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16 de maio de 2021

Indicação Bibliográfica: WOLKART, Erik Navarro. O fetiche dos microssistemas no novo Código de Processo Civil: interações normativas entre procedimentos para a formação de precedentes e para julgamentos de processos repetitivos

WOLKART, Erik Navarro. O fetiche dos microssistemas no novo Código de Processo Civil: interações normativas entre procedimentos para a formação de precedentes e para julgamentos de processos repetitivos. In: NUNES, Dierle; MENDES, Aluisio; JAYME, Fernando Gonzaga (Coord.). A nova aplicação da jurisprudência e precedentes no CPC/2015: Estudos em homenagem à professora Teresa Arruda Alvim. São Paulo: Ed. RT, 2017. p. 363-399.

Filigrana doutrinária: pronunciamentos judiciais cíveis vinculantes, Discricionariedade, Coerência, Integridade e Art. 926 do CPC

"Os precedentes judiciais previstos no CPC vigente, a despeito de suas diferenças com os precedentes judiciais genuínos do common law, consistem em mais uma tentativa de conter a discricionariedade criadora de voluntarismos judiciais, e otimizar a segurança jurídica, há tempos perdida no horizonte brasileiro, em especial diante dos deveres de coerência e integridade, que compõem elementos da igualdade e segurança jurídica, em consonância com o art. 926, CPC".


Ferreira, Olavo Augusto Vianna Alves; Nunes, Gustavo Henrique Schneider. Ativismo judicial, indisponibilidade de bens e ação de improbidade administrativa. Revista de Processo. vol. 315. ano 46. p. 231-250. São Paulo: Ed. RT, maio 2021. 

Filigrana doutrinária: Princípio da isonomia / igualdade, Uniformização e Previsibilidade

"Nesse cenário, sob o olhar do jurisdicionado, é incompreensível verificar que casos semelhantes venham a ser decididos de modo distinto pelo Poder Judiciário. A falta de previsibilidade das decisões judiciais – criativamente chamada de “jurisprudência lotérica” – tem causado forte sensação de enfraquecimento institucional, fruto que é da desconfiança e do descrédito social.

Não de hoje, o legislador tenta combater esse quadro, tendo criado ao longo dos anos e antes mesmo da entrada em vigor do CPC/15 uma série de técnicas processuais voltadas à uniformização da jurisprudência e à tentativa de mantê-la estável, íntegra e coerente, em busca de segurança jurídica e atingimento da igualdade, a exemplo do que ocorre com o efeito erga omnes derivado das decisões de procedência do pedido formulado nas ações de controle concentrado de constitucionalidade, com a súmula vinculante, o incidente de uniformização de jurisprudência, os embargos de divergência em recurso extraordinário ou especial, a possibilidade do relator, monocraticamente, julgar o recurso inadmissível, improcedente ou prejudicado, por estar em confronto com súmula ou jurisprudência dominantes do respectivo tribunal, do STJ ou do STF, e os julgamentos de recursos especial e extraordinário repetitivos".


Ferreira, Olavo Augusto Vianna Alves; Nunes, Gustavo Henrique Schneider. Ativismo judicial, indisponibilidade de bens e ação de improbidade administrativa. Revista de Processo. vol. 315. ano 46. p. 231-250. São Paulo: Ed. RT, maio 2021. 

15 de maio de 2021

Argumentos favoráveis ao sistema de vinculação (precedentes): Isonomia e Efetividade

Argumentos contrários ao sistema de vinculação (precedentes): Engessamento e liberdade judicial

Distinção entre precedente, jurisprudência, súmula e ementa

Artigo 926, CPC: Uniformização, Estabilidade, Coerência e Integridade

Constitucionalidade do sistema de vinculação

Alcance da Vinculação: Análise do termo "observarão" constante do artigo 927 do CPC

Interpretação do artigo 927 do CPC e os pronunciamentos judiciais vinculatórios

Artigo 926, CPC: Uniformização, Estabilidade, Coerência e Integridade

Requisitos de Validade do sistema de vinculação: publicidade, contraditório e fundamentação ampliado

11 de maio de 2021

Entender Direito: ministros discutem precedentes qualificados em novo programa do STJ no YouTube

 Os ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Paulo de Tarso Sanseverino e Rogerio Schietti Cruz são os convidados da estreia do novo programa produzido pela Coordenadoria de TV e Rádio do STJ: o Entender Direito. O programa de entrevistas, antes produzido apenas no formato de podcast, ganhou novo formato e também terá transmissão em vídeo no canal do STJ no YouTube e na grade da TV Justiça.

Na entrevista, conduzida pelos jornalistas Thiago Gomide e Samanta Peçanha, os magistrados respondem a perguntas relativas ao papel do STJ na uniformização da jurisprudência infraconstitucional e à importância da gestão de precedentes qualificados.

Os institutos previstos no Código de Processo Civil para o julgamento de litigâncias repetitivas, a sistemática do julgamento dos recursos repetitivos e a importância do engajamento dos tribunais brasileiros na aplicação dos precedentes qualificados também são alguns dos assuntos abordados na conversa.

Para conferir o programa, basta acessar o canal do STJ no YouTube. Na TV Justiça, o programa tem veiculação toda quarta-feira, às 10h, com reprises aos sábados, às 14h, e às terças-feiras, às 22h.

9 de maio de 2021

SUSPENSÃO DO PROCESSO EM 1º GRAU EM RAZÃO DE INSTAURAÇÃO DE IRDR. PROCEDIMENTO DE DISTINÇÃO (DISTINGUISHING) DO ART. 1.037, §§9º A 13, DO NOVO CPC. APLICABILIDADE AO IRDR. MICROSSISTEMA DE JULGAMENTO DE QUESTÕES REPETITIVAS. INTEGRAÇÃO, QUANDO POSSÍVEL, ENTRE AS TÉCNICAS DE FORMAÇÃO DE PRECEDENTES VINCULANTES.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.846.109 - SP (2019/0216474-5) 

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI 

CIVIL, PROCESSUAL CIVIL E CONSUMIDOR. SUSPENSÃO DO PROCESSO EM 1º GRAU EM RAZÃO DE INSTAURAÇÃO DE IRDR. DISPOSITIVOS LEGAIS NÃO ENFRENTADOS E IMPERTINENTES. SÚMULA 211/STJ. SÚMULA 284/STF. PROCEDIMENTO DE DISTINÇÃO (DISTINGUISHING) DO ART. 1.037, §§9º A 13, DO NOVO. APLICABILIDADE AO IRDR. POSSIBILIDADE. RECURSOS REPETITIVOS E IRDR. MICROSSISTEMA DE JULGAMENTO DE QUESTÕES REPETITIVAS. INTEGRAÇÃO, QUANDO POSSÍVEL, ENTRE AS TÉCNICAS DE FORMAÇÃO DE PRECEDENTES VINCULANTES. INEXISTÊNCIA DE VEDAÇÃO EXPRESSA NO CPC E INEXISTÊNCIA DE OFENSA A ELEMENTO ESSENCIAL DA TÉCNICA. PROCEDIMENTO DE DISTINÇÃO. AUSÊNCIA DE DIFERENÇA ONTOLÓGICA OU JUSTIFICATIVA TEÓRICA QUE JUSTIFIQUE TRATAMENTO ASSIMÉTRICO ENTRE RECURSOS REPETITIVOS E IRDR. REQUERIMENTOS FORMULADOS APÓS ORDEM DE SUSPENSÃO. OBJETIVO IDÊNTICO, QUE É DEMONSTRAR A DISTINÇÃO ENTRE A QUESTÃO DEBATIDA NO PROCESSO E AQUELA SUBMETIDA AO JULGAMENTO PADRONIZADO. EQUALIZAÇÃO DA TENSÃO ENTRE OS PRINCÍPIOS DA ISONOMIA, SEGURANÇA JURÍDICA, CELERIDADE, ECONOMIA PROCESSUAL E RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA QUE RESOLVE O PEDIDO DE DISTINÇÃO EM IRDR. AGRAVO DE INSTRUMENTO CABÍVEL (ART. 1.037, §13, I, DO NOVO CPC), SOB PENA DE CRIAÇÃO DE DECISÃO IRRECORRÍVEL SEM AUTORIZAÇÃO LEGAL OU DE TORNAR ABSOLUTAMENTE INÚTIL O DEBATE ACERCA DA CORREÇÃO DA DECISÃO SUSPENSIVA APENAS EM APELAÇÃO OU EM CONTRARRAZÕES. IMPETRAÇÃO DE MANDADO DE SEGURANÇA CONTRA DECISÃO INTERLOCUTÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. TEMA REPETITIVO 988. PROCEDIMENTO ESPECÍFICO E DETALHADO PARA REQUERIMENTO DE DISTINÇÃO. CINCO ETAPAS SUCESSIVAS. INTIMAÇÃO DA DECISÃO DE SUSPENSÃO. REQUERIMENTO DA PARTE, DEMONSTRANDO A DISTINÇÃO, ENDEREÇADA AO JUIZ EM 1º GRAU. CONTRADITÓRIO. PROLAÇÃO DE DECISÃO INTERLOCUTÓRIA RESOLVENDO O REQUERIMENTO. RECORRIBILIDADE. PROCEDIMENTO NÃO OBSERVADO PELA PARTE QUE INTERPÔS AGRAVO DA DECISÃO DE SUSPENSÃO. AGRAVO DE INSTRUMENTO INADMISSÍVEL. PROCEDIMENTO DE OBSERVÂNCIA OBRIGATÓRIA. DENSIFICAÇÃO DO CONTRADITÓRIO EM 1º GRAU. IMPEDIMENTO A INTERPOSIÇÃO DE RECURSOS PREMATUROS. NECESSIDADE DE PROLAÇÃO DA DECISÃO INTERLOCUTÓRIA A SER IMPUGNADA, QUE RESOLVE A ALEGAÇÃO DE DISTINÇÃO. VIOLAÇÃO AO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO E SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. IMPOSSIBILIDADE. 

1- Ação ajuizada em 26/09/2016. Recurso especial interposto em 21/06/2018 e atribuído à Relatora em 18/10/2019. 

2- O propósito recursal é definir se a decisão que suspende o processo em 1º grau em virtude da instauração de incidente de resolução de demandas repetitivas – IRDR – no Tribunal é imediatamente recorrível por agravo de instrumento ao fundamento de distinção ou se, a exemplo do procedimento instituído para a hipótese de recursos especial e extraordinário repetitivos, é preciso provocar previamente o contraditório em 1º grau e pronunciamento judicial específico acerca da distinção antes da interposição do respectivo recurso. 

3- Não se conhece do recurso especial quando os dispositivos legais tidos por violados, além de não terem sido objeto de efetivo enfrentamento pelo acórdão recorrido, dizem respeito a questões distintas daquela que foi objeto da decisão impugnada. Incidência da Súmula 211/STJ e Súmula 284/STF. 

4- O procedimento de alegação de distinção (distinguishing) entre a questão debatida no processo e a questão submetida ao julgamento sob o rito dos recursos repetitivos, previsto no art. 1.037, §§9º a 13, do novo CPC, aplica-se também ao incidente de resolução de demandas repetitivas – IRDR. 

5- Embora situados em espaços topologicamente distintos e de ter havido previsão específica do procedimento de distinção em IRDR no PLC 8.046/2010, posteriormente retirada no Senado Federal, os recursos especiais e extraordinários repetitivos e o IRDR compõem, na forma do art. 928, I e II, do novo CPC, um microssistema de julgamento de questões repetitivas, devendo o intérprete promover, sempre que possível, a integração entre os dois mecanismos que pertencem ao mesmo sistema de formação de precedentes vinculantes. 

6- Os vetores interpretativos que permitirão colmatar as lacunas existentes em cada um desses mecanismos e promover a integração dessas técnicas no microssistema são a inexistência de vedação expressa no texto do novo CPC que inviabilize a integração entre os instrumentos e a inexistência de ofensa a um elemento essencial do respectivo instituto. 

7- Na hipótese, não há diferença ontológica e nem tampouco justificativa teórica para tratamento assimétrico entre a alegação de distinção formulada em virtude de afetação para julgamento sob o rito dos recursos repetitivos e em razão de instauração do incidente de resolução de demandas repetitivas, pois ambos os requerimentos são formulados após a ordem de suspensão emanada pelo Tribunal, tem por finalidade a retirada da ordem de suspensão de processo que verse sobre questão distinta daquela submetida ao julgamento padronizado e pretendem equalizar a tensão entre os princípios da isonomia e da segurança jurídica, de um lado, e dos princípios da celeridade, economia processual e razoável duração do processo, de outro lado. 

8- Considerando que a decisão interlocutória que resolve o pedido de distinção em relação a matéria submetida ao rito dos recursos repetitivos é impugnável imediatamente por agravo de instrumento (art. 1.037, §13, I, do novo CPC), é igualmente cabível o referido recurso contra a decisão interlocutória que resolve o pedido de distinção em relação a matéria objeto de IRDR. 

9- O sistema recursal instituído pelo novo CPC prevê que, em regra, todas as decisões interlocutórias serão impugnáveis, seja imediatamente por agravo de instrumento, seja posteriormente por apelação ou contrarrazões, sendo certo que o Código estabeleceu que determinadas interlocutórias seriam irrecorríveis somente em seis específicas hipóteses, textualmente identificadas em lei. 

10- A decisão interlocutória que versa sobre a distinção entre a questão debatida no processo e a questão submetida ao IRDR é impugnável imediatamente também porque, se indeferido o requerimento de distinção e mantida a suspensão do processo, essa questão jamais poderia ser submetida ao Tribunal se devolvida apenas em apelação ou em contrarrazões quando já escoado o prazo de suspensão. 

11- É inviável na hipótese a impetração de mandado de segurança contra a decisão que resolve o requerimento de distinção, tendo em vista que a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça por ocasião do julgamento do tema repetitivo 988, além de fixar a tese da taxatividade mitigada, expressamente vedou o uso do mandado de segurança contra ato judicial, em especial contra decisões interlocutórias. 

12- Examinado detalhadamente o procedimento de distinção previsto no art. 1.037, §§9º a 13, constata-se que o legislador estabeleceu detalhado procedimento para essa finalidade, dividido em cinco etapas: (i) intimação da decisão de suspensão; (ii) requerimento da parte, demonstrando a distinção entre a questão debatida no processo e àquela submetida ao julgamento repetitivo, endereçada ao juiz em 1º grau; (iii) abertura de contraditório, a fim de que a parte adversa se manifeste sobre a matéria em 05 dias; (iv) prolação de decisão interlocutória resolvendo o requerimento; (v) cabimento do agravo de instrumento em face da decisão que resolve o requerimento. 

13- Hipótese em que parte, ao interpor agravo de instrumento diretamente em face da decisão de suspensão, saltou quatro das cinco etapas acima descritas, sem observar todas as demais prescrições legais. 

14- O detalhado rito instituído pelo novo CPC não pode ser reputado como mera e irrelevante formalidade, mas, sim, é procedimento de observância obrigatória, na medida em que visa, a um só tempo, densificar o contraditório em 1º grau acerca do requerimento de distinção, evitar a interposição de recursos prematuros e gerar a decisão interlocutória a ser impugnada (a que resolve a alegação de distinção), sob pena de violação ao duplo grau de jurisdição e supressão de instância. 

15- Recurso especial conhecido em parte e, nessa extensão, desprovido. 

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, conhecer em parte do recurso especial e, nesta parte, negar-lhe provimento, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora. 

Brasília (DF), 10 de dezembro de 2019(Data do Julgamento)

7 de maio de 2021

DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO. ART. 489, §1º, VI, DO CPC/15. INOBSERVÂNCIA DE SÚMULA, JURISPRUDÊNCIA OU PRECEDENTE CONDICIONADA À DEMONSTRAÇÃO DE DISTINÇÃO OU SUPERAÇÃO. APLICABILIDADES ÀS SÚMULAS E PRECEDENTES VINCULANTES, MAS NÃO ÀS SÚMULAS E PRECEDENTES PERSUASIVOS.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.698.774 - RS (2017/0173928-2) 

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI 

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE DIVÓRCIO E PARTILHA DE BENS. DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO. ART. 489, §1º, VI, DO CPC/15. INOBSERVÂNCIA DE SÚMULA, JURISPRUDÊNCIA OU PRECEDENTE CONDICIONADA À DEMONSTRAÇÃO DE DISTINÇÃO OU SUPERAÇÃO. APLICABILIDADES ÀS SÚMULAS E PRECEDENTES VINCULANTES, MAS NÃO ÀS SÚMULAS E PRECEDENTES PERSUASIVOS. PLANOS DE PREVIDÊNCIA PRIVADA ABERTA. REGIME MARCADO PELA LIBERDADE DO INVESTIDOR. CONTRIBUIÇÃO, DEPÓSITOS, APORTES E RESGATES FLEXÍVEIS. NATUREZA JURÍDICA MULTIFACETADA. SEGURO PREVIDENCIÁRIO. INVESTIMENTO OU APLICAÇÃO FINANCEIRA. DESSEMELHANÇAS ENTRE OS PLANOS DE PREVIDÊNCIA PRIVADA ABERTA E FECHADA, ESTE ÚLTIMO INSUSCETÍVEL DE PARTILHA. NATUREZA SECURITÁRIA E PREVIDENCIÁRIA DOS PLANOS PRIVADOS ABERTOS VERIFICADA APÓS O RECEBIMENTO DOS VALORES ACUMULADOS, FUTURAMENTE E EM PRESTAÇÕES, COMO COMPLEMENTAÇÃO DE RENDA. NATUREZA JURÍDICA DE INVESTIMENTO E APLICAÇÃO FINANCEIRA ANTES DA CONVERSÃO EM RENDA E PENSIONAMENTO AO TITULAR. PARTILHA POR OCASIÃO DO VÍNCULO CONJUGAL. NECESSIDADE. ART. 1.659, VII, DO CC/2002 INAPLICÁVEL À HIPÓTESE. PRESTAÇÃO DE INFORMAÇÕES EQUIVOCADAS E JUNTADA DE DOCUMENTOS DE DECLARAÇÕES DE IMPOSTO DE RENDA FALSEADAS. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. IMPOSSIBILIDADE DE REEXAME DA MATÉRIA. SÚMULA 7/STJ. RECURSO ESPECIAL INTERPOSTO APENAS PELO DISSENSO JURISPRUDENCIAL. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 284/STF. 

1- Ação ajuizada em 28/09/2007. Recurso especial interposto em 13/02/2017 e atribuído à Relatora em 09/08/2017. 

2- Os propósitos recursais consistem em definir: (i) se o dever de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, previsto no art. 489, §1º, VI, do CPC/15, abrange também o dever de seguir julgado proferido por Tribunal de 2º grau distinto daquele a que o julgador está vinculado; (ii) se o valor existente em previdência complementar privada aberta na modalidade VGBL deve ser partilhado por ocasião da dissolução do vínculo conjugal; (iii) se a apresentação de declaração de imposto de renda com informação incorreta tipifica litigância de má-fé; (iv) se é possível partilhar valor existente em conta bancária alegadamente em nome de terceiro. 

3- A regra do art. 489, §1º, VI, do CPC/15, segundo a qual o juiz, para deixar de aplicar enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, deve demonstrar a existência de distinção ou de superação, somente se aplica às súmulas ou precedentes vinculantes, mas não às súmulas e aos precedentes apenas persuasivos, como, por exemplo, os acórdãos proferidos por Tribunais de 2º grau distintos daquele a que o julgador está vinculado. 

4- Os planos de previdência privada aberta, operados por seguradoras autorizadas pela SUSEP, podem ser objeto de contratação por qualquer pessoa física e jurídica, tratando-se de regime de capitalização no qual cabe ao investidor, com amplíssima liberdade e flexibilidade, deliberar sobre os valores de contribuição, depósitos adicionais, resgates antecipados ou parceladamente até o fim da vida, razão pela qual a sua natureza jurídica ora se assemelha a um seguro previdenciário adicional, ora se assemelha a um investimento ou aplicação financeira. 

5- Considerando que os planos de previdência privada aberta, de que são exemplos o VGBL e o PGBL, não apresentam os mesmos entraves de natureza financeira e atuarial que são verificados nos planos de previdência fechada, a eles não se aplicam os óbices à partilha por ocasião da dissolução do vínculo conjugal apontados em precedente da 3ª Turma desta Corte (REsp 1.477.937/MG). 

6- Embora, de acordo com a SUSEP, o PGBL seja um plano de previdência complementar aberta com cobertura por sobrevivência e o VGBL seja um plano de seguro de pessoa com cobertura por e sobrevivência, a natureza securitária e previdenciária complementar desses contratos é marcante no momento em que o investidor passa a receber, a partir de determinada data futura e em prestações periódicas, os valores que acumulou ao longo da vida, como forma de complementação do valor recebido da previdência pública e com o propósito de manter um determinado padrão de vida. 

7- Todavia, no período que antecede a percepção dos valores, ou seja, durante as contribuições e formação do patrimônio, com múltiplas possibilidades de depósitos, de aportes diferenciados e de retiradas, inclusive antecipadas, a natureza preponderante do contrato de previdência complementar aberta é de investimento, razão pela qual o valor existente em plano de previdência complementar aberta, antes de sua conversão em renda e pensionamento ao titular, possui natureza de aplicação e investimento, devendo ser objeto de partilha por ocasião da dissolução do vínculo conjugal por não estar abrangido pela regra do art. 1.659, VII, do CC/2002. 

8- Definido, pelo acórdão recorrido, que a prestação de informações equivocadas e a sucessiva juntada de diferentes declarações de imposto de renda se deu com o propósito específico de ocultar informações relacionadas ao patrimônio e, consequentemente, influenciar no desfecho da partilha de bens, disso resultando a condenação da parte em litigância de má-fé, é inviável a modificação do julgado para exclusão da penalidade em razão do óbice da Súmula 7/STJ. 

9- É imprescindível a indicação no recurso especial do dispositivo legal sobre o qual se baseia a divergência jurisprudencial, não sendo cognoscível o recurso interposto apenas com base na alínea “c” do permissivo constitucional em razão do óbice da Súmula 284/STF. 

10- Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, desprovido. 

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, conhecer em parte do recurso especial e, nestar parte, negar-lhe provimento, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora. 

Brasília (DF), 1º de setembro de 2020(Data do Julgamento) 

RELATÓRIO 

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator): Cuida-se de recurso especial interposto por I L E, com base nas alíneas “a” e “c” do permissivo constitucional, em face de acórdão do TJ/RS que, por unanimidade, deu parcialmente provimento ao recurso de apelação que havia sido por ela interposto. 

Recurso especial interposto e m: 13/02/2017. Atribuído ao gabinete e m: 09/08/2017. 

Ação: de divórcio cumulada com partilha de bens, ajuizada pela recorrente em face de W E, recorrido. 

Sentença: julgou parcialmente procedentes os pedidos, para decretar o divórcio, afastar o recorrido do lar conjugal e partilhar, igualitariamente, a relação de bens que enumera (fls. 324/329, e-STJ). 

Acórdão: por unanimidade, deu parcial provimento ao recurso de apelação da recorrente, nos termos da seguinte ementa: 

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE DIVÓRCIO. SEPARAÇÃO DE FATO. MANUTENÇÃO DA DELIMITAÇÃO PROCEDIDA NA SENTENÇA. PARTILHA DO PRODUTO DA VENDA DE BENS ALIENADOS DEPOIS DA RUPTURA. ADEQUAÇÃO. EXCLUSÃO DO VEÍCULO ADQUIRIDO DEPOIS DO DESENLACE. CABIMENTO. COMUNICABILIDADE DO SALDO DEPOSITADO JUNTO AO PLANO DE PREVIDÊNCIA PRIVADA. NÃO COMPROVAÇÃO DE QUE OS VALORES DEPOSITADOS EM CONTA BANCÁRIA PERTENCIAM A TERCEIROS. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. CONFIGURAÇÃO. CONDENAÇÃO, DE OFÍCIO. REDISTRIBUIÇÃO DA SUCUMBÊNCIA. DESCABIMENTO. 1. Corretamente reconhecida na origem a ocorrência da separação de fato do casal na data do ajuizamento da ação de separação judicial pelo apelado (em apenso), ainda que o pedido liminar de seu afastamento do lar conjugal tenha sido deferido um mês depois. 2. Integra a partilha o produto da venda do veículo GM/Blazer e da motocicleta Honda/Biz, uma vez que a alienação de tais bens ocorreu posteriormente ao desenlace, sem comprovação de posterior repasse da meação em favor do apelado. 3. Tendo em vista que o veículo Ford/Fiesta foi objeto de arrendamento mercantil contratado pela recorrente depois do desenlace, merece acolhimento seu pedido de exclusão do acervo partilhável. Sentença reformada, no ponto. 4. São partilháveis os valores empregados no curso da relação em previdência privada em nome do recorrente, pois tais valores, a exemplo do que ocorre com aqueles recolhidos na conta vinculada do FGTS durante o relacionamento, são comunicáveis. 5. Não se desincumbiu a recorrente de comprovar sua tradução de que os valores depositados em sua conta bancária pertenciam de fato a seus genitores, mas que, em razão da idade avançada, eram por si administrados, com o que deve ser mantida a determinação de partilha desses valores. 6. Caso em que resta configurado o agir de má-fé da recorrente, que apresentou ao feito, após a prolação da sentença, documento adulterado e contendo informações falsas, com a intenção de comprovar suas alegações. Caracterização das hipóteses previstas nos incisos II e V do art. 80 do NCPC. Condenação, de ofício, ao pagamento de multa, conforme art. 81 do NCPC. 7. Não há falar em decaimento mínimo experimentado pela recorrente, sendo ajustada a redistribuição da sucumbência estabelecida na sentença. APELO PARCIALMENTE PROVIDO. CONDENAÇÃO, DE OFÍCIO, POR LITIGÃNCIA DE MÁ-FÉ. (fls. 479/493, e-STJ). 

Embargos de declaração: opostos pela recorrente, foram rejeitados por unanimidade (fls. 519/531, e-STJ). 

Recurso especial: alega-se: (i) violação ao art. 489, §1º, VI, do CPC/15, ao fundamento de que teriam sido colacionados diversos julgados de Tribunais de Justiça, que deveriam ser observados pelo acórdão recorrido, salvo na hipótese de distinção ou de superação de entendimento; (ii) violação ao art. 1.659, VII, do CC/2002, ao fundamento de que o valor existente em previdência complementar privada aberta possuiria natureza personalíssima e não poderia ser objeto de partilha por ocasião da dissolução do vínculo conjugal; (iii) violação aos arts. 80, II e V, e 81, ambos do CPC/15, ao fundamento de que a apresentação de declaração de imposto de renda com informação incorreta seria mero equívoco e não tipificaria a litigância de má-fé; (iv) dissídio jurisprudencial quanto à possibilidade ou não de partilha de valor existente em conta bancária alegadamente em nome de terceiro (fls. 537/564, e-STJ). 

Ministério Público Federal: opinou pelo desprovimento do recurso especial (fls. 652/658, e-STJ). 

É o relatório. 

VOTO 

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator): Os propósitos recursais consistem em definir: (i) se o dever de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, previsto no art. 489, §1º, VI, do CPC/15, abrange também o dever de seguir julgado proferido por Tribunal de 2º grau distinto daquele a que o julgador está vinculado; (ii) se o valor existente em previdência complementar privada aberta na modalidade VGBL deve ser partilhado por ocasião da dissolução do vínculo conjugal; (iii) se a apresentação de declaração de imposto de renda com informação incorreta tipifica litigância de má-fé; (iv) se é possível partilhar valor existente em conta bancária alegadamente em nome de terceiro. 

DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO E DE OBSERVÂNCIA DE SÚMULA, JURISPRUDÊNCIA OU PRECEDENTE. ALEGADA VIOLAÇÃO DO ART. 489, §1º, VI, DO CPC/15. 

01) Nas razões de seu recurso especial, alega a recorrente que teria invocado, na apelação, uma série de julgados abonadores de sua tese de impossibilidade de partilha da previdência complementar privada aberta, proferidos pelo TJ/SP e pelo TJ/DFT, que não teriam sido observados pelo TJ/RS por ocasião do julgamento do referido recurso. 

02) Argumenta a recorrente, em razão disso, que teria ocorrido violação ao art. 489, §1º, VI, do CPC/15, na medida em que somente seria lícito ao TJ/RS afastar-se do entendimento contido nos julgados do TJ/SP e do TJ/DFT se houvesse fundamentação relacionada à distinção em relação à hipótese em exame ou à superação do entendimento materializado naqueles julgados. 

03) O dispositivo legal alegadamente violado possui o seguinte conteúdo: 

Art. 489. São elementos essenciais da sentença: (...) §1º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que: (...) VI – deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento. 

04) Examinando-se o conteúdo do referido dispositivo legal, verifica-se que a nova lei processual exige do juiz um ônus argumentativo diferenciado na hipótese em que pretenda ele se afastar da orientação firmada em determinadas espécies de julgados, a saber, que demonstre a existência de distinção entre a hipótese que lhe fora submetida e o paradigma invocado ou de superação do entendimento firmado no paradigma invocado. 

05) Denota-se, pois, que o art. 489, §1º, VI, do CPC/15, possui, em sua essência, uma indissociável relação com o sistema de precedentes tonificado pela nova legislação processual, razão pela qual a interpretação sobre o conteúdo e a abrangência daquele dispositivo deve levar em consideração que o dever de fundamentação analítica do julgador, no que se refere à obrigatoriedade de demonstrar a existência de distinção ou de superação, limita-se às súmulas e aos precedentes de natureza vinculante, mas não às súmulas e aos precedentes apenas persuasivos. 

06) Quanto ao ponto, anote-se a precisa lição de Daniel Amorim Assumpção Neves: 

No inciso VI do §1º do art. 489 do CPC, há previsão de que não se considera fundamentada decisão que deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou de superação do entendimento. Lamenta-se a utilização do termo jurisprudência ao lado de súmula e precedente, não se devendo misturar a abstração e generalidade da jurisprudência com o caráter objetivo e individualizado da súmula e do precedente. De qualquer forma, como a aplicabilidade do dispositivo legal é limitada à eficácia vinculante do julgamento ou da súmula, a remissão à jurisprudência perde o sentido e torna-se inaplicável. Diferentemente do que ocorre com o inciso antecedente, o inciso VI do §1º do art. 489 do CPC não se aplica a súmulas e precedentes meramente persuasivos (Enunciado 11 da ENFAM: “Os precedentes a que se referem os incisos V e VI do §1º do art. 489 do CPC/2015 são apenas os mencionados no art. 927 e no inciso IV do art. 332”), porque, nesse caso, o juiz pode simplesmente deixar de aplicá-los por discordar de seu conteúdo, não cabendo exigir-se qualquer distinção ou superação que justifique a sua decisão. (NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil Comentado. 4ª Ed. Salvador: JusPodivm, 2019. p. 883/884). 

07) Na hipótese em exame, dado que a recorrente invocou, para o julgamento da apelação perante o TJ/RS, apenas julgados proferidos pelo TJ/SP e pelo TJ/DFT no mesmo sentido de sua tese recursal de impossibilidade de partilha da previdência complementar privada aberta, o acórdão recorrido não estava obrigado a considerá-los por ocasião do julgamento da apelação e, por via de consequência, também não estava obrigado a estabelecer qualquer distinção ou superação do entendimento firmado pelo TJ/SP e pelo TJ/DFT, razão pela qual não há que se falar em violação ao art. 489, §1º, VI, do CPC/15. 

PARTILHA DE VALOR EXISTENTE EM PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR PRIVADA ABERTA NA MODALIDADE VGBL POR OCASIÃO DO DIVÓRCIO. ALEGADA VIOLAÇÃO AO ART. 1.659, VII, DO CC/2002. 

08) Em seu recurso especial, a recorrente alega que o valor de R$ 105.000,00 (cento e cinco mil reais) que possuía em previdência complementar privada aberta na modalidade VGBL por ocasião do divórcio não seria suscetível de partilha, na medida em que se trataria de verba de natureza alimentar e personalíssima, originada de seu esforço pessoal e para a qual não teria havido contribuição alguma do recorrido, tratando-se de valor incomunicável porque seria apenas destinada a garantir a sua renda após determinada idade. 

09) Ao enfrentar o tema, o acórdão recorrido assim se posicionou: 

Com relação ao valor depositado ao tempo da separação junto ao Banco do Brasil oriundo de plano de previdência privada, com a devida vênia, tenho que não assiste razão à recorrente ao postular sua exclusão da partilha, uma vez que, a exemplo do que ocorre com aqueles valores recolhidos na conta vinculada do FGTS durante o relacionamento, são comunicáveis.No ponto, é aplicável, por analogia, a orientação consolidada em recente precedente da 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, referente ao julgamento do Recurso Especial nº. 1.399.199/RS, em que se reconheceu o direito à meação sobre os valores aplicados em conta do FGTS auferidos durante a constância da relação, ainda que o saque não tenha sido realizado imediatamente à separação do casal, ou seja, ainda que não tenham sido levantados pelo titular da conta vinculada antes da ruptura: (...) Sendo assim, e considerando que, no caso, o plano de previdência foi contratado durante o casamento (em 25.07.2006, fI. 275; saldo de R$ 105.000,00 em 31.12.2006, fl. 289), incide, portanto, a presunção de esforço comum do casal para a realização dos depósitos mensais, de modo que a manutenção do reconhecimento judicial da comunicabilidade do valor existente ao tempo da separação é medida imperativa. 

10) O dispositivo alegadamente violado possui o seguinte teor: 

Art. 1.659. Excluem-se da comunhão: (...) VII - as pensões, meios-soldos, montepios e outras rendas semelhantes. 

11) De início, anote-se que a hipótese em exame versa sobre previdência privada aberta, tratando-se de situação distinta da previdência privada fechada que foi objeto de recente exame por esta Corte, oportunidade em que se concluiu se tratar de bem incomunicável e insuscetível de partilha. 

12) Com efeito, por ocasião do julgamento do REsp 1.477.937/MG, 3ª Turma, DJe 20/06/2017, concluiu-se que a previdência privada fechada é fonte de renda semelhante às pensões, meio-soldos e montepios (art. 1.659, VII, do CC/2002), de natureza personalíssima e equiparável, por analogia, à pensão mensal decorrente de seguro por invalidez, adotando-se, naquela oportunidade, as seguintes razões de decidir: 

O Brasil, mercê de adotar um sistema misto, priorizou o sistema estatal, o conhecido Regime Geral de Previdência Social, a cargo do INSS, de caráter público e compulsório, que prevê benefícios limitados a um teto legal máximo, aptos a permitir a manutenção dos meios necessários à sobrevivência do trabalhador, sem, contudo, garantir idêntico padrão de vida que gozava o trabalhador na ativa. Ao lado da previdência pública há o chamado Regime Complementar, privado e facultativo, gerido por entidades abertas e fechadas de previdência, visando atender a pretensão daqueles que almejam uma renda maior na inatividade. Daí a importância da previdência complementar, qual seja, de atender o interesse daqueles que almejam gozar de uma velhice com maior conforto a partir de um patamar econômico similar ao desfrutado na ativa, por meio da percepção de valores superiores ao limite imposto pela previdência social obrigatória, manifestamente insuficiente para manter determinado padrão de vida almejado. A previdência privada possibilita, portanto, a constituição de reservas de contingências futuras e incertas da vida por meio de entidades organizadas de forma autônoma em relação ao regime geral de previdência social, sem fins lucrativos. (...) O sistema previdenciário privado é previsto tanto constitucionalmente (art. 202 da CF/1988), com destaque para a EC nº 20/1998, como infraconstitucionalmente, por meio da edição da Lei Complementar nº 109/2001. As entidades fechadas de previdência complementar, diferentemente das abertas (tema alheio aos autos), disponibilizam os planos de benefícios de natureza previdenciária apenas aos empregados de uma empresa ou grupo de empresas aos quais os empregados estão atrelados, sem se confundir, contudo, com relação laboral. Nos fundos de previdência privada fechada ou fundos de pensão, a rentabilidade e o superávit revertem integralmente ao plano de previdência (§ 1º art. 35 Lei Complementar nº 109/2001) oferecidos por empresas públicas ou privadas, e fiscalizados pela Superintendência Nacional de Previdência Complementar - PREVIC, autarquia vinculada ao Ministério da Previdência Social. Sua contratação é facultativa, visando a constituição de reservas que garantam benefício de caráter previdenciário (art. 2º da LC 109/2001), consoante previsto em estatutos, regulamentos e planos de benefícios das entidades previdenciárias. Como se percebe, o aporte é desvinculado do contrato de trabalho do participante (REsp nº 1.207.071/RJ, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, Segunda Seção, julgado em DJe 8/8/2012), e por tal motivo não integra a remuneração do participante (art. 202, § 2º, da CF/1988). Consigne-se que a Lei nº 10.243/2001 incluiu o inciso VI no § 2º do art. 458 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) que afasta do conceito de salário o instituto da previdência privada. (...) Por sua vez, não faria sentido possibilitar a partilha do benefício, visto que o princípio nuclear da previdência complementar fechada é justamente o equilíbrio financeiro e atuarial. Aliás, ressalta-se que tal verba não pode sequer ser levantada ou resgatada ao bel prazer do participante, que deve perder o vínculo empregatício com a patrocinadora ou completar os requisitos para tanto, sob pena de violação de normas previdenciárias e estatutárias. E, apenas a título de argumentação, admitir a possibilidade de resgate antecipado de renda capitalizada, em desfavor de uma massa de participantes e beneficiários de um fundo, significaria lesionar terceiros de boa-fé que assinaram previamente o contrato sem tal previsão. Ademais, não se pode negar que o equilíbrio atuarial, preceito elementar e inerente ao sistema previdenciário, é permeado de cálculos extremamente complexos, que consideram para a saúde financeira da entidade, inúmeras variáveis, tais como a expectativa de vida, o número de participantes, o nível de remuneração atual e o percentual de substituição do benefício complementar. Acrescer o regime de casamento ao cálculo desequilibraria o sistema como um todo, criando a exigência de que os regulamentos e estatutos das entidades previdenciárias passassem a considerar o regime de bens de união estável ou casamento dos participantes no cálculo atuarial, o que não faz o menor sentido por não se estar tratando de uma verba tipicamente trabalhista, mas, sim, de pensão, cuja natureza é distinta. Por outro lado, eventuais mudanças na forma de cálculo que possam comprometer o equilíbrio financeiro e atuarial devem ser evitadas por desafiar ampla comprovação da sua indispensabilidade, à luz do ato jurídico perfeito e da segurança jurídica, os quais impõem cautela e discernimento em tais alterações. 

13) O regime de previdência privada aberta, entretanto, é substancialmente distinto da previdência privada fechada que foi objeto de exame no referido precedente. 

14) Com efeito, a previdência privada aberta, que é operada por seguradoras autorizadas pela SUSEP – Superintendência de Seguros Privados, pode ser objeto de contratação por qualquer pessoa física ou jurídica, tratando-se de regime de capitalização no qual cabe ao investidor, com amplíssima liberdade e flexibilidade, deliberar sobre os valores de contribuição, depósitos adicionais, resgates antecipados ou parceladamente até o fim da vida. 

15) Diante dessas feições muito próprias, a comunicabilidade e partilha de valor aportado em previdência privada aberta, cuja natureza jurídica ora se assemelha a um seguro previdenciário adicional, ora se assemelha a um investimento ou aplicação financeira, é objeto de profunda divergência doutrinária. 

16) De um lado, há quem sustente a incomunicabilidade e consequente exclusão dos referidos valores da partilha decorrente da dissolução do vínculo conjugal. Nesse sentido, leciona Rolf Madaleno: 

Os fundos de pensão privada correspondem à aposentadoria ou benefício a ser pago diante da incapacidade, ou em decorrência da morte do contribuinte e por isso são classificados como tendo natureza pessoal e incomunicável, por se tratar de um direito inerente à pessoa, embora o contribuinte possa indicar quem ele quer que seja(m) seu(s) beneficiário(s), servindo como eficiente instrumento para gerar valores ao beneficiário indicado, que não passam pelo inventário do instituidor. Por sua natureza a previdência privada estaria excluída do patrimônio comum no regime da comunhão parcial (CC, art. 1.659, VII) e na comunhão universal de bens (CC, art. 1.668, V), comunicando-se, no entanto, no regime da participação final nos aquestos, que não previu sua exclusão e tampouco atribuiu caráter personalíssimo ao benefício advindo da previdência privada, observando João Andrades Carvalho, em comentário feito ainda ao tempo de vigência do Código Civil de 1916, que “a lei exclui do condomínio todo bem que tiver origem na individualidade, isto é, que seja marcado fundamentalmente pela pessoalidade ou que tenha destino nessa mesma direção”. Há quem defenda a comunicação da previdência privada por haver sido adquirida com valores provenientes do esforço comum durante a união, constituindo-se, portanto, em típico ativo financeiro, devendo por isso ser partilhado no divórcio, ou na dissolução da união estável como um bem patrimonial. Mas, se for considerado um bem patrimonial a ser dividido no divórcio ou na dissolução da convivência, ocorrendo o óbito do titular da previdência, ela também poderia ser reclamada como bem sucessível do espólio, para sua divisão entre todos os coerdeiros. Contudo, este raciocínio não é aplicado porque uma das maiores vantagens da previdência privada reside na liberalidade conferida na indicação do beneficiário. Na ausência de apontamento do beneficiário alguns entendimentos jurisprudenciais aplicam o artigo 792 do Código Civil, pagando metade do pecúlio ao cônjuge não separado e o restante aos herdeiros do participante, conforme a ordem da vocação hereditária. Pertinente destacar ser a previdência privada uma extensão da previdência social, cujo principal propósito é manter o padrão de vida das pessoas em situação de necessidade. Tem a natureza jurídica de um seguro, não sendo visto como uma extensão do direito sucessório, pois basta perguntar se eventual renúncia de herdeiro ao direito sucessório também atingiria o plano de previdência privada. (MADALENO, Rolf. Planejamento sucessório in Revista IBDFAM: Famílias e Sucessões, Belo Horizonte, n. 1, jan./fev. 2014, p. 24/25). 

17) Em sentido oposto, propondo a comunicabilidade e consequente inclusão dos referidos valores da partilha decorrente da dissolução do vínculo conjugal, ensina Flávio Tartuce: O presente autor continua seguindo o entendimento segundo o qual os fundos de previdência privada constituem aplicações financeiras, devendo ocorrer sua comunicação finda a união, tese que sempre foi defendida por José Fernando Simão. Conforme apontado pelo coautor em edições anteriores desta obra, “antes de se atingir a idade estabelecida no plano, a previdência privada não passa de aplicação financeira como qualquer outra. Não há pensão antes desse momento e, portanto, não há incomunicabilidade. Isso porque, sequer há certeza de que, ao fim do plano, efetivamente os valores se converterão em renda ou serão sacados pelo titular. Trata-se de opção dos cônjuges o investimento em previdência privada, em fundos de ações ou de renda fixa. Assim, as decisões transcritas permitem a fraude ao regime, bastando que, para tanto, em vez de um dos cônjuges adquirir um imóvel ou investir em fundos (bens partilháveis ao fim do casamento), invista na previdência privada para se ver livre da partilha. Quando há a conversão da aplicação em renda e o titular passa a receber o benefício, este sim será incomunicável por ter caráter de pensão”. (TARTUCE, Flávio. Direito Civil. Vol. 5: direito de família. 14ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019, p. 187/188). 

18) Como se percebe, os planos de previdência privada aberta, de que são exemplos o VGBL e o PGBL, não apresentam os mesmos entraves de natureza financeira e atuarial que são verificados nos planos de previdência fechada e que foram apontados no precedente desta 3ª Turma (REsp 1.477.937/MG) como óbices à partilha, pois, na previdência privada aberta, há ampla flexibilidade do investidor, que, repise-se, poderá escolher livremente como e quando receber, aumentar ou reduzir contribuições, realizar aportes adicionais, resgates antecipados ou parcelados a partir da data que porventura indicar. 

19) De outro lado, conquanto o PGBL seja classificado como “plano de previdência complementar aberta com cobertura por sobrevivência” (Circular SUSEP nº 338/2007) e o VGBL seja tipificado como “plano de seguro de pessoa com cobertura por e sobrevivência” (Circular SUSEP nº 339/2007), não se pode olvidar que tais contratos assumiram funções substancialmente distintas daquelas para as quais foram concebidos. 

20) Com efeito, a natureza securitária e previdenciária complementar desses contratos é evidentemente marcante no momento em que o investidor passa a receber, a partir de determinada data futura e em prestações periódicas, os valores que acumulou ao longo da vida, como forma de complementação do valor recebido da previdência pública e com o propósito de manter um determinado padrão de vida. 

21) Entretanto, no período que antecede a percepção dos valores, ou seja, durante as contribuições e formação do patrimônio, com múltiplas possibilidades de depósitos, de aportes diferenciados e de retiradas, inclusive antecipadas, a natureza preponderante do contrato de previdência complementar aberta é de investimento, semelhantemente ao que ocorreria se os valores das contribuições e dos aportes fossem investidos em fundos de renda fixa ou na aquisição de ações e que seriam objeto de partilha por ocasião da dissolução do vínculo conjugal ou da sucessão. 

22) Sublinhe-se que o hipotético tratamento diferenciado entre os investimentos realizados em previdência privada complementar aberta (incomunicáveis) e os demais investimentos (comunicáveis) possuiria uma significativa aptidão para gerar profundas distorções no regime de bens do casamento e também na sucessão, uma vez que bastaria ao investidor direcionar seus aportes para essa modalidade para frustrar a meação dos cônjuges ou a legítima dos herdeiros. 

23) A esse respeito, anote-se a lição de Ana Luiza Maia Nevares: 

Já em relação ao VGBL e ao PGBL, há muitos debates sobre a natureza de tais investimentos. Segundo boa parte da doutrina e da jurisprudência, é indiscutível o caráter securitário do VGBL e do PGBL, o que significa dizer que tais planos são tidos como espécie de seguro, sendo, inclusive, regulados pela Superintendência de Seguros Privados – SUSEP. Por tal razão, argumenta-se que não incide imposto de transmissão causa mortis sobre o capital segurado, não ingressando este no inventário. No entanto, em alguns Estados, como o Rio de Janeiro, há lei estadual que expressamente institui a incidência do imposto de transmissão causa mortis sobre tais recursos (Lei Estadual do Rio de Janeiro, n. 7174/15, art. 23). A questão, de fato, é tormentosa, uma vez que o VGBL e o PGBL, embora tenham natureza securitária, constituem capital de titularidade do segurado, que o administra da maneira que lhe convém, podendo sacá-lo a qualquer tempo. Enquanto tal capital não resta convertido em renda periódica, a previdência privada é um investimento como outro qualquer, razão pela qual não só devem ser tributados, como também devem ser contabilizados para fim de colação ou de partilha decorrente do regime de bens. Realmente, de outra maneira, seria fácil burlar a legítima, bastando que o autor da herança aplicasse todos os seus recursos financeiros em um VGBL, por exemplo, destinando-o a apenas um dos herdeiros necessários em caso de falecimento, ou mesmo burlar o regime de bens, na hipótese em que um cônjuge aplicasse os recursos do casal em investimento como o ora mencionado, nomeando um terceiro como beneficiado. (NEVARES, Ana Luiza Maia. Perspectivas para o planejamento sucessório in Revista IBDFAM: Famílias e Sucessões, Belo Horizonte, n. 18, nov./dez. 2016, p. 19/20). 

24) Diante desse cenário, é correto afirmar que os valores aportados em planos de previdência privada aberta, antes de sua conversão em renda e pensionamento ao titular, possuem natureza de aplicação e investimento, devendo ser objeto de partilha por ocasião da dissolução do vínculo conjugal por não estarem abrangidos pela regra do art. 1.659, VII, do CC/2002. 

DECLARAÇÃO DE IMPOSTO DE RENDA COM INFORMAÇÃO INCORRETA E LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. ALEGADA VIOLAÇÃO AOS ARTS. 80, II E V, E 81, AMBOS DO CPC/15. INADMISSIBILIDADE DO RECURSO. SÚMULA 7/STJ. 

25) Alega o recorrente, ademais, que a simples informação errônea de determinados dados em declaração de imposto de renda seria mero equívoco e não configuraria litigância de má-fé, razão pela qual o acórdão recorrido teria violado os arts. 80, II e V, e 81, ambos do CPC/15, transcritos adiante in verbis: 

Art. 80. Considera-se litigante de má-fé aquele que: (...) II – alterar a verdade dos fatos; (...) V – proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo; (...) Art. 81. De ofício ou a requerimento, o juiz condenará o litigante de má-fé a pagar multa, que deverá ser superior a um por cento e inferior a dez por cento do valor corrigido da causa, a indenizar a parte contrária pelos prejuízos que esta sofreu e a arcar com os honorários advocatícios e com todas as despesas que efetuou. 

26) Ocorre que, examinando-se a fundamentação adotada pelo acórdão recorrido, constata-se que o TJ/RS identificou que a prestação de informações equivocadas e a sucessiva juntada de diferentes declarações de imposto de renda se deu com o propósito específico de ocultar informações relacionadas ao patrimônio e, consequentemente, influenciar no desfecho da partilha de bens. 

27) A esse respeito, confiram-se as razões de decidir expendidas no acórdão recorrido: 

A duas, porque, com a intenção de confortar sua alegação de que tais valores não integram seu patrimônio pessoal, não sendo por si declarados ao Fisco, a recorrente acostou ao feito, após a prolação da sentença (ou seja, de forma extemporânea), uma cópia da declaração de renda apresentada no exercício 2007, que foi recebida pelo agente receptor em 29.04.2007, com indicação de não se tratar de retificadora (fls. 285/291), na qual não há discriminação da importância ora questionada. Contudo, enquanto a “declaração de bens e direitos” deveria constar da “página 4 de 6”, o fato é que a discriminação dos bens constou da “página 1 de 1” (fl. 289), ocorrência que revela ter havido posterior manipulação dos dados informativos, situação que se confirma diante do desalinho constatado entre a evolução patrimonial indicada na “página 6 de 6” (R$ 837.189,94 em 31.12.2005 e R$ 906.672,91 em 31.12.2006, fl. 290) e a situação dos bens informada na aludida “página 1 de 1” (R$ 321.555,24 em 31.12.2005 e R$ 348.588,64 em 31.12.2006, fl. 289). Observo, por oportuno, que, relativamente ao exercício 2007, foi apresentada ao feito uma terceira cópia da declaração de renda da recorrente, juntamente com sua peça inicial, esta classificada como retificadora e recebida pelo agente receptor SERPRO em 24.09.2007 (fl. 29), ou seja, depois do desenlace. No tópico atinente à “declaração de bens e direitos”, constante da “página 4 de 6”, não há referência à importância ora questionada, impressionando, no entanto, que a informação respeitante à totalidade dos bens e à evolução patrimonial (R$ 271.555,24 em 31.12.2005 e R$ 258.588,64, fI. 33) tampouco corresponde àquela constante da declaração que foi acostada ao feito pela recorrente após a prolação da sentença (R$ 321.555,24 em 31.12.2005 e R$ 348.588,64 em 31.12.2006, fI. 289), extraindo-se desse contexto o seu inequívoco agir de má-fé, por alterar a verdade dos fatos, industriando um documento com informação falsa, e por proceder de modo temerário (incisos II e V do art. 80 do NCPC), comportamento processual pelo qual deve ser responsabilizada. 

28) A partir do exame da prova produzida nos autos, pois, o acórdão recorrido concluiu ter havido adulteração dolosa de informações em declaração de imposto de renda com a finalidade de influenciar o resultado da partilha, tratando-se de circunstância fática insuscetível de reexame no âmbito do recurso especial em razão do óbice da Súmula 7/STJ. 

DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL SOBRE PARTILHA DE VALOR EM CONTA BANCÁRIA ALEGADAMENTE DE TERCEIRO. INADMISSIBILIDADE DO RECURSO. SÚMULA 284/STF E SÚMULA 7/STJ. 

29) Finalmente, a recorrente também alega que teria havido a indevida partilha de valor existente em conta bancária alegadamente em nome de terceiro, sendo que o recurso especial, quanto ao ponto, está assentado somente na alínea “c” do permissivo constitucional, ao fundamento de que esse entendimento destoaria de julgado proferido pelo TJ/BA supostamente sobre a mesma matéria. 

30) Ocorre que a jurisprudência desta Corte se consolidou no sentido de que é imprescindível a indicação no recurso especial do dispositivo legal sobre o qual se baseia a divergência jurisprudencial, não sendo cognoscível o recurso interposto apenas com base na alínea “c” do permissivo constitucional em razão do óbice da Súmula 284/STF. A esse respeito: AgRg no REsp 1.346.588/DF, Corte Especial, DJe 17/03/2014 e EDcl no AREsp 806.419/SP, 3ª Turma, DJe 22/2/2016). 

31) De outro lado, não se pode olvidar que o acórdão recorrido, ao apreciar a questão, assim decidiu: 

A uma, porque prova documental alguma foi produzida na instrução pela insurgente a fim de comprovar sua tradução de que esses valores pertenciam, de fato, aos seus genitores, mas que, em razão da idade avançada deles, eram por si administrados, motivo por que figuraria como titular secundária da conta bancária, a qual sequer especificou (número e agência) em suas manifestações, não apresentando nenhum registro bancário nesse sentido. 

32) Como se verifica, o acórdão recorrido concluiu ser partilhável o valor porque não houve prova de que a conta seria de titularidade de terceiros (genitores da recorrida), tratando-se de matéria insuscetível de reexame no âmbito do recurso especial em virtude do óbice da Súmula 7/STJ. 

CONCLUSÃO 

33) Forte nessas razões, CONHEÇO EM PARTE do recurso especial e, nessa extensão, NEGO-LHE PROVIMENTO, deixando de majorar os honorários por se tratar de sentença proferida na vigência do CPC/73 (EAREsp 1.255.986/PR, Corte Especial, DJe 06/05/2019). 

1 de maio de 2021

Filigrana Doutrinária: Pronunciamento vinculante

"(...) Para os colegas brasileiros, que cogitam na atual reforma para a uniformização do Direito e celeridade processual um incidente de resolução de demandas repetitivas, talvez seja interessante analisar o sucesso desse processo alemão. Ele não é muito animador. Se se pretende garantir, nos processos-modelo, o contraditório de todas as partes que tiverem suas ações individuais suspensas, eles se tornarão muito lentos e complicados. Se tais processos forem acolhidos apenas para a elaboração de enunciados jurídicos não vinculantes, sempre haverá espaço para o distinguishing, além de seus efeitos uniformizadores e de celeridade serem também questionáveis. A ratio dos tribunais, por meio da aplicação de uma jurisprudência consolidada, não pode substituir a legislação". 

STÜRNER, Rolf. Sobre as reformas recentes no direito alemão e alguns pontos em comum com o projeto brasileiro para um novo código de processo civil. Revista de Processo, vol. 193/2011, págs. 355-372, Mar/2011.

7 de novembro de 2017

TÉCNICAS PARA JULGAMENTO DE CASOS REPETITIVOS NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL; Revista de Processo, vol. 265, p. 277 - 297, Mar / 2017

TÉCNICAS PARA JULGAMENTO DE CASOS REPETITIVOS NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

Techniques for judgment of repetitive cases in the new Civil Procedure Code
Revista de Processo | vol. 265/2017 | p. 277 - 297 | Mar / 2017
DTR\2017\423
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Mario Vitor M. Aufiero
Mestrando em Direito Processual pela USP. Especialista em Direito Processual Civil. Advogado. mario@aufiero.adv.br

Área do Direito: Processual

Resumo: O presente artigo trata sobre técnicas para julgamento de casos repetitivos, aqui entendidos como demandas e recursos repetitivos. É analisada a litigiosidade em massa existente no país, indicando os esforços do legislador e da doutrina em conter tal fenômeno, notadamente após a publicação do Novo Código de Processo Civil.

 Palavras-chave:  Direito - Processo Civil - Causas repetitivas - Técnicas processuais - Litigiosidade em massa.

Abstract: This paper discusses techniques for judgment of repetitive cases, here understood as repetitive demands and appeal. It analyzed the existing mass litigation in the country, indicating the efforts of the legislature and doctrine to contain this phenomenon, especially after the publication of the new Civil Procedure Code.

 Keywords:  Law - Civil Procedure - Repetitive cases - Procedural techniques - Mass litigation.

Sumário:  
1As demandas repetitivas - 2Técnicas já conhecidas para julgamento de causas repetitivas - 3Técnicas para julgamento de causas repetitivas no novo Código de Processo Civil - 3.4Segue: o incidente de resolução de demandas repetitivas - 4Conclusão - 5Referências


1 As demandas repetitivas

É notório que a sociedade brasileira passou por uma grande evolução econômica nos últimos anos, sendo evidente o crescimento do mercado. Em razão disso, verificou-se uma expansão das tutelas dos direitos que vinham surgindo com a dinamicidade da sociedade, bem como o nascimento de um amplo acesso à justiça,1 sempre atentando que os cidadãos, aqui na qualidade de jurisdicionados, devem obter a tutela jurisdicional justa e adequada.
A Constituição Federal de 1988, o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/1990), a criação dos Juizados Especiais (Leis 9.099/1995 e 10.259/2001) são exemplos que demonstram o reconhecimento dos mais diversos direitos existentes na sociedade e a necessidade de tutelá-los, vedando-se ainda a impossibilidade legal de exclusão do Judiciário a ameaça ou lesão a direito, conforme disposto na Carta Magna, em seu art. 5.º, XXXV.
Em razão disso e de outros fatores econômicos e políticos, verificou-se uma explosão de litigiosidade nunca antes vista na história do Direito brasileiro, aumentando-se o número de demandas perante o Poder Judiciário a cada ano. Ora, as relações interpessoais passam a ser dinamizadas, exsurgindo a possibilidade de conflitos, o que desemboca na sua resolução, na maioria dos casos, perante o Estado-juiz, que está adstrito à inafastabilidade de controle jurisdicional, como já exposto.
Para ilustrar o que foi sustentado até agora, o Conselho Nacional de Justiça, ao lançar o anual relatório “Justiça em Números 2015”,2 constatou que o número de demandas pendentes no Judiciário tem acréscimo todos os anos, pois em 2009, existiam 59,1 milhões de demandas pendentes, ao passo que, em 2014, tal quantidade passou para 70,8 milhões.
Na mesma esteira, verifica-se que sequer o número de processos novos consegue anular os baixados, tendo em vista que, em 2014, 28,9 milhões de demandas foram ajuizadas e apenas 28,5 milhões de processos foram baixados. Essa diferença entre processos novos e baixados é ocorrente desde 2009, o que também justifica o aumento no percentual de processos pendentes.
Os números apresentados são assustadores. Segundo o próprio Conselho Nacional de Justiça – CNJ, seriam necessários 2 anos e meio para zerar o número de demandas pendentes, com o atual quadro de magistrados e servidores e sua produtividade apresentada, considerando que nenhuma demanda nova fosse proposta nesse tempo.3
Pelos dados extraídos, a tendência é que os números aumentem e congestionem4 ainda mais a via judiciária, porquanto, à medida que o número de direitos aumenta, a consequência lógica é a possibilidade de ser tutelados jurisdicionalmente, pois a Carta Magna brasileira assim permite. A celeridade, a eficiência e a economia processual começam, nesse cenário, a ganhar destaque e a atenção tanto do legislador quanto da doutrina.
O legislador, atento à realidade brasileira e ao engessamento do Poder Judiciário, vem tentando nos últimos anos desafogar tal poder, utilizando-se de métodos alternativos de soluções de conflitos (mediação,5 conciliação e arbitragem6), criando um microssistema processual de direitos coletivos,7 além de criar técnicas para julgamento de demandas repetitivas.8
Como o presente artigo focará apenas em tratar as últimas, não se tecerão comentários a fundo quanto aos métodos alternativos de solução de conflitos e ao microssistema processual de direitos coletivos, malgrado haja eventuais pontos de estrangulamento entre esses e as técnicas para julgamento de demandas repetitivas, os quais, ao menos em alguma medida, serão abordados.
O Código de Processo Civil de 1973 foi publicado com um caráter nitidamente individual, patrimonialista e liberal, caracterizado por uma rigidez formalista.9 Após a Constituição Federal de 1988, ainda que não tenha perdido seu viés individual, o mesmo Diploma tem passado por várias reformas para se adequar à realidade,10 visto que a sociedade passou por uma intensa mudança no quadro econômico, político e social.
Com efeito, os direitos coletivos continuavam a não ser englobados pelo respectivo Diploma, ficando por conta do microssistema processual de direitos coletivos em legislação extravagante formado, como indicado acima. Mesmo havendo regulamentações para os chamados direitos coletivos,11 estes não foram (e ainda não são) suficientes para resolver a quantidade de processos existentes no Poder Judiciário.
Ao mesmo tempo que as ações coletivas se tornam insuficientes para enfrentar a alta tutela de direitos existentes hoje (visto que não se imiscuem no âmbito das ações individuais)12 e para conter as taxas altas de litígios, as demandas individuais, como já visto, enfrentam alto índice de ajuizamento, evidenciando-se uma litigiosidade em massa e, mais que isso, várias ocorrências de causas repetitivas.
É que, em meio à imensidão de processos em curso no Poder Judiciário, verificou-se que muitos deles tratavam de questões fáticas e/ou jurídicas idênticas ou semelhantes, havendo, portanto, casos repetitivos e a necessidade de criar técnicas possíveis de abreviar seu tempo na marcha processual, sem olvidar das garantias constitucionais.
Nesse ponto, um esclarecimento se faz necessário: demandas repetitivas são aquelas que possuem uma identidade fática ou jurídica entre si, não significando que estão relacionadas à teoria dos três “eadem”, isto é, a rigor, não possuem as mesmas partes, causa de pedir e pedido.
Delineados os conceitos de demandas repetitivas, realizando sua diferenciação com as ações coletivas, e contextualizado o quadro fático em que o sistema processual brasileiro se encontra, mister se faz analisar as técnicas que o legislador brasileiro incluiu até antes da publicação do Novo Código de Processo Civil para conter os casos repetitivos. O presente trabalho, é importante esclarecer, não se propõe a fazer um estudo minucioso de todas as técnicas existentes no ordenamento processual brasileiro, mas indicá-las e trazer considerações gerais, além de tecer certas críticas em alguns pontos.
É importante ressaltar que as técnicas de julgamento de demandas repetitivas não se destinam tão somente a racionalizar o número de processos existentes no Poder Judiciário, abreviando seu tempo, mas também servem como um mecanismo para dar maior coerência e estabilidade às decisões judiciais, evitando que estas se deem de forma antagônica.

2 Técnicas já conhecidas para julgamento de causas repetitivas

O legislador brasileiro não ficou alheio às transformações ocorridas na sociedade e à existência de causas repetitivas no Judiciário, tentando, por meio de reformas dentro do Código de Processo Civil de 1973, em legislação extravagante ou até mesmo na Constituição Federal de 1988, inserir técnicas para o julgamento de tais causas, racionalizando-as.
É verdade que o número de processos aumenta a cada ano, como demonstrado na primeira parte deste trabalho, no entanto, considerando a não existência das técnicas processuais que serão pontuadas a seguir, certamente a porcentagem dos dados analisados seria maior. Dessa forma, as técnicas até agora introduzidas (e até as do Novo Código de Processo Civil) não possuem a pretensão de resolver por completo litigiosidade em massa, mas, ao menos em alguma medida, de contê-la.
A Constituição Federal de 1988, com a EC 45, de 2004, por meio do art. 103-A, inseriu no ordenamento jurídico as súmulas vinculantes, podendo o Supremo Tribunal Federal, “de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei”.
A súmula vinculante, que foi regulamentada pela Lei 11.417/2006, é uma importante técnica para conter demandas repetitivas, porquanto vincula todos os órgãos jurisdicionais a obedecer ao enunciado de súmula extraído pela orientação estabelecida no Pretório Excelso, resolvendo-se ações isomórficas que envolvam questões constitucionais ali contidas.
Ademais, se algum ato administrativo ou decisão judicial contrariar ou aplicar indevidamente o enunciado disposto na súmula vinculante, caberá reclamação diretamente para o Supremo Tribunal Federal, que anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial, a fim de se adequar à súmula invocada (art. 103-A, § 3.º, CF/1988 (LGL\1988\3)), evitando, inclusive, interposição de mais recursos e abreviando o litígio.
Já no Código de Processo Civil de 1973, especificamente no ano de 2006, foi introduzida uma reforma, acrescentando-se o art. 285-A, o chamado julgamento liminar de improcedência. Por tal dispositivo, quando a matéria submetida ao julgador for unicamente de direito e o mesmo juízo tiver se pronunciado por decisão totalmente improcedente em casos pretéritos com os mesmos argumentos jurídicos,13 a citação do réu pode ser dispensada e a sentença proferida, reproduzindo integralmente a anteriormente prolatada.
Não basta, contudo, que o magistrado de tal juízo baseie o julgamento liminar de improcedência em apenas uma decisão antecedente, mas, sim, em vários julgados, devendo ser harmônicos ainda com súmulas e jurisprudência dominante do Tribunal a qual está vinculado e a Tribunais Superiores.14
Veja-se que o caso trata nitidamente de demandas repetitivas, com a identidade de uma matéria de direito entre as causas contrastadas. A celeridade no julgamento do caso é profícua, uma vez que dispensa até a citação do réu para contestar a ação manejada, proferindo decisão com resolução de mérito liminarmente.
Tal técnica de abreviação de causas repetitivas é também constatada em hipóteses de julgamento monocrático de recursos (art. 557, caput e § 1.º, CPC/1973 (LGL\1973\5)), em que o relator pode negar seguimento ao recurso quando houver contrariedade à súmula ou jurisprudência dominante do respectivo tribunal ou tribunal superior, bem como na hipótese de reexame necessário (art. 496, § 4.º, CPC/1973 (LGL\1973\5)), que poderá ser dispensado quando a sentença estiver fundada em jurisprudência firmada no plenário do Supremo Tribunal Federal ou em súmula do respectivo tribunal ou tribunal superior.
No mesmo Diploma, encontra-se o incidente de uniformização de jurisprudência, previsto em seu no art. 476,15 técnica esta que se demonstra bastante útil para tratar de causas repetitivas. É que, por meio de tal incidente, todos os vindouros casos com mesmas questões fáticas ou jurídicas submetidos ao exame do tribunal adotarão o entendimento firmado no incidente instaurado.
Em uma linha parecida com artigo anterior, o parágrafo primeiro do art. 555 do CPC/1973 (LGL\1973\5) trata sobre a afetação de julgamento, ao estabelecer que o relator, quando houver questão relevante de direito, reconhecendo interesse público na assunção de competência e para evitar que haja divergência entre as câmaras ou turmas do tribunal, pode propor que o recurso seja julgado pelo órgão colegiado indicado pelo regimento interno do tribunal.
A técnica se demonstra importante para o tratamento de causas repetitivas, pois, uma vez formado o entendimento do tribunal, há a nítida intenção de racionalizar julgamento de recursos com teses idênticas.16 Em realidade, a técnica vem melhor disciplinada no Novo Código de Processo Civil e será oportunamente tratada no presente trabalho.
Por fim, o Código de Processo Civil, a partir da reforma advinda da Lei 11.418, de 2006, instituiu o que se denominou de julgamento por amostragem,17 técnicas extraídas para identificação da repercussão geral do Recurso Extraordinário no Supremo Tribunal Federal (art. 543-B do CPC/1973 (LGL\1973\5)) e para o julgamento de recursos especiais repetitivos no Superior Tribunal de Justiça (art. 543-C do CPC/1973 (LGL\1973\5)).
No caso da repercussão geral, o tribunal de origem, ao verificar multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica controvérsia, selecionará dois ou mais recursos representativos de tal conflito e encaminhará ao Supremo Tribunal Federal, onde será analisada a repercussão geral nos termos de seu regimento interno, suspendendo-se os demais recursos até o julgamento final da Corte.
Ao ser julgada a repercussão geral pelo Excelso Pretório, caso esta não seja reconhecida, os recursos sobrestados deverão imediatamente ser inadmitidos. Na hipótese reversa, isto é, reconhecida a repercussão geral e julgado o recurso extraordinário, os tribunais de origem apreciarão os recursos suspensos, devendo declará-los prejudicados ou solicitar retratação. Caso não haja retratação e admitido o recurso extraordinário interposto, poderá a Suprema Corte cassar ou reformar, liminarmente, o acórdão contrário à orientação estabelecida, nos termos de seu Regimento Interno.
De maneira análoga, os recursos especiais repetitivos serão sobrestados pelo tribunal de origem, cabendo ao presidente ou vice-presidente de tal tribunal escolher um ou mais recursos representativos e enviá-los ao Superior Tribunal de Justiça para resolver a controvérsia, onde serão analisados por uma de suas três seções ou por sua Corte Especial. Em outra hipótese, pode o ministro relator, ao identificar jurisprudência dominante ou que a matéria está afeta ao colegiado quanto à matéria controversa, determinar a suspensão dos recursos no tribunal de segunda instância, em que a controvérsia já esteja estabelecida.
Julgado o recurso representativo e convergindo a decisão do Superior Tribunal de Justiça com a decisão do acórdão recorrido, os recursos sobrestados serão imediatamente inadmitidos. Ao revés, se a decisão do Tribunal da Cidadania for divergente da decisão dos tribunais de origem, deve haver novo exame para os recursos suspensos por esses últimos.
A técnica utilizada nos dois modelos indicados serve para abreviar a quantidade de recursos no Judiciário, ao tratar notadamente de casos repetitivos. A título de exemplificação, o Superior Tribunal de Justiça,18 ao utilizar dados oferecidos pelos próprios tribunais de origem conforme última atualização enviada, calculou a quantidade de 504.994 (quinhentos e quatro mil novecentos e noventa e quatro) recursos suspensos em decorrência de incidente de resolução de recursos repetitivos.19 É evidente a racionalidade de recursos repetitivos na presente técnica, reduzindo o número de processos existentes nos tribunais, caso se considere o não seguimento dos recursos especiais sobrestados.
Em legislação extravagante, merece destaque o pedido de uniformização de interpretação de Lei Federal nos Juizados Especiais Federais. Os Juizados Especiais como um todo são ótimos terrenos para ocorrência de litigiosidade em massa, em que a aplicação de técnicas de julgamento de casos repetitivos se torna imprescindível.
A Lei 10.259/2001, que trata sobre os Juizados Especiais Federais, atenta a essa realidade, estipulou em seu art. 14 o pedido de uniformização de interpretação de Lei Federal, a qual será cabível quando um acórdão proferido em uma determinada Turma Recursal for divergente com precedente de outra Turma Recursal, ou divirja de súmula ou jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça, desde que a matéria controvertida seja de direito material.
Se houver divergência entre Turmas Recursais da mesma região (primeira, por exemplo), o pedido deve ser examinado e julgado pela reunião conjunta das turmas em controvérsia; se a divergência for entre turmas de diferentes regiões, o pedido de uniformização será julgado pela Turma Nacional de Uniformização, a qual também deverá julgar divergência entre uma turma recursal e súmula ou jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça.
Quando a orientação firmada pela Turma de Uniformização indicada contrariar súmula ou jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça, caberá a este tribunal dirimir a divergência, desde que sua manifestação seja provocada pela parte interessada.
Na hipótese aqui aventada, caso haja pedidos de uniformização idênticos, haverá o sobrestamento destes até decisão final do Superior Tribunal de Justiça. Com a publicação do acórdão do STJ, os respectivos pedidos serão apreciados pelas Turmas Recursais, as quais se retratarão ou os declararão prejudicados, caso veiculem tese não acolhida pelo Tribunal da Cidadania. A técnica para racionalizar causas repetitivas aqui mencionada se assemelha bastante com o Musterverfahren do direito alemão,20 que será mencionado mais à frente.
Por fim, cabe tecer alguns comentários sobre a suspensão de segurança em diversas liminares em causas repetitivas. A Lei 8.437/1992, que trata sobre a concessão de medidas cautelares contra atos do Poder Público, prevê no seu art. 4.º, § 8.º, que “as liminares cujo objeto seja idêntico poderão ser suspensas em uma única decisão, podendo o Presidente do Tribunal estender os efeitos da suspensão a liminares supervenientes, mediante simples aditamento do pedido original”.
É evidente a racionalidade de demandas repetitivas na presente técnica processual, uma vez que, por meio de uma só decisão, várias liminares com objeto idêntico podem ser suspensas, estendendo-se até às futuras,21 privilegiando-se, dessa forma, a isonomia buscada em sede jurisprudencial. A mesma situação pode ser perfeitamente verificada e aplicável no art. 15, § 5.º, da Lei 12.016/2009 (Lei do Mandado de Segurança).
Diante do discorrido, percebe-se a árdua tentativa do legislador em racionalizar os casos repetitivos no Judiciário brasileiro. Na intenção de sistematizar tais técnicas, embora não abarque todos os indicados acima, Luis Felipe Marques Porto Sá Pinto22 sugeriu três grupos para tratamento coletivo de questões comuns em processos individuais, a saber, (i) procedimentos de uniformização de jurisprudência em relação a questões comuns (súmula vinculante, incidente de uniformização de jurisprudência); (ii) procedimentos de julgamento coletivo de recursos cíveis que abordam questões comuns (julgamento por amostragem); e (iii) procedimentos inibidores de lides repetitivas (julgamento liminar de improcedência e termo de ajustamento de conduta).23

3 Técnicas para julgamento de causas repetitivas no novo Código de Processo Civil

3.1 Uma relevante contextualização: a importância do precedente no novo Código de Processo Civil

Em razão da explosão de litigiosidade verificada nos últimos tempos, a morosidade processual se tornou um dos temas de destaque. O sistema de precedentes brasileiros, pelo menos até a entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil, continua a contribuir para que justiça brasileira continue lenta, uma vez que as decisões proferidas não são uniformizadas e vinculantes. Não há, portanto, a previsibilidade24 e estabilidade25 que se espera de um ordenamento jurídico com sua sistemática de jurisprudência26 e precedentes, o que fez, inclusive, parte da doutrina cunhar o fenômeno como jurisprudência lotérica.27
O Novo Código de Processo Civil, de 2015, propõe uma mudança no sistema de precedentes brasileiro, dedicando capítulo específico e tratando do assunto nos arts. 926 ao 928, tentando conferir maior força em sua aplicação, além de impor eficácia vinculante em alguns casos.
Antes de prosseguir com o tema, alguns pontos devem ser esclarecidos. É bem verdade que a identidade de modelo de precedente jurisprudencial, tal como em todo país de civil law, isto é, aquele que detém, a rigor,28 um caráter persuasivo, não foi abandonado no ordenamento jurídico brasileiro, sendo este ainda a regra geral. É diferente, portanto, do sistema de precedente normativo, típico dos países de common law, onde o precedente tem nítida força vinculante e é efetivamente fonte do direito, tendo em vista a insuficiência de direito positivado.
Não se pode negar, contudo, que a utilização da técnica de precedentes tem o intuito de dar maior coerência e estabilidade entre as várias decisões proferidas no ordenamento jurídico, servindo como técnica para o julgador a ser observada em suas decisões, tanto internamente (análise entre seus próprios julgados) e externamente (observância aos tribunais superiores a ele vinculados), evitando discrepância no sistema. O legislador brasileiro, atento a esses conceitos, propõe, em alguma medida, uma maior força ao precedente.
Com efeito, o Novo Código de Processo Civil tenta claramente racionalizar as causas repetitivas29 e dar homogeneidade à jurisprudência brasileira, garantindo a segurança jurídica buscada nas decisões, ao tentar reforçar a utilização das súmulas proferidas pelo Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça para abreviar julgamentos em primeiro ou segundo grau, criar os incidentes de resolução de demandas repetitivas e assunção de competência, bem como conferir maior força aos recursos repetitivos (especial e, agora, extraordinário).
Quanto aos dois últimos apontados, o Diploma inova na matéria de precedentes, rompendo a tradicional doutrina de que os precedentes no Brasil apenas possuem caráter persuasivo, estabelecendo eficácia vinculante em alguns casos, permitindo sua utilização como verdadeira técnica decisória, razão pela qual alguma parte da doutrina passou a denominar o instituto de “superprecedentes”.30
O curioso na presente técnica é que não há necessariamente uma formação jurisprudencial para a aplicação no caso concreto. Existindo uma única decisão e formado o precedente com força vinculante nas hipóteses especificadas pelo Código, deverá este ser aplicado ao caso posterior idêntico (caso repetitivo), ao ser posto em cotejo.
Por assim dizer, embora os mecanismos de incidente de resolução de demandas repetitivas, assunção de competência e recursos repetitivos não serem baseados em uma sistemática de jurisprudência ou precedentes em si, há um efetivo empréstimo legal da eficácia existente nas súmulas dos tribunais superiores, exsurgindo um precedente com nítido caráter vinculante, devendo o magistrado sumarizar o julgamento toda a vez que deparar com um caso em que exista já precedente de tal natureza.31
A técnica de decisão é utilizada em vários casos espalhados pelo texto legal, conferindo grande abrangência para julgamento de demandas repetitivas, utilizando técnicas processuais já dispostas inclusive no Diploma anterior, que merecerão devida atenção no próximo tópico.

3.2 As técnicas de julgamento de causas repetitivas previstas no novo Código de Processo Civil

As técnicas de julgamento de causas repetitivas previstas no Novo Código de Processo Civil se aproximam muito das constantes do Diploma de 1973. É de se afirmar, portanto, que não se trata, a rigor, de técnicas essencialmente novas, havendo mecanismos que, ao menos em alguma medida, assemelham-se aos já existentes no ordenamento jurídico. Não obstante a isso, verifica-se que há um aumento no leque de opções em que será possível a sumarização do julgamento, principalmente considerando a utilização dos chamados “superprecedentes”.
O art. 332 do novel Diploma Processual volta a tratar do julgamento liminar de improcedência, em que o magistrado, ao verificar que a causa dispensa a fase instrutória, pode desprezar a citação do réu e julgar improcedente o pedido do autor quando for contrário à súmula dos tribunais superiores ou do seu tribunal de justiça sobre direito local, bem como contrariar precedentes provenientes em procedimentos repetitivos ou de assunção de competência. O Código também prevê o mesmo mecanismo quando o juiz verificar ocorrência de prescrição ou decadência (art. 332, § 1.º).
Não há mais a disposição prevista no art. 285-A do Código de Processo Civil de 1973, isto é, julgar liminarmente improcedente o pedido do autor quando o juiz verificar que em seu juízo tivesse sido proferida decisão em questões com o mesmo fundamento jurídico, embora parte da doutrina32 entenda que tal mecanismo ainda tenha sido contemplada pelo novo Código, ao se fazer uma interpretação, a contrario sensu, do art. 489, § 1.º, V.
O julgamento monocrático de recursos, previsto no art. 932, IV e V, do NCPC, também estabelece técnicas de sumarização de julgamentos que tratam sobre causas repetitivas, devendo o relator negar monocraticamente recurso (inc. IV) contrário à súmula dos tribunais superiores e do próprio tribunal, a entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas e em assunção de competência, bem como acórdão proferido pelo STF ou STJ em recursos repetitivos. O inc. V prevê hipótese de provimento ao recurso nos mesmos moldes do inciso anterior, depois de facultada a apresentação de contrarrazões pela parte contrária.
Em sequência, foram acrescentadas algumas hipóteses para dispensa de reexame necessário (art. 496, § 4.º, NCPC), em que a sentença proferida pelo magistrado não estará sujeita ao duplo grau de jurisdição quando estiver fundada em súmula de tribunal superior, precedentes provenientes de procedimentos repetitivos ou de assunção de competência, bem como quando estiver convergente com orientação vinculante formada na área administrativa do próprio ente público e que fora consolidada em manifestação, parecer ou súmula administrativa.
Por fim, há hipótese de aplicação de sumarização de demandas na tutela de evidência, conforme se extrai do art. 311, II, do NCPC, o qual dispõe que será concedida a tutela, independentemente da demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo, quando “as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante”. A hipótese se demonstra importante como técnica de julgamento de demandas repetitivas, uma vez que dá maior coerência e estabilidade às decisões judiciais (uma das facetas da utilização da técnica processual).
O julgamento por amostragem da repercussão geral também é mantido substancialmente nos moldes do Codex processual de 1973, conforme se verifica no art. 1.035, §§ 5.º, 8.º e 9.º, do NCPC. Há também a mesma hipótese em recursos repetitivos, cuja análise será feita a seguir.

3.3 Segue: os recursos repetitivos (especial e extraordinário)

A Nova Lei Civil Adjetiva trata especificamente do julgamento por amostragem de recursos repetitivos, disciplinados em seus arts. 1.036 ao 1.041. O Recurso Especial repetitivo, já positivado no antigo Código, foi reforçado, além de ter sido inserido o Recurso Extraordinário repetitivo.
O procedimento de tais mecanismos, malgrado haja importantes avanços, não difere substancialmente do já adotado no Código de 1973, isto é, havendo multiplicidade de recursos com idêntica questão de direito, o presidente ou vice-presidente do tribunal de origem (o relator do tribunal superior também realizar o ato) deverá selecionar dois ou mais recursos representativos e encaminhá-los ao tribunal superior respectivo, suspendendo-se todos os demais recursos repetitivos.
Da publicação do acórdão paradigma, (i) o tribunal de origem negará seguimento aos recursos especiais ou extraordinários sobrestados, se o acórdão recorrido convergir com a orientação do tribunal superior, ou (ii) se o acórdão recorrido contrariar a orientação do tribunal superior, o tribunal de origem reexaminará o processo de competência originária, a remessa necessária ou o recurso anteriormente julgado. Caso mantido o acórdão recorrido, o recurso especial ou extraordinário repetitivo deverá ser remetido ao tribunal respectivo (STF ou STJ) para julgamento.
Em realidade, os recursos repetitivos já guardavam grande relevância para enfrentamento das demandas repetitivas, ocasionando sua racionalização (vide tópico 2). Malgrado explicado em linhas gerais, o tratamento de recursos repetitivos no Novo Código de Processo Civil racionaliza ainda mais os casos repetitivos.
É que, pela vigência do Diploma de 1973, a decisão proferida em recurso repetitivo apenas vincula os processos sobrestados; no novo sistema, além da decisão ser aplicada aos processos já suspensos, é também vinculante a processos futuros, caso a questão suscitada na demanda/recurso seja objeto de entendimento já firmado em recursos especiais ou extraordinários repetitivos, conforme se viu inclusive nas técnicas processuais apontadas no último tópico. É a ocorrência dos chamados “superprecedentes”.

3.4 Segue: o incidente de resolução de demandas repetitivas

O Novo Código de Processo Civil destinou o Capítulo VIII, do Título I, do Livro III, para o tratamento do incidente de resolução de demandas repetitivas, uma novidade no sistema processual brasileiro, que tem disposição expressa nos arts. 976 ao 987 do referido Diploma, razão pela qual se fez necessária a abertura de um tópico para o presente mecanismo com mais comentários, embora, como já delineado no início deste trabalho, não será tratado a fundo, realizando, contudo, considerações gerais, além de indicar, em alguma medida, pontos importantes.
O incidente de resolução de demandas repetitivas sofreu clara influência33 do direito estrangeiro, especialmente o alemão, com o seu Musterverfahren,34 fato este reconhecido pela própria comissão de juristas do Anteprojeto do Código de Processo Civil no Senado.35 Segundo tal mecanismo, criado por um período específico (até 2010),36 é estabelecida uma causa-piloto que servirá de base para decidir as questões comuns a todos os casos isomórficos relacionados, isto é, é proferida uma decisão coletiva que servirá para questões comuns de litígios individuais,37 uma vez que firmado o entendimento pelo tribunal respectivo, a decisão deve ser adotada a todos os processos que ficaram suspensos em razão da instauração do procedimento.
No procedimento brasileiro, a instauração do incidente é cabível quando houver multiplicidade de processos repetidos que contenham controvérsia sobre questão unicamente de direito,38 com intuito de definir uma tese jurídica central única, a fim de preservar a isonomia e segurança jurídica das decisões, evitando-se que estas ocorram de maneira antagônica para processos repetitivos.
Depreende-se também que o incidente pressupõe, para sua instauração, efetiva repetição de processos, não se aceitando a mera potencialidade de demandas versando sobre as mesmas questões unicamente de direito, devendo ser ainda estabelecido um número mínimo de casos, a ser extraído por critérios de bom-senso, isto é, ao se verificar possível mácula à segurança jurídica e à isonomia das decisões.39
É importe advertir, contudo, que o incidente não será cabível, ainda que preenchidos os requisitos acima, quando um dos tribunais superiores, na seara de sua competência, tiver afetado recurso para definição de tese sobre questão de direito material ou processual repetitiva, conforme se extrai da inteligência do art. 976, § 4.º, do NCPC.
O incidente pode ser instaurado de ofício (juiz ou relator) ou por petição (partes, Ministério Público ou Defensoria Pública), mediante pedido formulado ao presidente do tribunal respectivo, devendo ser instruído com a documentação necessária à demonstração do preenchimento dos pressupostos para sua instauração. Se não for o requerente, o Ministério Público deverá intervir obrigatoriamente no incidente, assumindo sua titularidade, caso haja abandono ou desistência (art. 976, § 2.º, NCPC).
O incidente deverá ser julgado em segundo grau, conforme órgão indicado no respectivo regimento interno do tribunal. Do julgamento de mérito do incidente de resolução de demandas repetitivas pelo tribunal caberá recurso especial ou recurso extraordinário, a depender do caso (art. 987, NCPC). O juízo de admissibilidade será de competência do órgão colegiado, não podendo ser objeto de decisão monocrática (art. 981, NCPC).
Em sendo admitido o incidente, o relator determinará a suspensão dos processos pendentes, individuais ou coletivos, que tramitem no âmbito jurisdicional do tribunal, comunicando-se aos órgãos jurisdicionais competentes da decisão de suspensão. Havendo pedidos de tutela de urgência, estes devem ser dirigidos ao juízo que tramita o processo sobrestado.
O relator ainda poderá requisitar informações do juízo onde se discute o objeto do incidente, além de sempre intimar o Ministério Público para, querendo, manifestar-se, concedendo, em ambas as hipóteses, o prazo de quinze dias para oferecimento da manifestação. Em sequência, serão ouvidas pelo relator as partes e os demais interessados (pessoas, órgãos e entidades com interesse na controvérsia), que poderão requerer juntada de documentos e diligências necessárias, no prazo comum de quinze dias, podendo, ainda, designar audiência pública para ouvir depoimentos de pessoas com experiência e conhecimento na matéria (amicus curiae).
Após a exposição do objeto do incidente e de facultar às partes e aos demais interessados a sustentação de suas razões, o incidente instaurado será julgado,40 devendo estar contido no acórdão a análise de todos os fundamentos suscitados referentes à tese jurídica guerreada, sejam favoráveis ou contrárias.
A tese jurídica formada no julgamento do incidente será aplicada a todos os processos, individuais ou coletivos, em trâmite no âmbito de jurisdição do respectivo tribunal, aplicando-se, ainda, aos casos futuros que contenham a mesma questão de direito e que tramitem na área de competência do tribunal, até que este faça a revisão da referida tese jurídica, evidenciando-se aqui a pura racionalização de demandas repetitivas, tendo em vista a eficácia vinculante da decisão.
Como já mencionado, da decisão de mérito do incidente de resolução de demandas repetitivas julgada pelo tribunal, cabe recurso, com efeito suspensivo, ao Supremo Tribunal Federal ou ao Superior Tribunal de Justiça, a depender do caso. As teses jurídicas formadas por esses tribunais em sede de recurso especial ou recurso extraordinário deverão ser observadas em todo território nacional em quaisquer causas, individuais ou coletivas, que versem sobre a mesma questão de fato, evidenciando-se aqui a utilização dos chamados “superprecedentes” para racionalizar causas repetitivas.
A presente técnica processual, tal como no caso dos recursos repetitivos, possuem ação dúplice: além de racionalizar os casos que foram sobrestados pelo próprio incidente instaurado, consegue racionalizar casos repetitivos futuros, pois funcionam como um “superprecedentes”, sendo aplicados como técnicas decisórias em várias hipóteses (vide tópico 3.1 e 3.2).

3.5 Segue: o incidente de assunção de competência

O novel Diploma de 2015 designa capítulo específico para tratar do incidente de assunção de competência, previsto unicamente no art. 947. Segundo tal artigo, mais precisamente em seu caput, será cabível o incidente quando “o julgamento de recurso, de remessa necessária ou de processo de competência originária envolver relevante questão de direito, com grande repercussão social, sem repetição em múltiplos processos”. Será cabível também o incidente quando se verificar relevante questão de direito em que seja conveniente a prevenção ou a composição de divergência entre câmaras ou turmas do tribunal respectivo (art. 947, § 4.º, NCPC).
Trata-se de técnica processual que deve ser suscitada antes do julgamento do recurso, da remessa necessária ou de processo de competência originária, devendo haver relevante questão direito com grande repercussão geral,41 a qual não pode ser repetida em múltiplos processos, tendo em vista a existência de técnicas específicas nesse último caso.42 A decisão proferida no incidente vinculará todos os juízes e órgãos fracionários até que o tribunal respectivo proceda com sua revisão, o que atende à eficácia vinculante do precedente.
Como se pode notar, o presente mecanismo não trata sobre causas repetitivas em si, analisando, dessa forma, a questão de direito em um caso isolado. No entanto, como se verificou no tópico 3.1, o incidente de assunção de competência se revela assaz importante como técnica de julgamento para racionalização de casos repetitivos, o que desafoga os processos no Poder Judiciário, além de dar homogeneidade às decisões proferidas.

4 Conclusão

O presente trabalho tratou sobre as técnicas para o julgamento de causas repetitivas, especialmente as previstas no Novo Código de Processo Civil. Dessa forma, verificou-se que o novel Diploma não traz substancialmente novas técnicas para o julgamento de causas repetitivas, as quais já eram conhecidas e utilizadas ainda no Código de Processo Civil de 1973.
Mesmo o incidente de resolução de demandas repetitivas, que é considerada a real grande novidade, possui um procedimento parecido com o utilizado nos recursos repetitivos, não desmerecendo a sua importância para o sistema. O incidente de assunção de competência, por sua vez, malgrado tenha sido dedicado um artigo exclusivo para sua regulamentação, também já tinha técnica prevista no antigo Código, conforme se extrai da intelecção do seu art. 555, § 1.º.
No entanto, é clarividente que há agora uma ampliação no leque de possibilidades de aplicação das técnicas para o julgamento de causas repetitivas, quer seja pela eficácia vinculante conferida aos precedentes em algumas hipóteses, quer seja pela inserção dos (não tão) novos mecanismos para tratamento das causas repetitivas, racionalizando-as no ordenamento jurídico e, consequentemente, desafogando o Judiciário, bem como conferindo maior estabilidade e coerências às decisões proferidas.

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1 Mauro Cappelletti e Bryant Garth analisaram tais crises ocasionadas nas sociedades em massa e verificaram três ondas renovatórias para albergar os direitos dos fenômenos sociais coletivos decorrentes da época, a saber: (a) acesso à justiça facilitado para o hipossuficiente; (b) a tutela de interesses coletivos, cujo expoente de tal onda se verificou no estudo das class actions, do Direito Americano; e (c) a criação de uma justiça sob um novo enfoque, utilizando-se de métodos tendentes a pacificar o conflito, como os meios alternativos de resolução de conflitos. CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça . Trad. Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 1988.

2 Disponível em: [www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2015/09/ff7463a6fe08604488795034964c0508.swf]. Acesso em: 27 out. 2015.

3 Disponível em: [www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2015/09/ff7463a6fe08604488795034964c0508.swf]. Acesso em: 27 out. 2015.

4 ZUCKERMAN, Adrian A. S. Justice in Crisis: Comparative Dimensions of Civil Procedure. In: ZUCKERMAN, Adrian A. S. (editor). Civil Justice in Crisis: Comparative perspectives of Civil Procedure. Oxford: Oxford University Press, 1999. p. 3-52.

5 Vide Lei 13.140/2015 (Lei da Mediação) e as disposições no NCPC sobre o tema.

6 Vide Lei 9.037/1996 (Lei da Arbitragem)

7 Vide Leis 8.078/1990, 7.347/1985 e 4.717/1965.

8 Isto é, tratamento macromolecular para questões comuns existentes em processos individuais.

9 CUNHA, Leonardo José Carneiro da. O Regime Processual das Causas Repetitivas. Revista de Processo. v. 179. São Paulo: Ed. RT, jan. 2010. p. 139-174.

10 CAMBI, Eduardo; PEREIRA, Fabricio Facaroli. Estratégia Nacional de Prevenção e de Redução de Litígios. Revista de Processo. v. 237. São Paulo: Ed. RT, nov. 2014. p. 435-457.

11 Estes entendidos como: (a) direitos difusos; (b) direitos individuais homogêneos; e (c) direitos coletivos strictu sensu.

12 TUCCI, José Rogério Cruz e. Contra o processo autoritário. Revista de Processo. v. 242. São Paulo: Ed. RT, abr. 2015. p. 49-67.

13 CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Op. cit.

14 WAMBIER, Luiz Rodrigues; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; MEDINA, José Miguel Garcia. Breves comentários à nova sistemática processual civil. 2.a série. São Paulo: Ed. RT, 2006. p. 66.

15 CPC/1973 (LGL\1973\5), art. 476. Compete a qualquer juiz, ao dar o voto na turma, câmara, ou grupo de câmaras, solicitar o pronunciamento prévio do tribunal acerca da interpretação do direito quando:I – verificar que, a seu respeito, ocorre divergência;
II – no julgamento recorrido a interpretação for diversa da que Ihe haja dado outra turma, câmara, grupo de câmaras ou câmaras cíveis reunidas.
Parágrafo único. A parte poderá, ao arrazoar o recurso ou em petição avulsa, requerer, fundamentadamente, que o julgamento obedeça ao disposto neste artigo.


16 BENETI, Sidnei Agostinho. Assunção de competência e fast-track recursal. Revista de Processo. v. 171. São Paulo: Ed. RT, maio 2009. p. 9-23.

17 DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Curso de direito processual civil. v. 3. Salvador: JusPodivm, 2007. p. 272.

18 Disponível em: [www.stj.jus.br/sites/STJ/default/pt_BR/Consultas/Recursos-repetitivos/Processos-suspensos]. Acesso em: 02 nov. 2015.

19 No Tribunal de Justiça de São Paulo, por exemplo, até julho de 2015, 78.310 recursos haviam sido suspensos. Verifica-se o maior número de recursos sobrestados no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, o qual, até julho de 2015, tinha a quantidade de 131.814 casos.

20 CABRAL, Antonio do Passo. Il procedimento- modello (musterverfahren) tedesco e gli instrumenti di risoluzione di processi repetitivi. Revista de Processo Comparado. v. 1. São Paulo: Ed. RT, jan.-jun. 2015. p. 45-67.

21 Leonardo José Carneiro da Cunha faz os seguintes apontamentos: “É corriqueiro, entretanto, haver casos que caracterizam as chamadas demandas de massas: milhares de pessoas que litigam contra a Fazenda Pública encontram-se na mesma situação, em demandas diversas, com o mesmo objeto. Desse modo, em face de uma liminar ou de um precedente específico, seguirão na mesma trilha várias e várias pessoas, dando azo ao ajuizamento de incontáveis pedidos de suspensão para o presidente do tribunal, cujo volume de trabalho irá elevar-se consideravelmente”. (Op. cit.)

22 PINTO, Luis Filipe Marques Porto Sá. Técnicas de tratamento macromolecular dos litígios – tendência de coletivização da tutela processual civil. Revista de Processo. v. 185. São Paulo: Ed. RT, jul. 2010. p. 117-144.

23 Em específico o Termo de Ajustamento de Conduta, entende o autor que este “também funciona como técnica de prevenção de demandas judiciais na medida em que as ilegalidades perpetradas, incluídas no espectro fiscalizador do Ministério Público, podem ser saneadas por um termo de ajustamento extrajudicial. Uma vez cumpridas as obrigações pactuadas no Termo, o objeto da ação judicial correspondente se esvazia, prevenindo uma ação coletiva ou inúmeras ações individuais repetitivas” (Idem).

24 As partes saberão as condutas a ser tomadas no processo e, a partir delas, como se portar, pois saberão as consequências que dela decorrerão. Nesse sentido: CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. 14. reimp. Coimbra: Almedina, 2014. p. 257.

25 Rodrigo Ramina de Lucca sustenta que: “o respeito aos precedentes proporciona estabilidade na interpretação do Direito ao tornar a jurisprudência sólida e concreta, diante da qual o indivíduo passa a ter condições de saber como deve compreender os dispositivos legais e pode moldar a sua vida confiando que o entendimento jurídico em que pautou suas condutas não será abruptamente mudado ou ignorado” (O dever de motivação das decisões judiciais. Salvador: Juspodivm, 2015. p. 259).

26 Aqui entendido como uma sucessão de julgados (conjunto de precedentes) que demonstram a orientação dominante de determinado órgão julgador.

27 CAMBI, Eduardo. Jurisprudência Lotérica. Revista de Processo. v. 786. São Paulo: Ed. RT, abr. 2001. p. 108-128.

28 Michele Taruffo adverte ao se conferir rigidez em considerar o precedente sempre vinculante em países de common law e meramente persuasivo nos de civil law, comportando algumas exceções. (Precedente e Jurisprudência. Revista de Processo. v. 199. São Paulo: Ed. RT, set. 2011. p. 139 e ss.).

29 O CPC/2015 (LGL\2015\1656) dispõe que:Art. 928. Para os fins deste Código, considera-se julgamento de casos repetitivos a decisão proferida em:
I – incidente de resolução de demandas repetitivas;
II – recursos especial e extraordinário repetitivos.
Parágrafo único. O julgamento de casos repetitivos tem por objeto questão de direito material ou processual.


30 SALLES, Carlos Alberto de. Precedentes e jurisprudência no Novo CPC: Novas técnicas decisórias? O novo Código de Processo Civil: questões controvertidas. São Paulo: Atlas, 2015. p. 77-88.

31 Idem.

32 Idem, ibidem.

33 Para uma análise comparativa entre o modelo brasileiro e o alemão, vide artigo publicado por Daniele Viafore: As semelhanças e as diferenças entre o procedimento-modelo musterverfahren e o incidente de resolução de demandas repetitivas no PL 8.046/2010. Revista de Processo. v. 217. São Paulo: Ed. RT, mar. 2013. p. 257-308.

34 Para análise do caso que originou o instituto, vide: HODGES, Christopher. The reform of class and representative actions in European Legal Systems: a new framework for collective redress in Europe. Oxford: Hart Publishing, 2008.

35 BRASIL. Congresso Nacional, Senado Federal, Comissão de juristas responsável pela elaboração de Anteprojeto de Código de Processo Civil. Brasília: Senado Federal, 2010. p. 21.

36 CABRAL, Antonio do Passo. Op. cit.

37 Idem.

38 Daniel Amorim Assumpção Neves defende que questões com diversidade de fatos, mas com a mesma questão jurídica deve ser aceita para instauração do incidente. Veja-se: “No entanto, essa realidade deve ser analisada com certa flexibilidade, porque, mesmo existindo diversidade de fatos, a questão jurídica pode ser a mesma. Basta imaginar diferentes remessas de nomes para cadastros de devedores por uma causa comum, quando cada autor indicará um fato diferente, afinal, cada inclusão é um fato. Contudo, nesse caso a causa da inclusão nos cadastros de devedores é comum, de forma a ser irrelevante a diversidade dos fatos para a fixação da tese jurídica” (Novo Código de Processo Civil – Lei 13.105/2015. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2015. p. 501-502).

39 CAMBI, Eduardo; FOGAÇA, Mateus Vargas. Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas no Novo Código de Processo Civil. Revista de Processo. v. 234. São Paulo: Ed. RT, maio 2015. p. 333-362.

40 Segundo o art. 980 do NCPC, o incidente deve ser julgado no prazo de um ano, tendo preferência sobre os demais feitos, o que atende à duração razoável do processo, embora tal prazo não seja mandatório.

41 O § 2.º, do referido artigo, fala também em reconhecimento de interesse público.

42 O Enunciado 334 do Fórum Permanente de Processualistas Civis dispõe que: “Por força da expressa ‘sem repetição em diversos processos’, não cabe o incidente de assunção de competência quando couber julgamento de casos repetitivos”.