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6 de junho de 2021

Não se admite a declaração de incapacidade absoluta às pessoas com enfermidade ou deficiência mental

Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/05/info-694-stj-1.pdf


PERSONALIDADE - Não se admite a declaração de incapacidade absoluta às pessoas com enfermidade ou deficiência mental 

Depois do Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015), que alterou os arts. 3º e 4º do Código Civil, não é mais possível declarar como absolutamente incapaz o maior de 16 anos que, em razão de enfermidade permanente, encontra-se inapto para gerir sua pessoa e administrar seus bens de modo voluntário e consciente. A Lei nº 13.146/2015 teve por objetivo assegurar e promover a inclusão social das pessoas com deficiência física ou psíquica e garantir o exercício de sua capacidade em igualdade de condições com as demais pessoas. A partir da entrada em vigor da referida lei, só podem ser considerados absolutamente incapazes os menores de 16 anos, ou seja, o critério passou a ser apenas etário, tendo sido eliminadas as hipóteses de deficiência mental ou intelectual anteriormente previstas no Código Civil. O instituto da curatela pode ser excepcionalmente aplicado às pessoas com deficiência, ainda que agora sejam consideradas relativamente capazes, devendo, contudo, ser proporcional às necessidades e às circunstâncias de cada caso concreto (art. 84, § 3º, da Lei nº 13.146/2015). STJ. 3ª Turma. REsp 1.927.423/SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 27/04/2021 (Info 694). 

Imagine a seguinte situação hipotética: 

Eduardo ajuizou ação objetivando a interdição de seu pai, João, alegando que ele está acometido de demência causada por doença de Alzheimer, de forma que estaria incapacitado para os atos da vida civil, devendo ser representado por terceiro. Na sentença, o juiz julgou o pedido procedente e decretou a curatela de João, declarando-o “absolutamente incapaz de exercer pessoalmente os atos da vida civil”. Em razão disso, o magistrado nomeou Eduardo como curador de João, nos termos do art. 1.775, § 1º do CC: 

Art. 1.775. O cônjuge ou companheiro, não separado judicialmente ou de fato, é, de direito, curador do outro, quando interdito. 1º Na falta do cônjuge ou companheiro, é curador legítimo o pai ou a mãe; na falta destes, o descendente que se demonstrar mais apto. (...) 

A Defensoria Pública, na qualidade de curador especial do interditando (art. 72 do CPC), interpôs apelação contra a sentença alegando que, atualmente, no ordenamento jurídico brasileiro, só existe a figura do absolutamente incapaz para o menor de 16 anos, não podendo ser assim considerada a pessoa que apresenta uma deficiência mental. Requereu, então, que João fosse considerado apenas relativamente incapaz. 

Obs.: não confundir o curador do interditando, que é nomeado ao final, caso a ação seja julgada procedente (art. 755, I, do CPC/2015), com o curador especial, que é designado logo no início da ação e unicamente para resguardar os interesses processuais do interditando. Apesar de o nome ser parecido, são figuras completamente diferentes. O curador à lide é um instituto processual, que só existe enquanto perdurar o processo. O curador do interditando é uma figura de direito material, que vai surgir caso a ação de interdição seja julgada procedente. 

O TJ/SP, no entanto, manteve a sentença, tendo sido interposto recurso especial. 

O que decidiu o STJ? O argumento do recorrente foi acolhido? SIM. 

Não é admitida, pelo ordenamento jurídico, a declaração de incapacidade absoluta às pessoas com enfermidade ou deficiência mental. STJ. 3ª Turma. REsp 1.927.423/SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 27/04/2021 (Info 694). 

A Lei nº 13.146/2015, que entrou em vigor em 03/01/2016, instituiu o Estatuto da Pessoa com Deficiência. Esse diploma teve por objetivo assegurar e promover a inclusão social das pessoas com deficiência física ou psíquica e garantir o exercício de sua capacidade em igualdade de condições com as demais pessoas. O art. 2º da Lei afirma que a pessoa com deficiência é aquela que tem impedimento de longo prazo, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial. A referida lei prevê, ainda, em seu art. 6º, que a pessoa com deficiência não deve ser mais tecnicamente considerada civilmente incapaz, uma vez que a deficiência não afeta a plena capacidade civil: 

Art. 6º A deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa, inclusive para: I - casar-se e constituir união estável; II - exercer direitos sexuais e reprodutivos; III - exercer o direito de decidir sobre o número de filhos e de ter acesso a informações adequadas sobre reprodução e planejamento familiar; IV - conservar sua fertilidade, sendo vedada a esterilização compulsória; V - exercer o direito à família e à convivência familiar e comunitária; e VI - exercer o direito à guarda, à tutela, à curatela e à adoção, como adotante ou adotando, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas. 

Absolutamente incapazes 

As pessoas que são previstas como absolutamente incapazes não podem praticar pessoalmente os atos da vida civil, sob pena de nulidade absoluta (art. 166, I, do CC). Elas precisam ser representadas por uma outra pessoa que tenha capacidade civil plena. Ex: se um garoto de 5 anos irá propor ação de alimentos, precisará ser representado por sua mãe porque ele é absolutamente incapaz. O Código Civil de 2002, em sua redação originária, previu o rol dos absolutamente incapazes no seu art. 3º. Ocorre que o Estatuto da Pessoa com Deficiência alterou profundamente esse dispositivo. Comparemos: 

CÓDIGO CIVIL 

Redação originária 

Art. 3º São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil: 

I - os menores de dezesseis anos; 

II - os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos; 

III - os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade.


Redação dada pela Lei 13.146/2015 

Art. 3º São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil os menores de 16 (dezesseis) anos. 

Antigo inciso I: foi incorporado ao caput. 

Antigo inciso II: foi revogado. Agora são, em regra, plenamente capazes. 

Antigo inciso III: passou a ser considerado como relativamente incapaz. 

Dessa forma, a partir da entrada em vigor da Lei nº 13.146/2015, que ratifica a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, somente são consideradas absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil os menores de 16 (dezesseis) anos. Em face disso, não é mais possível, portanto, inserir as pessoas com enfermidade ou deficiência mental no rol dos absolutamente incapazes. Por conseguinte, ao excluir os deficientes do rol de pessoas absolutamente incapazes, o Estatuto lhes assegurou o direito ao exercício da capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas. 

Curatela é medida protetiva extraordinária 

Sob essa perspectiva, o art. 84, § 3º, da Lei nº 13.146/2015 estabelece que o instituto da curatela da pessoa com deficiência constitui medida protetiva extraordinária, proporcional às necessidades e às circunstâncias de cada caso, e durará o menor tempo possível: 

Art. 84 (...) § 3º A definição de curatela de pessoa com deficiência constitui medida protetiva extraordinária, proporcional às necessidades e às circunstâncias de cada caso, e durará o menor tempo possível. 

Outrossim, o art. 85 dispõe que a curatela afetará tão somente os atos relacionados aos direitos de natureza patrimonial e negocial, não abrangendo todos os atos da vida civil: 

Art. 85. A curatela afetará tão somente os atos relacionados aos direitos de natureza patrimonial e negocial. § 1º A definição da curatela não alcança o direito ao próprio corpo, à sexualidade, ao matrimônio, à privacidade, à educação, à saúde, ao trabalho e ao voto. § 2º A curatela constitui medida extraordinária, devendo constar da sentença as razões e motivações de sua definição, preservados os interesses do curatelado. § 3º No caso de pessoa em situação de institucionalização, ao nomear curador, o juiz deve dar preferência a pessoa que tenha vínculo de natureza familiar, afetiva ou comunitária com o curatelado. 

Observação: os arts. 84 e 85 da Lei nº 13.146/2015 são muito cobrados em provas: 

 (Juiz TJ/SC 2017 FCC) A curatela de pessoa com deficiência é medida protetiva extraordinária e definitiva. (errado) 

 (Juiz TJ/SC 2017 FCC) A curatela de pessoa com deficiência afetará tão-somente os atos relacionados aos direitos de natureza patrimonial e negocial, não alcançando o direito ao trabalho, nem ao voto. (certo) 

 (Juiz TJ/SP 2018 VUNESP) A curatela afetará tão somente os atos relacionados aos direitos de natureza patrimonial e negocial, não alcançando o direito ao voto, ao matrimônio e à sexualidade. (certo) 

 (Juiz TJ/SP 2018 VUNESP) A curatela de pessoa com deficiência é medida protetiva extraordinária que afetará somente os atos relacionados aos direitos de natureza patrimonial e negocial indicados na sentença. (certo) 

Relativamente incapazes 

Os relativamente incapazes não podem, em regra, praticar os atos da vida civil sozinhos. Para que o relativamente incapaz possa praticar um ato da vida civil, ele precisará, em regra, estar assistido por uma outra pessoa plenamente capaz. Ex: se um garoto de 16 anos irá propor ação de alimentos, precisará ser assistido por sua mãe porque ele é relativamente incapaz. O ato praticado pelo relativamente incapaz sem que ele tenha tido assistência é considerado anulável (art. 171, I, do CC). 

Obs: foi dito que o relativamente incapaz precisa, em regra, ser assistido porque a lei prevê alguns atos que ele poderá praticar pessoalmente e sem assistência. Ex: fazer testamento, aceitar mandato, votar e casar (precisa de autorização), ser mandatário, ser testemunha. O Código Civil de 2002, em sua redação originária, previu o rol dos relativamente incapazes no seu art. 4º. Ocorre que o Estatuto da Pessoa com Deficiência alterou profundamente esse dispositivo. Comparemos: 

CÓDIGO CIVIL 

Redação originária 

Art. 4º São incapazes, relativamente a certos atos, ou à maneira de os exercer: I - os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos; II - os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido; III - os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo; IV - os pródigos. Parágrafo único. A capacidade dos índios será regulada por legislação especial. 

Redação dada pela Lei 13.146/2015 

Art. 4º São incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer: I - os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos; II - os ébrios habituais e os viciados em tóxico; III - aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade; IV - os pródigos. Parágrafo único. A capacidade dos indígenas será regulada por legislação especial. 

Voltando ao caso concreto: 

No caso concreto, o laudo pericial psiquiátrico afirmou que João está impossibilitado de gerir e administrar seus bens e interesses. Afirmou, ainda, que o quadro é irreversível. O STJ deu provimento ao recurso especial para declarar a incapacidade RELATIVA de João, nos termos do art. 4º, III, do Código Civil: 

Art. 4º São incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer: (...) III - aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade;



11 de maio de 2021

Presença dos pais dispensa autorização judicial em contrato de gestão de carreira de atleta relativamente incapaz

 A autorização judicial não é indispensável para a validade do contrato de gestão de carreira firmado com atletas profissionais relativamente incapazes (maiores de 16 e menores de 18 anos), desde que eles estejam acompanhados dos pais ou do responsável legal no momento da assinatura.

O entendimento foi firmado pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao reformar acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que, com base no artigo 1.691 do Código Civil, considerou nulos os contratos de gestão de carreira firmados por empresas de marketing com um jogador de futebol relativamente incapaz. 

Na ação que deu origem ao recurso, as empresas buscaram receber valores relativos à sua atuação conjunta na carreira do atleta. Segundo elas, o contrato previa que o jogador lhes pagasse percentuais sobre as verbas recebidas a título de salários, bonificações e atividades publicitárias.

Os pedidos foram julgados procedentes em primeiro grau, mas a sentença foi reformada pelo TJSP sob o fundamento de que o atleta, com 17 anos na época da assinatura dos contratos, não poderia contrair obrigações sem autorização judicial. Para o tribunal, nesses casos, não seria suficiente a assistência prestada ao jogador pela família.

Emancipação

O relator do recurso das empresas, ministro Marco Aurélio Bellizze, lembrou que o Código Civil, em seu artigo 5º, prevê a possibilidade de emancipação para a aquisição da capacidade civil plena, sendo uma das hipóteses para tanto a constituição de estabelecimento civil ou comercial, ou a existência de relação de emprego – desde que, em função dessas atividades, o menor com 16 anos ou mais tenha economia própria (inciso V).

"Partindo dessas premissas, constata-se que, preenchidos tais pressupostos de ordem estritamente objetiva, opera-se automaticamente a emancipação legal, não se cogitando de nenhum aspecto subjetivo para se implementar a antecipação da capacidade de fato", afirmou o ministro.

Por esse motivo, o magistrado apontou que o entendimento do TJSP, segundo o qual seria necessária a autorização judicial no caso dos autos, está em descompasso com a legislação civil, pois criou requisito que o próprio código não estabeleceu.

Contrato e salário

Além disso, o ministro Bellizze destacou que, de acordo com as informações dos autos, no momento da assinatura dos contratos de gestão de carreira, o atleta já tinha sido contratado como jogador profissional de um clube de futebol e recebia salário – o que caracteriza, portanto, o requisito de economia própria exigido pelo Código Civil.

Em relação ao artigo 1.691 do código, o relator destacou que a nulidade da contratação de obrigações em nome do menor só poderia ser pleiteada pelo próprio menor, por herdeiros ou pelo representante legal. Assim, apontou, não há a possibilidade de decretação da nulidade, de ofício, pelo julgador, como feito pelo TJSP.

Ainda sobre o dispositivo legal, o magistrado ressaltou que a autorização judicial tem o objetivo de proteger os bens da pessoa incapaz. No entanto, se o menor for emancipado – seja qual for a espécie de emancipação –, a administração dos bens é entregue a ele próprio.

Em seu voto, Marco Aurélio Bellizze também lembrou que, embora o artigo 27-C, inciso VI, da Lei Pelé tenha sido incluído pela Lei 12.395/2011 após a assinatura dos contratos em discussão, que se deu em 2010, a sua eventual aplicação ao caso não acarretaria a nulidade dos contratos de gerenciamento de carreira, por se tratar de atleta profissional (menor) devidamente assistido, ao passo que seriam nulos se pactuados por atleta, com idade inferior a 18 anos, em formação.

Com o provimento parcial do recurso das empresas, a Terceira Turma determinou o retorno dos autos ao TJSP, para que o tribunal prossiga na análise das demais questões dis​cutidas na apelação.

Leia o acórdão

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 1872102