite um título ao
endossatário como forma de garantia da dívida, mas sem a transferência da titularidade da
cártula –, o endossatário de boa-fé não tem seu direito de crédito abalado no caso de eventual
quitação realizada ao endossante (credor originário), sem resgate do título.
STJ. 4ª Turma. AgInt no AREsp 1.635.968/PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 06/04/2021
(Info 691).
Endosso
Ocorre o endosso quando o credor do título de crédito transmite seus direitos a outra pessoa.
O credor que transmite seus direitos sobre o título é chamado de endossante (aquele que faz o endosso).
A pessoa que recebe os direitos sobre o título é denominada de endossatário (aquele que é beneficiado
com o endosso).
O endosso pode ser dividido em:
a) endosso próprio;
b) endosso impróprio.
Endosso próprio
É aquele que produz os dois efeitos próprios do endosso, que são:
a) transferir a titularidade do crédito do endossante para o endossatário;
b) transformar o endossante em codevedor do título (se o devedor principal não pagar o título, o
endossatário poderá cobrar o valor do endossante).
Endosso impróprio
O endosso impróprio não transfere o crédito para o endossatário, mas apenas permite que este (o
endossatário) tenha a posse do título para:
• agir em nome do endossante (endosso-mandato); ou
• como garantia de uma dívida que o endossante tenha com o endossatário (endosso-caução).
Imagine agora a seguinte situação hipotética:
João emitiu um título de crédito (duplicata) em favor de Pedro, no valor de R$ 100 mil.
Pedro estava devendo R$ 90 mil a Carlos.
Pedro (endossante) fez o endosso-caução da duplicata em favor de Carlos (endossatário), como garantia
da dívida.
João pagou os R$ 100 mil que estava devendo para Pedro. Ocorre que João não pediu de volta a duplicata.
Pedro sumiu e Carlos não conseguiu cobrar dele os R$ 90 mil devidos.
Diante disso, Carlos ajuizou execução de título extrajudicial contra João cobrando o valor contido na
duplicata.
João apresentou embargos à execução argumentando que já pagou a dívida e que a execução deveria ser
extinta.
O argumento de João deverá ser acolhido?
NÃO.
Nas operações de endosso-caução – nas quais a parte endossante transmite um título ao endossatário
como forma de garantia da dívida, mas sem a transferência da titularidade da cártula –, o endossatário
de boa-fé não tem seu direito de crédito abalado no caso de eventual quitação realizada ao endossante
(credor originário), sem resgate do título.
STJ. 4ª Turma. AgInt no AREsp 1.635.968/PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 06/04/2021 (Info 691).
Lei Uniforme de Genebra
O art. 19 da Lei Uniforme de Genebra (Decreto nº 57.663/66) estabelece que, quando o endosso contém
qualquer menção que implique uma caução, o portador pode exercer todos os direitos emergentes do
título.
O mesmo dispositivo prevê que os coobrigados (ex: João) não podem invocar contra o portador (ex: Carlos)
as exceções fundadas nas relações pessoais com o endossante (ex: Pedro), a menos que o portador, ao
receber a letra cambiária, tenha praticado ato consciente em detrimento do devedor.
Incentivo à ampla circulação
Existe um interesse social no sentido de que haja a ampla circulação dos títulos de crédito, permitindo aos
terceiros de boa-fé a plena garantia e a segurança na sua aquisição.
A inoponibilidade das exceções fundadas em direito pessoal do devedor é, portanto, uma importante
garantia em favor da segurança da circulação e da negociabilidade dos títulos de crédito.
O título de crédito nasce para circular, não para ficar restrito à relação entre o devedor principal e o credor
originário.
Abstração
O art. 15, I, da Lei das Duplicatas (Lei nº 5.474/68) estabelece que a cobrança judicial de duplicata será
efetuada conforme processo aplicável aos títulos executivos extrajudiciais, não havendo necessidade de
qualquer outro documento além do título.
Apesar de a duplicata possuir natureza causal – ou seja, depende da prestação de um serviço para ser
constituída –, essa característica não lhe retira o caráter de abstração: uma vez que o título tenha
Informativo
comentado circulado, não podem ser opostas exceções pessoais a terceiros de boa-fé, como a ausência da entrega
das mercadorias compradas.
Pretender discutir o negócio subjacente para admitir oposição de exceções pessoais em face do
endossatário terceiro de boa-fé de duplicata aceita representaria significativa mudança na jurisprudência
desde sempre pacífica acerca do tema, ferindo de morte a circulabilidade dos títulos de crédito, o princípio
da abstração e o relevante instituto cambiário do aceite.
Aceite
O caso não discute o instituto de direito civil da cessão do crédito, mas as obrigações cambiárias
autônomas do endosso e, de forma específica, o aceite dado no título.
Uma vez aceito o título, o sacado vincula-se a ele como devedor principal, e a falta de entrega da
mercadoria ou da prestação do serviço, ou mesmo a quitação referente à relação fundamental ao credor
originário, só são oponíveis ao sacador, como exceção pessoal, mas não ao endossatário de boa-fé.
Desse modo, é temerário para a circulação dos títulos de crédito que se admita a quitação de crédito
cambial sem a exigência do resgate da cártula, especialmente se essa situação gerar prejuízo a terceiro de
boa-fé.
Endosso-caução
Como vimos no início da explicação, o endosso-caução tem por finalidade garantir, mediante o penhor do
título, uma obrigação assumida pelo endossante perante o endossatário. Assim, o endossatário assume a
condição de credor pignoratício do endossante.
Se o endossante cumpre sua obrigação (ex: paga os R$ 90 mil), o título deve ser-lhe restituído pelo
endossatário, razão pela qual a doutrina afirma que, em regra, o endosso-caução não gera a transferência
do crédito representado pelo título.
No entanto, é preciso ressaltar que o endossatário pignoratício é detentor dos direitos emergentes do
título, não podendo os coobrigados (ex: João) invocar contra ele exceções fundadas sobre relações
pessoais com o endossante. O endossante, apesar de, em tese, ainda ser o proprietário do título,
transmitiu os direitos emergentes desse título ao endossatário, como acontece no endosso comum.
Art. 905 do Código Civil
O art. 905 do CC, caput, estabelece que o possuidor de título ao portador tem direito à prestação nele
indicada, mediante a sua simples apresentação ao devedor, e o parágrafo único estipula que a prestação
é devida ainda que o título tenha entrado em circulação contra a vontade do emitente:
Art. 905. O possuidor de título ao portador tem direito à prestação nele indicada, mediante a sua
simples apresentação ao devedor.
Parágrafo único. A prestação é devida ainda que o título tenha entrado em circulação contra a
vontade do emitente.
(Juiz TJ/MT 2018 VUNESP) O possuidor de título ao portador tem direito à prestação nele indicada, mediante a sua
simples apresentação ao devedor, exceto se o título tenha entrado em circulação contra a vontade do emitente. (errado)
Portanto, é temerário para o direito cambial, para a circulação dos títulos de crédito, que se admita a
quitação de crédito cambial, sem a exigência do resgate da cártula, notadamente se ensejar prejuízo a
terceiro de boa-fé.