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3 de setembro de 2021

VALORES DECORRENTES DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. DEPÓSITO EM CONTA SALÁRIO. NATUREZA SALARIAL NÃO CONFIGURADA. IMPENHORABILIDADE AFASTADA

RECURSO ESPECIAL Nº 1931432 - DF (2020/0235304-6) 

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI 

EMENTA RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL. VIOLAÇÃO DE DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL. NÃO CABIMENTO. VALORES DECORRENTES DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. DEPÓSITO EM CONTA SALÁRIO. NATUREZA SALARIAL NÃO CONFIGURADA. IMPENHORABILIDADE AFASTADA. JULGAMENTO: CPC/2015. 

1. Ação de execução de título extrajudicial ajuizada em 2018, da qual foi extraído o presente recurso especial, interposto em 25/05/2020 e concluso ao gabinete em 08/04/2021. 

2. O propósito recursal é decidir sobre a penhora de valores oriundos de empréstimo consignado, depositados na conta salário do executado. 

3. É incabível a interposição de recurso especial fundada em suposta violação de dispositivo constitucional ou de qualquer ato normativo que não se enquadre no conceito de lei federal, conforme disposto no art. 105, III, "a" da CF/88. 

4. O fato de o pagamento das parcelas incidir diretamente sobre a contraprestação recebida como fruto do trabalho não equipara os valores oriundos de empréstimo consignado aos vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios, montepios, ou às quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, aos ganhos de trabalhador autônomo e aos honorários de profissional liberal, aos quais o legislador conferiu a proteção da impenhorabilidade (art. 833, IV, CPC/2015). 

5. Se nem mesmo o salário e verbas assemelhadas, que têm natureza alimentar, gozam de impenhorabilidade absoluta, não é razoável que se confira tal blindagem aos valores decorrentes de empréstimo consignado, apenas porque se encontram depositados na conta salário do devedor. 

6. Hipótese em que, diferentemente do decidido pela Terceira Turma no REsp 1.820.477/DF, (julgado em 19/05/2020, DJe 27/05/2020), o Tribunal de origem, ao analisar o conjunto fático-probatório dos autos, registrou que a penhora recaiu sobre valores cuja origem não foi comprovada pelo devedor, não havendo, pois, falar em impenhorabilidade. 

7. Recurso especial conhecido em parte e, nessa extensão, desprovido. 

ACÓRDÃO 

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino (Presidente), Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora. 

Brasília, 08 de junho de 2021. MINISTRA NANCY ANDRIGHI Relatora 

RELATÓRIO 

Cuida-se de recurso especial interposto por ROBERTO MIGUEL BULAT, fundado nas alíneas “a” e “c” do permissivo constitucional, contra acórdão do TJ/DFT. 

Ação: de execução de título extrajudicial ajuizada por COOPERATIVA DE ECONOMIA E CREDITO MUTUO DOS SERV DO PODER EXEC FED, DOS SERV DA SEC DE SAUDE E DOS TRAB EM ENSINO DO DF LTDA - SICOOB EXECUTIVO em face de BRAZUNI GESTÃO E ADMINISTRAÇÃO DE BENEFÍCIOS EIRELI – ME, ROBERTO MIGUEL BULAT e ISABEL SARAIVA DE SOUZA, referente à cédula de crédito bancário no valor de R$ 74.508,39 (setenta e quatro mil quinhentos e oito reais e trinta e nove centavos). 

Decisão: o Juízo de primeiro grau rejeitou a impugnação oferecida por ROBERTO à penhora, via Bacenjud, das quantias de R$ 11.929,94 (Banco BRB) e R$ 251,57 (Banco do Brasil) existentes em suas contas bancárias (fls. 262-263, e-STJ). 

Acórdão: o TJ/DFT, à unanimidade, negou provimento ao agravo de instrumento interposto por ROBERTO, nos termos da seguinte ementa: 

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. DECISÃO QUE REJEITA IMPUGNAÇÃO E MANTÉM PENHORA REALIZADA NA CONTA DO DEVEDOR. VALORES BLOQUEADOS SE REFEREM A EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. INEXISTÊNCIA DE NATUREZA SALARIAL. FALTA DE PROVAS DE QUE A PENHORA RESULTOU EM SALDO NEGATIVO. AGRAVO IMPROVIDO. 1. Cuida-se de agravo de instrumento, com pedido de liminar, interposto contra decisão proferida na execução de título extrajudicial, em que o juiz determinou o levantamento apenas da restrição do valor comprovadamente de salário e manteve penhora realizada em parte do valor constante em conta bancária do executado, por entender que inexiste previsão legal que confira natureza salarial a empréstimos consignados. 1.1. Em seu agravo, o recorrente pede que seja julgada insubsistente e indeferida a penhora dos autos principais, que recaiu sobre numerário impenhorável de verba de caráter estritamente salarial, de empréstimo consignado e de saldo negativo em conta salarial do agravante. 2. Os empréstimos consignados não estão relacionados no inciso IV do art. 833 do Código de Processo Civil, que prevê quais são as verbas impenhoráveis. 2.1. Precedentes deste Tribunal: “A proteção conferida às verbas de natureza salarial não pode ser estendida aos empréstimos consignados disponibilizados pela instituição financeira ao correntista, por absoluta falta de previsão legal.” (07005606520198070000, Relator: Eustáquio De Castro, 8ª Turma Cível, PJe: 7/6/2019).” 3. O Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o REsp 1.837.702 – DF, passou a permitir a constrição de percentual dos proventos dos devedores, de modo a garantir a efetividade do processo, sem afrontar a dignidade ou a subsistência destes e de sua família. 4. Não consta nos autos comprovação de que os valores bloqueados sejam verbas salariais. Ademais, não há no extrato do executado qualquer informação que possa denotar que o bloqueio culminou com o saldo negativo da conta. 5. Agravo improvido 

Recurso especial: aponta violação do art. 1º, III, da CF/1988, do art. 833, IV, do CPC/2015, bem como dissídio jurisprudencial. 

Alega que a penhora recaiu sobre “valor disponibilizado em conta a título de empréstimo consignado de natureza salarial, que fora depositado em sua conta justamente para cobrir o valor que o Recorrente devia à Recorrida, não caracterizado como uma fonte de renda, tampouco renda estável do Recorrente, bem como valor de sua propriedade (R$ 11.929,94)”, e que “tal numerário, enquanto não utilizado pelo correntista, constitui patrimônio da própria SICOOB, retirado de sua conta devido a penhora deferida nos autos n° 0703098- 44.2018.8.07.0003” (fls. 413-414, e-STJ). 

Afirma que “todos os empréstimos, taxados como consignados, como no caso dos presentes autos, são descontados diretamente da aposentadoria do ora Recorrente, o que lhe confere natureza salarial e impenhorável” e que “não se considerou a real situação de penúria do Recorrente, porque já vem cumprindo outra decisão judicial de pagar pensão alimentícia à sua ex-esposa, fixada em 40% (quarenta por cento) de seus rendimentos, conforme sentença de divórcio/alimentos (ID n° 11817571) e demais deduções na fonte demonstradas nos contracheques, que, somados, estão comprometendo 60% (sessenta por cento) da sua renda mensal” (fl. 414, e-STJ). 

Pleiteia o provimento do recurso especial para que seja reconhecida a impenhorabilidade dos valores bloqueados. 

Juízo prévio de admissibilidade: o TJ/DFT inadmitiu o recurso, dando azo à interposição do AREsp 1.757.790/DF, do qual não conheceu a e. Presidência do STJ. 

Agravo interno: interposto por ROBERTO, foi provido para reconsiderar a decisão agravada e determinar a autuação em recurso especial. 

É o relatório.

VOTO 

O propósito recursal é decidir sobre a penhora de valores oriundos de empréstimo consignado, depositados na conta salário do executado. 

DA VIOLAÇÃO DE DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL 

É incabível a interposição de recurso especial fundada em suposta violação de dispositivo constitucional ou de qualquer ato normativo que não se enquadre no conceito de lei federal, conforme disposto no art. 105, III, "a" da CF/88. 

DA POSSIBILIDADE DE PENHORA DE VALORES ORIUNDOS DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO, DEPOSITADOS NA CONTA SALÁRIO DO EXECUTADO 

Sustenta o recorrente ROBERTO que os valores depositados em sua conta salário, decorrentes de empréstimo consignado, são impenhoráveis, por força do disposto no art. 833, IV, do CPC/2015. 

Para o TJ/DFT, no entanto, “os empréstimos consignados não estão relacionados no inciso IV do art. 833 do Código de Processo Civil” (fl. 379, e-STJ), razão pela qual foi mantida a penhora realizada. 

Sobre o tema, a Lei 10.820/2003 estabelece que os empregados regidos pela CLT, poderão autorizar, de forma irrevogável e irretratável, o desconto em folha de pagamento ou na sua remuneração disponível dos valores referentes ao pagamento de empréstimos, financiamentos, cartões de crédito e operações de arrendamento mercantil concedidos por instituições financeiras e sociedades de arrendamento mercantil, quando previsto nos respectivos contratos. 

Assim também previu o legislador quanto aos benefícios da Previdência Social (art. 115, da Lei 8.213/1991) e à remuneração ou proventos dos servidores públicos civis federais (art. 45, § 2º, da Lei 8.112/1990). 

Nessa toada, o empréstimo consignado, como informa o Banco Central do Brasil, “é uma operação de crédito (empréstimo pessoal) cujo pagamento é descontado diretamente, em parcelas mensais fixas, da folha de pagamento ou do benefício previdenciário do contratante” (informação disponível em: https://www.bcb.gov.br/pre/pef/port/folder_serie_I_emprestimo_consignado.pdf, acesso em 23/04/2021). 

Trata-se, portanto, de uma espécie de empréstimo com garantia, sendo esta representada pela própria remuneração do trabalhador, o que explica ser uma das linhas de crédito mais baratas do mercado, na medida em que o risco reduzido de inadimplência possibilita a cobrança de taxas de juros mais baixas. 

E, justamente por incidir diretamente sobre a remuneração do trabalhador, o percentual de comprometimento desta renda com o pagamento das parcelas do empréstimo consignado é limitado por lei, no intuito de preservar a dignidade do devedor: a Lei 14.131/2021 aumentou, até 31/12/2021, de 35% para 40% o percentual máximo de consignação. 

O fato de essas parcelas incidirem diretamente sobre a contraprestação recebida pelo trabalho, entretanto, não equipara os valores oriundos de empréstimo consignado aos vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios, montepios, aos ganhos de trabalhador autônomo e aos honorários de profissional liberal, aos quais o legislador conferiu a proteção da impenhorabilidade (art. 833, IV, CPC/2015). 

Como afirmado por esta Turma, no julgamento do REsp 1.820.477/DF, (julgado em 19/05/2020, DJe 27/05/2020), “o recebimento desses valores [salário e crédito decorrente do empréstimo consignado] encontra respaldo em bases jurídicas distintas: o salário tem origem no contrato de trabalho ou na prestação do serviço; o empréstimo tem origem em contrato de mútuo celebrado entre o trabalhador (mutuário) e a instituição financeira ou cooperativa de crédito (mutuante)”. 

Logo, não há falar em natureza salarial dos valores decorrentes de empréstimo consignado, como afirma o recorrente. 

De mais a mais, se nem mesmo o salário e verbas assemelhadas, que têm natureza alimentar, gozam da proteção da impenhorabilidade absoluta, segundo decidiu a Corte Especial no julgamento do EREsp 1.582.475/MG (julgado em 3/10/2018, DJe de 16/10/2018), não é razoável que se confira tal blindagem aos valores decorrentes de empréstimo consignado, apenas porque se encontram depositados na conta salário do devedor. 

Firmadas essas premissas, verifica-se, no particular, que o TJ/DFT, ao analisar o conjunto fático-probatório dos autos, concluiu que “havia diversos créditos sem a comprovação da sua origem, totalizando R$ 18.633,68 (R$ 819,00 + 4.928,34 + 12.886,34)”; que se “determinou a manutenção da penhora do valor de R$ 12.181,51, que seria uma quantia inferior aos créditos sem a demonstração da sua origem”; que “no extrato de ID 12931030 - Pág. 239 há informação de que apenas o montante de R$ 6.559,50 é decorrente de salário, os demais depósitos são decorrentes de empréstimos consignados ou verbas em que não houve comprovação da origem”; que “não há no extrato de ID 12931030 - Pág. 239 qualquer informação que possa denotar que o bloqueio culminou com o saldo negativo da conta”; e, por fim, que “está claramente demonstrado que o valor penhorado não se refere a verba salarial” (fl. 379, e-STJ). 

Nesse contexto, diferentemente do decidido pela Terceira Turma no REsp 1.820.477/DF, (julgado em 19/05/2020, DJe 27/05/2020), constata-se que a penhora recaiu sobre valores cuja origem não foi comprovada pelo devedor, não havendo, pois, falar em impenhorabilidade. 

DA CONCLUSÃO 

Forte nessas razões, CONHEÇO EM PARTE do recurso especial e, nessa extensão, NEGO-LHE PROVIMENTO. 

CERTIDÃO DE JULGAMENTO TERCEIRA TURMA 

Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão: A Terceira Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino (Presidente), Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora. 

Direito processual civil – Execução: Vencimentos. Impenhorabilidade. Flexibilização. Possibilidade?

"Em sua mais recente decisão sobre o tema, a Corte Especial do STJ entendeu: 'A regra geral da impenhorabilidade de salários, vencimentos, proventos etc. (art. 649, IV, do CPC/1973; art. 833, IV, do CPC/2015), pode ser excepcionada quando for preservado percentual de tais verbas capaz de dar guarida à dignidade do devedor e de sua família' (EREsp 1.582.475/MG, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Corte Especial, DJe 16.10.2018)."

AREsp 1747007/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 22/06/2021, DJe 03/08/2021.

Entre salários e dívidas: questões sobre a (im)penhorabilidade da remuneração

 Nos termos do artigo 833 do Código de Processo Civil (CPC) de 2015, a regra geral da impenhorabilidade de salários pode ser excepcionada quando for para o pagamento de prestação alimentícia, de qualquer origem, independentemente do valor da verba remuneratória; e para o pagamento de qualquer outra dívida não alimentar, quando os valores recebidos pelo executado forem superiores a 50 salários mínimos mensais.

Segundo o ministro Luis Felipe Salomão, o legislador, com o objetivo de preservar o patrimônio mínimo indispensável à sobrevivência digna do executado, limitou a tutela executiva ao garantir a impenhorabilidade da renda de natureza alimentar. Ao mesmo tempo, previu, na própria norma, exceções autorizadoras da penhora, "que refletem a não menos relevante preocupação com a dignidade da pessoa do exequente quando o crédito pleiteado envolve seu próprio sustento e o de sua família".

O magistrado observou que a maioria dos países civilizados estabelece que os salários de alto valor podem ser parcialmente penhorados sem sacrifício de digna subsistência do devedor. "Nesse passo, vem o STJ tentando estabelecer um norte a guiar as mais diversas situações em que se deva autorizar, de forma excepcional, a penhora dos vencimentos (ou verba equivalente) do devedor", ressaltou.

Flexibilizaç​​ão

Salomão lembrou que o tribunal – em casos envolvendo o CPC de 1973, que estabelecia exceção à regra apenas nos casos de pagamento de prestação alimentícia – se posicionou no sentido de que as sobras salariais podem ser objeto de constrição (EREsp 1.330.567), bem como admitiu a flexibilização quando a verba remuneratória (em sentido amplo) alcançasse montante considerável (REsp 1.514.931).

De acordo com o magistrado, a jurisprudência do STJ sempre foi firme no entendimento de que a impenhorabilidade de tais rubricas salariais só cederia espaço para situações que envolvessem crédito de natureza alimentar. No entanto, observou que, por construção jurisprudencial, as turmas integrantes da Segunda Seção também estenderam a flexibilização a situações em que haja expressa autorização de desconto, pelo devedor, de empréstimos consignados.

"Destaca-se, nessa hipótese, que não se trata efetivamente de uma exceção à impenhorabilidade, já que, em verdade, penhora não há; ocorre, sim, uma disponibilização voluntária, pelo devedor, de parte de seus vencimentos, tendo ele renunciado espontaneamente à proteção preconizada", afirmou.

Manutenção da dignid​​ade

Em outubro de 2018, a Corte Especial, no julgamento do EREsp 1.582.475, reconheceu divergência entre as turmas integrantes da Primeira Seção – que só admitiam a penhora das verbas previstas no artigo 649, IV, do CPC/1973 nos casos de crédito de natureza alimentar – e as turmas integrantes da Segunda Seção – que, num viés mais abrangente, permitiram a penhora em casos de empréstimo consignado e em situações nas quais a constrição parcial não acarretasse prejuízo à dignidade e à subsistência do devedor e de sua família.

Naquela oportunidade, o colegiado definiu que a regra legal comporta, para além da exceção explícita, a possibilidade de reconhecimento de outras exceções à impenhorabilidade da verba remuneratória.

De acordo com o voto do relator, ministro Benedito Gonçalves, a interpretação mais adequada ao texto legal é a que admite a flexibilização da impenhorabilidade quando a constrição dos vencimentos do devedor não atingir a dignidade ou a subsistência dele e de sua família.

Despe​​​sas de aluguel

Com base no precedente da Corte Especial, a Quarta Turma autorizou a penhora de 15% da remuneração bruta de um devedor que, além de ter renda considerada alta, contraiu dívida em locação de imóvel residencial (AREsp 1.336.881).

Para o relator, ministro Raul Araújo, além de a penhora nesse percentual não comprometer a subsistência do devedor, não seria adequado manter a impenhorabilidade no caso de créditos provenientes de aluguel para moradia, que compõe o orçamento de qualquer família.

"Descabe, então, que se mantenha imune à penhora para satisfação de créditos provenientes de despesa de aluguel com moradia, sob o pálio da regra da impenhorabilidade da remuneração, a pessoa física que reside ou residiu em imóvel locado, pois a satisfação de créditos de tal natureza compõe o orçamento familiar normal de qualquer cidadão" – concluiu o ministro, para quem não é justo que a dívida seja suportada unicamente pelo credor dos aluguéis.

Mínimo existe​​ncial

Seguindo essa mesma orientação, em 2019, a Quarta Turma, em processo sob a relatoria do ministro Luis Felipe Salomão, entendeu que o benefício previdenciário do auxílio-doença é impenhorável para pagamento de crédito constituído em favor de pessoa jurídica, quando se verifica que a penhora violaria o mínimo existencial e a dignidade do devedor (REsp 1.407.062).

O colegiado deu provimento ao recurso de um devedor que, em ação de execução, teve 30% do seu auxílio-doença penhorado para quitar dívida com uma fornecedora de bebidas.

Apesar de verificar que o acórdão recorrido – que permitiu a penhora do benefício do devedor – estava em conformidade com o entendimento da Corte Especial, o relator afirmou que não se poderia conferir interpretação tão ampla ao julgado, a ponto de afastar qualquer diferença, para fins de exceção à impenhorabilidade, entre as verbas de natureza alimentar e aquelas que não possuem tal caráter.

"Caso se leve em conta apenas o critério da preservação de percentual de verba remuneratória capaz de dar guarida à dignidade do devedor e de sua família, estar-se-á, em verdade, deixando de lado o regramento expresso do Código de Processo Civil e sua ratio legis, que estabelecem evidente diferença entre as verbas, sem que tenha havido para tanto a revogação do dispositivo de lei ou a declaração de sua inconstitucionalidade", declarou.

Em relação ao recorrente, o ministro avaliou que, por se tratar de pessoa doente, a penhora sobre qualquer percentual dos seus rendimentos – no valor de R$ 927,46 – comprometeria sua subsistência e a de sua família, dificultando o acesso a itens de primeira necessidade.

Honorários advoc​​atícios

Em agosto de 2020, a Corte Especial estabeleceu importante precedente ao concluir que os honorários advocatícios não são equiparados às prestações alimentícias para efeito de incidência da exceção à impenhorabilidade prevista no parágrafo 2º do artigo 833 do CPC/2015 (REsp 1.815.055).

A relatora, ministra Nancy Andrighi, explicou que as verbas remuneratórias, ainda que sejam destinadas à subsistência do credor, não são equivalentes aos alimentos de que trata o Código Civil, isto é, àqueles oriundos de relações familiares ou de responsabilidade civil, fixados por sentença ou título executivo extrajudicial.

Segundo a magistrada, uma verba tem natureza alimentar quando é destinada à subsistência do credor e de sua família, mas apenas se constitui em prestação alimentícia se é devida por quem tem a obrigação de prestar alimentos familiares, indenizatórios ou voluntários em favor de uma pessoa que deles depende para sobreviver.

A ministra esclareceu que as exceções destinadas à execução de prestação alimentícia, como a possibilidade de penhora dos bens descritos no artigo 833, IV e X, do CPC/2015, e do bem de família (artigo 3º, III, da Lei 8.009/1990), assim como a prisão civil, não se estendem aos honorários advocatícios, "como não se estendem às demais verbas de natureza alimentar, sob pena de eventualmente termos de cogitar sua aplicação a todos os honorários devidos a quaisquer profissionais liberais, como médicos, engenheiros, farmacêuticos e todas as outras categorias".

Contudo, no caso em análise, por verificar que a penhora do salário do devedor para o pagamento dos honorários devidos não comprometeria a sua subsistência digna nem a da sua família, a relatora admitiu a constrição de parte da remuneração.

CDR e crédito ​​​trabalhista

Ainda em 2019, a Quarta Turma estabeleceu que os bens dados em garantia cedular rural, vinculados à Cédula de Produto Rural (CPR), são impenhoráveis em virtude da Lei 8.929/1994, não podendo ser usados para satisfazer crédito trabalhista (REsp 1.327.643).

A turma reformou acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, o qual entendeu que a impenhorabilidade de bens empenhados em CPR por uma cooperativa seria relativa, não prevalecendo diante da preferência do crédito trabalhista.

Segundo o relator, ministro Luis Felipe Salomão, a instituição dos títulos de financiamento rural pelo Decreto-Lei 167/1967 reformou a política agrícola do Brasil, conduzindo-a ao financiamento privado. Essa orientação, explicou, ganhou mais força com a CPR, estabelecida na Lei 8.929/1994.

"Tendo em vista sua função social e visando garantir eficiência e eficácia à CPR, o artigo 18 da Lei 8.929/1994 prevê que os bens vinculados à CPR não serão penhorados ou sequestrados por outras dívidas do emitente ou do terceiro prestador da garantia real, cabendo a estes comunicar tal vinculação a quem de direito", destacou.

Com apoio na jurisprudência e na doutrina, o ministro afirmou que "não se sustenta a afirmação de que a impenhorabilidade dos bens dados em garantia cedular seria voluntária, e não legal, por envolver ato pessoal de constituição do ônus por parte do garante, ao oferecer os bens ao credor. A parte voluntária do ato é a constituição da garantia real, que, por si só, não tem o condão de gerar a impenhorabilidade. Esta, indubitavelmente, decorre da lei, e só dela".

Poder de cau​​tela

Com base no poder geral de cautela, em outubro de 2018, a Terceira Turma considerou válida a penhora decidida pelo juízo da execução cível nos autos de execução trabalhista, após o falecimento do devedor cível, que figurava como credor na Justiça do Trabalho (REsp 1.678.209).

No caso, o juízo da execução cível entendeu que, após a morte do devedor, a verba trabalhista a que teria direito perdeu seu caráter alimentar, e poderia, assim, haver penhora dos créditos nos autos da execução trabalhista. No entanto, os herdeiros recorreram ao STJ, argumentando que tal penhora não seria possível, pois a verba ainda estaria protegida pela impenhorabilidade legal.

Para o relator, ministro Paulo de Tarso Sanseverino, a decisão judicial não contrariou a regra do CPC, uma vez que a penhora foi decidida com a finalidade de assegurar as deliberações do juízo do inventário, competente para a ponderação sobre quem deveria receber os créditos bloqueados na execução trabalhista.

"Embora não concorde com a perda do caráter alimentar das verbas trabalhistas em razão da morte do reclamante, tenho por possível a reserva dos valores lá constantes para satisfação do juízo do inventário dos bens do falecido, tudo com base no poder geral de cautela do juiz", afirmou.

O magistrado ponderou ainda que o juízo do inventário seria competente para analisar a qualidade do crédito e sua eventual impenhorabilidade, sobretudo pelo fato de o falecido ter deixado um filho menor, presumidamente dependente da verba alimentar que seria herdada do pai.​

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):EREsp 1582475AREsp 1336881REsp 1407062REsp 1815055REsp 1327643REsp 1678209

Valor de empréstimo consignado depositado em conta salário pode ser penhorado

 A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou recurso especial interposto por devedor que teve valor oriundo de empréstimo consignado, depositado em conta salário, penhorado em ação de execução. Por decisão unânime, o colegiado considerou que esse valor não se assemelha às verbas de natureza salarial – que são impenhoráveis, segundo a legislação.

A relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi, afirmou que, apesar de as parcelas do empréstimo incidirem diretamente na contraprestação recebida pelo trabalho, ele não se equipara às quantias recebidas pelo trabalhador e destinadas ao seu sustento e de sua família, indicadas no artigo 833, inciso IV, do Código de Processo Civil de 2015.

No caso dos autos, ao requerer a liberação da penhora, o executado argumentou que o valor estava depositado em conta salário e era derivado de empréstimo consignado, cujas parcelas são descontadas em folha, o que o tornaria uma verba de natureza salarial, protegida contra a penhora.

Verbas com naturezas jurídicas difere​ntes

Ao votar pelo desprovimento do recurso, a ministra Nancy Andrighi lembrou que a Terceira Turma considera que os valores recebidos de salário e os de empréstimo consignado possuem naturezas jurídicas diferentes, pois o salário é proveniente do contrato de trabalho ou prestação de serviço; já o empréstimo tem origem no contrato de mútuo celebrado entre o trabalhador e a instituição financeira.

A relatora também explicou que, de acordo com a Corte Especial, nem sequer o salário e verbas assemelhadas – que têm natureza alimentar – gozam da proteção de impenhorabilidade absoluta, de forma que não é razoável que se confira tal proteção aos valores decorrentes de empréstimo consignado porque se encontram depositados na conta salário do devedor.

"O fato de essas parcelas incidirem diretamente sobre a contraprestação recebida pelo trabalho, entretanto, não equipara os valores oriundos do empréstimo consignado ao vencimento, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios, montepios, aos ganhos de trabalhados autônomo e aos honorários de profissional liberal, aos quais o legislador conferiu a proteção da impenhorabilidade", concluiu a ministra.

Leia o acórdão do REsp 1.931.432.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 1931432

21 de abril de 2021

Tribunal desbloqueia valor da conta salário de estudante com dívidas do crédito educacional

 O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) desbloqueou R$ 6,5 mil da conta salário de uma estudante cujos valores estavam retidos por conta de uma dívida no crédito educacional. A mulher, autora do agravo deferido pela Corte, havia pedido a liberação do valor pois ficaria com a subsistência prejudicada. A decisão unânime da 3ª Turma ocorreu em sessão virtual no dia 13/4.

Crédito estudantil 

Em 2002, a autora assinou um contrato com o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) para cursar o ensino superior. No entanto, a partir de 2008, a estudante não teve mais condições de pagar as parcelas do empréstimo, razão pela qual ficou em dívida.

Com isso, a Caixa Econômica Federal (CEF) ingressou com ação monitória e pediu a penhora dos ativos financeiros da autora através do Sistema Bacen Jud. Ao todo, a dívida totalizou R$ 33.198,75, mas foram bloqueados cerca de R$ 6,5 mil da conta salário da mulher.

Liminar e recurso

Ao requerer judicialmente o desbloqueio do valor, a autora, entretanto, teve o pedido negado pela 2ª Vara Federal de Umuarama (PR). Segundo o juízo, a agravante não comprovou que a quantia bloqueada era impenhorável e essencial ao seu sustento. A defesa, então, postulou ao Tribunal a reforma da decisão para que o valor fosse desbloqueado.

Decisão do colegiado

A desembargadora federal Vânia Hack de Almeida, relatora do caso na Corte, destacou que é preciso analisar o contexto e tratar o caso de maneira humanitária.

“O mundo todo foi assolado por uma epidemia viral, a Covid-19, classificada como pandemia em 11/03/2020 pela Organização Mundial da Saúde, o que fez com que aquele órgão decretasse Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional, o mais alto nível de alerta da Organização, conforme previsto no Regulamento Sanitário Internacional. A letalidade do vírus se traduz em milhões de óbitos em todo o mundo e a velocidade de contaminação forçou as autoridades a tomarem medidas drásticas, como a declaração de estado de calamidade pública e o fechamento de estabelecimentos comerciais e industriais, a fim de evitar a contaminação comunitária”, declarou a magistrada.

Almeida completou pontuando que “no presente caso, o pedido da parte agravante está fundamentado na impenhorabilidade de verba originária de conta salário. Não foi juntada comprovação acerca do alegado. A despeito da fragilidade da defesa da parte executada, no estágio de crise mundial acima descrito faz-se necessário adotar uma perspectiva mais humanitária em sentido amplo, buscando a preservação das condições mínimas de subsistência dos cidadãos, ainda que em confronto com o direito do credor de receber o seu crédito”.

Os demais desembargadores da Turma acompanharam o voto da relatora e deram provimento ao agravo de instrumento, liberando a quantia bloqueada da conta bancária da estudante.

Fonte: TRF4