Mostrando postagens com marcador Penhor Civil. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Penhor Civil. Mostrar todas as postagens

3 de maio de 2021

Filigrana doutrinária: Penhor Civil e Autotutela executiva - Humberto Theodoro Júnior

"No Brasil, podem ser encontradas modalidades especiais de penhor (rural, industrial, mercantil e de veículos), em que as coisas empenhadas continuam em poder fático do devedor, que as deve guardar e conservar. E, mesmo no penhor comum, o credor pode se apropriar dos frutos da coisa empenhada. Afastando eventual enriquecimento injustificado, o valor desses frutos deve ser imputado nas despesas de guarda e conservação, nos juros e no capital da obrigação garantida (art. 1.435, III, do CC/2002). Admite-se, a teor do art. 1.433, IV, do CC/2002, a convenção da execução extrajudicial, assegurando-se ao credor a tutela do seu crédito, mediante execução extrajudicial, com a venda do bem dado em garantia, entregando ao devedor eventual saldo remanescente (art. 1.435, V, do CC/2002), com nítido formato de autotutela executiva. Ainda, no âmbito do penhor de direitos ou de títulos de crédito, vencido o crédito, pode o credor reter, da quantia recebida em relação ao título dado como garantia, o respectivo valor (art. 1.455, parágrafo único, do CC/2002), cenário que também configura modalidade de autotutela executiva".


Theodoro Júnior, Humberto; Andrade, Érico. Novas perspectivas para atuação da tutela executiva no direito brasileiro: autotutela executiva e “desjudicialização” da execução. Revista de Processo. vol. 315. ano 46. p. 109-158. São Paulo: Ed. RT, maio 2021. 

17 de abril de 2021

Súmula 638 do STJ comentada

Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://www.dizerodireito.com.br/2019/12/sumula-638-do-stj-comentada.html

Foi aprovada recentemente a Súmula 638 do STJ, com a seguinte redação:

Súmula 638-STJ: É abusiva a cláusula contratual que restringe a responsabilidade de instituição financeira pelos danos decorrentes de roubo, furto ou extravio de bem entregue em garantia no âmbito de contrato de penhor civil.

CLÁUSULAS ABUSIVAS 

É nula a cláusula que limite o valor da indenização na hipótese de eventual furto, roubo ou extravio do bem empenhado 

Súmula 638-STJ: É abusiva a cláusula contratual que restringe a responsabilidade de instituição financeira pelos danos decorrentes de roubo, furto ou extravio de bem entregue em garantia no âmbito de contrato de penhor civil. STJ. 2ª Seção. Aprovada em 27/11/2018, DJe 5/12/2018. 

Penhor civil 

Penhor é o direito real pelo qual o devedor ou terceiro transfere ao credor, em garantia do débito, a posse de uma coisa móvel. A coisa dada em penhor é “empenhada” ou “apenhada”. Não se pode confundir penhor (garantia real) com penhora (ato do processo de execução). 

Penhor de joias 

A Caixa Econômica Federal oferece uma forma de conferir empréstimo de modo mais ágil e sem burocracia. Trata-se do empréstimo com penhor. A pessoa interessada em obter um empréstimo procura a CEF e obtém o empréstimo, oferecendo, como garantia, joias, pedras preciosas, canetas, relógios etc. Quando a pessoa paga o empréstimo, recebe de volta o bem empenhado. Se o mutuário não quitar o empréstimo, a coisa apenhada é leiloada. 

Imagine agora a seguinte situação hipotética: Pedro, precisando de dinheiro, resolve tomar um empréstimo na CEF e, como garantia, entrega o seu anel de formatura. No contrato assinado, havia uma cláusula que dizia que, em caso de roubo, furto ou extravio da joia empenhada, a CEF deveria pagar ao mutuário, a título de danos materiais e morais, o valor máximo de 1,5 vezes da quantia pela qual foi avaliado o bem. Ex: se o bem tivesse sido avaliado em R$ 10 mil, a CEF pagaria, no máximo, R$ 15 mil de indenização. Uma semana após Pedro dar o bem em garantia, houve um furto na agência da CEF e levaram o anel, que estava guardado em um cofre. 

A CEF deverá indenizar Pedro por esse furto? SIM. O furto ocorrido deve ser entendido como fortuito interno, inerente à atividade explorada pelo banco. Assim, a instituição financeira é responsável por furtos ou mesmo roubos em seus cofres (STJ. 4ª Turma. REsp 1.250.997/SP, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 5/2/2013). 

Essa cláusula que limita o valor da indenização é válida? NÃO. O CDC prevê, em seu art. 51, I: 

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: I - impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis; 

No contrato de penhor celebrado com a Caixa, é notória a hipossuficiência do consumidor, pois este, necessitando de empréstimo, apenas adere a um contrato cujas cláusulas são inegociáveis, submetendose, inclusive, à avaliação unilateral realizada pela instituição financeira. Vale ressaltar que, comumente, a avaliação é inferior ao preço cobrado do consumidor no mercado varejista de joias. Ao aceitar dar em penhor sua joia pessoal, o consumidor demonstra não estar interessado em vender esse bem empenhado, preferindo transferir apenas a posse temporária dela à instituição financeira, em garantia de um empréstimo. Pago o empréstimo, ele tem plena expectativa de ter de volta seu bem. Isso revela que, em regra, o mutuário possui uma relação afetiva com a coisa apenhada. 

O que fazer, então, no caso concreto? 

O juiz deverá reconhecer que a cláusula é nula de pleno direito, nos termos do art. 51, I, do CDC, devendo condenar à CEF a pagar um valor justo de indenização, que atenda estritamente aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Deve-se salientar que, além dos danos materiais, a CEF deverá ser condenada a pagar também danos morais, uma vez que, conforme já salientado, o consumidor que decide pelo penhor assim o faz pretendendo receber o bem de volta, e, para tanto, confia que o mutuante o guardará pelo prazo ajustado. Se a coisa empenhada fosse para o proprietário um bem qualquer, sem nenhum valor sentimental, provavelmente o consumidor optaria pela venda da joia, e, certamente, obteria um valor maior. 

Qual é o prazo prescricional para o ajuizamento dessa ação de indenização? 5 anos, nos termos do art. 27 do CDC: 

Art. 27. Prescreve em cinco anos a pretensão à reparação pelos danos causados por fato do produto ou do serviço prevista na Seção II deste Capítulo, iniciando-se a contagem do prazo a partir do conhecimento do dano e de sua autoria. 

O furto das joias, objeto do penhor, constitui falha do serviço prestado pela instituição financeira, devendo incidir o prazo prescricional de 5 anos para a ação de indenização, conforme previsto no art. 27 do CDC. STJ. 4ª Turma. REsp 1.369.579-PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 24/10/2017 (Info 616).