RECURSO ESPECIAL Nº 1.708.348 - RJ (2017/0292104-9)
RELATOR : MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE
RECURSO ESPECIAL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. INTIMAÇÃO DO DEVEDOR PARA
PAGAMENTO VOLUNTÁRIO DO DÉBITO. ART. 523, CAPUT, DO CÓDIGO DE PROCESSO
CIVIL DE 2015. PRAZO DE NATUREZA PROCESSUAL. CONTAGEM EM DIAS ÚTEIS, NA
FORMA DO ART. 219 DO CPC/2015. REFORMA DO ACÓRDÃO RECORRIDO. RECURSO
PROVIDO.
1. Cinge-se a controvérsia a definir se o prazo para o cumprimento voluntário da obrigação,
previsto no art. 523, caput, do Código de Processo Civil de 2015, possui natureza processual
ou material, a fim de estabelecer se a sua contagem se dará, respectivamente, em dias úteis
ou corridos, a teor do que dispõe o art. 219, caput e parágrafo único, do CPC/2015.
2. O art. 523 do CPC/2015 estabelece que, "no caso de condenação em quantia certa, ou já
fixada em liquidação, e no caso de decisão sobre parcela incontroversa, o cumprimento
definitivo da sentença far-se-á a requerimento do exequente, sendo o executado intimado
para pagar o débito, no prazo de 15 (quinze) dias, acrescido de custas, se houver".
3. Conquanto o pagamento seja ato a ser praticado pela parte, a intimação para o
cumprimento voluntário da sentença ocorre, como regra, na pessoa do advogado constituído
nos autos (CPC/2015, art. 513, § 2º, I), fato que, inevitavelmente, acarreta um ônus ao
causídico, o qual deverá comunicar ao seu cliente não só o resultado desfavorável da
demanda, como também as próprias consequências jurídicas da ausência de cumprimento
da sentença no respectivo prazo legal.
3.1. Ademais, nos termos do art. 525 do CPC/2015, "transcorrido o prazo previsto no art. 523
sem o pagamento voluntário, inicia-se o prazo de 15 (quinze) dias para que o executado,
independentemente de penhora ou nova intimação, apresente, nos próprios autos, sua
impugnação". Assim, não seria razoável fazer a contagem dos primeiros 15 (quinze) dias para
o pagamento voluntário do débito em dias corridos, se considerar o prazo de natureza
material, e, após o transcurso desse prazo, contar os 15 (quinze) dias subsequentes, para a
apresentação da impugnação, em dias úteis, por se tratar de prazo processual.
3.2. Não se pode ignorar, ainda, que a intimação para o cumprimento de sentença,
independentemente de quem seja o destinatário, tem como finalidade a prática de um ato
processual, pois, além de estar previsto na própria legislação processual (CPC), também traz
consequências para o processo, caso não seja adimplido o débito no prazo legal, tais como a
incidência de multa, fixação de honorários advocatícios, possibilidade de penhora de bens e
valores, início do prazo para impugnação ao cumprimento de sentença, dentre outras. E,
sendo um ato processual, o respectivo prazo, por decorrência lógica, terá a mesma natureza
jurídica, o que faz incidir a norma do art. 219 do CPC/2015, que determina a contagem em
dias úteis.
4. Em análise do tema, a I Jornada de Direito Processual Civil do Conselho da Justiça Federal - CJF aprovou o Enunciado n. 89, de seguinte teor: "Conta-se em dias úteis o prazo do caput
do art. 523 do CPC".
5. Recurso especial provido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam
os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, dar
provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Moura Ribeiro (Presidente), Nancy Andrighi, Paulo de Tarso
Sanseverino e Ricardo Villas Bôas Cueva votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília, 25 de junho de 2019 (data do julgamento).
RELATÓRIO
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE:
Maria Stella de Brito Oliveira, José Eustáquio dos Anjos, Valmir Tarciso
Pizzutti, Renato Fernandes Tavares e Jucara Rodrigues Manzoni interpuseram agravo de
instrumento contra a decisão do Juízo de primeiro grau que, em processo em fase de
cumprimento de sentença, determinou, nos termos do art. 523 do CPC/2015, a intimação
dos executados para pagarem o débito no prazo de 15 (quinze) dias corridos, sob pena de
incidência de multa e honorários advocatícios.
O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro negou provimento ao recurso, em
acórdão assim ementado (e-STJ, fl. 61):
Execução de sentença. Prazo para cumprimento voluntário.
Divergência sobre a natureza do prazo de 15 dias estabelecido no art.
523, caput, do CPC-15. Precedentes deste Tribunal de Justiça
adotando a natureza material. Incidência da regra prevista no art. 219,
parágrafo único processual. Contagem contínua do prazo.
Interpretação doutrinária predominante. Observância à uniformidade
da jurisprudência. Decisão de primeiro grau que deu razoável
interpretação aos dispositivos legais. Agravo de instrumento
desprovido pelo relator. Decisão monocrática mantida. Agravo interno
desprovido.
Contra esse decisum, os recorrentes interpuseram o presente recurso
especial, alegando, em síntese, que a interpretação dada pela Corte local violou os arts.
219 e 523, caput, do Código de Processo Civil de 2015.
Sustentam que o prazo para cumprimento voluntário de sentença possui
natureza processual e, portanto, deve ser contado em dias úteis. Isso porque "os prazos
previstos em Lei, que não possuem natureza processual, são aqueles cuja contagem se
opera independentemente da existência de uma relação processual. No caso do prazo
previsto no art. 523 do CPC seus efeitos somente são produzidos se existir processo.
Fora do processo este prazo não tem a menor utilidade" (e-STJ, fl. 84).
Buscam, assim, o provimento do recurso especial para que seja reformado
o acórdão recorrido, reconhecendo-se que o prazo previsto no art. 523 do CPC/2015 é de natureza processual, logo, deve ser contado em dias úteis, nos termos do art. 219, caput, do CPC/2015.
É o relatório.
VOTO
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE (RELATOR):
A controvérsia debatida neste recurso especial consiste em saber se o
prazo para o cumprimento voluntário da obrigação, previsto no art. 523, caput, do Código
de Processo Civil de 2015, possui natureza processual ou material, a fim de estabelecer
se a sua contagem se dará, respectivamente, em dias úteis ou corridos, nos termos do
que dispõe o art. 219, caput e parágrafo único, do CPC/2015.
O Tribunal de origem, ao negar provimento ao agravo de instrumento das ora
recorrentes, assentou que o referido prazo deveria ser contado em dias corridos, por ter
natureza de direito material, aduzindo, para tanto, o seguinte:
8. O cerne da questão está em estabelecer se o prazo
previsto no art. 523, caput, do CPC-15 tem natureza processual ou
material. A importância dessa natureza está na forma da contagem
estabelecida pelo art. 219, caput e seu parágrafo único, do novo CPC.
9. Isso porque os prazos de natureza processual são
contados em dias úteis (caput), enquanto os de natureza material em
dias contínuos (parágrafo único do art. 219 do CPC-15).
10. Face à vigência recente do Lei Federal nº 13.105 (CPC-15),
o Superior Tribunal de Justiça ainda não se manifestou sobre a
questão.
11. Dessa forma, em nome da uniformização da jurisprudência,
aplicam-se os precedentes deste Tribunal de Justiça, cujo
entendimento dominante tem sido pela natureza material do prazo.
12. Nesse sentido, confiram-se os julgamentos dos agravos de
instrumento n.s 0040168-83.2016.8.19.0000 e 0043099-
59.2016.8.19.0000, cuja ementa deste último é aqui transcrita, verbi:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. DECISÃO AGRAVADA QUE, NA
FASE DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA, DETERMINOU A
INTIMAÇÃO DA DEVEDORA PARA PAGAR O DÉBITO NO
PRAZO DE 15 DIAS CORRIDOS, POR ENTENDER SE TRATAR
DE PRAZO DA PARTE, NÃO PROCESSUAL. - Analisando os autos, a questão gira em torno se o prazo de 15
dias da intimação do Executado para pagamento voluntário
previsto no art. 523 do CPC/15, e realizado na forma do art. 513,
§ 2º do CPC/15, é de natureza processual ou material. - Há divergência doutrinária sobre o tema, e, enquanto não
houver jurisprudência pacífica do STJ (via recurso repetitivo ou
mesmo súmula), os juízes devem indicar expressamente em suas
decisões se entendem que o prazo de pagamento é contado em
dias úteis (prazo processual) ou corridos (prazo material). - Na presente hipótese, o Magistrado indicou que o prazo é de
15 dias corridos, por entender se tratar de prazo da parte, não
processual. - Nota-se que o prazo do art. 523 do CPC/15 tem como
destinatária a parte, que é quem deve praticar o ato para
cumprimento da sentença (pagamento), em quinze dias. - Desse modo, o prazo para pagamento de quantia certa
em cumprimento definitivo de sentença tem natureza
material, devendo ser contado em dias corridos, conforme
disposto no parágrafo único do artigo 219 do CPC/15, que
excepciona a regra do caput do referido artigo. - Insta ressaltar
que, no caso, o juiz estabeleceu expressamente no decisum
recorrido o prazo de 15 dias corridos, ou seja, não houve
surpresa para a parte devedora. - Agindo dessa forma, o
Magistrado atuou como agente-colaborador do processo,
observando o princípio da cooperação ou colaboração (previsto
no artigo 6º do CPC/15), que dispõe, in verbis: - Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para
que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e
efetiva. - Precedente deste E. Tribunal de Justiça nesse sentido. - Ante o exposto, considerando-se tratar de um prazo material,
deve ser observado o disposto no parágrafo único do art. 219
do CPC/15, que excepciona o estabelecido no Caput, para que a
contagem se dê em dias corridos, de modo que deve ser
mantida a decisão agravada. RECURSO CONHECIDO E
DESPROVIDO. (grifei)
13. Tal interpretação é corroborada por Daniel Amorim Assunção (in
Manual de Direito Processual Civil – Volume Único. 8ª Edição – Salvador: Ed. JusPodivm, 2016. p. 1.124.). Confiram-se suas lições
sobre o art. 523, caput, verbi:
Apesar de existir corrente doutrinária que defende
tratar-se de um prazo processual (apud, Scarpinella
Bueno, Manual, p. 402), em meu entendimento o prazo é
material, porque o pagamento é ato a ser praticado pela
parte e não pelo advogado, não se tratando, portanto, de
ato postulatório. (grifei)
14. No mesmo sentido, são os ensinamentos de Guilherme Rizzo
Amaral (in Comentários às alterações do novo CPC. Ed. Ver,
atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
2016. p. 310), verbi:
Ressalte-se, por fim, que a regra de contagem de prazos apenas
em dias úteis aplica-se tão somente a prazos processuais. Isso significa que os prazos concedidos às partes para o
cumprimento de sentença ou decisões interlocutórias que
lhes imponham obrigações não contarão com o beneplácito
do art. 219, contando-se de forma corrida igualmente em
dias não úteis. (grifei)
15. Dessa forma, verifica-se que o magistrado de 1º grau deu razoável
interpretação ao art. 523, caput, c/c art. 219, p. único do CPC-15. Até
porque o julgador preveniu a parte do posicionamento adotado por
ele, deixando clara a contagem do prazo em dias contínuos.
Como visto, o fundamento central do acórdão recorrido é que o prazo do art.
523, caput, do CPC/2015 tem como destinatário a parte devedora, a quem compete
realizar ou não o cumprimento voluntário da sentença (pagamento), não se demandando,
em princípio, qualquer atividade técnica ou postulatória do advogado.
A ratio essendi desse entendimento consiste no fato de que o novo Código
de Processo Civil, ao inovar na ordem jurídica estabelecendo a contagem de prazos
processuais em dias úteis, teve como objetivo dar maior tranquilidade aos advogados,
possibilitando, por exemplo, que eles não tenham que trabalhar nos finais de semana,
feriados ou recessos. Logo, se o cumprimento de sentença não demanda efetivo trabalho
do causídico, pois o pagamento ou não é uma escolha apenas da parte devedora, não
haveria razão na contagem do respectivo prazo em dias úteis.
Não obstante os fundamentos declinados e a par da divergência doutrinária
sobre o tema, entendo que deve ser dada outra interpretação ao dispositivo legal em
análise.
Isso porque, embora o pagamento seja, de fato, ato a ser praticado pela
parte, não se pode olvidar que a intimação para o cumprimento voluntário da sentença, nos
termos do art. 523 do CPC/2015, ocorre, como regra, na pessoa do advogado
constituído nos autos.
É o que determina o art. 513, § 2º, inciso I, do CPC/2015, in verbis:
Art. 513. O cumprimento da sentença será feito segundo as regras
deste Título, observando-se, no que couber e conforme a natureza da
obrigação, o disposto no Livro II da Parte Especial deste Código.
§ 1º O cumprimento da sentença que reconhece o dever de pagar
quantia, provisório ou definitivo, far-se-á a requerimento do
exequente. § 2º O devedor será intimado para cumprir a sentença:
I - pelo Diário da Justiça, na pessoa de seu advogado
constituído nos autos;
II - por carta com aviso de recebimento, quando representado pela
Defensoria Pública ou quando não tiver procurador constituído nos
autos, ressalvada a hipótese do inciso IV;
III - por meio eletrônico, quando, no caso do § 1º do art. 246, não tiver
procurador constituído nos autos
IV - por edital, quando, citado na forma do art. 256, tiver sido revel na
fase de conhecimento.
Assim, considerando que a intimação para o cumprimento de sentença se
dá na pessoa do advogado constituído, e não da parte devedora, tal fato acarretará,
inevitavelmente, um ônus ao causídico, que deverá comunicar ao seu cliente não só o
resultado desfavorável da demanda, como também as próprias consequências jurídicas
da ausência de cumprimento voluntário da sentença, tais como a imposição de multa e
fixação de honorários advocatícios, dentre outras.
Vale destacar, ainda, que alguns Tribunais do país possuíam o entendimento
de que o prazo em dobro - seja em razão da atuação da Defensoria Pública, seja pela
existência de litisconsortes com diferentes procuradores - não se aplicava ao cumprimento
de sentença (CPC/2015, art. 523) exatamente pelo mesmo fundamento, isto é, como o ato
praticado (pagamento) é essencialmente dos devedores, não haveria razão para dobrar o
respectivo prazo legal.
Ocorre que esse entendimento foi rechaçado por esta Corte Superior, pelo
menos em duas oportunidades, justamente por entender que a intimação para o
cumprimento voluntário da sentença também gera um ônus ao advogado da parte, o que
justificaria o prazo em dobro.
Nesse sentido:
RECURSO ESPECIAL - CUMPRIMENTO DE SENTENÇA - DEVEDOR
REPRESENTADO POR DEFENSOR PÚBLICO - ADIMPLEMENTO
PARCIAL DA OBRIGAÇÃO DECORRIDOS DEZENOVE DIAS - APLICAÇÃO DA MULTA PREVISTA NO ARTIGO 475-J DO CPC/73 - TRIBUNAL A QUO QUE INDEFERIU A PRERROGATIVA DO ART. 5º,
§5º DA LEI 1.060/50 AO CASO - INSURGÊNCIA DO RÉU. Hipótese: Cinge-se a controvérsia a decidir se deve ser contado em
dobro o prazo para o cumprimento voluntário de sentença no caso de
réu assistido pela Defensoria Pública.
1. O adimplemento parcial da obrigação implica imposição da multa
prevista no 475-J do CPC/73 sobre o valor remanescente.
Precedentes. 2. A intimação para o cumprimento da sentença
gera ônus para o representante da parte vencida, que deverá
comunicá-la do desfecho desfavorável da demanda e alertá-la
de que a ausência de cumprimento voluntário implica
imposição de sanção processual.
3. Conforme a jurisprudência do STJ, a prerrogativa da contagem em
dobro dos prazos visa a compensar as peculiares condições
enfrentadas pelos profissionais que atuam nos serviços de assistência
judiciária do Estado, que "enfrentam deficiências de material, pessoal
e grande volume de processos" (REsp 1.106.213/SP, Rel. Min. Nancy
Andrighi. Terceira Turma. julgado em 25/10/2011)
4. Em caso análogo, no qual se discutia o cumprimento, pela parte, de
decisão judicial sobre purgação da mora, esta Corte superior decidiu
ser cabível a contagem em dobro dos prazos para parte assistida pela
Defensoria Pública. (REsp 249.788/RJ, Rel. Ministro FERNANDO
GONÇALVES, SEXTA TURMA, julgado em 22/08/2000, DJ 11/09/2000)
5. Na hipótese de parte beneficiária da assistência judiciária
integral e gratuita, a prerrogativa da contagem em dobro dos
prazos, prevista no artigo 5º, § 5º, da Lei 1.060/50, aplica-se
também ao lapso temporal previsto no art. 475-J do CPC/73,
correspondente ao art. 523 caput e § 1º do CPC/15, sendo,
portanto, tempestivo o cumprimento de sentença, ainda que
parcial, quando realizado em menos de 30 (trinta) dias.
6. Recurso provido para afastar a incidência da multa prevista no art.
475-J sobre a parcela da dívida depositada no prazo calculado
conforme a prerrogativa prevista no artigo 5º, § 5º da Lei 1.060/50.
(REsp n. 1.261.856/DF, Relator o Ministro Marco Buzzi, DJe de
26/11/2016 - sem grifo no original)
RECURSO ESPECIAL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. PRAZO PARA
PAGAMENTO VOLUNTÁRIO. CÔMPUTO EM DOBRO EM CASO DE
LITISCONSORTES COM PROCURADORES DISTINTOS.
1. O artigo 229 do CPC de 2015, aprimorando a norma disposta
no artigo 191 do código revogado, determina que, apenas nos
processos físicos, os litisconsortes que tiverem diferentes
procuradores, de escritórios de advocacia distintos, terão
prazos contados em dobro para todas as suas manifestações,
em qualquer juízo ou tribunal, independentemente de
requerimento.
2. A impossibilidade de acesso simultâneo aos autos físicos constitui a
ratio essendi do prazo diferenciado para litisconsortes com
procuradores distintos, tratando-se de norma processual que
consagra o direito fundamental do acesso à justiça.
3. Tal regra de cômputo em dobro deve incidir, inclusive, no
prazo de quinze dias úteis para o cumprimento voluntário da
sentença, previsto no artigo 523 do CPC de 2015, cuja natureza é dúplice: cuida-se de ato a ser praticado pela própria parte,
mas a fluência do lapso para pagamento inicia-se com a
intimação do advogado pela imprensa oficial (inciso I do § 2º do
artigo 513 do atual Codex), o que impõe ônus ao patrono, qual
seja o dever de comunicar o devedor do desfecho
desfavorável da demanda, alertando-o das consequências
jurídicas da ausência do cumprimento voluntário.
4. Assim, uma vez constatada a hipótese de incidência da
norma disposta no artigo 229 do Novo CPC (litisconsortes com
procuradores diferentes), o prazo comum para pagamento
espontâneo deverá ser computado em dobro, ou seja, trinta
dias úteis.
5. No caso dos autos, o cumprimento de sentença tramita em autos
físicos, revelando-se incontroverso que as sociedades empresárias
executadas são representadas por patronos de escritórios de
advocacia diversos, razão pela qual deveria ter sido computado em
dobro o prazo para o cumprimento voluntário da obrigação pecuniária
certificada na sentença transitada em julgado.
6. Ocorrido o pagamento tempestivo, porém parcial, da dívida
executada, incide, à espécie, o § 2º do artigo 523 do CPC de 2015,
devendo incidir a multa de dez por cento e os honorários advocatícios
(no mesmo percentual) tão somente sobre o valor remanescente a ser
pago por qualquer dos litisconsortes.
7. Recurso especial provido para, considerando tempestivo o depósito
judicial realizado a menor por um dos litisconsortes passivos,
determinar que a multa de dez por cento e os honorários advocatícios
incidam apenas sobre o valor remanescente a ser pago.
(REsp n. 1.693.784/DF, Relator o Ministro Luis Felipe Salomão, DJe
de 5/2/2018 - sem grifo no original)
Nesse último julgado, inclusive, não obstante a título de obiter dictum, a
Quarta Turma reconheceu que o prazo para o cumprimento de sentença, previsto no art.
523, caput, do CPC/2015, deveria ser contado em dias úteis, por se tratar de prazo
processual, em consonância com o entendimento aqui proposto.
Outro ponto que merece destaque é que, diferentemente da sistemática do
Código de Processo Civil de 1973, o novo diploma processual não condiciona mais a
impugnação ao cumprimento de sentença à prévia garantia do juízo, cujo prazo, agora,
inicia-se imediatamente após o transcurso do prazo para pagamento voluntário do débito.
Em resumo, após a intimação do devedor para o cumprimento de sentença,
nos termos do art. 523 do CPC/2015, abrem-se dois prazos sucessivos: i) 15 (quinze)
dias para pagamento voluntário do débito; e, na sequência, ii) mais 15 (quinze) dias para a
apresentação de impugnação ao cumprimento de sentença, independentemente de nova
intimação ou penhora.
É o que estabelece o art. 525, caput, do CPC/2015:
Art. 525. Transcorrido o prazo previsto no art. 523 sem o pagamento
voluntário, inicia-se o prazo de 15 (quinze) dias para que o executado,
independentemente de penhora ou nova intimação, apresente, nos
próprios autos, sua impugnação.
Nessa linha de entendimento, considerando que o prazo para impugnação
ao cumprimento de sentença é indiscutivelmente processual - logo, conta-se em dias úteis
-, não seria razoável entender que os primeiros 15 (quinze) dias para pagamento voluntário
do débito fossem contados em dias corridos, se considerarmos como prazo de natureza
material, e os 15 (quinze) dias subsequentes, para a apresentação da impugnação ao
cumprimento de sentença, fossem contados em dias úteis, por se tratar de prazo
processual.
Certamente não foi essa a intenção do legislador.
Ademais, independentemente de quem seja o destinatário do prazo previsto
no art. 523 do CPC/2015, se o devedor ou o advogado, bem como se há ou não a
necessidade de realização de ato técnico ou postulatório pelo patrono da parte, ainda
assim o respectivo prazo deve ser reconhecido como processual.
Com efeito, não se pode ignorar que a intimação para o cumprimento de
sentença tem como finalidade a prática de um ato processual, pois, além da norma
correlata estar prevista na própria legislação processual - CPC/2015 -, também trará
consequências para o processo, pois, caso não seja adimplido o débito no prazo legal,
haverá a incidência de multa, fixação de honorários advocatícios, possibilidade de penhora
de bens e valores, início do prazo para impugnação ao cumprimento de sentença, dentre
outras.
E, sendo um ato nitidamente processual, o respectivo prazo, por decorrência
lógica, terá a mesma natureza jurídica, o que faz incidir a norma do art. 219 do CPC/2015,
que determina a contagem em dias úteis.
Nesse sentido, é a precisa lição de Nelson Nery e Rosa Maria de Andrade
Nery, ao comentarem o referido art. 523 do CPC/2015:
4. Pagamento. Prazo em dias úteis. O prazo fixado no texto ora
comentado tem como destinatário a parte, que é quem deve praticar
ato para o cumprimento da sentença (pagamento) em quinze dias. Trata-se de prazo fixado em lei, como exige o CPC 219 caput para que
a contagem se dê em dias úteis. O segundo requisito legal para a
aplicação do critério de contagem somente em dias úteis é a
destinação da intimação: prática de ato processual, que é o que deve
ser praticado no, em razão do ou para o processo. Cumprimento da
sentença, portanto, é ato processual que deve ser praticado pela
parte. Incide a regra da contagem de prazo prevista no CPC 219 caput
e par. ún., de que os prazos previstos em lei ou designados pelo juiz
fixados em dias, correm apenas em dias úteis. (Código de Processo Civil comentado. 17 ed. São Paulo: Thomson
Reuters Brasil, 2018, p. 1.465 - sem grifo no original)
Da mesma forma, José Miguel Garcia Medina proclama que "o pagamento,
realizado em atenção ao art. 523 do CPC/2015, é ato processual, sendo de igual natureza
o prazo respectivo; logo, deve-se lhe aplicar o disposto no art. 219 do CPC/2015,
contando-se o prazo em dias úteis (Novo Código de Processo Civil comentado. 4 ed. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, p. 856 - sem grifo no original).
Humberto Theodoro Júnior também segue a corrente doutrinária que entende
que o prazo do art. 523 do CPC/2015 é processual, devendo ser contado em dias úteis, ao
esclarecer que:
Em regra, a intimação é feita na pessoa do advogado do executado,
que deve contatar seu cliente e informá-lo sobre o prazo em curso
para o pagamento (art. 513, § 2º, I). Ressalte-se que, segundo o novo
Código, na contagem dos prazos processuais em dias, deverão ser
computados apenas os dias úteis (art. 219). Essa é a regra geral, e
que, segundo o histórico de sua inserção no NCPC, veio privilegiar o
advogado, assegurando-lhe os dias úteis para a elaboração de suas
peças, recursos, etc.
Contudo, tratando-se de prazo para pagamento, existe
entendimento doutrinário em torno do art. 523 que o afasta da
aplicação da contagem em dias úteis, porque no cumprimento
da intimação executiva 'não há atividade preponderantemente
técnica ou postulatória a exigir a presença - indispensável - do
advogado'. Tal prazo dependeria, para os que assim pensam,
'quase que exclusivamente da vontade ou situação do próprio
executado'. Daí concluir Shimura que 'o prazo de 15 dias há de
fluir de modo ininterrupto, e não apenas nos dias úteis'. No
entanto, o prazo para impugnação ao cumprimento da sentença
(art. 523), referindo-se a ato processual do advogado, por sua
vez, terá de ser contado apenas em dias úteis, consoante a
regra geral já mencionada. Para Medina, no entanto, o prazo de pagamento, no
cumprimento da sentença, é sim prazo processual e, por isso,
não se enquadra na ressalva do parágrafo único do art. 219
(prazos não processuais), devendo seguir a regra geral da
contagem em dias úteis como determina o caput do mesmo
artigo. Assim, também, entende Araken de Assis. De fato,
parece-nos melhor esta última exegese, visto que o art. 219, ao
instituir a contagem em dias úteis, não restringiu o critério
legal aos prazos relativos apenas aos atos dos advogados, mas
aos 'prazos processuais', genericamente (parágrafo único do
art. 219). Ora, se o prazo de pagamento refere-se a um evento
típico do processo de execução, melhor mesmo é considerá-lo
'prazo processual', e não 'prazo extraprocessual', como, por
exemplo, seriam aqueles fixados em contrato.
(Curso de Direito Processual Civil, volume 3. 52 ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2019, p 120 - sem grifo no original)
Por fim, vale destacar que, em análise do tema, a I Jornada de Direito
Processual Civil do Conselho da Justiça Federal - CJF aprovou o Enunciado n. 89, cujo
teor ficou assim redigido:
Enunciado 89 - Conta-se em dias úteis o prazo do caput do art. 523
do CPC.
Por essas razões, dou provimento ao recurso especial para, reformando o
acórdão recorrido, reconhecer que o prazo previsto no art. 523, caput, do CPC/2015 é de
natureza processual, devendo, por isso, ser contado em dias úteis.
É o voto.