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19 de agosto de 2021

Filigrana doutrinária: Luis Roberto Barroso - Inconstitucionalidade Material , nulidade e efeito "ex tunc" / retroativo

"A lógica do raciocínio é irrefutável. Se a Constituição é a lei suprema, admitir a aplicação de uma lei com ela incompatível é violar sua supremacia. Se uma lei inconstitucional puder reger dada situação e produzir efeitos regulares e válidos, isso representaria a negativa de vigência da Constituição naquele mesmo período, em relação àquela matéria. A teoria constitucional não poderia conviver com essa contradição sem sacrificar o postulado sobre o qual se assenta. Daí por que a inconstitucionalidade deve ser tida como uma forma de nulidade, conceito que denuncia o vício de origem e a impossibilidade de convalidação do ato. Corolário natural da teoria da nulidade é que a decisão que reconhece a inconstitucionalidade tem caráter declaratório – e não constitutivo – limitando-se a reconhecer uma situação preexistente. Como consequência, seus efeitos se produzem retroativamente, colhendo a lei desde o momento de sua entrada no mundo jurídico. Disso resulta que, como regra, não serão admitidos efeitos válidos à lei inconstitucional, devendo todas as relações jurídicas constituídas com base nela voltar ao status quo ante". 


BARROSO, Luís Roberto. Controle de constitucionalidade no direito brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 16. 

10 de abril de 2021

HC 641.877: Validade de citação via WhatsApp

HABEAS CORPUS Nº 641.877 - DF (2021/0024612-7) 

RELATOR : MINISTRO RIBEIRO DANTAS


PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO. INADEQUAÇÃO. CITAÇÃO VIA WHATSAPP. NULIDADE. PRINCÍPIO DA NECESSIDADE. INADEQUAÇÃO FORMAL E MATERIAL. PAS DE NULlITÉ SANS GRIEF. AFERIÇÃO DA AUTENTICIDADE. CAUTELAS NECESSÁRIAS. NÃO VERIFICAÇÃO NO CASO CONCRETO. WRIT NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. 

1. Esta Corte - HC 535.063/SP, Terceira Seção, Rel. Ministro Sebastião Reis Junior, julgado em 10/6/2020 - e o Supremo Tribunal Federal - AgRg no HC 180.365, Primeira Turma, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 27/3/2020; AgR no HC 147.210, Segunda Turma, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 30/10/2018 -, pacificaram orientação no sentido de que não cabe habeas corpus substitutivo do recurso legalmente previsto para a hipótese, impondo-se o não conhecimento da impetração, salvo quando constatada a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado. 

2. A citação do acusado revela-se um dos atos mais importantes do processo. É por meio dela que o indivíduo toma conhecimento dos fatos que o Estado, por meio do jus puniendi lhe direciona e, assim, passa a poder demonstrar os seus contra-argumentos à versão acusatória (contraditório, ampla defesa e devido processo legal). 

3. No Processo Penal, diversamente do que ocorre na seara Processual Civil, não se pode prescindir do processo para se concretizar o direito substantivo. É o processo que legitima a pena. 

4. Assim, em um primeiro momento, vários óbices impediriam a citação via Whatsapp, seja de ordem formal, haja vista a competência privativa da União para legislar sobre processo (art. 22, I, da CF), ou de ordem material, em razão da ausência de previsão legal e possível malferimento de princípios caros como o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa. 

5. De todo modo, imperioso lembrar que "sem ofensa ao sentido teleológico da norma não haverá prejuízo e, por isso, o reconhecimento da nulidade nessa hipótese constituiria consagração de um formalismo exagerado e inútil" (GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antonio Magalhães; FERNANDES, Antonio Scarance. As nulidades no processo penal. 11. ed. São Paulo: RT, 2011, p. 27). Aqui se verifica, portanto, a ausência de nulidade sem demonstração de prejuízo ou, em outros termos, princípio pas nullité sans grief. 

6. Abstratamente, é possível imaginar-se a utilização do Whatsapp para fins de citação na esfera penal, com base no princípio pas nullité sans grief. De todo modo, para tanto, imperiosa a adoção de todos os cuidados possíveis para se comprovar a autenticidade não apenas do número telefônico com que o oficial de justiça realiza a conversa, mas também a identidade do destinatário das mensagens. 

7. Como cediço, a tecnologia em questão permite a troca de arquivos de texto e de imagens, o que possibilita ao oficial de justiça, com quase igual precisão da verificação pessoal, aferir a autenticidade da conversa. É possível imaginar-se, por exemplo, a exigência pelo agente público do envio de foto do documento de identificação do acusado, de um termo de ciência do ato citatório assinado de próprio punho, quando o oficial possuir algum documento do citando para poder comparar as assinaturas, ou qualquer outra medida que torne inconteste tratar-se de conversa travada com o verdadeiro denunciado. De outro lado, a mera confirmação escrita da identidade pelo citando não nos parece suficiente. 

8. Necessário distinguir, porém, essa situação daquela em que, além da escrita pelo citando, há no aplicativo foto individual dele. Nesse caso, ante a mitigação dos riscos, diante da concorrência de três elementos indutivos da autenticidade do destinatário, número de telefone, confirmação escrita e foto individual, entendo possível presumir-se que a citação se deu de maneira válida, ressalvado o direito do citando de, posteriormente, comprovar eventual nulidade, seja com registro de ocorrência de furto, roubo ou perda do celular na época da citação, com contrato de permuta, com testemunhas ou qualquer outro meio válido que autorize concluir de forma assertiva não ter havido citação válida. 

9. Habeas corpus não conhecido, mas ordem concedida de ofício para anular a citação via Whatsapp, porque sem nenhum comprovante quanto à autenticidade da identidade do citando, ressaltando, porém, a possibilidade de o comparecimento do acusado suprir o vício, bem como a possibilidade de se usar a referida tecnologia, desde que, com a adoção de medidas suficientes para atestar a identidade do indivíduo com quem se travou a conversa. 

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, não conhecer do pedido e conceder "Habeas Corpus" de ofício, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Joel Ilan Paciornik, Felix Fischer, João Otávio de Noronha e Reynaldo Soares da Fonseca votaram com o Sr. Ministro Relator. 

Brasília (DF), 09 de março de 2021 (data do julgamento)


RELATÓRIO 

O EXMO. SR. MINISTRO RIBEIRO DANTAS (Relator): Trata-se de habeas corpus substitutivo, com pedido liminar, impetrado em favor de MAURO DE JESUS GOMES DOS SANTOS, apontando como autoridade coatora o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. 

O acórdão supostamente violador do direito de ir e vir do paciente restou assim ementado: 

"HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. VIAS DE FATO. CITAÇÃO POR MEIO ELETRÔNICO. CIÊNCIA PELO PACIENTE DA ACUSAÇÃO QUE RECAI CONTRA SI. ALEGAÇÃO DE NULIDADE. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO AO CONTRADITÓRIO E À AMPLA DEFESA. COAÇÃO ILEGAL. INOCORRÊNCIA. ORDEM DENEGADA. 

1. Diante da Covid-19, a citação eletrônica por Whatsapp deixa de ser suscitada por uma questão de modernização da Justiça e passa a ser necessária por uma questão de segurança e integridade física do ser humano, ambos direitos fundamentais previstos no artigo 5º da CF/88. 

2. A ciência do teor da denúncia é inequívoca, consoante demonstra a troca de mensagens entre o denunciado e a oficial de justiça pelo aplicativo Whatsapp, ocasião em que o paciente inclusive manifestou interesse em ser representado pela Defensoria Pública. 

3. Conforme dispõe o artigo 563 do CPP, “nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa”. No caso concreto, nota-se que não houve prejuízo processual objetivamente demonstrado que importe em nulidade do ato de citação, uma vez que os elementos necessários para o conhecimento da denúncia foram devidamente encaminhados ao denunciado e não há dúvidas quanto à ciência, pelo acusado, do ato da citação e do teor da acusação. 

4. Habeas Corpus admitido e ordem denegada." (e-STJ, fl. 159). 

Irresignada, a defesa impetra o presente writ alegando a nulidade da citação por telefone, via WhatsApp. 

Nesse sentido, afirma, incialmente, ser a citação um dos mais importantes atos atos de comunicação processual. Adverte que a legislação que dispõe sobre a informatização do processo judicial (Lei n.º 11.419/06) veda expressamente, sem qualquer ressalva, a realização de citações por meio eletrônico em processo criminal, no seu art. 6º. E, nestes termos, conclui que a portaria que autorizou esse método citatório (Portaria GC nº 155/2020) é incompatível com o processo criminal. 

Explica não existir qualquer diligência no sentido de confirmar os dados pessoais do citando, nem tampouco qualquer documento escrito no qual se possa verificar a resposta dele ao oficial de justiça:

"Ainda, sequer existe nas diligências de ID 76314845 qualquer informação acerca de ter-se procedida a confirmação de dados pessoais, na verdade sequer existe no documento resposta escrita do paciente sobre a ciência do processo, ou seja, não há como aferir a resposta deste tendo em vista que o conteúdo da sua resposta inexiste no processo. Ora, Excelências?, uma vez não praticado o ato em conformidade com a lei, caberia, no mínimo, a demonstração inequívoca nos autos do cumprimento do mandado?, sob pena do não conhecimento do acusado sobre os fatos a ele imputado." (e-STJ, fl. 8). 

Requer, liminarmente, a suspensão do processo. 

E, no mérito, a anulação do ato citatório, determinando-se a feitura de nova comunicação. 

A liminar foi indeferida. 

O Ministério Público Federal ofertou parecer pelo não conhecimento do remédio constitucional ou pela denegação. 

É o relatório.


VOTO 

O EXMO. SR. MINISTRO RIBEIRO DANTAS (Relator): Esta Corte - HC 535.063/SP, Terceira Seção, Rel. Ministro Sebastião Reis Junior, julgado em 10/6/2020 - e o Supremo Tribunal Federal - AgRg no HC 180.365, Primeira Turma, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 27/3/2020; AgR no HC 147.210, Segunda Turma, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 30/10/2018 -, pacificaram orientação no sentido de que não cabe habeas corpus substitutivo do recurso legalmente previsto para a hipótese, impondo-se o não conhecimento da impetração, salvo quando constatada a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado. 

Assim, passo à análise das razões da impetração, de forma a verificar a ocorrência de flagrante ilegalidade a justificar a concessão do habeas corpus, de ofício. 

Inicialmente, destaque-se que o tema dos autos é bastante novo e motivado em grande medida pelo estado atual de coisas, notadamente pelas restrições de locomoção impostas pela pandemia da Covid-19. Nesta Corte, foi possível encontrar os seguintes habeas corpus com tema semelhante: HC 633.317/DF; HC 644.629/RJ; HC 644.544/DF; e HC 644.543/DF. Assim, diante da potencialidade de futuras nulidades em cascata, decidi submeter o tema a este colendo Colegiado. 

De fato, a citação do acusado revela-se um dos atos mais importantes do processo. É por meio dela que o indivíduo toma conhecimento dos fatos que o Estado, por meio do jus puniendi lhe direciona e, assim, passa a poder demonstrar os seus contra-argumentos à versão acusatória estatal. Aperfeiçoa-se, assim, a relação jurídico-processual penal ensejadora do contraditório e da ampla defesa, por meio do devido processo legal (art. 5º, LIV e LV, da CF). 

É essa versão estatal devidamente contraditada pelo acusado que torna possível, eventualmente, impor-se pena ao indivíduo (Princípio da necessidade). Diversamente do que se verifica na seara Processual Civil, em que se pode prescindir do Direito adjetivo para se concretizar determinado direito substantivo, no processo penal, o processo penal, para que se possa falar em pena, é indelével. 

Nas precisas palavras de Aury Lopes Júnior, podemos dizer que: 

"Existe uma íntima relação e interação entre a história das penas e o nascimento do processo penal, na medida em que o processo penal é um caminho necessário para alcançar-se a pena e, principalmente, um caminho que condiciona o exercício do poder de penar (essência do poder punitivo) à estrita observância de uma série de regras que compõe o devido processo penal (ou, se preferirem, são as regras do jogo, se pensarmos no célebre trabalho Il processo come giuoco de CALAMANDREI). Esse é o núcleo conceitual do 'Princípio da Necessidade'." (LOPES JR., Aury. Direito processual penal, 15ª ed., São Paulo: Saraiva, 2018. p. 22; grifou-se). 

Veja-se que a citação produz vários efeitos no processo penal. Após ser citado, o réu que deixar de comparecer sem motivo justificado para qualquer ato ou mudar-se sem comunicar o novo endereço ao juízo sofrerá o efeito processual da revelia, não sendo mais intimados dos demais atos processuais (art. 367 do CPP). Note-se que o ato citatório é tão importante que o acusado citado por edital (citação ficta) tem a seu favor, desde que não constitua advogado, a suspensão do processo (o prazo prescricional, nessa hipótese, também é suspenso), de modo que a persecução penal só continue quando ele, ciente da acusação, possa exercer a sua defesa. 

Com efeito, não se pode prescindir, de maneira alguma, da autêntica, regular e comprovada citação do acusado, sob pena de se infringir a regra mais básica do processo penal, qual seja a da observância ao princípio do contraditório. Como explica Eugênio Pacelli, "O contraditório, ... junto ao princípio da ampla defesa, institui-se como a pedra fundamental ... do processo penal. E assim é porque, como cláusula de garantia instituída para a proteção do cidadão diante do aparato persecutório penal, encontra-se solidamente encastelado no interesse público da realização de um processo justo e equitativo, único caminho para a imposição da sanção de natureza penal." (PACELLI, Eugênio. Curso de Processo Penal. 24ª ed. São Paulo: Atlas, 2020, p. 76). 

Note-se, portanto, que, a princípio, vários óbices impediriam a citação via Whatsapp, seja de ordem formal, haja vista a competência privativa da União para legislar sobre processo (art. 22, I, da CF), ou de ordem material, em razão da ausência de previsão legal e possível malferimento de princípios como o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa. 

De todo modo, saliente-se que, apesar de a infringência à norma constitucional com conteúdo de garantia acarretar como sanção a nulidade absoluta, a doutrina corretamente indica ser "preciso examinar, caso a caso, se o vício ou ausência do ato processual defensivo prejudica a ampla defesa como um todo, ou se não têm eles esse alcance" (GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antonio Magalhães; FERNANDES, Antonio Scarance. As nulidades no processo penal. 11. ed. São Paulo: RT, 2011, p. 75). Nessa obra, encontra-se a seguinte explanação: 

"Com a evolução dos estudos em torno do procedimento, motivados pela ideia de que ele constitui um dos elementos essenciais da relação jurídica processual, caminha-se para o exame da invalidade não mais com base apenas na atipicidade do ato, visto isoladamente, mas em face de sua função dentro do procedimento, realidade unitária de formação sucessiva." (Ob. cit., p. 22) 

Com isso, é lícito assinalar que "sem ofensa ao sentido teleológico da norma não haverá prejuízo e, por isso, o reconhecimento da nulidade nessa hipótese constituiria consagração de um formalismo exagerado e inútil" (GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antonio Magalhães; FERNANDES, Antonio Scarance. Ibidem, p. 27). Aqui se verifica, portanto, a ausência de nulidade sem demonstração de prejuízo ou, em outros termos, princípio pas nullité sans grief. 

Nessa senda, registre-se não ser adequado fechar-se os olhos para a realidade. Excluir peremptória e abstratamente a possibilidade de utilização do Whatsapp para fins da prática de atos de comunicação processuais penais, como a citação e a intimação, não se revelaria uma postura comedida. Não se trata de autorizar a confecção de normas processuais por tribunais, mas sim o reconhecimento, em abstrato, de situações que, com os devidos cuidados, afastariam, ao menos, a princípio, possíveis prejuízos ensejadores de futuras anulações. Isso porque a tecnologia em questão permite a troca de arquivos de texto e de imagens, o que possibilita ao oficial de justiça, com quase igual precisão da verificação pessoal, aferir a autenticidade do número telefônico, bem como da identidade do destinatário para o qual as mensagens são enviadas. 

É possível, assim, imaginar-se, por exemplo, que, após o agente público comunicar sua qualidade e a sua pretensão citatória, requeira a emissão, via Whatsapp, de arquivo com a foto de documento de identificação do acusado, um termo de ciência do ato citatório assinado de próprio punho, quando o oficial eventualmente possuir algum documento do citando para comparar as assinaturas, ou qualquer outra medida que torne inconteste tratar-se de conversa travada com o verdadeiro denunciado.

Destaque-se, aqui, que a mera confirmação escrita da identidade pelo citando não nos parece suficiente para a finalidade de tornar o acusado ciente da imputação, especialmente quando não houver foto individual do citando no aplicativo que permita identificá-lo. 

Necessário distinguir, porém, essa situação daquela em que, além da escrita pelo citando, há no aplicativo foto individualizada dele. Nesse caso, ante a mitigação dos riscos, diante da concorrência de três elementos indutivos da autenticidade do destinatário, número de telefone, confirmação escrita e foto individual, entendo possível presumir-se que a citação se deu de maneira válida, ressalvado o direito do citando de, posteriormente, comprovar eventual nulidade, seja com registro de ocorrência de furto, roubo ou perda do celular na época da citação, com contrato de permuta da linha telefônica, com testemunhas ou qualquer outro meio válido que autorize concluir de forma assertiva não ter havido citação válida. 

No caso concreto, às fl. 93 e 94 (e-STJ), é possível observar a certidão de intimação via Whatsapp, bem como imagem da conversa travada entre oficial de justiça e acusado. Na conversa, verifica-se que o citando não possui foto que diminuiria os riscos de uma citação inválida. Além disso, apesar de poder constatar o envio de documentos ao citando, este não encaminha nenhuma prova de sua identidade. 

Note-se que as instâncias de origem consideraram inequívoca a ciência do teor da denúncia: 

"No caso dos autos, observa-se que a ciência do teor da denúncia é inequívoca, consoante demonstra a troca de mensagens entre o denunciado e a Oficiala de Justiça (ID: Num. 21761937 - Pág. 70). Ademais, nos termos da certidão de ID: Num. 21761937 - Pág. 69, a Oficiala de Justiça, que goza de fé pública, informou "Certifico e dou fé que, em cumprimento ao r. mandado, no dia 03.11.2020, às 16h30, PROCEDI A CITAÇÃO E INTIMAÇÃO (por meio do whatsapp -99559-4281) DE MAURO DE JESUS GOMES DOS SANTOS CPF nº 035.282.441-78, e diante da concordância do intimando, encaminhei contrafé para o seu whatsapp. (cópia anexa). Certifico que após o recebimento do mandado, o intimando informou estar ciente e informou ainda que não tem condições de pagar advogado particular e deseja ter a sua defesa realizada pela assistência judiciária gratuita"." (e-STJ, fl. 126; grifou-se). 

Apesar disso, diante da ausência de dado concreto que autorize deduzir tratar-se efetivamente do citando, não se pode aferir com certeza que o indivíduo com quem se travou o diálogo via Whatsapp era efetivamente o acusado. Destaque-se que a presunção de fé pública não se revela suficiente para o ato. Por isso, na hipótese, imperiosa a decretação da nulidade. 

Porém, se, eventualmente, in concreto, o indivíduo compareça em juízo, mesmo sem qualquer cautela adotada pelo oficial de justiça, o vício estará sanado, pois atendida a finalidade do ato (cientificar o acusado sobre a imputação). 

Ante o exposto, não conheço do habeas corpus, mas concedo a ordem de ofício, para anular a citação via Whatsapp, porque, in casu, foi feita sem nenhum comprovante quanto à autenticidade da identidade do citando, ressaltando, porém, a possibilidade do uso da referida tecnologia, desde que, com a adoção de medidas suficientes para atestar a identidade do indivíduo com quem se travou a conversa. 

É o voto