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19 de junho de 2021

São cabíveis medidas executivas atípicas, de cunho não patrimonial, no cumprimento de sentença proferida em ação de improbidade administrativa

 Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/06/info-695-stj.pdf


IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - São cabíveis medidas executivas atípicas, de cunho não patrimonial, no cumprimento de sentença proferida em ação de improbidade administrativa 

É cabível a apreensão de passaporte e a suspensão da CNH no bojo do cumprimento de sentença proferida em ação de improbidade administrativa. Em regra, a jurisprudência do STJ entende ser possível a aplicação de medidas executivas atípicas na execução e no cumprimento de sentença comum, desde que, verificando-se a existência de indícios de que o devedor possua patrimônio expropriável, tais medidas sejam adotadas de modo subsidiário, por meio de decisão que contenha fundamentação adequada às especificidades da hipótese concreta, com observância do contraditório substancial e do postulado da proporcionalidade. Na ação de improbidade administrativa, com ainda mais razão, há a possibilidade de aplicação das medidas executivas atípicas, pois se tutela a moralidade e o patrimônio público. No que diz respeito à proporcionalidade, o fato de se tratar de uma ação de improbidade administrativa deve ser levado em consideração na análise do cabimento da medida aflitiva não pessoal no caso concreto, já que envolve maior interesse público. STJ. 2ª Turma, REsp 1.929.230-MT, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 04/05/2021 (Info 695). 

Imagine a seguinte situação hipotética: 

O Ministério Público ajuizou ação de improbidade administrativa em face de João, servidor público. Após o trâmite processual, o pedido foi julgado procedente, e a sentença condenou João às sanções previstas no art. 12 da Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/92). Vale ressaltar que foram aplicadas contra João duas sanções de natureza pecuniária: a) Ressarcimento integral do dano; b) Multa civil. 

Com o trânsito em julgado da sentença, o Ministério Público requereu o cumprimento da sentença para a execução das sanções aplicadas contra João. Ocorre que não foram encontrados bens penhoráveis de João, de maneira que restaram frustradas todas as tentativas de medidas executivas ordinárias. Diante disso, o Ministério Público requereu a aplicação de duas medidas executivas atípicas, quais sejam: a) a suspensão da Carteira Nacional de Habilitação; e b) a retenção do passaporte. 

O Parquet argumentou que seria uma forma de coação indireta para que João cumprisse o que foi determinado na sentença condenatória. 

O STJ considerou cabível o pedido do Ministério Público? É possível a aplicação de medidas atípicas no cumprimento de sentença no âmbito da ação de improbidade administrativa? SIM. 

São cabíveis medidas executivas atípicas de cunho não patrimonial no cumprimento de sentença proferida em ação de improbidade administrativa. STJ. 2ª Turma, REsp 1.929.230-MT, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 04/05/2021 (Info 695). 

Sanções aplicáveis na ação de improbidade administrativa 

A ação de improbidade administrativa encontra previsão legal no art. 17 da Lei nº 8.429/92. Trata-se de uma ação de natureza cível que visa a apuração do suposto ato de improbidade administrativa, e a consequente condenação às sanções previstas na Lei. O art. 37, §4º, da Constituição Federal prevê as consequências decorrentes da prática de atos de improbidade administrativa: 

Art. 37 (...) § 4º Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível. 

O art. 12 da Lei de Improbidade Administrativa, por sua vez, enumera as sanções que deverão ser aplicadas a cada espécie de ato de improbidade. As sanções previstas na Lei são as seguintes: 

1) perda de bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio do agente ímprobo; 

2) ressarcimento integral do dano; 

3) perda da função pública; 

4) suspensão dos direitos políticos; 

5) multa civil; 

6) proibição de contratar com o Poder Público direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário; 

7) proibição de receber benefícios ou incentivos fiscais direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário; 

8) proibição de receber benefícios ou incentivos creditícios direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário. 

Todas as sanções acima devem ser impostas ao réu na ação de improbidade administrativa, por meio de provimento judicial de natureza condenatória. 

Cumprimento da sentença de improbidade administrativa 

Como mencionado, a sentença proferida na ação de improbidade administrativa possui cunho condenatório. De acordo com a classificação tradicional ternária, as sentenças declaratórias e constitutivas são autossatisfativas, ou seja, não precisam de qualquer comportamento do réu para que o direito do credor seja satisfeito. Por outro lado, as sentenças condenatórias não são autossatisfativas, de modo que ensejam a execução. No âmbito Lei nº 8.429/92, não há qualquer dispositivo específico prevendo o procedimento de execução das sentenças proferidas nas ações de improbidade administrativa. Ressalta-se apenas o art. 18 da Lei, que prevê a destinação do pagamento dos danos ou a reversão dos bens perdidos em favor da pessoa jurídica prejudicada pelo ilícito: 

Art. 18. A sentença que julgar procedente ação civil de reparação de dano ou decretar a perda dos bens havidos ilicitamente determinará o pagamento ou a reversão dos bens, conforme o caso, em favor da pessoa jurídica prejudicada pelo ilícito. 

Assim, não havendo previsão específica sobre o cumprimento de sentença proferida em ação de improbidade administrativa, deve-se aplicar subsidiariamente as disposições sobre o cumprimento de sentença, previstas nos arts. 513 e seguintes, do Código de Processo Civil. 

Em tese, é possível que o juiz, no cumprimento de sentença ou em um processo autônomo de execução comum, determine a suspensão do passaporte e da CNH do executado? 

SIM. Tais providências são classificadas como medidas executivas atípicas (meios executivos atípicos). A adoção de meios executivos atípicos é cabível desde que cumpridos os seguintes requisitos: 

• existam indícios de que o devedor possui patrimônio expropriável (bens que podem ser penhorados); 

• essas medidas atípicas sejam adotadas de modo subsidiário; 

• a decisão judicial que a determinar contenha fundamentação adequada às especificidades da hipótese concreta; 

• sejam observados o contraditório substancial e o postulado da proporcionalidade. 

STJ. 3ª Turma. REsp 1788950/MT, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 23/04/2019. 

Efetividade do processo, princípio do resultado na execução e atipicidade das medidas executivas 

O principal fundamento para isso seria o art. 139, IV, do CPC/2015, que representou uma importante novidade do Código e que teve por objetivo dar mais efetividade ao processo: 

Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe: (...) IV - determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária; 

No caso do processo de execução, a adoção de medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou subrogatórias apresenta-se como um importante instrumento para permitir a satisfação da obrigação que está sendo cobrada (obrigação exequenda). Com isso, podemos dizer que esse dispositivo homenageia (prestigia) o “princípio do resultado na execução”. Veja alguns enunciados doutrinários a respeito deste inciso: 

Enunciado 48 da ENFAM. O art. 139, IV, do CPC/2015 traduz um poder geral de efetivação, permitindo a aplicação de medidas atípicas para garantir o cumprimento de qualquer ordem judicial, inclusive no âmbito do cumprimento de sentença e no processo de execução baseado em títulos extrajudiciais. 

Enunciado 12 do FPPC. A aplicação das medidas atípicas sub-rogatórias e coercitivas é cabível em qualquer obrigação no cumprimento de sentença ou execução de título executivo extrajudicial. Essas medidas, contudo, serão aplicadas de forma subsidiária às medidas tipificadas, com observação do contraditório, ainda que diferido, e por meio de decisão à luz do art. 489, § 1º, I e II. 

Enunciado 396 do FPPC. As medidas do inciso IV do art. 139 podem ser determinadas de ofício, observado o art. 8º. 

Esse dispositivo representa a adoção, pelo CPC, de um modelo de atipicidade das medidas executivas. O que isso quer dizer? As medidas que o juiz pode determinar para a execução dos comandos judiciais não precisam estar expressamente previstas na lei, podendo o magistrado impor outras medidas que não estão listadas no Código. 

E nas ações de improbidade administrativa, também é possível a aplicação de medidas executivas atípicas? 

SIM. O STJ considerou que, sendo cabível a aplicação de medidas executivas atípicas em ações meramente patrimoniais, com mais razão o uso dos meios atípicos na ação de improbidade administrativa, pois se tutela a moralidade e o patrimônio público. O cumprimento de sentença na ação de improbidade administrativa, além de visar ao ressarcimento, busca reprimir o enriquecimento ilícito, as lesões ao erário e a ofensa aos princípios da Administração Pública. Portanto, para a aplicação das medidas executivas atípicas no cumprimento de sentença em ação de improbidade também devem ser observados os parâmetros utilizados pelo STJ: 

• existam indícios de que o devedor possui patrimônio expropriável (bens que podem ser penhorados); 

• essas medidas atípicas sejam adotadas de modo subsidiário; 

• a decisão judicial que a determinar contenha fundamentação adequada às especificidades da hipótese concreta; 

• sejam observados o contraditório substancial e o postulado da proporcionalidade. 

Princípio da proporcionalidade 

A análise da proporcionalidade não deve ser realizada em abstrato, mas sim à luz do caso concreto, buscando-se evitar medidas que sejam extremamente gravosas. Deve-se ponderar se as medidas aplicáveis de cunho pessoal ao devedor são adequadas e necessárias para se garantir o interesse do credor. O fato de se tratar de uma ação de improbidade administrativa é uma importante questão do caso concreto para definir o cabimento ou não da medida atípica, já que existe um maior interesse público na satisfação do débito. Em outras palavras, na ação de improbidade administrativa, o inadimplemento do devedor, em tese, é ainda mais grave, pois atenta contra o interesse público, contra os princípios da Administração Pública e contra a sociedade. O interesse do credor envolve, na realidade, o interesse público, o que incrementa os postulados da necessidade e da adequação. No caso concreto, o STJ entendeu que seria proporcional a aplicação das medidas de suspensão do passaporte e da CNH para compelir o devedor ao cumprimento da obrigação fixada na sentença de improbidade administrativa. Assim, são cabíveis medidas executivas atípicas no cumprimento da sentença de improbidade administrativa, desde que proporcionais, levando em consideração o interesse público relacionado à tutela da moralidade administrativa e do patrimônio público. 

DOD PLUS – INFORMAÇÕES COMPLEMENTARES 

Na execução fiscal não cabe a retenção de passaporte ou a suspensão da CNH como forma de compelir o executado a pagar o débito 

A lógica de mercado não se aplica às execuções fiscais, pois o Poder Público já é dotado, pela Lei nº 6.830/80, de privilégios processuais. Assim, são excessivas as medidas atípicas aflitivas pessoais, tais como a suspensão de passaporte e da licença para dirigir, quando aplicadas no âmbito de execução fiscal. STJ. 1ª Turma. HC 453.870-PR, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 25/06/2019 (Info 654). 

Em resumo: É possível, em tese, a aplicação das medidas executivas atípicas (ex: suspensão do passaporte e da CNH)? 

• Nas execuções e cumprimentos de sentença comuns: SIM 

• Nas ações de improbidade administrativa: SIM 

• Na execução fiscal: NÃO

11 de maio de 2021

EXECUÇÃO FISCAL. DIREITO DE LOCOMOÇÃO, CUJA PROTEÇÃO É DEMANDADA NO PRESENTE HABEAS CORPUS. MEDIDAS CONSTRICTIVAS DETERMINADAS PELA CORTE PARA GARANTIR O DÉBITO, EM ORDEM A INSCREVER O NOME DO DEVEDOR EM CADASTRO DE MAUS PAGADORES, APREENDER PASSAPORTE E SUSPENDER CARTEIRA DE HABILITAÇÃO.

HABEAS CORPUS Nº 453.870 - PR (2018/0138962-0) 

RELATOR : MINISTRO NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO 

CONSTITUCIONAL. HABEAS CORPUS. DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS. PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. DIREITO DE LOCOMOÇÃO, CUJA PROTEÇÃO É DEMANDADA NO PRESENTE HABEAS CORPUS, COM PEDIDO DE MEDIDA LIMINAR. ACÓRDÃO DO TC/PR CONDENATÓRIO AO ORA PACIENTE À PENALIDADE DE REPARAÇÃO DE DANO AO ERÁRIO, SUBMETIDO À EXECUÇÃO FISCAL PROMOVIDA PELA FAZENDA DO MUNICÍPIO DE FOZ DO IGUAÇU/PR, NO VALOR DE R$ 24 MIL. MEDIDAS CONSTRICTIVAS DETERMINADAS PELA CORTE ARAUCARIANA PARA GARANTIR O DÉBITO, EM ORDEM A INSCREVER O NOME DO DEVEDOR EM CADASTRO DE MAUS PAGADORES, APREENDER PASSAPORTE E SUSPENDER CARTEIRA DE HABILITAÇÃO. CONTEXTO ECONÔMICO QUE PRESTIGIA USOS E COSTUMES DE MERCADO NAS EXECUÇÕES COMUNS, NORTEANDO A SATISFAÇÃO DE CRÉDITOS COM ALTO RISCO DE INADIMPLEMENTO. RECONHECIMENTO DE QUE NÃO SE APLICA ÀS EXECUÇÕES FISCAIS A LÓGICA DE MERCADO, SOBRETUDO PORQUE O PODER PÚBLICO JÁ É DOTADO, PELA LEI 6.830/1980, DE ALTÍSSIMOS PRIVILÉGIOS PROCESSUAIS, QUE NÃO JUSTIFICAM O EMPREGO DE ADICIONAIS MEDIDAS AFLITIVAS FRENTE À PESSOA DO EXECUTADO. ADEMAIS, CONSTATA-SE A DESPROPORÇÃO DO ATO APONTADO COMO COATOR, POIS O EXECUTIVO FISCAL JÁ CONTA COM A PENHORA DE 30% DOS VENCIMENTOS DO RÉU. PARECER DO MPF PELA CONCESSÃO DA ORDEM. HABEAS CORPUS CONCEDIDO, DE MODO A DETERMINAR, COMO FORMA DE PRESERVAR O DIREITO FUNDAMENTAL DE IR E VIR DO PACIENTE, A EXCLUSÃO DAS MEDIDAS ATÍPICAS CONSTANTES DO ARESTO DO TJ/PR, APONTADO COMO COATOR, QUAIS SEJAM, (I) A SUSPENSÃO DA CARTEIRA NACIONAL DE HABILITAÇÃO, (II) A APREENSÃO DO PASSAPORTE, CONFIRMANDO-SE A LIMINAR DEFERIDA. 

1. O presente Habeas Corpus tem, como moto primitivo, Execução Fiscal adveniente de acórdão do Tribunal de Contas do Estado do Paraná que responsabilizou o Município de Foz do Iguaçu/PR a arcar com débitos trabalhistas decorrentes de terceirização ilícita de mão de obra. Como forma de regresso, o Município emitiu Certidão de Dívida Ativa, com a consequente inicialização de Execução Fiscal. À época da distribuição da Execução (dezembro/2013), o valor do débito era de R$ 24.645,53. 

2. Para além das diligências deferidas tendentes à garantia do juízo, tais como as consultas Bacenjud, Renajud, pesquisa on-line de bens imóveis, disponibilização de Declaração de Imposto de Renda, o Magistrado determinou a penhora de 30% do salário auferido pelo Paciente na Companhia de Saneamento do Paraná-SANEPAR, com retenção imediata em folha de pagamento. 

3. O Magistrado de Primeiro Grau indeferiu, porém, o pedido de expedição de ofício aos órgãos de proteção ao crédito e suspensão de passaporte e de Carteira Nacional de Habilitação. Mas a Corte Araucariana deu provimento a recurso de Agravo de Instrumento interposto pela Fazenda de Foz do Iguaçu/PR, para deferir as medidas atípicas requeridas pela Municipalidade exequente, consistentes em suspensão de Carteira Nacional de Habilitação e apreensão de passaporte. 

4. A discussão lançada na espécie cinge-se à aplicação, no Executivo Fiscal, de medidas atípicas que obriguem o réu a efetuar o pagamento de dívida, tendo-se, como referência analítica, direitos e garantias fundamentais do cidadão, especialmente o de direito de ir e vir. 

5. Inicialmente, não se duvida que incumbe ao juiz determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária. É a dicção do art. 139, IV do Código Fux. 

6. No afã de cumprir essa diretriz, são pródigas as notícias que dão conta da determinação praticada por Magistrados do País que optaram, no curso de processos de execução, por limitar o uso de passaporte, suspender a Carteira de Habilitação para dirigir e inscrever o nome do devedor no cadastro de inadimplentes. Tudo isso é feito para estimular o executado a efetuar o pagamento, por intermédio do constrangimento de certos direitos do devedor. 

7. Não há dúvida de que, em muitos casos, as providências são assim tomadas não apenas para garantir a satisfação do direito creditício do exequente, mas também para salvaguardar o prestígio do Poder Judiciário enquanto autoridade estatal; afinal, decisão não cumprida é um ato atentatório à dignidade da Justiça. 

8. De fato, essas medidas constrictivas atípicas se situam na eminente e importante esfera do mercado de crédito. O crédito disponibilizado ao consumidor, à exceção dos empréstimos consignados, é de parca proteção e elevado risco ao agente financeiro que concede o crédito, por não contar com garantia imediata, como sói acontecer com a alienação fiduciária. Diferentemente ocorre nos setores de financiamento imobiliário, de veículos e de patrulha agrícola mecanizada, por exemplo, cujo próprio bem adquirido é serviente a garantir o retorno do crédito concedido a altos juros. 

9. Julgadores que promovem a determinação para que, na hipótese de execuções cíveis, se proceda à restrição de direitos do cidadão, como se tem visto na limitação do uso de passaporte e da licença para dirigir, querem sinalizar ao mercado e às agências internacionais de avaliação de risco que, no Brasil, prestigiam-se os usos e costumes de mercado, com suas normas regulatórias próprias, como força centrífuga à autoridade estatal, consoante estudou o Professor JOSÉ EDUARDO FARIA na obra O Direito na Economia Globalizada. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 64/85. 

10. Noutras palavras, em virtude da falta de garantias de adimplemento, por ocasião da obtenção do crédito, são contrapostas as formas aflitivas pessoais de satisfação do débito em âmbito endoprocessual. Essa modalidade de condução da lide, que ressalta a efetividade, é válida mundivisão acerca do que é o processo judicial e o seu objetivo, embora ela [a visão de mundo] não seja única, não se podendo dizer paradigmática. 

11. Porém, essa almejada efetividade da pretensão executiva não está alheia ao controle de legalidade, especialmente por esta Corte Superior, consoante se verifica dos seguintes arestos: o habeas corpus é instrumento de previsão constitucional vocacionado à tutela da liberdade de locomoção, de utilização excepcional, orientado para o enfrentamento das hipóteses em que se vislumbra manifesta ilegalidade ou abuso nas decisões judiciais. O acautelamento de passaporte é medida que limita a liberdade de locomoção, que pode, no caso concreto, significar constrangimento ilegal e arbitrário, sendo o habeas corpus via processual adequada para essa análise (RHC 97.876/SP, Rel. Min. LUIS FELIPE SALOMÃO, DJe 9.8.2018; AgInt no AREsp. 1.233.016/SP, Rel. Min. MARCO AURÉLIO BELLIZZE, DJe 17.4.2018). 

12. Tratando-se de Execução Fiscal, o raciocínio toma outros rumos quando medidas aflitivas pessoais atípicas são colocadas em vigência nesse procedimento de satisfação de créditos fiscais. Inegavelmente, o Executivo Fiscal é destinado a saldar créditos que são titularizados pela coletividade, mas que contam com a representação da autoridade do Estado, a quem incumbe a promoção das ações conducentes à obtenção do crédito. 

13. Para tanto, o Poder Público se reveste da Execução Fiscal, de modo que já se tornou lugar comum afirmar que o Estado é superprivilegiado em sua condição de credor. Dispõe de varas comumente especializadas para condução de seus feitos, um corpo de Procuradores altamente devotado a essas causas, e possui lei própria regedora do procedimento (Lei 6.830/1980), com privilégios processuais irredarguíveis. Para se ter uma ideia do que o Poder Público já possui privilégios ex ante, a execução só é embargável mediante a plena garantia do juízo (art. 16, § 1o. da LEF), o que não encontra correspondente na execução que se pode dizer comum. Como se percebe, o crédito fiscal é altamente blindado dos riscos de inadimplemento, por sua própria conformação jusprocedimental. 

14. Não se esqueça, ademais, que, muito embora cuide o presente caso de direito regressivo exercido pela Municipalidade em Execução Fiscal (caráter não tributário da dívida), sempre é útil registrar que o crédito tributário é privilegiado (art. 184 do Código Tributário Nacional), podendo, se o caso, atingir até mesmo bens gravados como impenhoráveis, por serem considerados bem de família (art. 3o., IV da Lei 8.009/1990). Além disso, o crédito tributário tem altíssima preferência para satisfação em procedimento falimentar (art. 83, III da Lei de Falências e Recuperações Judiciais - 11.101/2005). Bens do devedor podem ser declarados indisponíveis para assegurar o adimplemento da dívida (art. 185-A do Código Tributário Nacional). São providências que não encontram paralelo nas execuções comuns. 

15. Nesse raciocínio, é de imediata conclusão que medidas atípicas aflitivas pessoais, tais como a suspensão de passaporte e da licença para dirigir, não se firmam placidamente no Executivo Fiscal. A aplicação delas, nesse contexto, resulta em excessos. 

16. Excessos por parte da investida fiscal já foram objeto de severo controle pelo Poder Judiciário, tendo a Corte Suprema registrado em Súmula que é inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos (Súmula 323/STF). 

17. Na espécie, consoante relata o ato apontado como coator, trata-se de Execução Fiscal manejada pela Fazenda do Município de Foz do Iguaçu/PR em desfavor do ora Paciente, então Prefeito da urbe paranaense, a partir da qual visa à satisfação de crédito como direito de regresso, uma vez que a Municipalidade fora condenada à restituição de dano ao Erário como sanção aplicada pelo Tribunal de Contas do Estado do Paraná (débitos trabalhistas com origem em contratação ilegal de funcionários terceirizados, contratações essas ordenadas pelo então Alcaide, ora Paciente). O caderno aponta que o valor histórico do crédito vindicado é de R$ 24.645,53 (fls. 114). 

18. O TJ/PR deu provimento a recurso de Agravo de Instrumento interposto pelo Município de Foz do Iguaçu/PR contra a decisão de Primeiro Grau que indeferiu o pedido de medidas aflitivas de inscrição do nome do executado em cadastro de inadimplentes, de suspensão do direito de dirigir e de apreensão do passaporte. O acórdão do TJ/PR, ora apontado como ato coator, deferiu as indicadas medidas no curso da Execução Fiscal. 

19. Ao que se dessume do enredo fático-processual, a medida é excessiva. Para além do contexto econômico de que se lançou mão anteriormente, o que, por si só, já justificaria o afastamento das medidas adotadas pelo Tribunal Araucariano, registre-se que o caderno processual aponta que há penhora de 30% dos vencimentos que o réu aufere na Companhia de Saneamento do Paraná-SANEPAR. Além disso, rendimentos de sócio-majoritário que o executado possui na Rádio Cultura de Foz do Iguaçu Ltda.-EPP também foram levados a bloqueio (fls. 163/164). 

20. Submeteu-se o réu à notória restrição constitucional do direito de ir e vir num contexto de Execução Fiscal já razoavelmente assegurada, pelo que se dessume da espécie. 

21. Assinale-se como de altíssima nomeada para o caso o art. 22 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, ao estabelecer, nos seus itens 1 e 2, que toda pessoa que se ache legalmente no território de um Estado tem direito de circular nele e de nele residir conformidade com as disposições legais, bem como toda pessoa tem o direito de sair livremente de qualquer país, inclusive do próprio. 

22. Frequentemente, tem-se visto a rejeição à ordem de Habeas Corpus sob o argumento de que a limitação de CNH não obstaria o direito de locomoção, por existir outros meios de transporte de que o indivíduo pode se valer. É em virtude dessa linha de pensamento que a referência ao Pacto de São José da Costa Rica se mostra crucial, na medida em que a existência de diversos meios de deslocamento não retira o fato de que deve ser amplamente garantido ao cidadão exercer o direito de circulação pela forma que melhor lhe aprouver, pois assim se efetiva o núcleo essencial das liberdades individuais, tal como é o direito e ir e vir. 

23. Cumpre registrar que a opinião do douto parecer do Ministério Público Federal é por conceder-se o remédio constitucional, sob a premissa de que, apresentada a questão com tais contornos, estritamente atrelada ao arcabouço probatório encartado nos autos, não há outra possibilidade senão reconhecer que, não sendo a medida restritiva adequada e necessária, ainda que sob o escudo da busca pela efetivação da legítima Execução Fiscal promovida originariamente, a sua efetivação tornou-se contrária à ordem jurídica, porquanto adentrou demasiadamente na esfera pessoal, e não patrimonial, do executado/impetrante, configurando, certamente, ato punitivo, não constritivo, atentando, portanto, contra a sua liberdade de ir e vir (fls. 262/264). O Paciente está a merecer, em confirmação da medida liminar, a tutela da liberdade de ir a vir pelo remédio de Habeas Corpus. 

24. Parecer do MPF pela concessão da medida. Habeas Corpus concedido em favor do Paciente, confirmando-se a medida liminar anteriormente concedida, apta a determinar sejam excluídas as medidas atípicas constantes do aresto do TJ/PR apontado como coator (suspensão da Carteira Nacional de Habilitação, apreensão do passaporte). 

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, prosseguindo o julgamento, preliminarmente, por maioria, vencidos os Srs. Ministros Benedito Gonçalves e Regina Helena Costa, conhecer do Habeas Corpus e, no mérito, por maioria, vencidos parcialmente os Srs. Ministros Sérgio Kukina e Gurgel de Faria (voto-vista), conceder a ordem determinando sejam excluídas as medidas atípicas constantes do aresto do TJ/PR apontado como coator (suspensão da Carteira Nacional de Habilitação, apreensão do passaporte), nos termos do voto do Sr. Ministro Relator Os Srs. Ministros Benedito Gonçalves e Regina Helena Costa votaram com o Sr. Ministro Relator. 

Brasília/DF, 25 de junho de 2019 (Data do Julgamento). 

RELATÓRIO 

1. Trata-se de Habeas Corpus impetrado pelos Advogados ALDAMIRA GERALDA DE ALMEIDA AFFORNALLI, MARCUS VINICIUS AFFORNALLI e BRUNA AFFORNALLI, em favor do Paciente CELSO SAMIS DA SILVA, que figura como parte executada em Execução Fiscal promovida pela FAZENDA DO MUNICÍPIO DE FOZ DO IGUAÇU/PR, a partir do qual objetivam a concessão de medida assecuratória do direito e ir e vir frente ao acórdão do egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, ora apontado como autoridade coatora, que determinou a efetuação de medidas constrictivas atípicas. O suposto ato ilegal que afetou a liberdade de locomoção do cidadão, praticado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, contou com a seguinte ementa: 

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE EXECUÇÃO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. RESSARCIMENTO DE DANOS AO ERÁRIO. DILIGÊNCIAS INFRUTÍFERAS. APLICAÇÃO DE TÉCNICAS EXECUTIVAS ATÍPICAS. INSCRIÇÃO DO DEVEDOR EM CADASTRO DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO. APREENSÃO DE PASSAPORTE E SUSPENSÃO DE CNH. INDEFERIMENTO PELO JUÍZO SINGULAR. IRRESIGNAÇÃO DO MUNICÍPIO. APLICAÇÃO DO ARTIGO 139, IV DO CPC. ENTENDIMENTO DO ENUNCIADO 48 DA ENFAM. INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. REFORMA DA DECISÃO SINGULAR. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO (fls. 189/197). 

2. As razões que motivaram o impetrante a postular remédio constitucional residem no argumento de que houve arbítrio da autoridade ao deferir medidas restritivas de direito na Execução Fiscal de origem, qualificadas por restrição ao uso de passaporte e por suspensão de Carteira de Habilitação do executado, ora paciente. Salientam que o paciente não praticou atos de recalcitrância no feito executório e que as providências autorizadas pelo Tribunal Araucariano se dirigem à aflição pessoal do réu e não aos seus bens. Assevera a desproporciolidade da medida, porquanto já está respondendo pela dívida com a penhora de 30% de seus vencimentos. Afirmam que a restrição do uso de passaporte causa prejuízo ao paciente, uma vez que reside em área de fronteira, em que é corriqueira a passagem para países como Paraguai e Argentina, e que a suspensão da Carteira de Habilitação o impede de comparecer ao trabalho e de transportar seu filhos ao colégio. Pede a concessão de medida liminar, de modo a extirpar a coação ilegal praticada pela Corte de origem. 

3. Foi concedida a medida liminar às fls. 222/229. Solicitadas as informações à autoridade coatora, esta ficou inerte (fls. 250). Intimada (fls. 243/244), a Fazenda Pública exequente não se manifestou. 

4. O Ministério Público Federal, em parecer da lavra do ilustre Subprocurador-Geral da República JOSÉ BONIFÁCIO BORGES DE ANDRADA, opinou pela concessão da ordem de Habeas Corpus (fls. 257/264). 

5. Em síntese, é o relatório. 

VOTO 

1. O presente Habeas Corpus tem, como moto primitivo, Execução Fiscal adveniente de acórdão do Tribunal de Contas do Estado do Paraná que responsabilizou o Município de Foz do Iguaçu/PR a arcar com débitos trabalhistas decorrentes de terceirização ilícita de mão de obra. Como forma de regresso, o Município emitiu Certidão de Dívida Ativa, com a consequente inicialização de Execução Fiscal. À época da distribuição da Execução (dezembro/2013), o valor do débito era de R$ 24.645,53. 

2. Para além das diligências deferidas tendentes à garantia do juízo, tais como as consultas Bacenjud, Renajud e pesquisa online de bens imóveis, disponibilização de Declaração de Imposto de Renda, o Magistrado determinou a penhora de 30% do salário auferido pelo Paciente na Companhia de Saneamento do Paraná-SANEPAR, com retenção em folha de pagamento. 

3. O Magistrado de Primeiro Grau indeferiu, porém, o pedido de expedição de ofício aos órgãos de proteção ao crédito e suspensão de passaporte e de Carteira Nacional de Habilitação. Mas a Corte Araucariana deu provimento a recurso de Agravo de Instrumento interposto pela Fazenda de Foz do Iguaçu/PR, para deferir as medidas atípicas requeridas pela Municipalidade exequente. 

4. A discussão lançada na espécie cinge-se à aplicação, no Executivo Fiscal, de medidas atípicas que obriguem o réu a efetuar o pagamento de dívida. 

5. Inicialmente, não se duvida que incumbe ao juiz determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária. É a dicção do art. 139, IV do Código Fux. 

6. No afã de cumprir essa diretriz, são pródigas as notícias que dão conta da determinação praticada por Magistrados do País que optaram, no curso de processos de execução, por limitar o uso de passaporte, suspender a Carteira de Habilitação para dirigir e inscrever o nome do devedor no cadastro de inadimplentes. Tudo isso é feito para estimular o executado a efetuar o pagamento, por intermédio do constrangimento de certos direitos do devedor. 

7. Não há dúvida de que, em muitos casos, as providências são assim tomadas não apenas para garantir a satisfação do direito creditício do exequente, mas também para salvaguardar o prestígio do Poder Judiciário enquanto autoridade estatal; afinal, decisão não cumprida é um ato atentatório à dignidade da Justiça. 

8. De fato, essas medidas constrictivas situam-se na eminente e importante esfera do mercado de crédito. O crédito disponibilizado ao consumidor, à exceção dos empréstimos consignados, é de parca proteção e elevado risco ao agente financeiro que concede o crédito, por não contar com garantia imediata, como sói acontecer com a alienação fiduciária. Diferentemente ocorre nos setores de financiamento imobiliário, de veículos e de patrulha agrícola mecanizada, por exemplo, cujo próprio bem adquirido é serviente a garantir o retorno do crédito concedido a altos juros. 

9. Embora o crédito seja responsável por promover o crescimento econômico, não apenas por sua aplicação na área produtiva, mas, sobretudo e especialmente, no consumo das famílias, ele é também responsável por severo endividamento pessoal dos brasileiros. Estatísticas dos órgãos oficiais informam que mais de 60% dos brasileiros se encontram, por mais de 90 dias, com débitos em aberto em cartão de crédito, no crediário de estabelecimentos comerciais, no cheque especial e em outras modalidades de crédito direto, nas quais o consumidor é estimulado a contratar, conforme matéria jornalística veiculada pela Agência Brasil de Comunicação EBC (http://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2018-01/percentual-de-familias-e ndividadas-sobe-de-59-para-622. Acesso em 12.6.2018). 

10. Existem, inclusive, programas oficiais, como o do Banco Central do Brasil, destinados a evitar o superendividamento, dado o caráter epidêmico do estímulo ao consumo sem as necessárias prudência e organização de finanças pessoais nas compras (http://www.bcb.gov.br/pre/pef/port/folder_serie_II_%C3%A9_possivel_sair_do_sup erendividamento.pdf. Acesso em 12.6.2018). 

11. Não há dúvida de que essas questões que permeiam o crédito aportam no Poder Judiciário, nesse contexto de credores sem garantia e endividados suplicando a misericórdia. Penso que aqueles Julgadores que promovem a determinação para que, na hipótese de execuções cíveis, se proceda à restrição de direitos do cidadão, como se tem visto na limitação do uso de Documento: 1822323 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 15/08/2019 Página 16 de 7 Superior Tribunal de Justiça passaporte e da licença para dirigir, querem sinalizar ao mercado e às agências internacionais de avaliação de risco que, no Brasil, prestigiam-se os usos e costumes de mercado, com suas normas regulatórias próprias. 

12. Noutras palavras, em virtude da falta de garantias de adimplemento, por ocasião da obtenção do crédito, são contrapostas as formas aflitivas pessoais de satisfação do débito em âmbito endoprocessual. Essa modalidade de condução da lide, que ressalta a efetividade, é válida mundivisão acerca do que é o processo judicial e o seu objetivo, embora ela [a visão de mundo] não seja única, não se podendo dizer paradigmática. 

13. Porém, essa almejada efetividade da pretensão executiva não está alheia do controle de legalidade, especialmente por esta Corte Superior, consoante se verifica dos seguintes arestos: 

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. MEDIDAS COERCITIVAS ATÍPICAS. CPC/2015. INTERPRETAÇÃO CONSENTÂNEA COM O ORDENAMENTO CONSTITUCIONAL. SUBSIDIARIEDADE, NECESSIDADE, ADEQUAÇÃO E PROPORCIONALIDADE. RETENÇÃO DE PASSAPORTE. COAÇÃO ILEGAL. CONCESSÃO DA ORDEM. SUSPENSÃO DA CNH. NÃO CONHECIMENTO. 1. O habeas corpus é instrumento de previsão constitucional vocacionado à tutela da liberdade de locomoção, de utilização excepcional, orientado para o enfrentamento das hipóteses em que se vislumbra manifesta ilegalidade ou abuso nas decisões judiciais. 2. Nos termos da jurisprudência do STJ, o acautelamento de passaporte é medida que limita a liberdade de locomoção, que pode, no caso concreto, significar constrangimento ilegal e arbitrário, sendo o habeas corpus via processual adequada para essa análise. 3. O CPC de 2015, em homenagem ao princípio do resultado na execução, inovou o ordenamento jurídico com a previsão, em seu art. 139, IV, de medidas executivas atípicas, tendentes à satisfação da obrigação exequenda, inclusive as de pagar quantia certa. 4. As modernas regras de processo, no entanto, ainda respaldadas pela busca da efetividade jurisdicional, em nenhuma circunstância, poderão se distanciar dos ditames constitucionais, apenas sendo possível a implementação de comandos não discricionários ou que restrinjam direitos individuais de forma razoável. 5. Assim, no caso concreto, após esgotados todos os meios típicos de satisfação da dívida, para assegurar o cumprimento de ordem judicial, deve o magistrado eleger medida que seja necessária, lógica e proporcional. Não sendo adequada e necessária, ainda que sob o escudo da busca pela efetivação das decisões judiciais, será contrária à ordem jurídica. 6. Nesse sentido, para que o julgador se utilize de meios executivos atípicos, a decisão deve ser fundamentada e sujeita ao contraditório, demonstrando-se a excepcionalidade da medida adotada em razão da ineficácia dos meios executivos típicos, sob pena de configurar-se como sanção processual. 7. A adoção de medidas de incursão na esfera de direitos do executado, notadamente direitos fundamentais, carecerá de legitimidade e configurar-se-á coação reprovável, sempre que vazia de respaldo constitucional ou previsão legal e à medida em que não se justificar em defesa de outro direito fundamental. 8. A liberdade de locomoção é a primeira de todas as liberdades, sendo condição de quase todas as demais. Consiste em poder o indivíduo deslocar-se de um lugar para outro, ou permanecer cá ou lá, segundo lhe convenha ou bem lhe pareça, compreendendo todas as possíveis manifestações da liberdade de ir e vir. 9. Revela-se ilegal e arbitrária a medida coercitiva de suspensão do passaporte proferida no bojo de execução por título extrajudicial (duplicata de prestação de serviço), por restringir direito fundamental de ir e vir de forma desproporcional e não razoável. Não tendo sido demonstrado o esgotamento dos meios tradicionais de satisfação, a medida não se comprova necessária. 10. O reconhecimento da ilegalidade da medida consistente na apreensão do passaporte do paciente, na hipótese em apreço, não tem qualquer pretensão em afirmar a impossibilidade dessa providência coercitiva em outros casos e de maneira genérica. A medida poderá eventualmente ser utilizada, desde que obedecido o contraditório e fundamentada e adequada a decisão, verificada também a proporcionalidade da providência. 11. A jurisprudência desta Corte Superior é no sentido de que a suspensão da Carteira Nacional de Habilitação não configura ameaça ao direito de ir e vir do titular, sendo, assim, inadequada a utilização do habeas corpus, impedindo seu conhecimento. É fato que a retenção desse documento tem potencial para causar embaraços consideráveis a qualquer pessoa e, a alguns determinados grupos, ainda de forma mais drástica, caso de profissionais, que tem na condução de veículos, a fonte de sustento. É fato também que, se detectada esta condição particular, no entanto, a possibilidade de impugnação da decisão é certa, todavia por via diversa do habeas corpus, porque sua razão não será a coação ilegal ou arbitrária ao direito de locomoção, mas inadequação de outra natureza. 12. Recurso ordinário parcialmente conhecido (RHC 97.876/SP, Rel. Min. LUIS FELIPE SALOMÃO, DJe 9.8.2018). 

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO. PRETENSÃO DE QUE SEJA SUSPENSA A CNH DO DEVEDOR COM BASE NO ART. 139, IV, DO CPC/2015. CONCLUSÃO NO SENTIDO DA INADEQUAÇÃO DA MEDIDA PARA O FIM COLIMADO. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. 1. O Tribunal estadual entendeu que a medida pleiteada - suspensão da CNH dos recorridos - é inadequada para o fim colimado, pois é desproporcional no caso em tela, especialmente porque atinge a pessoa do devedor, não seu patrimônio. Essa conclusão foi fundada na apreciação fático-probatória da causa, atraindo a aplicação da Súmula 7/STJ. 2. Agravo interno desprovido (AgInt no AREsp. 1.233.016/SP, Rel. Min. MARCO AURÉLIO BELLIZZE, DJe 17.4.2018). 

14. Tratando-se de Execução Fiscal, o raciocínio toma outros rumos quando se contrasta com as medidas aflitivas pessoais atípicas. Inegavelmente, o Executivo Fiscal é destinado a saldar créditos que são titularizados pela coletividade, mas que contam com a representação da autoridade do Estado, a quem incumbe a promoção das ações conducentes à obtenção do crédito. 

15. Para tanto, o Poder Público se reveste da Execução Fiscal, de modo que já se tornou lugar comum afirmar que o Estado é superprivilegiado em sua condição de credor. Dispõe de varas comumente especializadas para condução de seus feitos, um corpo de Procuradores altamente devotado a essas causas, e possui lei própria regedora do procedimento (Lei 6.830/1980), com privilégios processuais irredarguíveis. Para se ter uma ideia do que o Poder Público já possui ex ante, a execução só é embargável mediante a garantia do juízo (art. 16, § 1o. da LEF), o que não encontra correspondente na execução que se pode dizer comum. Como se percebe, o crédito fiscal é altamente blindado dos riscos de inadimplemento, por sua própria conformação jusprocedimental. 

16. Não se esqueça, ademais, que o crédito tributário é privilegiado (art. 184 do Código Tributário Nacional), podendo, se o caso, atingir até mesmo bens gravados como impenhoráveis, por serem considerados bem de família (art. 3o., IV da Lei 8.009/1990). Além disso, o crédito tributário tem altíssima preferência para satisfação em procedimento falimentar (art. 83, III da Lei de Falências e Recuperações Judiciais - 11.101/2005). Bens do devedor podem ser declarados indisponíveis para assegurar o adimplemento da dívida (art. 185-A do Código Tributário Nacional). 

17. Nesse raciocínio, é de imediata conclusão que medidas atípicas aflitivas pessoais não se firmam placidamente no executivo fiscal. A aplicação delas, nesse contexto, resulta em excessos. 

18. Excessos por parte da investida fiscal já foram objeto de severo controle pelo Poder Judiciário, tendo a Corte Suprema registrado em Súmula que é inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos (Súmula 323/STF). 

19. Na espécie, consoante relata o ato apontado como coator, trata-se de Execução Fiscal manejada pela Fazenda do Município de Foz do Iguaçu/PR, a partir do qual visa à satisfação de crédito adveniente de condenação do executado à restituição de dano ao Erário como sanção aplicada ao Município pelo Tribunal de Contas do Paraná (débitos trabalhistas com origem contratação ilegal de funcionários terceirizados). O caderno aponta que o valor do crédito vindicado é de R$ 24.645,53 (fls. 114). 

20. O TJ/PR deu provimento ao recurso de Agravo de Instrumento da Municipalidade, em ordem a deferir medidas aflitivas de inscrição do nome do réu em cadastro de inadimplentes, suspensão do direito de dirigir e apreensão do passaporte. 

21. Ao que se dessume do enredo fático-processual, a medida é excessiva. Para além do contexto econômico de que se lançou mão anteriormente, o que, por si só, já justificaria o afastamento das medidas adotadas pelo Tribunal Araucariano, registre-se que o caderno processual aponta que há penhora de 30% dos vencimentos que o réu aufere na Companhia de Saneamento do Paraná-SANEPAR. Além disso, rendimentos de sócio-majoritário que o executado possui na Rádio Cultura de Foz do Iguaçu Ltda.-EPP também foram levados a bloqueio. 

22. Registre-se como de altíssima nomeada para o caso o art. 22 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, ao estabelecer, nos seus itens 1 e 2, que toda pessoa que se ache legalmente no território de um Estado tem direito de circular nele e de nele residir conformidade com as disposições legais, bem como toda pessoa tem o direito de sair livremente de qualquer país, inclusive do próprio. 

23. Frequentemente, tem-se visto a rejeição à ordem de Habeas Corpus sob o argumento de que a limitação de CNH não obstaria o direito de locomoção, por existir outros meios de transporte de que o indivíduo pode se valer. É em virtude dessa linha de pensamento que a referência ao Pacto de São José da Costa Rica se mostra crucial, na medida em que a existência de diversos meios de deslocamento não retira o fato de que deve ser amplamente garantido ao cidadão exercer o direito de circulação pela forma que melhor lhe aprouver, pois assim se efetiva o núcleo essencial das liberdades individuais, tal como é o direito e ir e vir. 

24. O paciente está a merecer, em confirmação da medida liminar, a tutela da liberdade de ir a vir a que se propõe o remédio de Habeas Corpus.

25. Outra não é, aliás, a opinião do douto parecer do Ministério Público Federal, cuja transcrição é de rigor: 

14. Feitas tais ponderações, impende considerar, de uma forma simplória, mas fundamentada no parâmetro 'proporcionalidade' da medida constritiva segundo o crivo da adequação e da necessidade, a plausibilidade da fundamentação desenvolvida e da conclusão tecida quando da apreciação da liminar do writ. 15. Soa deveras excessiva a medida de suspensão de dirigir e apreensão do passaporte imposta ao impetrante num contexto de Execução Fiscal já razoavelmente assegurada pela penhora de 30% dos vencimentos que aufere na Companhia de Saneamento do Paraná-SANEPAR, além do bloqueio dos rendimentos de sócio-majoritário que o executado possui na Rádio Cultura de Foz do Iguaçu Ltda.-EPP. 16. Frise-se que, evidentemente, torna-se mais aguda a restrição das liberdades constitucionais do réu a circunstância de que a cidade de Foz do Iguaçu/PR se situa em tríplice fronteira de Brasil, Paraguai e Argentina. Embora possa haver trânsito facilitado de pessoas entre esses Países do Mercosul, é notório que, por residir nessa localidade fronteiriça, o paciente está a sofrer mais limitações em seu direito de ir e vir pela supressão de passaporte do que outra pessoa que esteja a milhares de quilômetros de qualquer área limítrofe. 17. Ademais, do arcabouço documental "é possível perquirir que o paciente utiliza os documentos para as suas atividades rotineiras, uma vez que a empresa em que o requerente trabalha (SANEPAR) possui sede em todas as cidades do Estado. Ainda, a função exercida pelo paciente (diretor estratégico) é inerente à necessidade de comparecimento deste em diferentes cidades do Estado, a fim de acompanhar a execução das atividades da empresa." - fls. 1Oe. 18. Apresentada a questão com tais contornos, estritamente atrelada ao arcabouço probatório encartado nos autos, não há outra possibilidade senão reconhecer que, não sendo a medida restritiva adequada e necessária, ainda que sob o escudo da busca pela efetivação da legítima Execução Fiscal promovida originariamente, a sua efetivação tornou-se contrária à ordem jurídica, porquanto adentrou demasiadamente na esfera pessoal, e não patrimonial, do executado/impetrante, configurando, certamente, ato punitivo, não constritivo, atentando, portanto, contra a sua liberdade de ir e vir. Ante o exposto, o Ministério Público Federal manifesta-se pela concessão da ordem em habeas corpus, para excluir as medidas de restrição ao uso de passaporte e suspensão de Carteira de Habilitação, outrora impostas ao impetrante (fls. 262/264).

 26. Mercê do exposto, confirma-se a medida liminar anteriormente concedida, de modo expedir ordem de Habeas Corpus em favor do paciente, apta a determinar sejam excluídas as medidas atípicas constantes do aresto do TJ/PR apontado como coator (suspensão da Carteira Nacional de Habilitação, apreensão do passaporte). 

É como voto. 

VOTO-VISTA 

O EXMO. SR. MINISTRO GURGEL DE FARIA: Trata-se de habeas corpus impetrado por ALDAMIRA GERALDA DE ALMEIDA AFFORNALLI, em favor de CELSO SAMIS DA SILVA – parte executada em execução fiscal promovida pela FAZENDA DO MUNICÍPIO DE FOZ DO IGUAÇU/PR –, em que objetiva impugnar a imposição das medidas executivas atípicas por parte do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, consubstanciadas na apreensão do passaporte do paciente, bem assim na suspensão da sua Carteira Nacional de Habilitação, com arrimo no art. 139, IV, do CPC/2015. 

Após o bem-lançado voto do d. relator, Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, em que concedeu a ordem, dos votos dos Min. BENEDITO GONÇALVES e REGINA HELENA COSTA, em que não conheceram do habeas corpus, e do voto do Min. SÉRGIO KUKINA, que conheceu da impetração, pedi vista dos autos para um melhor exame e agora os trago a julgamento. 

Inicialmente, cumpre registrar que, no tocante à apreensão da Carteira Nacional de Habilitação, o presente writ não se apresenta viável, à míngua de risco potencial à liberdade de locomoção do paciente. 

Nesse sentido: 

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. APREENSÃO DA CARTEIRA NACIONAL DE HABILITAÇÃO - CNH. INEXISTÊNCIA DE RISCO OU AMEAÇA AO DIREITO DE LOCOMOÇÃO. DESCABIMENTO DO WRIT. 1. Sem que haja risco ou ameaça à liberdade de locomoção, revela-se descabida a impetração de habeas corpus. Precedentes: AgRg no HC 391.220/SP, Relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, DJe 24/5/2017; REsp 1.639.643/RS, Relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 18/4/2017; e AgInt no HC 361.699/MG, Relator Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, DJe 20/10/2016. 2. Agravo interno não provido. (AgInt no RHC 97082/SP, rel. Min. BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, DJe 25/6/2018). 

Diversa é a situação relativa à retenção do passaporte, visto que, de acordo com a jurisprudência do STJ, tal restrição constitui ameaça ao direito de ir e vir do paciente, hábil ao manejo do habeas corpus. 

Nesse sentido: 

AMBIENTAL. PROCESSO CIVIL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. INDENIZAÇÃO POR DANO AMBIENTAL. MEDIDA COERCITIVA ATÍPICA EM EXECUÇÃO POR QUANTIA CERTA. RESTRIÇÃO AO USO DE PASSAPORTE. INJUSTA VIOLAÇÃO DO DIREITO FUNDAMENTAL DE IR E VIR. NÃO OCORRÊNCIA. DECISÃO ADEQUADAMENTE FUNDAMENTADA. OBSERVÂNCIA DO CONTRADITÓRIO. PONDERAÇÃO DOS VALORES EM COLISÃO. PREPONDERÂNCIA, IN CONCRETO, DO DIREITO FUNDAMENTAL À TUTELA DO MEIO AMBIENTE. DENEGAÇÃO DO HABEAS CORPUS. I - Na origem, trata-se de cumprimento de sentença que persegue o pagamento de indenização por danos ambientais fixada por sentença. Indeferida a medida coercitiva atípica de restrição ao passaporte em primeira instância, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul deu provimento ao agravo interposto pelo Ministério Público, determinando a apreensão do passaporte dos pacientes. II - Cabível a impetração de habeas corpus tendo em vista a restrição ao direito fundamental de ir e vir causado pela retenção do passaporte dos pacientes. Precedentes: RHC n. 97.876/SP, HC n. 443.348/SP e RHC n. 99.606/SP. III - A despeito do cabimento do habeas corpus, é preciso aferir, in concreto, se a restrição ao uso do passaporte pelos pacientes foi ilegal ou abusiva. IV - Os elementos do caso descortinam que os pacientes, pessoas públicas, adotaram, ao longo da fase de conhecimento do processo e também na fase executiva, comportamento desleal e evasivo, embaraçando a tramitação processual e deixando de cumprir provimentos jurisdicionais, em conduta sintomática da ineficiência dos meios ordinários de penhora e expropriação de bens. V - A decisão que aplicou a restrição aos pacientes contou com fundamentação adequada e analítica. Ademais, observou o contraditório. Ao final do processo ponderativo, demonstrou a necessidade de restrição ao direito de ir e vir dos pacientes em favor da tutela do meio ambiente. VI - Ordem de habeas corpus denegada. (HC 478963/RS, rel. Min. FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, DJe 21/5/2019). (Grifos acrescidos). 

Assim, analiso a apontada ilegalidade decorrente da imposição da medida executiva atípica ao paciente. 

Compulsando os autos, verifico que a Corte de origem louvou-se no art. 139, IV, do CPC/2015, que assim dispõe: "O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe: [...] IV - determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária." 

O novel dispositivo facultou ao magistrado a adoção de providências executivas atípicas, destinadas à concretização da determinação judicial, especialmente quando verificado comportamento do executado descompromissado com a boa-fé e a lealdade processuais. 

No caso concreto, verifico, de fato, a postura recalcitrante do paciente em adimplir a dívida decorrente do acórdão do Tribunal de Contas do Estado Paraná (e-STJ fl. 28), notadamente diante da inexistência de automóveis e bens imóveis em seu nome, da inexistência de numerário em agência bancária e da declaração ao Imposto de Renda de que possuía a importância de R$ 80.000,00 em espécie. 

Não obstante, constato que a apreensão do seu passaporte afigura-se medida exagerada. 

Isso porque, no bojo da Execução Fiscal n. 0029418-18.2013.8.16.0030 foi deferida (e levada a efeito) a penhora de 30% (trinta por cento) dos vencimentos que ele aufere na Companhia de Saneamento do Paraná – SANEPAR, bem como o bloqueio dos rendimentos de sócio-majoritário da Rádio Cultura de Foz do Iguaçu Ltda.-EPP, conforme se observa às e-STJ fls. 162/164. 

A propósito, vale transcrever o seguinte excerto do parecer ministerial: 

14. Feitas tais ponderações, impende considerar, de uma forma simplória, mas fundamentada no parâmetro 'proporcionalidade' da medida constritiva segundo o crivo da adequação e da necessidade, a plausibilidade da fundamentação desenvolvida e da conclusão tecida quando da apreciação da liminar do writ. 15. Soa deveras excessiva a medida de suspensão de dirigir e apreensão do passaporte imposta ao impetrante "num contexto de Execução Fiscal já razoavelmente assegurada" pela penhora de 30% dos vencimentos que aufere na Companhia de Saneamento do Paraná-SANEPAR, além do bloqueio dos rendimentos de sócio-majoritário que o executado possui na Rádio Cultura de Foz do Iguaçu Ltda.-EPP. (e-STJ fls. 262/263). 

Assim, é de se deferir a liberação do passaporte do paciente. 

Ante o exposto, CONHEÇO PARCIALMENTE do habeas corpus para, na parte conhecida, CONCEDER A ORDEM, determinando a devolução do passaporte ao paciente CELSO SAMIS DA SILVA. 

É como voto. 

Filigrana doutrinária: Execução Indireta ou por coerção - Fernando da Fonseca Gajardoni

 [...] no plano pragmático, desconsidera-se que há diversas medidas no ordenamento jurídico que tipicamente se equiparam ou apresentam maior intensidade em termos de restrição de direitos fundamentais do que as medidas executivas atípicas. Basta pensar nas hipóteses de despejo forçado, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, ou mesmo nas medidas protetivas para proteção do patrimônio de grupos vulneráveis (mulheres, idosos, crianças e adolescentes etc.). Há, ainda, inúmeras medidas administrativas coercitivas, adotadas em razão do interesse público, decorrentes de relações fiscais, aduaneiras, urbanísticas ou de trânsito, as quais, embora representem restrições a direitos fundamentais, não carregam a pecha da inconstitucionalidade. 


AZEVEDO, Júlio Camargo de; GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Um novo capítulo na história das medidas executivas atípicas. Disponível em https://goo.gl/VAY72D. Consulta realizada em 28/3/2019. 

Filigrana doutrinária: Execução Indireta ou por coerção - Daniel Amorim Assumpção Neves

 “a adoção de medidas executivas coercitivas que recaiam sobre a pessoa do executado não significa que seu corpo passa a responder por suas dívidas”, uma vez que, na verdade, “são apenas medidas executivas que pressionam psicologicamente o devedor para que esse se convença de que o melhor a fazer é cumprir voluntariamente a obrigação” 


NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Medidas executivas coercitivas atípicas na execução de obrigação de pagar quantia certa: Art. 139, IV, do novo CPC. Revista de Processo: RePro, São Paulo, n. 264, p. 107-150. 

São cabíveis medidas executivas atípicas de cunho não patrimonial no cumprimento de sentença proferida em ação de improbidade administrativa.

REsp 1.929.230-MT, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 04/05/2021. 

Improbidade administrativa. Fase de cumprimento de sentença. Requerimento de medidas coercitivas. Suspensão de CNH e apreensão de passaporte. Previsão feita no art. 139, IV, do CPC/2015. Medidas executivas atípicas. Aplicação em processos de improbidade. Observância de parâmetros. Análise dos fatos da causa. Possibilidade.


São cabíveis medidas executivas atípicas de cunho não patrimonial no cumprimento de sentença proferida em ação de improbidade administrativa.


Há no Superior Tribunal de Justiça julgados afirmando a possibilidade da adoção das chamadas medidas atípicas no âmbito da execução, desde que preenchidos certos requisitos. Nesse sentido: "O propósito recursal é definir se a suspensão da carteira nacional de habilitação e a retenção do passaporte do devedor de obrigação de pagar quantia são medidas viáveis de serem adotadas pelo juiz condutor do processo executivo [...] O Código de Processo Civil de 2015, a fim de garantir maior celeridade e efetividade ao processo, positivou regra segundo a qual incumbe ao juiz determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária (art. 139, IV)" (REsp 1.788.950/MT, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe 26.4.2019).

Há, também, decisão da Primeira Turma indeferindo as medidas atípicas, mas mediante expressa referência aos fatos da causa. Afirmou-se no julgado: "O TJ/PR deu provimento a recurso de Agravo de Instrumento interposto pelo Município de Foz do Iguaçu/PR contra a decisão de Primeiro Grau que indeferiu o pedido de medidas aflitivas de inscrição do nome do executado em cadastro de inadimplentes, de suspensão do direito de dirigir e de apreensão do passaporte. O acórdão do TJ/PR, ora apontado como ato coator, deferiu as indicadas medidas no curso da Execução Fiscal. Ao que se dessume do enredo fático-processual, a medida é excessiva. Para além do contexto econômico de que se lançou mão anteriormente, o que, por si só, já justificaria o afastamento das medidas adotadas pelo Tribunal Araucariano, registre-se que o caderno processual aponta que há penhora de 30% dos vencimentos que o réu aufere na Companhia de Saneamento do Paraná-SANEPAR. Além disso, rendimentos de sócio-majoritário que o executado possui na Rádio Cultura de Foz do Iguaçu Ltda.-EPP também foram levados a bloqueio" (HC 45.3870/PR, Relator Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJe 15.8.2019).

Além de fazer referência aos fatos da causa, essa última decisão, da Primeira Turma, foi proferida em Execução Fiscal. Diversamente, no caso dos autos trata-se de cumprimento de sentença proferida em Ação por Improbidade Administrativa, demanda que busca reprimir o enriquecimento ilícito, as lesões ao erário e a ofensa aos princípios da Administração Pública.

Ora, se o entendimento desta Corte - conforme jurisprudência supra destacada - é no sentido de que são cabíveis medidas executivas atípicas a bem da satisfação de obrigações de cunho estritamente patrimonial, com muito mais razão elas devem ser admitidas em casos onde o cumprimento da sentença se dá a bem da tutela da moralidade e do patrimônio público. Superada a questão da impossibilidade de adoção de medidas executivas atípicas de cunho não patrimonial pela jurisprudência dessa Corte, não há como não considerar o interesse público na satisfação da obrigação um importante componente na definição pelo cabimento (ou não) delas à luz do caso concreto.

Os parâmetros construídos pela Terceira Turma, para aplicação das medidas executivas atípicas, encontram largo amparo na doutrina se revelam adequados, também, no cumprimento de sentença proferida em Ação por Improbidade.

Conforme tem preconizado a Terceira Turma: "A adoção de meios executivos atípicos é cabível desde que, verificando-se a existência de indícios de que o devedor possua patrimônio expropriável, tais medidas sejam adotadas de modo subsidiário, por meio de decisão que contenha fundamentação adequada às especificidades da hipótese concreta, com observância do contraditório substancial e do postulado da proporcionalidade" (REsp 1.788.950/MT, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe 26.4.2019).

Consigne-se que a observância da proporcionalidade não deve ser feita em abstrato, a não ser que as instâncias ordinárias expressamente declarem o artigo 139, IV, do CPC/2015, inconstitucional. Não sendo o caso, as balizas da proporcionalidade devem ser observadas com referência ao caso concreto, nas hipóteses em que as medidas atípicas se revelem excessivamente gravosas, por exemplo, causando prejuízo ao exercício da profissão.

9 de maio de 2021

CUMPRIMENTO DEFINITIVO DE SENTENÇA QUE RECONHECE A EXIGIBILIDADE DE OBRIGAÇÃO DE PAGAR QUANTIA CERTA. PAGAMENTO VOLUNTÁRIO. INCIDÊNCIA DE MULTA. CRITÉRIOS. INTEMPESTIVIDADE. RESISTÊNCIA MEDIANTE IMPUGNAÇÃO. DEPÓSITO INTEGRAL NO PRAZO DE 15 DIAS ÚTEIS SEM RESISTÊNCIA DA PARTE EXECUTADA. NÃO APLICAÇÃO DA MULTA.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.834.337 - SP (2019/0066322-0) 

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI 

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL EM FASE DE CUMPRIMENTO DEFINITIVO DE SENTENÇA QUE RECONHECE A EXIGIBILIDADE DE OBRIGAÇÃO DE PAGAR QUANTIA CERTA. PAGAMENTO VOLUNTÁRIO. INCIDÊNCIA DE MULTA. CRITÉRIOS. INTEMPESTIVIDADE. RESISTÊNCIA MEDIANTE IMPUGNAÇÃO. DEPÓSITO INTEGRAL NO PRAZO DE 15 DIAS ÚTEIS SEM RESISTÊNCIA DA PARTE EXECUTADA. NÃO APLICAÇÃO DA MULTA. 

1. Ação ajuizada em 2/5/17. Recurso especial interposto em 28/5/18. Autos conclusos ao gabinete em 28/6/19. Julgamento: CPC/15. 

2. O propósito recursal consiste em dizer da violação do art. 523, §1º, do CPC/15, acerca do critério de quando deve incidir, ou não, a multa de dez por cento sobre o débito, além de dez por cento de honorários advocatícios. 

3. São dois os critérios a dizer da incidência da multa prevista no art. 523, §1º, do CPC, a intempestividade do pagamento ou a resistência manifestada na fase de cumprimento de sentença. 

4. Considerando o caráter coercitivo da multa, a desestimular comportamentos exclusivamente baseados na protelação da satisfação do débito perseguido, não há de se admitir sua aplicação para o devedor que efetivamente faz o depósito integral da quantia dentro do prazo legal e não apresenta impugnação ao cumprimento de sentença. 

5. Na hipótese dos autos, apesar de advertir sobre o pretendido efeito suspensivo e da garantia do juízo, é incontroverso que a executada realizou tempestivamente o depósito integral da quantia perseguida e não apresentou impugnação ao cumprimento de sentença, fato que revela, indene de dúvidas, que houve verdadeiro pagamento do débito, inclusive com o respectivo levantamento pela exequente. Não incidência da multa prevista no art. 523, §1º, do CPC e correta extinção do processo, na forma do art. 924, II, do CPC. 

6. Recurso especial conhecido e não provido. 

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, conhecer e negar provimento ao recurso especial nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino. 

Brasília (DF), 03 de dezembro de 2019(Data do Julgamento) 

RELATÓRIO 

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora): Cuida-se de recurso especial interposto por NEUSA CARLOS PEREIRA, com fundamento, unicamente, na alínea “a” do permissivo constitucional, contra acórdão do TJ/SP. 

Ação: de rescisão contratual, em fase de cumprimento definitivo de sentença, ajuizada pela recorrente, em face de S/A O ESTADO DE SÃO PAULO. 

Sentença: julgou extinta a fase de cumprimento de sentença, ante a satisfação da obrigação e levantamento da quantia pela credora, nos termos do art. 924, II, do CPC/15. 

Acórdão: negou provimento à apelação interposta pela recorrente, nos termos da seguinte ementa: 

*MULTA – Artigo 523, § 1º do CPC – Depósito judicial realizado após a intimação para pagamento – Embora o depósito tenha sido feito inicialmente a título de garantia, não foi ofertada a impugnação – Ausência de resistência à satisfação do crédito que impede a imposição da multa – Extinção da obrigação reconhecida - Recurso não provido* 

Recurso especial: alega violação do art. 523, §1º, do CPC/15, bem como dissídio jurisprudencial. Insurge-se contra a não incidência da multa de 10%, além de 10% de honorários advocatícios pelo não pagamento voluntário da dívida, pois o devedor apenas depositou o valor para garantia do juízo visando ao recebimento da execução no efeito suspensivo, não para o efetivo pagamento. 

Admissibilidade: o recurso não foi admitido pelo TJ/SP. Interposto agravo da decisão denegatória, determinei sua conversão em recurso especial. 

É o relatório. 

VOTO 

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora): O propósito recursal consiste em dizer da violação do art. 523, §1º, do CPC/15, acerca do critério de quando deve incidir, ou não, a multa de dez por cento sobre o débito, além de dez por cento de honorários advocatícios. 

- Da moldura fática da hipótese dos autos 

O recorrido pediu o cumprimento de sentença, que havia devido trânsito em julgado em 9/3/17, cujo valor apurado total (com atualização, juros e verbas sucumbenciais) perfazia R$ 1.113.893,97. Em 11/5/17 foi publicado o despacho determinando o seu cumprimento, sob pena de multa, nos termos do art. 523, do CPC/15. 

Em 5/6/17, foi colacionado aos autos comprovante de depósito no valor preciso de R$ 1.113.893,97, em petição que mencionava garantir o juízo e evitar a incidência de multa. 

Transcorrido o prazo para impugnação, a recorrente-credora pugnou pela expedição de guia para levantamento do valor depositado que lhe foi deferido mediante alvará. A recorrente, todavia, pleiteou a diferença relativa a multa de 10% do débito e juros no valor de R$ 113.775,07 para abril de 2017. 

O juízo de primeiro grau de jurisdição julgou extinto o cumprimento de sentença, declarando satisfeitos os débitos perseguidos pela credora, na forma do art. 924, II, do CPC, pois não havia nenhuma diferença a ser recebida além dos valores depositados nos autos. Este raciocínio foi mantido pelo acórdão recorrido. 

A recorrente se insurge contra a solução dada à hipótese, sob o argumento de que “a recorrida apenas depositou o valor para garantia do juízo visando o recebimento da execução no efeito suspensivo, não para o efetivo pagamento” (e-STJ fl. 170). E conclui sua tese recursal no sentido de que “não houve o pagamento voluntário bem como não houve impugnação, assim, deverá a recorrida arcar com a multa e honorários sucumbenciais” (e-STJ fl. 171). 

- Da violação do art. 523, §1º, do CPC 

A redação do artigo apontado como violado pela recorrente tem o seguinte teor: 

Art. 523. No caso de condenação em quantia certa, ou já fixada em liquidação, e no caso de decisão sobre parcela incontroversa, o cumprimento definitivo da sentença far-se-á a requerimento do exequente, sendo o executado intimado para pagar o débito, no prazo de 15 (quinze) dias, acrescido de custas, se houver. § 1º Não ocorrendo pagamento voluntário no prazo do caput, o débito será acrescido de multa de dez por cento e, também, de honorários de advogado de dez por cento. 

A questão jurídica pendente de apreciação por esta Corte diz respeito ao critério a dizer quando deve incidir, ou não, a multa de dez por cento sobre o débito, além de dez por cento de honorários advocatícios. 

Considerando a semelhança do disposto no CPC/15 com o art. 475-J, do CPC/73, é interessante observar a jurisprudência do STJ quanto ao discernimento na interpretação do que constitui “pagamento” ou “garantia do juízo”. A origem desse entendimento remonta a precedente da Quarta Turma, no REsp 1175763/RS, (DJe 05/10/2012), em interpretação do art. 475-J, do CPC/73, cuja ementa foi redigida nos seguintes termos: 

RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DE ADIMPLEMENTO CONTRATUAL - FASE DE IMPUGNAÇÃO A CUMPRIMENTO DE SENTENÇA - ACÓRDÃO LOCAL DETERMINANDO A EXCLUSÃO DA MULTA PREVISTA NO ART. 475-J DO CPC. INSURGÊNCIA DO EXEQUENTE. 1. Não conhecimento do recurso especial no tocante à sua interposição pela alínea "c" do art. 105, III, da CF. Cotejo analítico não realizado, sendo insuficiente para satisfazer a exigência mera transcrição de ementas dos acórdãos apontados como paradigmas. 2. Violação ao art. 535 do CPC não configurada. Corte de origem que enfrentou todos os aspectos essenciais ao julgamento da lide, sobrevindo, contudo, conclusão diversa à almejada pela parte. 3. Afronta ao art. 475-J do CPC evidenciada. A atitude do devedor, que promove o mero depósito judicial do quantum exequendo, com finalidade de permitir a oposição de impugnação ao cumprimento de sentença, não perfaz adimplemento voluntário da obrigação, autorizando o cômputo da sanção de 10% sobre o saldo devedor. A satisfação da obrigação creditícia somente ocorre quando o valor a ela correspondente ingressa no campo de disponibilidade do exequente; permanecendo o valor em conta judicial, ou mesmo indisponível ao credor, por opção do devedor, por evidente, mantém-se o inadimplemento da prestação de pagar quantia certa. 4. Recurso especial parcialmente conhecido e, na extensão, provido em parte. (REsp 1175763/RS, Quarta Turma, DJe 05/10/2012) 

Do inteiro teor se destaca a seguinte base fática: “In casu, é ponto incontroverso o fato de que a devedora procedeu ao depósito da quantia executada, com a observância do lapso de 15 dias previsto no art. 475-J, do CPC, porém, ressalvando de forma expressa que o ato restringia-se à garantia do juízo. Deste modo, considerando que o depósito deu-se a título de garantia do juízo, não há falar em isenção da devedora ao pagamento da multa de 10%, prevista no art. 475-J, do CPC”. 

No referido julgado, a parte executada efetivamente ofereceu impugnação ao cumprimento de sentença e, por esta razão, teve de arcar com a multa do art. 475-J, do código revogado. É importante acentuar este critério para afastar ambiguidades na interpretação dos precedentes desta Corte, sobretudo quando se pretende reiterar o entendimento jurisprudencial para sedimentar a interpretação também do CPC/15. 

Na sessão de julgamento do dia 12/11/19, no REsp 1803985/SE trouxe a este colegiado o debate sobre o Código de Processo Civil de 2015, ocasião em que se definiu a tese de que "a multa a que se refere o art. 523 será excluída apenas se o executado depositar voluntariamente a quantia devida em juízo, sem condicionar seu levantamento a qualquer discussão" (DJe 21/11/19). 

A hipótese aqui em julgamento revela situação fática relevante para esclarecer ainda mais precisamente o alcance do disposto no art. 523, §1º, do CPC/15. 

No particular, a executada diligenciou o depósito em conta judicial no valor exato do débito perseguido pela credora, entretanto, textualmente informou que “o depósito ora comprovado, que não é pagamento e sim garantia do Juízo, terá o condão, juntamente com as razões que serão apresentadas pelo Executado, de conferir efeito suspensivo à impugnação que será ofertada no prazo a que alude o artigo 525 do CPC”. 

Apesar de advertir sobre o pretendido efeito suspensivo e da garantia do juízo, é incontroverso que realizou o depósito integral da quantia perseguida dentro do prazo de 15 dias e não apresentou impugnação ao cumprimento de sentença, fato que revela, indene de dúvidas, que o depósito importou verdadeiro pagamento do débito, inclusive com o respectivo levantamento pela exequente (e-STJ fl. 126). 

Nessa linha, são dois os critérios a dizer da incidência da multa prevista no art. 523, §1º, do CPC, a intempestividade do pagamento ou a resistência manifestada na fase de cumprimento de sentença. Estes dois critérios estão ligados ao antecedente fático da norma jurídica processual, pois negam ou o prazo de 15 dias úteis fixado no caput ou a ação voluntária de pagamento, abrindo margem à incidência do consequente sancionador. 

Considerando o caráter coercitivo da multa, a desestimular comportamentos exclusivamente baseados na protelação da satisfação do débito perseguido, não há de se admitir sua aplicação para o devedor que efetivamente faz o depósito integral da quantia dentro do prazo legal e não apresenta impugnação ao cumprimento de sentença. A propósito, considerando a natureza processual do prazo de 15 dias para pagamento, sua contagem deve ser feita em dias úteis, na forma do art. 219, do CPC/15 (REsp 1708348/RJ, Terceira Turma, DJe 01/08/2019). 

Desse modo, não basta a mera alegação de que o executado pondera se insurgir contra o cumprimento de sentença para automaticamente incidir a multa. É preciso haver efetiva resistência do devedor por meio do protocolo da peça de impugnação para, então, estar autorizada a incidência da multa do §1º, do art. 523. 

Na espécie, a recorrida não ofereceu resistência, realizando o pagamento voluntário e integral da quantia perseguida pela recorrente em cumprimento de sentença (R$ 1.113.893,97) com o seu respectivo levantamento, razão suficiente para afastar a incidência da multa prevista no art. 523, §1º, do CPC/15. Irrepreensível, portanto, o raciocínio decisório do TJ/SP, afinal “considerando o depósito efetuado e a ausência de resistência ao cumprimento de sentença, não se justifica a incidência da multa” (e-STJ fl. 164). 

Forte nessas razões, CONHEÇO e NEGO PROVIMENTO ao recurso especial. 

Considerando que não houve fixação de sucumbência pelas instâncias ordinárias, não há majoração de honorários advocatícios recursais. 

8 de maio de 2021

CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. AUSÊNCIA DE PAGAMENTO VOLUNTÁRIO DO DÉBITO. ACRÉSCIMO DE MULTA E HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. PERCENTUAL DE 10% (DEZ POR CENTO) QUE NÃO PODE SER REDUZIDO À LUZ DOS ARTS. 85, § 2º E § 8º, DO CPC/2015.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.701.824 - RJ (2017/0246322-0) 

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI 

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COBRANÇA. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. AUSÊNCIA DE PAGAMENTO VOLUNTÁRIO DO DÉBITO. ACRÉSCIMO DE MULTA E HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. PERCENTUAL DE 10% (DEZ POR CENTO) QUE NÃO PODE SER REDUZIDO À LUZ DOS ARTS. 85, § 2º E § 8º, DO CPC/2015. 

1. Ação de cobrança, já em fase de cumprimento de sentença. 

2. Ação ajuizada em 03/03/2009. Recurso especial concluso ao gabinete em 23/10/2017. Julgamento: CPC/2015. 

3. O propósito recursal é definir se é absoluto o percentual de 10% (dez por cento) de honorários advocatícios, previsto pelo art. 523, § 1º, do CPC/2015 para ser acrescido ao débito nas hipóteses em que não ocorrer o pagamento voluntário, ou se o mesmo pode ser relativizado à luz dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade e dos critérios estabelecidos pelo art. 85, § 2º, do CPC/2015. 

4. Em sede de cumprimento de sentença, não ocorrendo pagamento voluntário no prazo de 15 (quinze) dias, o débito será acrescido de multa de 10% (dez por cento) e, também, de honorários de advogado de 10% (dez por cento), nos termos do art. 523, § 1º, do CPC/2015. 

5. O percentual de 10% (dez por cento) previsto no art. 523, § 1º, do CPC/2015 não admite mitigação porque: i) a um, a própria lei tratou de tarifar-lhe expressamente; ii) a dois, a fixação equitativa da verba honorária só tem lugar nas hipóteses em que constatado que o proveito econômico é inestimável ou irrisório, ou o valor da causa é muito baixo (art. 85, § 8º, do CPC/2015); e iii) a três, os próprios critérios de fixação da verba honorária, previstos no art. 85, § 2º, I a IV, do CPC/2015, são destinados a abalizar os honorários advocatícios a serem fixados, conforme a ordem de vocação, no mínimo de 10% (dez por cento) ao máximo de 20% (vinte por cento) do valor da condenação, do proveito econômico ou do valor atualizado da causa. 

6. Recurso especial conhecido e não provido. 

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, conhecer e negar provimento ao recurso especial nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora. 

Brasília (DF), 09 de junho de 2020(Data do Julgamento) 

RELATÓRIO 

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI: Cuida-se de recurso especial interposto por CAIXA DE ASSISTENCIA DOS ADVOGADOS DO ESTADO DO R J, fundamentado exclusivamente na alínea "a" do permissivo constitucional, contra acórdão proferido pelo TRF – 2ª Região. 

Recurso especial interposto em: 16/09/2016. Concluso ao gabinete em: 23/10/2017. 

Ação: de cobrança, já em fase de cumprimento de sentença, ajuizada por ASSOCIACAO CONGREGACAO DESANTA CATARINA, em desfavor da recorrente, por meio da qual objetiva a condenação desta ao pagamento de serviços prestados e não pagos, no valor de R$ 3.051.427,47 (três milhões, cinquenta e um mil, quatrocentos e vinte e sete reais e quarenta e sete centavos) (e-STJ fls. 73-79 e 80-83). 

Decisão interlocutória: não tendo ocorrido o pagamento voluntário, determinou à recorrida que apresentasse planilha com o valor atualizado do débito, com acréscimo da multa de 10% (dez por cento), bem como dos honorários advocatícios no percentual de 10% (dez por cento), nos termos do art. 523, § 1º, do CPC/2015. Após cumprida a determinação, deferiu a penhora online, por meio do BACEN-JUD, de saldos existentes em contas bancárias e aplicações financeiras da recorrente, até o valor do quantum devido, uma vez que a recorrida não concordou com os bens oferecidos à penhora pela executada (e-STJ fl. 11). 

Acórdão: negou provimento ao agravo de instrumento interposto pela recorrente, nos termos da seguinte ementa: 

ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. ARTIGO 523, § 1º, DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. I – O novo Código de Processo Civil estabeleceu expressamente, em seu artigo 523, § 1º, que, não ocorrendo o pagamento voluntário do débito, no prazo de 15 (quinze) dias, este será acrescido de multa de dez por cento e, também, de honorários de advogado de dez por cento, não dando margem ao magistrado para reduzir ou majorar os referidos percentuais. II – O artigo 523, § 1º, do novo Código de Processo Civil, foi instituído com o objetivo de estimular o devedor a realizar o pagamento da dívida objeto de sua condenação, evitando assim a incidência da multa pelo inadimplemento da obrigação constante do título executivo, bem como a condenação em honorários advocatícios, não havendo que se falar em aplicação, nesta fase processual, do artigo 85, § 8º, do novo Código de Processo Civil, ou dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, como justificativa para reduzir os percentuais fixados pelo Estatuto Processual Civil. III – Assim sendo, uma vez que a parte agravante não efetuou o pagamento voluntário do débito, no prazo de 15 (quinze) dias, não merece reparo a decisão agravada que, atendendo aos ditames do novo Código de Processo Civil,, determinou que a parte exequente apresentasse “planilha com o valor exequendo atualizado, com o acréscimo da multa de 10%, bem como dos honorários advocatícios no percentual de 10%, nos termos do art. 523, § 1º do CPC.” IV – Agravo de instrumento desprovido (e-STJ fl. 195). 

Recurso especial: alega violação dos arts. 85, § 2º e § 8º, e 523, § 1º, do CPC/2015. Sustenta que: 

i) é necessária a aplicação, na fase de cumprimento de sentença, do mesmo entendimento utilizado para a fase de conhecimento no que diz respeito à fixação dos honorários de sucumbência, devendo o seu montante, quando porventura excessivo, ser adequado de acordo com os critérios da razoabilidade e da proporcionalidade; 

ii) o percentual de 10% (dez por cento) previsto no art. 523, § 1º, do CPC/2015 não é absoluto e comporta flexibilização a critério do julgador, devendo-se aplicar ao cumprimento de sentença os critérios previstos nos arts. 85, § 2º e § 8º, do CPC/2015; 

iii) os critérios listados no art. 85, § 2º, do CPC/2015 devem ser levados em conta, não somente quando o valor da causa, da condenação ou do benefício econômico se revelem inestimáveis ou irrisórios; e 

iv) na espécie, os honorários fixados no cumprimento de sentença representam mais de 12 (doze) vezes a verba honorária fixada na fase de conhecimento (e-STJ fls. 197-212). 

Prévio juízo de admissibilidade: o TRF – 2ª Região admitiu o recurso especial interposto por CAIXA DE ASSISTENCIA DOS ADVOGADOS DO ESTADO DO R J (e-STJ fl. 227). 

É o relatório. 

VOTO 

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (RELATOR): O propósito recursal é definir se é absoluto o percentual de 10% (dez por cento) de honorários advocatícios, previsto pelo art. 523, § 1º, do CPC/2015 para ser acrescido ao débito nas hipóteses em que não ocorrer o pagamento voluntário, ou se o mesmo pode ser relativizado à luz dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade e dos critérios estabelecidos pelo art. 85, § 2º, do CPC/2015. 

A propósito, convém transcrever o disposto nos dispositivos legais tidos por violado pela recorrente: 

Art. 523. No caso de condenação em quantia certa, ou já fixada em liquidação, e no caso de decisão sobre parcela incontroversa, o cumprimento definitivo de sentença far-se-á a requerimento do exequente, sendo o executado intimado para pagar o débito, no prazo de 15 (quinze) dias, acrescido de custas, se houver. § 1 º Não ocorrendo pagamento voluntário no prazo do caput, o débito será acrescido de multa de dez por cento e, também, de honorários de advogado de dez por cento. 

Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor. (...) § 2 º Os honorários serão fixados entre o mínimo de dez e o máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa, atendidos: I – o grau de zelo do profissional; II – o lugar de prestação do serviço; III – a natureza e a importância da causa; IV – o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço. (...) § 8 º Nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo, o juiz fixará o valor dos honorários por apreciação equitativa, observando o disposto nos incisos do § 2º. 

Aplicação do Código de Processo Civil de 2015, pelo Enunciado administrativo n. 3/STJ. 

1. DA POSSIBILIDADE DE REDUÇÃO DO PERCENTUAL FIXADO PELO ART. 523, § 1º, DO CPC/2015 (arts. 85, § 2º e § 8º, e 523, § 1º, do CPC/2015) 

1. Nos termos do art. 523, § 1º, do CPC/2015, não ocorrendo o pagamento voluntário do débito no prazo de 15 (quinze) dias, o mesmo será acrescido de multa de 10% (dez por cento) e, também, de honorários de advogado no percentual de 10% (dez por cento). 

2. Quanto à sucumbência na fase de cumprimento de sentença, resume Humberto Theodoro Júnior que, à falta de cumprimento espontâneo da obrigação de pagar quantia certa, o devedor será intimado a pagar o débito em 15 (quinze) dias, acrescido de custas e honorários advocatícios de 10% (dez por cento), sem prejuízo daqueles impostos na sentença. Nesta altura, portanto, dar-se-á a soma de duas verbas sucumbenciais: a da fase cognitiva e a da fase executiva. Esta última incide sob a forma de alíquota legal única de 10% (dez por cento) (Curso de Direito Processual Civil, volume 3. 52 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019, p. 37) (grifos acrescentados). 

3. Nesse rumo, inclusive, firmou-se a jurisprudência deste STJ, que reconhece que a ultrapassagem do termo legal de cumprimento voluntário da sentença, sem que este tenha sido promovido, acarreta a sujeição à multa legal prevista no art. 523, § 1º, do CPC/2015, como também à verba honorária: REsp 1.834.337/SP, 3ª Turma, DJe 05/12/2019; REsp 1.803.985/SE, 3ª Turma, DJe 21/11/2019; e AgInt no AREsp 1.435.744/SE, 4ª Turma, DJe 14/06/2019. 

4. A controvérsia a ser dirimida nestes autos é, justamente, definir se o percentual de 10% (dez por cento) de honorários advocatícios a ser acrescido ao débito, nas hipóteses de ausência de pagamento voluntário, é um valor absoluto ou se ele pode ser relativizado, a depender do caso concreto e da eventual observância de desproporcionalidade ou não razoabilidade de seu valor. 

5. Ressalte-se que, na hipótese dos autos, a recorrente afirma que, com a aplicação do percentual fixo de 10% (dez por cento) previsto no art. 523, § 1º, do CPC/2015, os honorários fixados na fase de cumprimento de sentença representam, em valores atualizados, mais de 12 (doze) vezes o valor fixado na fase de conhecimento, “(...) R$ 901.769,03 na fase de execução contra R$ 74.206,78 na fase de conhecimento” (e-STJ fl. 201). 

6. Por esta razão, defende a possibilidade de sua ponderação, para que sejam reduzidos de forma equitativa (art. 85, § 8º, do CPC/2015), levando-se em conta, ainda, os critérios estabelecidos pelo art. 85, § 2º, do referido código, tais quais o grau de zelo do profissional, o lugar de prestação do serviço, a natureza e a importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço. 

7. A análise acerca das alterações realizadas pelo CPC/2015 na disciplina da fixação dos honorários advocatícios já foi, inclusive, objeto de debate pela 2ª Seção desta Corte Superior que concluiu que, dentre as alterações, o novo Código reduziu, visivelmente, a subjetividade do julgador, restringindo as hipóteses nas quais cabe a fixação dos honorários de sucumbência por equidade. 

8. Isso porque, enquanto no CPC/73 a fixação equitativa da verba era possível i) nas causas de pequeno valor; ii) nas de valor inestimável; iii) naquelas em que não houvesse condenação ou fosse vencida a Fazenda Pública; e iv) nas execuções, embargadas ou não (art. 20, § 4º); reconheceu-se que no CPC/2015 tais hipóteses são restritas, havendo ou não condenação, às causas em que i) o proveito econômico foi inestimável ou irrisório ou, ainda, quando ii) o valor da causa for muito baixo (art. 85, § 8º) (REsp 1.746.072/PR, 2ª Seção, DJe 29/03/2019). 

9. Com efeito, o art. 85, § 8º, do CPC/2015 é comando excepcional, de aplicação subsidiária, que se restringe às supracitadas hipóteses (AgInt no REsp 1.843.721/RS, 3ª Turma, DJe 19/02/2020). 

10. Ao debater sobre a questão, então, a 2ª Seção desta Corte Superior chegou à conclusão de que o CPC/2015, de fato, tornou mais objetivo o processo de determinação da verba sucumbencial, introduzindo, na conjugação do § 2º e do § 8º do art. 85, uma ordem decrescente de preferência de critérios (ordem de vocação) para a fixação da base de cálculo dos honorários, na qual a subsunção do caso concreto a uma das hipóteses legais prévias impede o avanço para a outra categoria. 

11. Assim, reconhece-se que há uma seguinte ordem de preferência ser analisada quando da fixação da verba honorária sucumbencial, qual seja: i) primeiro, quando houver condenação, devem ser fixados entre 10% (dez por cento) e 20% (vinte por cento) sobre o montante desta (art. 85, § 2º); ii) segundo, não havendo condenação, serão também fixados entre 10% (dez por cento) e 20% (vinte por cento) das seguintes bases de cálculo: (ii.a) sobre o proveito econômico obtido pelo vencedor; ou (ii.b) não sendo possível mensurar o proveito econômico obtido, sobre o valor atualizado da causa (art. 85, § 2º); e iii) terceiro e, por fim, havendo ou não condenação, nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou em que o valor da causa for muito baixo, deverão, só então, ser fixados por apreciação equitativa (art. 85, § 8º). 

12. Em arremate, ainda quando do julgamento do REsp 1.746.072/PR (2ª Seção, DJe 29/03/2019), concluiu-se que da expressiva redação legal depreende-se que o § 2º do art. 85 veicula a regra geral, de aplicação obrigatória, de que os honorários advocatícios sucumbenciais devem ser fixados no patamar de 10% a 20%, subsequentemente calculados sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou do valor atualizado da causa, e que o § 8º - que prevê a fixação por equidade -, por sua vez, representa regra de caráter excepcional, de aplicação subsidiária, para as hipóteses em que, havendo condenação ou não, o proveito econômico for inestimável ou irrisório, ou o valor da causa for muito baixo. 

13. No cumprimento de sentença, vale lembrar, a incidência de novos honorários advocatícios só se dará se o devedor deixar fluir o prazo de 15 (quinze) dias para pagamento voluntário do débito. 

14. Assim, reitera-se, vencido o prazo sem pagamento do valor devido, haverá acréscimo, por força de lei, da multa de 10% (dez por cento) sobre o valor do débito atualizado, mais honorários advocatícios que o julgador deverá fixar, nos termos da lei, também em 10% (dez por cento) sobre o valor devido. 

15. Com efeito, a lei não deixou dúvidas quanto ao percentual de honorários advocatícios a ser acrescido ao débito nas hipóteses de ausência de pagamento voluntário. Diz-se, o percentual de 10% (dez por cento) foi expressamente tarifado em lei. 

16. Ao comentar sobre o cumprimento parcial da obrigação, Araken de Assis destaca que o valor previsto no art. 523, § 1º, do CPC/2015 é mesmo valor fixo, senão veja-se: Vencido o prazo de espera do art. 523, caput, sem o cumprimento da obrigação, incidem honorários do percentual de dez por cento, a teor do art. 523, § 1º. Se o cumprimento é parcial, a multa e os honorários, nesse percentual fixo de dez por cento, incidirão sobre a parcela não satisfeita (art. 523, § 2º) (Manual da execução. 18 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2016, p. 784). 

17. Ademais, constatada Dorival Renato Pavan quanto ao tema: 

Questão a ser objeto de definição pela jurisprudência é a de aferir se esses honorários poderão ser fixados em valor certo, considerando-se o elevado valor da causa. Em princípio, a lei não deixa margem a dúvidas ao tarifar a verba honorária em percentual certo e determinado sobre o valor da obrigação. É certo que poderão existir situações em que os honorários, fixados em 10% sobre o valor do débito sejam discordantes dos elementos indicados nos incisos I a IV do art. 85, que se constituem nos critérios delineadores da fixação da verba honorária entre 10 e 20% do valor da condenação, proveito econômico ou (quando for o caso) do valor atualizado da causa. Todavia, não vejo espaço para que o juiz possa fixar o valor dos honorários em percentual inferior ou em quantia certa, em valor inferior ao que corresponderiam os 10% previstos na norma sob enfoque, porque se trata de uma valoração feita pelo legislador que positivou a norma exatamente com o objetivo de proporcionar uma remuneração adequada ao advogado que atua no processo e consegue obter proveito econômico em face de seu cliente. A própria valoração dos elementos contidos nos incisos I a IV do art. 85 são destinados à fixação de honorários que sempre haverá de ser, no mínimo, de 10% do valor da condenação, proveito econômico ou valor atualizado da causa (quando não existir outro elemento de valoração) (Comentários ao código de processo civil – volume 2 (arts. 318 a 538). Cassio Scarpinella Bueno (coord.). São Paulo: Saraiva, 2017, p. 683). 

18. Sob essa ótica, citam-se três fundamentos que concretizam a ideia de que o percentual de 10% (dez por cento) previsto no art. 523, § 1º, do CPC/2015 é mesmo absoluto, sendo inviável a sua mitigação: i) a um, a própria lei tratou de tarifar-lhe expressamente; ii) a dois, a fixação equitativa da verba honorária só tem lugar nas hipóteses em que constatado que o proveito econômico é inestimável ou irrisório, ou o valor da causa é muito baixo (art. 85, § 8º, do CPC/2015); e iii) a três, os próprios critérios de fixação da verba honorária, previstos no art. 85, § 2º, I a IV, do CPC/2015, são destinados a abalizar os honorários advocatícios a serem fixados, conforme a ordem de vocação, no mínimo de 10% (dez por cento) ao máximo de 20% (vinte por cento) do valor da condenação, do proveito econômico ou do valor atualizado da causa. 

19. Desta feita, os argumentos da recorrente caem por terra, sendo inviável a modificação do percentual. 

Forte nessas razões, CONHEÇO do recurso especial interposto por CAIXA DE ASSISTENCIA DOS ADVOGADOS DO ESTADO DO R J e NEGO-LHE PROVIMENTO, para manter o acórdão recorrido que reconheceu pela aplicabilidade do percentual de 10% (dez por cento) de honorários advocatícios a serem acrescidos ao débito, nos termos do art. 523, § 1º, do CPC/2015. 

Deixo de majorar os honorários de sucumbência recursal, visto que não foram arbitrados na instância de origem. 

7 de maio de 2021

Filigrana doutrinária: Execução Indireta ou por coerção - Eduardo Talamini

“Os mecanismos coercitivos contrapõem-se aos sub-rogatórios, pelos quais o próprio poder jurisdicional, mediante atos diretos do juiz ou de auxiliares seus, produz o resultado que se teria com o cumprimento da decisão. Na concepção clássica de processo, a atuação executiva deveria dar-se basicamente mediante meios sub-rogatórios [cita-se aqui Processo de Execução, de MUNHOZ DE MELLO, 4ª ed., São Paulo, Saraiva, 1980, pp. 2-6]. Quando não fosse viável a substituição da conduta do obrigado por providências judiciárias, a execução específica era tida por “impossível” e restava apenas o caminho da conversão em perdas e danos. Na concepção clássica de processo, as coisas paravam por aí. O juiz não poderia emitir ordens às partes. Essa noção está superada... ... [Quanto à proporcionalidade da providência coercitiva que pode ser adotada:] Primeiro, fica afastada a adoção de qualquer medida que o ordenamento vede... ... Depois (...), terão de ser considerados os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, que norteiam toda atuação estatal [o autor aqui cita outro trabalho de sua autoria, Tutela Relativa aos Deveres de Fazer e Não Fazer, pp. 376 e ss.]. As providências adotadas devem guardar relação de adequação com o fim perseguido, não podendo acarretar na esfera jurídica do réu sacrifício maior que o necessário. O art. 805 do CPC/15 (...) nada mais é do que a expressão dessas diretrizes no processo executivo. Daí que a formulação contida nessa norma é por igual aplicável às demais modalidades de processo... ... ... A medida de coerção é mecanismo essencialmente pragmático (...). [S]ua função essencial não é punir, o parâmetro principal de sua adequação não é a “justa retribuição”. Não se trata de sancionar à altura do mal já cometido, mas de sancionar do modo mais eficaz possível para que o mal cesse... ... ... Cada vez mais o processo é apto a produzir resultados que incidem vinculativamente muito além das partes. Em contrapartida, intensificam-se os mecanismos de participação desses terceiros nos processos em que eles não são partes... ... A multa processual tende a ser mecanismo extremamente eficaz, nos casos em que o destinatário da ordem tem patrimônio executável e desde que fixada em valor adequado. Mas, no mais das vezes, não é a sua simples cominação que induzirá a conduta do “devedor”. Enquanto ela não é de algum modo executada, o destinatário da ordem frequentemente se apega à perspectiva de sua eliminação ou redução. E suas esperanças fundam-se não apenas no provimento do recurso contra a decisão que impôs a multa, como também em futura revisão retroativa do valor total atingido pela multa... ... A efetiva adoção de medidas patrimoniais traz o “devedor” de volta à realidade. Faz com que ele deixe aquelas apostas de lado e enfrente de uma vez a questão: qual o “mal” que ele pretende afinal suportar ? o derivado do cumprimento da ordem ou aquele gerado pela medida de coerção. Em suma: a “pronta afetação do patrimônio do réu através da execução do crédito da multa é o mais forte fator de influência psicológica. A perspectiva remota e distante da execução do trânsito em julgado nada ou muito pouco impressiona” [de novo, invoca-se, do próprio autor, Tutela Relativa aos Deveres de Fazer e Não Fazer, agora à p. 259]. Há caso muito similar ao ora em análise em que a efetiva adoção de providências de constrição patrimonial, em vez da simples cominação de multa, mostrou-se como medida de coerção. (...) [A] Google brasileira recusou-se a fornecer informações relativas a conversas realizadas no serviço de correio eletrônico Gmail (...). A multa foi cominada e vinha incidindo, sem sucesso. Havia atingido o valor de dois milhões de reais. Até que se tomaram as providências patrimoniais constritivas para sua execução, com o bloqueio de aplicações financeiras da Google brasileira (...). Depois disso, cumpriu-se a ordem judicial de apresentação das informações requisitadas [anota-se referência a feito que correu na 2ª Vara Federal de Curitiba sob o n. 5048457-24.2013.404.7000/PR]. ... Depois, (...) há sólidos argumentos para se reconhecer a competência do juiz penal para a execução do crédito derivado da multa, sem prejuízo da aplicação, nessa atividade executiva, das normas do CPC sobre o tema. A multa periódica [isto é, astreinte] não tem caráter indenizatório (CPC/15, art. 500...). Logo, a competência do juiz cível para a execução dos danos resultantes do crime (CPC/15, art. 516, III...) não se estende necessariamente a tal hipótese. Na medida em que a execução do crédito advindo da multa processual desempenha papel relevante para a própria eficácia coercitiva da medida, é razoável reconhecer-se que a competência executiva deve ser atribuída ao mesmo órgão que detém a competência para sua cominação, alteração e extinção: o juiz criminal. ... Do mesmo modo, se o bloqueio de aplicações financeiras fosse adotado como medida coercitiva atípica, em si mesma e não como início de execução da multa, a competência também seria do juiz penal. 

TALAMINI, Eduardo, Medidas coercitivas e proporcionalidade: o caso WhatsApp (coleção Repercussões do novo CPC), coordenadores CABRAL, Antonio do Passo; PACELLI, Eugênio et CRUZ, Rogerio Schietti. Salvador, Juspodivm, 2016, pp. 380/381, 383/385, 391, 393/394, 396/397.