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15 de novembro de 2021

É inconstitucional lei estadual que verse sobre a responsabilidade de terceiros por infrações de forma diversa das regras gerais estabelecidas pelo CTN

Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/10/info-1029-stf.pdf


RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA É inconstitucional lei estadual que verse sobre a responsabilidade de terceiros por infrações de forma diversa das regras gerais estabelecidas pelo CTN 

É formalmente inconstitucional norma estadual que atribui ao contabilista a responsabilidade solidária, quanto ao pagamento de impostos e de penalidades pecuniárias, no caso de suas ações ou omissões concorrerem para a prática de infração à legislação tributária. Tese fixada pelo STF: “É inconstitucional lei estadual que verse sobre a responsabilidade de terceiros por infrações de forma diversa das regras gerais estabelecidas pelo Código Tributário Nacional”. STF. Plenário. ADI 6284/GO, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 14/9/2021 (Info 1029). 

O caso concreto foi o seguinte: 

O Estado de Goiás editou lei atribuindo ao contabilista a responsabilidade solidária com o contribuinte ou com o substituto tributário, quanto ao pagamento de impostos e de penalidades pecuniárias, no caso de suas ações ou omissões concorrerem para a prática de infração à legislação tributária. Confira: 

Lei do Estado de Goiás nº 11.651, de 13 de setembro de 2011 

Art. 45. São solidariamente obrigadas ao pagamento do imposto ou da penalidade pecuniária as pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal, especialmente: (...) 

XII-A – com o contribuinte ou com o substituto tributário, o contabilista que, por seus atos e omissões, concorra para a prática de infração à legislação tributária; (...) 

XIII – com o contribuinte ou o substituto tributário, a pessoa que por seus atos ou omissões concorra para a prática de infração à legislação tributária, notadamente a que tiver: 

a) fabricado, fornecido, instalado, cedido, alterado ou prestado serviço de manutenção a equipamentos ou dispositivos eletrônicos de controle fiscal, bem como as respectivas partes e peças, capacitando-os a fraudar o registro de operações ou prestações; 

b) desenvolvido, licenciado, cedido, fornecido, instalado, alterado ou prestado serviço de manutenção a programas aplicativos ou ao “software” básico do equipamento emissor de cupom fiscal – ECF –, capacitando-os a fraudar o registro de operações ou prestações; 

c) praticado ato com excesso de poder ou infração de contrato social ou estatuto, ou ainda com abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou confusão patrimonial; 

d) praticado ato ou negócio, em infração à lei, na condição de sócio ou administrador, de fato ou de direito, de pessoa jurídica, com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, sobretudo nas hipóteses de interposição fraudulenta de sociedade ou de pessoas e de estruturação fraudulenta de operações mercantis, financeiras ou de serviços; 

e) participado, de modo ativo, de organização ou associação constituída para a prática de fraude fiscal estruturada, realizada em proveito de terceiras empresas; 

f) promovido a ocultação ou alienação de bens e direitos da pessoa jurídica com o propósito de impedir ou dificultar a cobrança do crédito tributário. (...) 

§ 2º A responsabilização do contabilista de que trata o inciso XII-A somente se dará no caso de dolo ou fraude, apurada mediante o devido processo legal. 

O art. 36, XII-A e XIII, do Decreto estadual nº 4.852/97, regulamentando a lei acima, também trouxe regras semelhantes. 

ADI 

O Partido Progressista ajuizou ação direta de inconstitucionalidade contra esse dispositivo alegando, entre outros argumentos, que ele violaria a reserva de lei complementar prevista no art. 146, III, “b”, da CF/88, uma vez que somente lei complementar poderia instituir nova modalidade de responsabilidade tributária: 

Art. 146. Cabe à lei complementar: (...) 

III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: (...) 

b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários; 

A ADI foi julgada procedente? Esse dispositivo é inconstitucional? 

SIM. O Plenário do STF julgou procedente o pedido formulado na ADI e, por unanimidade, julgou procedente o pedido formulado na ação direta, para declarar a inconstitucionalidade do art. 45, XII-A, XIII e § 2º, da Lei nº 11.651/1991 do Estado de Goiás, e o art. 36, XII-A e XIII, do Decreto nº 4.852/97 do mesmo ente federativo. Vamos entender. 

Sobre o que trata essa lei estadual? Ela versa sobre que ramo do Direito? Direito Tributário. 

De quem é a competência para legislar sobre Direito Tributário? 

Trata-se de competência concorrente, nos termos do art. 24, I, da CF/88: 

Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: I - direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico; (...) 

Nas matérias, do art. 24 da CF/88, a repartição das competências observará a seguinte lógica: 

• União: tem competência para estabelecer as normas gerais sobre tais assuntos. 

• Estados/DF: têm competência para complementar as normas gerais. 

Assim, a competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados. Isso significa que os Estados-membros podem complementar a legislação federal editada pela União. Obviamente, as normas estaduais não podem contrariar as normas gerais elaboradas pela União. Essa divisão está prevista nos §§ 1º e 2º do art. 24: 

Art. 24 (...) 

§ 1º No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais. 

§ 2º A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados. 

Os conceitos de norma geral e especial são relativamente indeterminados, o que torna, por vezes, difícil a tarefa de delimitar com clareza os âmbitos de atuação da lei federal e da lei estadual. Em outras palavras, nem sempre é fácil definir o que seria norma geral e norma especial. 

Art. 146 e lei complementar 

Os Estados-membros devem respeitar, portanto, as normas gerais fixadas pela União. Além disso, em matéria tributária, existe uma outra restrição. A CF/88 afirmou, em seu art. 146, que determinados assuntos somente poderiam ser tratados por lei complementar. 

Regras sobre responsabilidade tributária devem ser tratadas por lei complementar federal 

O tema “responsabilidade tributária” está diretamente relacionado com “obrigação tributária”, sendo, portanto, assunto que deve ser tratado por lei complementar federal por se enquadrar na previsão do art. 146, III, “b”, da CF/88: 

Art. 146. Cabe à lei complementar: (...) 

III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: (...) 

b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários; 

E onde estão previstas as regras de responsabilidade tributária? 

Nos arts. 128 a 138 do CTN. Os arts. 134 e 135 disciplinam justamente o mesmo tema que foi tratado na lei de Goiás, ou seja, a responsabilidade tributária de terceiros. Vale ressaltar que o CTN foi editado em 1966 como sendo uma lei ordinária. No entanto, ele foi “recepcionado com força de lei complementar pela Constituição Federal de 1967, e mantido tal status com o advento da Constituição Federal de 1988, visto que, tanto esta quanto aquela Magna Carta reservavam à lei complementar a veiculação das normas gerais em matéria tributária, a regulação das limitações ao poder de tributar e as disposições sobre conflitos de competência.” (ALEXANDRE Ricardo. Direito Tributário. Salvador: Juspodivm, 2017, p. 249). Em suma, atualmente, o CTN possui status de lei complementar e, portanto, atende o requisito do art. 146, III, da CF/88. 

Lei do GO criou novas regras 

Os dispositivos da Lei estadual nº 11.651/2011 e do Decreto nº 4.852/1997, que vimos acima, ampliaram as hipóteses de responsabilização de terceiro criando novas situações que não estão previstas nos arts. 134 e 135 do CTN, que assim dispõem: 

Art. 134. Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, respondem solidariamente com este nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis: I - os pais, pelos tributos devidos por seus filhos menores; II - os tutores e curadores, pelos tributos devidos por seus tutelados ou curatelados; III - os administradores de bens de terceiros, pelos tributos devidos por estes; IV - o inventariante, pelos tributos devidos pelo espólio; V - o síndico e o comissário, pelos tributos devidos pela massa falida ou pelo concordatário; VI - os tabeliães, escrivães e demais serventuários de ofício, pelos tributos devidos sobre os atos praticados por eles, ou perante eles, em razão do seu ofício; VII - os sócios, no caso de liquidação de sociedade de pessoas. Parágrafo único. O disposto neste artigo só se aplica, em matéria de penalidades, às de caráter moratório. 

Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos: I - as pessoas referidas no artigo anterior; II - os mandatários, prepostos e empregados; III - os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado. 

Essa ampliação foi indevida, ou seja, não poderia ter ocorrido porque a reserva de lei complementar federal prevista no art. 146, III, “b”, da CF/88, caracterizando uma inconstitucionalidade formal. 

No que a lei estadual ampliou? 

A lei estadual avançou em dois pontos sobre os quais não poderia, extrapolando a sua competência: 

1) ampliou o rol das pessoas que poderiam ser pessoalmente responsáveis pelo crédito tributário. 

Com efeito, a lei estadual o alterou a forma de responsabilização prevista no art. 135 do CTN ampliando o rol de terceiros que poderiam responder pelo crédito tributário na hipótese de prática de infrações. Estabelecer quais são os terceiros que responderão pelos créditos decorrentes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos é matéria de norma geral, que deve ser veiculada por lei complementar federal, conforme estabelece a Constituição Federal em seu art. 146, III, alíneas “a” e “b”. 

2) dispôs de forma diferente das circunstâncias em que poderia haver a responsabilização do terceiro. 

Ao estabelecer que a responsabilização do terceiro ocorrerá nos casos de infração praticada com omissão ou fraude, a norma estadual adotou critérios diversos daqueles previstos no CTN. Conforme a norma geral federal, para haver a responsabilidade tributária pessoal do terceiro, este deve ter praticado atos com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos (art. 135 do CTN). O legislador estadual, todavia, apresentou critérios outros para a responsabilização de terceiros. Não podendo o legislador estadual dispor de forma diversa daquela estabelecida pela legislação federal nesta seara, a conclusão é pela inconstitucionalidade formal do dispositivo. Vale ressaltar que nem mesmo uma lei ordinária federal poderia tratar desses dois temas porque estaria violando a reserva de lei complementar estatuída pelo art. 146, III, “b”, da CF/88. 

Em suma: 

É formalmente inconstitucional norma estadual que atribui ao contabilista a responsabilidade solidária, quanto ao pagamento de impostos e de penalidades pecuniárias, no caso de suas ações ou omissões concorrerem para a prática de infração à legislação tributária. Tese fixada pelo STF: “É inconstitucional lei estadual que verse sobre a responsabilidade de terceiros por infrações de forma diversa das regras gerais estabelecidas pelo Código Tributário Nacional”. STF. Plenário. ADI 6284/GO, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 14/9/2021 (Info 1029). 

Julgado correlacionado com o assunto explicado: 

É inconstitucional lei estadual que disciplina a responsabilidade de terceiros por infrações de forma diversa da matriz geral estabelecida pelo Código Tributário Nacional (CTN). Há, neste caso, uma inconstitucionalidade formal. 

Ao ampliar as hipóteses de responsabilidade de terceiros por infrações, prevista pelos arts. 134 e 135 do CTN, ou tratar sobre o tema de maneira diferente, a lei estadual invade competência do legislador complementar federal para estabelecer as normas gerais na matéria (art. 146, III, “b”, da CF/88). Caso concreto: é inconstitucional lei estadual que atribui responsabilidade tributária solidária por infrações a toda pessoa que concorra ou intervenha, ativa ou passivamente, no cumprimento da obrigação tributária, especialmente a advogado, economista e correspondente fiscal. STF. Plenário. ADI 4845/MT, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 13/2/2020 (Info 966).