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19 de novembro de 2021

Dano moral em caso de atraso no voo que fez com que o passageiro, menor de idade viajando sozinho, ficasse muitas horas no aeroporto esperando e ainda fosse direcionado para cidade diferente do destino original

 Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/11/info-711-stj-2.pdf


RESPONSABILIDADE CIVIL Dano moral em caso de atraso no voo que fez com que o passageiro, menor de idade viajando sozinho, ficasse muitas horas no aeroporto esperando e ainda fosse direcionado para cidade diferente do destino original 

É cabível dano moral pelo defeito na prestação de serviço de transporte aéreo com a entrega de passageiro menor desacompanhado, após horas de atraso, em cidade diversa da previamente contratada. STJ. 3ª Turma. REsp 1.733.136-RO, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 21/09/2021 (Info 711). 

A situação concreta, com adaptações, foi a seguinte: 

Leandro, 15 anos, mora em Guarulhos (SP), com sua mãe. Ricardo, pai de Leandro, reside em Cacoal (RO). Ricardo comprou uma passagem aérea para o filho, de Guarulhos (SP) para Cacoal (RO), a fim de que Leandro passasse uns dias com ele. O voo tinha saída de Guarulhos (SP) prevista para às 10h de 28/02 e chegada em Cacoal (RO) às 13h, com uma conexão em Cuiabá (MT). A previsão era o avião chegar às 11h em Cuiabá e o novo voo para Cacoal sairia às 11h40. Vale ressaltar que o passageiro Leandro, à época com 15 anos de idade, nunca havia realizado sozinho uma viagem de avião. Importante esclarecer, contudo, que se a companhia aérea tivesse cumprido a programação inicialmente contratada, não seria necessária hospedagem em cidade desconhecida entre os voos nem espera prolongada no aeroporto. Ocorre que a programação não foi cumprida. O voo de Guarulhos para Cuiabá atrasou 33 minutos. Assim, ao desembarcar em Cuiabá, Leandro foi informado de que o voo para Cacoal (RO) já havia partido, ou seja, ele perdeu a conexão. A companhia avisou, também, que, para ele completar o percurso, teria que embarcar em um voo para Ji-Paraná (RO) e de lá pegar um transporte terrestre para Cacoal, cidade vizinha, que fica a 100km de distância. Vale ressaltar, ainda, que o voo para Cacoal estava previsto, como vimos, para as 13h, enquanto o voo para Ji-Paraná só sairia às 21h. Sozinho em Cuiabá e sem opção, Leandro viu-se obrigado a ficar esperando e embarcar no voo para JiParaná, chegando nessa cidade às 23h15min. Seu pai, que mora em Cacoal, teve que sair de carro para buscá-lo em Ji-Paraná e, por volta da meia-noite, quando Leandro finalmente desembarcou da aeronave, ele e seu pai seguiram via terrestre para Cacoal. 

Ação de indenização 

Diante disso, Leandro e seu pai ajuizaram ação de indenização por danos morais contra a companhia aérea. A ré, na contestação, alegou que a perda da conexão foi causada em razão de força maior decorrente do alto fluxo aéreo ocorrido em Guarulhos na época de carnaval, e que prestou todo o auxílio necessário ao referido passageiro, como sua realocação noutro voo, disponibilização de hospedagem, alimentação e transporte, todos aceitos pelo mencionado passageiro. O juiz julgou o pedido improcedente argumentando que os autores assumiram o risco de perder o voo ao adquirir passagem no período carnavalesco com período de conexão muito curto. Afirmou, ainda, que a empresa ofereceu toda assistência ao passageiro. O Tribunal de Justiça manteve a sentença de improcedência. Inconformados, os autores interpuseram recurso especial. 

Para o STJ, é caso de condenação por danos morais? SIM. 

Houve inadimplemento por parte da companhia aérea que atrasou a saída do voo. A consequência desse inadimplemento não foi apenas um mero atraso do horário previsto para a chegada no destino. As consequências foram muito mais graves porque obrigaram um menor de idade a esperar 9 horas pelo próximo voo, em uma cidade desconhecida, sem a proteção de qualquer dos seus responsáveis, sujeito a toda sorte de acontecimentos e violência em um país que recebera da OMS a pecha de ser o oitavo mais violento do mundo (em 2018). “É incomensurável a aflição que se impõe aos pais do menor, e, aliás, em qualquer cidadão, que já tenha experienciado a missão da maternidade e da paternidade ou mesmo que não tenha logrado viver essa experiência”. De furtos, a roubos, passando por drogas, à violência sexual, ou mesmo a sequestro, ou seja, toda a sorte de males que poderiam claramente ter sido experimentados pelo menor, potencializados na visão dos seus pais, por um período interminável de 9 horas. Não bastasse isso, o adolescente, após este longo período de espera, sequer foi deixado no local de destino, mas sim em uma cidade novamente desconhecida e a 100km de onde mora seu pai e responsável. A companhia aérea sequer ofereceu o transporte terrestre ao menor para a cidade de destino. Vale ressaltar, no entanto, que isso acaba sendo de menor importância, pois é claro que o pai não confiaria na empresa que tanto já havia demonstrado descumprir com as suas obrigações. O pai não confiaria na empresa para transportar seu filho em uma van, durante a madrugada, com um motorista desconhecido, não se sabe se com outros passageiros ou não, nas nada seguras rodovias brasileiras. O fato de a companhia aérea ter garantido alimentação e hospedagem para o menor não serve para excluir o dever de indenizar. Isso porque era o mínimo a ser feito. Aliás, a empresa simplesmente cumpriu as normas estabelecidas pela ANAC. “Do contrário, o que se veria, na verdade, seria algo parecido com a tortura, relegando-se um menor de idade à sua sorte, em lugar desconhecido, com fome e no desconforto de uma cadeira de aeroporto por 9 horas seguidas.” Não há dúvidas que o direito brasileiro experimentou um período de banalização da indenização pelos danos morais, reconhecendo-se o direito a toda sorte de situações, muitas delas em que efetivamente não se estava a lidar com violações a interesses ligados à esfera da dignidade humana. Não se pode descurar, no entanto, que, quando presentes os elementos a evidenciar mais do que mero aborrecimento em ficar em um hotel, alimentado, no aguardo de um voo, é devida a indenização pelos danos morais. Alcançou-se aos pais de um infante e ao próprio menor horas de total insegurança e - certamente para alguns não poucos indivíduos de desespero - acerca da sorte dos seus filhos, e, ainda, os reflexos alcançaram a vida profissional do pai do menor, que é médico, tendo ele de reagendar cirurgia por força da aflição experimentada e, ainda, da alteração dos horários de chegada do filho, o que evidencia o direito à indenização. 

Em suma: É cabível dano moral pelo defeito na prestação de serviço de transporte aéreo com a entrega de passageiro menor desacompanhado, após horas de atraso, em cidade diversa da previamente contratada. STJ. 3ª Turma. REsp 1.733.136-RO, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 21/09/2021 (Info 711). 

Qual foi o valor da condenação? 

10 mil reais, dividido em partes iguais entre os autores (pai e filho), acrescido de juros a contar da citação e de correção monetária desde a data da sessão de julgamento (Súmula 362 do STJ). 

DOD PLUS – INFORMAÇÕES COMPLEMENTARES 

Atraso do voo pode ou não gerar dano moral a depender das circunstâncias do caso concreto 

As circunstâncias que envolvem o caso concreto servirão para que o juiz analise se houve ou não o dano moral. Desse modo, não existe, em atraso de voo, o chamado dano moral in re ipsa: 

Na hipótese de atraso de voo, não se admite a configuração do dano moral in re ipsa. STJ. 3ª Turma. REsp 1.584.465-MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 13/11/2018 (Info 638). 

Assim, as circunstâncias que envolvem o caso concreto servirão de baliza para a possível comprovação e a consequente constatação da ocorrência do dano moral. Exemplos de particularidades que devem ser analisadas: 

a) a averiguação acerca do tempo que se levou para a solução do problema, isto é, a real duração do atraso; 

b) se a companhia aérea ofertou alternativas para melhor atender aos passageiros; 

c) se foram prestadas a tempo e modo informações claras e precisas por parte da companhia aérea a fim de amenizar os desconfortos inerentes à ocasião; 

d) se foi oferecido suporte material (alimentação, hospedagem etc.) quando o atraso for considerável; 

e) se o passageiro, devido ao atraso da aeronave, acabou por perder compromisso inadiável no destino, dentre outros. 

STJ. 3ª Turma. REsp 1796716/MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 27/08/2019. 

Apesar de não ter sido mencionado no voto, importante destacar o novo art. 251-A do Código Brasileiro de Aeronáutica (CBA), inserido pela Lei nº 14.034/2020: 

Art. 251-A. A indenização por dano extrapatrimonial em decorrência de falha na execução do contrato de transporte fica condicionada à demonstração da efetiva ocorrência do prejuízo e de sua extensão pelo passageiro ou pelo expedidor ou destinatário de carga.