Fonte: Dizer o Direito
Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/07/info-699-stj.pdf
PROTEÇÃO CÍVEL - Demonstrado interesse jurídico e justificada a finalidade, é cabível a extração de cópias dos
autos da apuração de ato infracional, não se podendo utilizar os documentos obtidos para fins
diversos do que motivou o deferimento de acesso
O art. 143 do ECA estabelece, como regra geral, a vedação à divulgação de atos judiciais,
policiais e administrativos que digam respeito à apuração de atos infracionais. Esta
disposição, em primeiro juízo, obsta o acesso de terceiros aos referidos autos.
Todavia, a vedação contida no art. 143 não é absoluta, sendo mitigada, conforme se extrai do
art. 144 do ECA. Assim, presentes interesse e finalidade justificadas, deverá a autoridade
judiciária deferir a extração de cópias ou certidões dos atos do processo infracional.
No caso, a requerente comprovou seu interesse jurídico, pois é mãe da adolescente apontada
como infratora e foi vítima do ato infracional imputado à filha. Ademais, a requerente
apresentou finalidade justificada ao pleitear o seu acesso aos autos do processo de apuração
do ato infracional, consignando a utilidade dos documentos nele produzidos para servirem
como provas em ação de deserdação.
STJ. 6ª Turma. RMS 65.046-MS, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 01/06/2021 (Info 699).
Imagine a seguinte situação hipotética:
Regina foi vítima de ato infracional praticado por Beatriz (adolescente de 17 anos), que é sua filha.
O Ministério Público ajuizou ação socioeducativa (apuração de ato infracional) em face de Beatriz no Juízo
da Infância e Juventude.
Regina, assistida por advogado, pediu para extrair cópia integral dos autos do processo de apuração de
ato infracional. A requerente justificou seu pedido afirmando que irá ajuizar ação cível de deserdação
contra Beatriz e, para tanto, necessita dos documentos do processo para embasar o seu pedido.
O Juízo da Infância e Juventude negou o pedido afirmando que o art. 143 do ECA proíbe a divulgação de
atos judiciais, policiais e administrativos que digam respeito a crianças e adolescentes a que se atribua
autoria de ato infracional.
Agiu corretamente o magistrado?
NÃO. Vamos entender com calma.
Inicialmente, é importante ressaltar que, de fato, é vedada a divulgação de atos judiciais, policiais e
administrativos que digam respeito a crianças e adolescentes a quem se atribui autoria de ato infracional.
É o que prevê o art. 143 do ECA:
Art. 143. É vedada a divulgação de atos judiciais, policiais e administrativos que digam respeito a
crianças e adolescentes a que se atribua autoria de ato infracional.
Parágrafo único. Qualquer notícia a respeito do fato não poderá identificar a criança ou
adolescente, vedando-se fotografia, referência a nome, apelido, filiação, parentesco, residência e,
inclusive, iniciais do nome e sobrenome.
Essa vedação se encerra se o adolescente atingir a maioridade permanecendo em cumprimento de
medida socioeducativa?
NÃO. A vedação continua com seus efeitos em face do adolescente que atinge a maioridade e permanece
cumprindo medida socioeducativa, pois lhe é estendido o princípio da proteção integral. Nesse sentido:
“Essa vedação não se encerra se o adolescente atingir a maioridade e permanecer em
cumprimento de medida socioeducativa, pois lhe é estendida a prescrição legal em virtude do
Metaprincípio da Proteção Integral, mantendo-se, assim, hígida a tutela estatutária dos seus
direitos fundamentais, tal como o direito ao respeito” (SEABRA, Gustavo Cives. Manual de Direito
da Criança e do Adolescente. Belo Horizonte: CEI, 2021, p. 344).
A violação do art. 143 do ECA caracteriza dano moral?
SIM. Confira os seguintes julgados do STJ:
Tratando-se de matéria veiculada pela imprensa, a responsabilidade civil por danos morais exsurge
quando o texto publicado extrapola os limites da informação, evidenciando a intenção de injuriar, difamar
e caluniar terceiro (REsp 1390560/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA,
julgado em 03/10/2013, DJe 14/10/2013).
Caracterização automática do abuso do direito de informar na hipótese de publicação do nome e da
imagem de menor morto, atribuindo-lhe autoria de ato infracional, violando o princípio da proteção
integral da criança e adolescente, positivado nos artigos 143 e 247 do ECA.
STJ. 3ª Turma. AgRg no REsp 1354696/PR, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 23/10/2014.
A preservação da imagem e da intimidade dos menores, em tenra idade ou prestes a alcançar a
maturidade, é reflexo do comando constitucional da sua proteção integral, com absoluta prioridade em
assegurar seus direitos fundamentais (arts. 227, da CF/88, 4º do ECA).
Independente do grau da reprovabilidade da conduta do menor, o Ordenamento Jurídico veda a
divulgação de imagem de adolescentes a quem se atribua a autoria de ato infracional, de modo a preservar
a sensível e peculiar condição de pessoa em desenvolvimento.
STJ. 3ª Turma. REsp 1442083/ES, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 21/09/2017.
Existe alguma infração administrativa, caso não seja observado o art. 143 do ECA?
SIM. É a infração administrativa tipificada no art. 247 do ECA:
Art. 247. Divulgar, total ou parcialmente, sem autorização devida, por qualquer meio de
comunicação, nome, ato ou documento de procedimento policial, administrativo ou judicial
relativo a criança ou adolescente a que se atribua ato infracional:
Pena - multa de três a vinte salários de referência, aplicando-se o dobro em caso de reincidência. § 1º Incorre na mesma pena quem exibe, total ou parcialmente, fotografia de criança ou
adolescente envolvido em ato infracional, ou qualquer ilustração que lhe diga respeito ou se refira
a atos que lhe sejam atribuídos, de forma a permitir sua identificação, direta ou indiretamente.
§ 2º Se o fato for praticado por órgão de imprensa ou emissora de rádio ou televisão, além da
pena prevista neste artigo, a autoridade judiciária poderá determinar a apreensão da
publicação ou a suspensão da programação da emissora até por dois dias, bem como da
publicação do periódico até por dois números. (Expressão declarada inconstitucional pela ADIN
869).
A vedação contida no art. 143 do ECA é relativa ou absoluta?
É relativa. O art. 144 do ECA mitiga a vedação contida no art. 143:
Art. 144. A expedição de cópia ou certidão de atos a que se refere o artigo anterior somente será
deferida pela autoridade judiciária competente, se demonstrado o interesse e justificada a
finalidade.
Assim, demonstrado interesse jurídico e justificada a finalidade, é cabível a extração de cópias dos autos
de apuração de ato infracional.
No caso, a vítima do ato infracional comprovou seu interesse jurídico e apresentou finalidade justificada
ao pleitear o seu acesso aos autos do processo de apuração do ato infracional, consignando a utilidade
dos documentos nele produzidos para servirem como provas em ação de deserdação.
Em suma:
Demonstrado interesse jurídico e justificada a finalidade, é cabível a extração de cópias dos autos da
apuração de ato infracional, não se podendo, no entanto, utilizar os documentos obtidos para fins
diversos do que motivou o deferimento de acesso aos autos.
STJ. 6ª Turma. RMS 65.046-MS, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 01/06/2021 (Info 699).