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15 de outubro de 2021

Atende ao melhor interesse da criança a adoção personalíssima intrafamiliar por parentes colaterais por afinidade, a despeito da circunstância de convivência da criança com família substituta, também, postulante à adoção

  Fonte: Dizer o Direito

Referência:  https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/10/info-703-stj-1.pdf


ADOÇÃO 

Atende ao melhor interesse da criança a adoção personalíssima intrafamiliar por parentes colaterais por afinidade, a despeito da circunstância de convivência da criança com família substituta, também, postulante à adoção 

Caso adaptado: Elisandra deu à luz Luan. Como ela já tinha outros cinco filhos, resolveu entregar Luan, com dias de vida, aos cuidados de Carla e Francisco. Vale ressaltar que Elisandra é filha da irmã da cunhada de Francisco. Importante ainda mencionar que o pai biológico de Luan é desconhecido. Diante desse cenário, poucos dias depois de receberem a criança, Carla e Francisco ajuizaram ação de adoção cumulada com pedido de destituição do poder familiar, por meio da qual pretendem regularizar a situação vivenciada e serem formalmente considerados pais de Luan. Elisandra também assinou o pedido concordando com a destituição e com a adoção. O juiz negou o pedido afirmando que haveria burla ao cadastro de adotantes e que não existiria parentesco entre o casal adotante e a criança, razão pela qual não seria possível excepcionar o cadastro de adoção. O STJ não concordou. Principais argumentos: 

• a CF/88 rompeu com os paradigmas clássicos de família. O conceito de “família” adotado pelo ECA é amplo, abarcando tanto a família natural como a extensa/ampliada, sendo a affectio familiae o alicerce jurídico imaterial que pontifica o relacionamento entre os seus membros, essa constituída pelo afeto e afinidade que, por serem elementos basilares do Direito das Famílias hodierno, devem ser evocados na interpretação jurídica voltada à proteção e melhor interesse das crianças e adolescentes. 

• o art. 50, § 13, II, do ECA, ao afirmar que podem adotar os parentes que possuem afinidade/afetividade para com a criança, não promoveu qualquer limitação, a denotar, por esse aspecto, que a adoção por parente (consanguíneo, colateral ou por afinidade) é amplamente admitida quando demonstrado o laço afetivo. 

• em hipóteses como a tratada no caso, critérios absolutamente rígidos previstos na lei não podem preponderar, notadamente quando em foco o interesse pela prevalência do bem estar, da vida com dignidade do menor. 

• a ordem cronológica de preferência das pessoas previamente cadastradas para adoção não tem um caráter absoluto, devendo ceder ao princípio do melhor interesse da criança e do adolescente. 

STJ. 4ª Turma. REsp 1.911.099-SP, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 29/06/2021 (Info 703). 

Imagine a seguinte situação adaptada: 

Em 03/09/2018, Elisandra deu à luz Luan. Como ela já tinha outros cinco filhos, resolveu entregar Luan, com dias de vida, aos cuidados de Carla e Francisco. Vale ressaltar que Elisandra é filha da irmã da cunhada de Francisco. Importante ainda mencionar que o pai biológico de Luan é desconhecido. Diante desse cenário, poucos dias depois de receberem a criança, Carla e Francisco ajuizaram ação de adoção cumulada com pedido de destituição do poder familiar, por meio da qual pretendem regularizar a situação vivenciada e serem formalmente considerados pais de Luan. Elisandra também assinou o pedido concordando com a destituição e com a adoção. Vale ressaltar que, mesmo antes do nascimento de Luan, Carla e Francisco já planejavam adotar uma criança, tanto que já haviam se habilitado no cadastro de adotantes do Juizado da Infância e Juventude. 

Sentença 

O juiz não acolheu os pedidos alegando que a adoção representaria burla ao cadastro de adoção em virtude de os requerentes terem buscado, fora do Poder Judiciário, criança de família hipossuficiente. Para o magistrado, não existe qualquer parentesco entre o casal adotante e a criança, razão pela qual não seria possível excepcionar o cadastro de adoção. O juiz determinou, ainda, que Luan deixasse a casa de Carla e Francisco, fosse inserido no cadastro de adoção e que, enquanto aguardasse uma família interessada, fosse submetido a acolhimento institucional, ou seja, ficasse em uma instituição de acolhimento de crianças. Em 28/02/2019, Luan foi retirado do convívio de Carla e Francisco e encaminhado a uma instituição pública, onde ficou até o fim de abril de 2020. Em 01/05/2020, Luan foi encaminhado a uma outra família interessada em adotá-lo segundo o cadastro de adoção (família substituta). 

O caso chegou ao STJ. Para o Tribunal, Carla e Francisco possuem direito de adotar Luan? 

SIM. Vamos entender com calma, ressaltando alguns aspectos muito interessantes do julgado. 

Adoção personalíssima intrafamiliar 

O STJ afirmou que o presente caso envolve uma ação de adoção personalíssima na qual os autores pretendem uma adoção intrafamiliar. O que significam essas terminologias? 

Adoção personalíssima 

Existem diversas classificações doutrinárias a respeito da ação. Segundo o critério “escolha dos adotandos”, a adoção pode ser cadastral ou personalíssima. A diferença entre elas é a seguinte (ROSSATO, Luciano Alves; LÉPORE, Paulo. Manual do Direito da Criança e do Adolescente. Salvador: Juspodivm, 2021, p. 107): 

Adoção CADASTRAL 

É aquela na qual os adotantes não escolhem o adotado. Os adotantes são submetidos à ordem cronológica de ingresso nos cadastros de adoção, e poderão adotar a criança ou adolescente disponível quando chegar a sua vez. É a regra geral no ordenamento brasileiro. 


Adoção PERSONALÍSSIMA 

Ocorre quando não se cumpre o cadastro de adoção, somente sendo permitida nas hipóteses excepcionais dos §§ 13 do art. 50 do ECA: 

§ 13. Somente poderá ser deferida adoção em favor de candidato domiciliado no Brasil não cadastrado previamente nos termos desta Lei quando: 

I - se tratar de pedido de adoção unilateral; 

II - for formulada por parente com o qual a criança ou adolescente mantenha vínculos de afinidade e afetividade; 

III - oriundo o pedido de quem detém a tutela ou guarda legal de criança maior de 3 (três) anos ou adolescente, desde que o lapso de tempo de convivência comprove a fixação de laços de afinidade e afetividade, e não seja constatada a ocorrência de má-fé ou qualquer das situações previstas nos arts. 237 ou 238 desta Lei. 

Adoção intrafamiliar 

Outra classificação, menos conhecida, é a que distingue adoção intrafamiliar e extrafamiliar. Conforme o próprio nome sugere: 

Adoção INTRAFAMILIAR 

Ocorre quando a criança ou adolescente é adotado por alguém que tenha uma relação de parentesco com o menor. 

Adoção EXTRAFAMILIAR A

 criança ou adolescente é adotado por pessoas que não têm com ele qualquer relação de parentesco. 

Circunstâncias fáticas que foram provadas nos autos e que se mostraram favoráveis aos autores 

• os adotantes eram parentes colaterais por afinidade da criança e estavam com a guarda de fato do menor desde o seu nascimento; 

• a criança, desde o seu nascimento, recebia os cuidados necessários e adequados por parte do casal, não havendo notícia de que tenham sido negligentes com o infante; 

• não houve adoção à brasileira*, tendo o casal buscado desde o início a adoção formal do menor; 

• o casal estava habilitado junto ao Cadastro Nacional de Adoção (ou seja, em tese, poderia adotar uma criança segundo a ordem cronológica do cadastro). 

Situação pode se enquadrar no art. 50, § 13, II, do ECA 

Como vimos acima, o § 13 do art. 50 do ECA autoriza, em casos excepcionais, a adoção personalíssima. Veja o que diz o inciso II: 

Art. 50 (...) § 13. Somente poderá ser deferida adoção em favor de candidato domiciliado no Brasil não cadastrado previamente nos termos desta Lei quando: (...) II - for formulada por parente com o qual a criança ou adolescente mantenha vínculos de afinidade e afetividade; 

A situação analisada pode se amoldar a essa previsão. Mas a mãe do adotado era apenas irmã da cunhada do adotante. Haveria parentesco neste caso? O STJ explicou que a Constituição Federal de 1988 rompeu com os paradigmas clássicos de família consagrada pelo casamento e admitiu a existência e a consequente regulação jurídica de outras modalidades de núcleos familiares (monoparental, informal, afetivo), diante das garantias de liberdade, pluralidade e fraternidade que permeiam as conformações familiares, sempre com foco na dignidade da pessoa humana, fundamento basilar de todo o ordenamento jurídico. O legislador ordinário, ao estabelecer no art. 50, § 13, II, do ECA que podem adotar os parentes que possuem afinidade/afetividade para com a criança, não promoveu qualquer limitação (se aos consanguíneos em linha reta, aos consanguíneos colaterais ou aos parentes por afinidade), a denotar, por esse aspecto, que a adoção por parente (consanguíneo, colateral ou por afinidade) é amplamente admitida quando demonstrado o laço afetivo entre a criança e o pretendente à adoção, bem como quando atendidos os demais requisitos autorizadores para tanto. Em razão do novo conceito de família - plural e eudemonista* - não se pode, sob pena de desprestigiar todo o sistema de proteção e manutenção no seio familiar amplo preconizado pelo ECA, restringir o parentesco para aquele especificado na lei civil, a qual considera o parente até o quarto grau. Isso porque, se a própria Lei nº 8.069/90 (ECA), lei especial e, portanto, prevalecente em casos dessa jaez, estabelece no § 1º do art. 42 que “não podem adotar os ascendentes e os irmãos do adotando”, a única outra categoria de parente próximo supostamente considerado pelo ditame civilista capacitado legalmente à adoção a fim de que o adotando permanecesse vinculado à sua “família” seriam os tios consanguíneos (irmãos dos pais biológicos), o que afastaria por completo a possibilidade dos tios colaterais e por afinidade (cunhados), tios-avós (tios dos pais biológicos), primos em qualquer grau, e outros tantos “parentes” considerados membros da família ampliada, plural, extensa e, inclusive, afetiva, muitas vezes sem qualquer grau de parentalidade como são exemplos os padrinhos e madrinhas, adotarem, o que seria um contrassenso, isto é, conclusão que iria na contramão de todo o sistema jurídico protetivo de salvaguarda do menor interesse de crianças e adolescentes. 

Melhor interesse da criança permite certa flexibilização 

Em hipóteses como a tratada no caso, critérios absolutamente rígidos previstos na lei não podem preponderar, notadamente quando em foco o interesse pela prevalência do bem estar, da vida com dignidade do menor, recordando-se, a esse propósito, que no caso sub judice, além dos pretensos adotantes estarem devidamente habilitados junto ao Cadastro Nacional de Adoção, são parentes colaterais por afinidade do menor “(...) tios da mãe biológica do infante, que é filha da irmã de sua cunhada” e não há sequer notícias de que membros familiares mais próximos tenham demonstrado interesse no acolhimento familiar dessa criança. O STJ tem reconhecido a relativização de regras previstas no ECA, em atenção à primazia dos interesses do menor tutelado, sendo permitido, excepcionalmente, de acordo com as peculiaridades do caso concreto, que o adotante seja pessoa não inscrita previamente no cadastro e, ainda, não raro, seja “escolhida” pelos pais do adotando na chamada adoção intuitu personae. 

Ordem cronológica não é absoluta 

Ademais, nos termos da jurisprudência do STJ, a ordem cronológica de preferência das pessoas previamente cadastradas para adoção não tem um caráter absoluto, devendo ceder ao princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, razão de ser de todo o sistema de defesa erigido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, que tem na doutrina da proteção integral sua pedra basilar (STJ. 4ª Turma. HC 468.691/SC, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe de 11/03/2019). 

* DOD PÉDIA – DEFINIÇÕES DE ALGUNS IMPORTANTES CONCEITOS TRABALHADOS AO LONGO DO TEXTO 

Adoção à brasileira 

“Adoção à brasileira” ou “adoção à moda brasileira” ocorre quando o homem ou a mulher declara, para fins de registro civil, um menor como sendo seu filho biológico, sem que isso seja verdade. Essa prática é chamada pejorativamente de “adoção à brasileira” porque é uma espécie de “adoção” feita sem observar as exigências legais, ou seja, uma adoção feita segundo o “jeitinho brasileiro”. Tecnicamente, contudo, não se trata de adoção, porque não segue o procedimento legal. Consiste, em verdade, em uma perfilhação simulada. A “adoção à brasileira” não é permitida, sendo a conduta até prevista como crime pelo art. 242 do CP: 

Art. 242. Dar parto alheio como próprio; registrar como seu o filho de outrem; ocultar recémnascido ou substituí-lo, suprimindo ou alterando direito inerente ao estado civil: Pena - reclusão, de dois a seis anos. Parágrafo único. Se o crime é praticado por motivo de reconhecida nobreza: Pena - detenção, de um a dois anos, podendo o juiz deixar de aplicar a pena. 

Família eudemonista 

Família eudemonista é aquela formada por pessoas que possuem um vínculo de afinidade e afeto, ainda que não mantenham relação de consanguinidade. Conforme explica Maria Berenice Dias: 

“A busca da felicidade, a supremacia do amor, a vitória da solidariedade ensejam o reconhecimento do afeto como único modo eficaz de definição da família e de preservação da vida. As relações afetivas são elementos constitutivos dos vínculos interpessoais. A possibilidade de buscar formas de realização pessoal e gratificação profissional é a maneira de as pessoas se converterem em seres socialmente úteis. Para essa nova tendência de identificar a família pelo seu envolvimento afetivo surgiu um novo nome: família eudemonista, que busca a felicidade individual, por meio da emancipação de seus membros. O eudemonismo é a doutrina que enfatiza o sentido da busca pelo sujeito de sua felicidade. A absorção do princípio eudemonista pelo ordenamento legal altera o sentido da proteção jurídica da família, deslocando-o da instituição para o sujeito, como se infere da primeira parte do § 8.º do art. 226 da CR: o Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram.” (DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. Salvador: Juspodivm, 2021, p. 461). 

Oportuno também transcrever o genial Conrado Paulino da Rosa: 

“Sua diferenciada designação vem da palavra grega eudaimonia para designar o sentimento de felicidade. Em sua literalidade significa em boa (=eu) situação no que se refere a daimons (demônios ou espíritos). Deste modo, felicidade é viver com bons espíritos. Essa maneira moderna privilegia a busca da felicidade e realização pessoal, onde todos os integrantes da célula familiar contribuem para o processo de cada um, incentivados pela sociedade e isonomia, favorecendo o crescimento coletivo, num clima de respeito mútuo e afeto constante. Acima de tudo, o conceito de unidade familiar, antes delineado como aglutinação formal de pais e filhos legítimos baseada no casamento, migra para um conceito flexível e instrumental, que tem em mira o liame substancial de pelo menos um dos genitores com seus filhos - tendo por origem não apenas o casamento - e inteiramente voltado para a concretização espiritual e o desenvolvimento da personalidade de seus membros. (...) O conceito de família para realização de fins estatais foi substituído pelas realizações de fins da pessoa humana. A família se constitui para sua própria felicidade, e não para a felicidade do Estado. (...) Na atualidade, por consequência, afastamos a ideia da família como uma composição pronta (tal qual as fórmulas matemáticas que aprendemos na escola) e partimos para uma ideia de construção a ser realizada. Fugimos de uma família em um padrão "formula de Baskarà” (pai + mãe = filhos) e a multiplicidade de resultados só pode resultar em um denominador comum: a felicidade. (...) O amor está para o Direito de Família assim como a vontade está para o Direito das Obrigações. Nesse novo ambiente, é necessário compreender a família como sistema democrático, substituindo a feição centralizadora e patriarcal por um espaço aberto ao diálogo entre os seus membros, onde é almejada a confiança recíproca. Na ideia de família, o que mais importa - a cada um de seus membros, e a todos a um só tempo - é exatamente pertencer ao seu âmago, é estar naquele idealizado lugar onde é possível integrar sentimentos, esperanças e valores, permitindo, a cada um, se sentir a caminho da realização de seu projeto pessoal de felicidade.” (Direito de Família contemporâneo. Salvador: Juspodivm, 2021, p. 176-178). 

 (Promotor MPDFT 2015) Família eudemonista é um conceito que se refere ao deslocamento da proteção jurídica da instituição para o sujeito. (certo)


11 de agosto de 2021

Atende ao melhor interesse da criança a adoção personalíssima intrafamiliar por parentes colaterais por afinidade, a despeito da circunstância de convivência da criança com família substituta, também, postulante à adoção

 

Processo

REsp 1.911.099-SP, Rel. Min. Marco Buzzi, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 29/06/2021, DJe 03/08/2021.

Ramo do Direito

DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

  • Paz, Justiça e Instituições Eficazes
Tema

Adoção personalíssima. Intrafamiliar. Parentes colaterais por afinidade. Habilitação junto ao Cadastro Nacional de Adoção. Menor colocado em estágio de convivência em família substituta no curso do procedimento. Insurgência dos pretendentes à adoção intrafamiliar e do casal terceiro prejudicado (família substituta). Conceito de família amplo. Afeto e afinidade. Colocação em família substituta. Excepcionalidade.

Destaque

Atende ao melhor interesse da criança a adoção personalíssima intrafamiliar por parentes colaterais por afinidade, a despeito da circunstância de convivência da criança com família substituta, também, postulante à adoção.

Informações do Inteiro Teor

Trata-se de ação de adoção personalíssima ajuizada pelos pretendentes à adoção intrafamiliar - parentes colaterais por afinidade da criança - que estavam com a guarda de fato do menor desde o seu nascimento, não se tendo notícia de que faltassem aos cuidados necessários e adequados ou negligenciassem o infante, somando-se os fatos incontroversos segundo os quais: a) não ocorreu a adoção à brasileira; b) os insurgentes são habilitados junto ao Cadastro Nacional de Adoção; c) a criança fora lançada para estágio de convivência com guarda precária deferida em favor de família substituta, sem que fossem os autores comunicados e, ainda, em momento anterior ao próprio julgamento do recurso de apelação contra a sentença de extinção da adoção personalíssima intrafamiliar.

A Constituição Federal de 1988 rompeu com os paradigmas clássicos de família consagrada pelo casamento e admitiu a existência e a consequente regulação jurídica de outras modalidades de núcleos familiares (monoparental, informal, afetivo), diante das garantias de liberdade, pluralidade e fraternidade que permeiam as conformações familiares, sempre com foco na dignidade da pessoa humana, fundamento basilar de todo o ordenamento jurídico.

O legislador ordinário, ao estabelecer no artigo 50, § 13, inciso II, do ECA que podem adotar os parentes que possuem afinidade/afetividade para com a criança, não promoveu qualquer limitação (se aos consanguíneos em linha reta, aos consanguíneos colaterais ou aos parentes por afinidade), a denotar, por esse aspecto, que a adoção por parente (consanguíneo, colateral ou por afinidade) é amplamente admitida quando demonstrado o laço afetivo entre a criança e o pretendente à adoção, bem como quando atendidos os demais requisitos autorizadores para tanto.

Em razão do novo conceito de família - plural e eudemonista - não se pode, sob pena de desprestigiar todo o sistema de proteção e manutenção no seio familiar amplo preconizado pelo ECA, restringir o parentesco para aquele especificado na lei civil, a qual considera o parente até o quarto grau.

Isso porque, se a própria Lei n. 8.069/1990, lei especial e, portanto, prevalecente em casos dessa jaez, estabelece no § 1º do artigo 42 que "não podem adotar os ascendentes e os irmãos do adotando", a única outra categoria de parente próximo supostamente considerado pelo ditame civilista capacitado legalmente à adoção a fim de que o adotando permanecesse vinculado à sua "família" seriam os tios consanguíneos (irmãos dos pais biológicos), o que afastaria por completo a possibilidade dos tios colaterais e por afinidade (cunhados), tios-avós (tios dos pais biológicos), primos em qualquer grau, e outros tantos "parentes" considerados membros da família ampliada, plural, extensa e, inclusive, afetiva, muitas vezes sem qualquer grau de parentalidade como são exemplos os padrinhos e madrinhas, adotarem, o que seria um contrassenso, isto é, conclusão que iria na contramão de todo o sistema jurídico protetivo de salvaguarda do menor interesse de crianças e adolescentes.

Em hipóteses como a tratada no caso, critérios absolutamente rígidos previstos na lei não podem preponderar, notadamente quando em foco o interesse pela prevalência do bem estar, da vida com dignidade do menor, recordando-se, a esse propósito, que no caso sub judice, além dos pretensos adotantes estarem devidamente habilitados junto ao Cadastro Nacional de Adoção, são parentes colaterais por afinidade do menor "(...) tios da mãe biológica do infante, que é filha da irmã de sua cunhada" e não há sequer notícias de que membros familiares mais próximos tenham demonstrado interesse no acolhimento familiar dessa criança.

Este Superior Tribunal de Justiça tem reconhecido a relativização de regras previstas no ECA, em atenção à primazia dos interesses do menor tutelado, sendo permitido, excepcionalmente, de acordo com as peculiaridades do caso concreto, que o adotante seja pessoa não inscrita previamente no cadastro e, ainda, não raro, seja "escolhida" pelos pais do adotando na chamada adoção intuitu personae.

Ademais, nos termos da jurisprudência do STJ, a ordem cronológica de preferência das pessoas previamente cadastradas para adoção não tem um caráter absoluto, devendo ceder ao princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, razão de ser de todo o sistema de defesa erigido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, que tem na doutrina da proteção integral sua pedra basilar (HC 468.691/SC, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe de 11/03/2019).