Mostrando postagens com marcador Ações Possessórias. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Ações Possessórias. Mostrar todas as postagens

6 de janeiro de 2022

COMODATO É desnecessária a notificação prévia do comodatário para fins de comprovação do esbulho possessório quando verificada a ciência inequívoca do intuito de reaver o imóvel

 Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/11/info-713-stj.pdf


COMODATO É desnecessária a notificação prévia do comodatário para fins de comprovação do esbulho possessório quando verificada a ciência inequívoca do intuito de reaver o imóvel 

Nos contratos de comodato firmados por prazo determinado, mostra-se desnecessária a promoção de notificação prévia - seja extrajudicial ou judicial - do comodatário, pois, logicamente, a mora constituir-se-á de pleno direito na data em que não devolvida a coisa emprestada, conforme estipulado contratualmente. Por outro lado, no caso de comodato por prazo indeterminado, é indispensável a prévia notificação para rescindir o contrato, pois, somente após o término do prazo previsto na notificação premonitória, a posse exercida pelo comodatário, anteriormente tida como justa, tornar-se-á injusta, de modo a configurar o esbulho possessório. No caso concreto, todavia, a despeito de o comodato ter-se dado por tempo indeterminado e de não ter havido a prévia notificação do comodatário, não se pode conceber que este detinha a posse legítima do bem. Isso porque foi ajuizada uma outra ação antes da propositura da própria ação possessória e nessa primeira ação já se demonstrou o intuito de retomar o bem, mostrando-se a notificação premonitória uma mera formalidade, inócua aos fins propriamente pretendidos. Assim, verificada a ciência inequívoca do comodatário para que providenciasse a devolução do imóvel cuja posse detinha em função de comodato com a falecida proprietária, configurado está o esbulho possessório, hábil a justificar a procedência da lide. STJ. 3ª Turma. REsp 1.947.697-SC, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 28/09/2021 (Info 713). 

O julgado comentado envolve o tema comodato. Antes de explicar o que foi decidido, acho interessante fazer uma revisão sobre o assunto. Se estiver sem tempo, pode ir diretamente para a explicação do julgado. 

NOÇÕES GERAIS SOBRE COMODATO 

Comodato 

O comodato é o empréstimo gratuito de coisas não fungíveis (art. 579 do CC). O comodato pode ser de bens móveis ou imóveis. 

Ex1: Henrique, rico empresário, empresta um pequeno apartamento para que seu primo, Mário, lá more com sua família. 

Ex2: José empresta um trator para Joaquim fazer a colheita de soja em sua fazenda. 

Partes 

Comodante: é a pessoa que empresta.

 Comodatário: é a pessoa que recebe a coisa em empréstimo. 

O comodante precisa ser o dono da coisa? 

Não necessariamente. O comodato é apenas a cessão do uso, não transferindo domínio. Assim, para ser comodante basta que a pessoa tenha o direito de uso sobre a coisa e que não haja nenhuma vedação legal ou contratual quanto ao empréstimo. 

Exemplo de quem não pode fazer comodato sob os bens confiados à sua guarda: 

Os tutores, curadores e em geral todos os administradores de bens alheios não poderão dar em comodato, sem autorização especial, os bens confiados à sua guarda (art. 580). 

Características do comodato 

a) Gratuito 

O comodato é gratuito (art. 579). Se fosse oneroso, iria se confundir com a locação. Vale ressaltar que o comodante pode impor algum encargo ao comodatário sem que isso descaracterize a existência do comodato. Ex: é possível que o comodatário se comprometa a pagar algumas pequenas despesas relativas ao bem, como cotas condominiais e impostos, sem que isso faça com que o contrato deixe de ser um comodato. A doutrina chama isso de “comodato modal” ou “comodato com encargo”. Caso arque com tais despesas, o comodatário não poderá jamais recobrar (pedir de volta) do comodante as despesas feitas com o uso e gozo da coisa emprestada (art. 584). 

b) Seu objeto é infungível e inconsumível. 

Isso significa que o comodatário deverá, ao final do contrato, devolver a mesma coisa que recebeu em empréstimo. Se a coisa emprestada for fungível ou consumível, o contrato não será de comodato, mas sim de mútuo (art. 586). O comodato de bens fungíveis ou consumíveis só é admitido em uma única hipótese: quando destinado à ornamentação, como o de um arranjo de flores para decoração, por exemplo. É conhecido como comodatum ad pompam vel ostentationem. 

c) Somente se aperfeiçoa com a tradição do objeto (contrato real)

 O comodato é um contrato real, ou seja, é necessária a tradição (entrega) da coisa para que se aperfeiçoe. Antes da tradição não existe comodato. 

d) Unilateral 

Em regra, gera obrigações apenas para o comodatário. Só por exceção o comodante pode assumir obrigações, posteriormente. 

e) Temporário 

O comodato é sempre temporário tendo em vista que é um mero empréstimo. Se não fosse temporário, seria, na verdade, uma doação. Não se admite comodato vitalício. 

Prazo determinado ou indeterminado 

O comodato pode ser fixado: 

• por prazo determinado; 

• por prazo indeterminado (também chamado de comodato precário). 

Prazo determinado 

Se for por prazo determinado, quando chegar o dia estipulado, o comodatário deverá automaticamente devolver a coisa emprestada. Não é necessário que o comodante interpele o comodatário para que este restitua o bem. No caso de comodato por prazo determinado: a mora é ex re (mora ex re é aquela que se verifica automaticamente pelo não cumprimento da obrigação no dia certo do vencimento. Ocorre de pleno direito, independentemente de notificação). 

Prazo indeterminado 

Se for por prazo indeterminado (não se combinou um dia exato para a devolução), entende-se que o comodato irá durar pelo tempo necessário para que o comodatário use a coisa para cumprir a finalidade que motivou o empréstimo. Exemplos de Silvio Rodrigues: se alguém empresta um trator para ser utilizado na colheita, presume-se que o prazo do comodato se estende até o final desta; se alguém empresta um barco para que seu amigo realize uma pesca, presume-se que o comodato foi pelo prazo necessário para essa pesca. É possível também que o comodato seja fixado com prazo indeterminado para uso mais prolongado. É o caso, por exemplo, do rico empresário que empresta um de seus apartamentos para que o primo more com a família. O comodato por prazo indeterminado é também chamado de comodato precário. No caso de comodato por prazo indeterminado: a mora é ex persona (a mora ex persona ocorre quando se exige a interpelação judicial ou extrajudicial do devedor para que este possa ser considerado em mora). 

O comodante pode pedir de volta a coisa emprestada antes do fim do prazo? 

Como regra geral, o comodante não pode pedir de volta a coisa emprestada antes de terminar o prazo combinado ou antes do comodatário usar a coisa para a finalidade que motivou o empréstimo. Exceção: o comodante poderá requerer a devolução antes do prazo se conseguir provar, em ação judicial, que precisa do bem em virtude de necessidade imprevista e urgente. Essa é a redação do CC: 

Art. 581. Se o comodato não tiver prazo convencional, presumir-se-lhe-á o necessário para o uso concedido; não podendo o comodante, salvo necessidade imprevista e urgente, reconhecida pelo juiz, suspender o uso e gozo da coisa emprestada, antes de findo o prazo convencional, ou o que se determine pelo uso outorgado. 

f) Informal: 

A lei não exige forma especial para a sua validade. Pode ser até mesmo verbal. 

g) Personalíssimo (intuitu personae): 

Em regra, o comodato é um contrato personalíssimo, considerando que é celebrado levando-se em consideração a pessoa do comodatário. Excepcionalmente, contudo, é possível que se encontrem comodatos sem essa característica. 

Obrigações do comodatário 

a) Conservar a coisa emprestada como se fosse sua 

O comodatário é obrigado a conservar, como se sua própria fora a coisa emprestada, sob pena de responder por perdas e danos (art. 582). Em caso de uma situação de perigo, se o comodatário preferir salvar as suas coisas, abandonando o bem do comodante, responderá pelo dano ocorrido, ainda que se possa atribuir o evento a caso fortuito, ou força maior (art. 583). 

b) Arcar com as despesas ordinárias de conservação e utilização da coisa 

As despesas ordinárias de conservação e utilização da coisa são de responsabilidade do comodatário, não tendo ele direito de pedir ressarcimento do comodante. Exs: alimentação de um cavalo emprestado; despesas de luz de um apartamento emprestado; combustível e óleo do trator emprestado. 

Art. 584. O comodatário não poderá jamais recobrar do comodante as despesas feitas com o uso e gozo da coisa emprestada. 

E as despesas extraordinárias? 

Devem ser comunicadas ao comodante, para que ele as faça ou então autorize a fazê-las. Ex: reforma no apartamento por conta de uma infiltração. 

c) Usar a coisa de acordo com o contrato ou com a natureza dela 

O comodatário não pode usar a coisa senão de acordo com o contrato, ou a natureza dela, sob pena de responder por perdas e danos. O uso inadequado da coisa constitui causa de resolução do contrato. Ex: Mário recebeu, em comodato, o apartamento de seu primo para que nele morasse com sua família. Ao invés disso, aluga o imóvel para um terceiro.

 d) Restituir a coisa no prazo ajustado ou quando terminar o uso a que ela se destinava 

A coisa deve ser restituída no prazo convencionado. Se não foi fixado prazo, a coisa deve ser restituída após chegar ao fim o tempo necessário ao uso concedido. 

Extinção do comodato 

Extingue-se o comodato: 

a) pelo advento do termo convencionado ou, não havendo estipulação nesse sentido, pela utilização da coisa de acordo com a finalidade para que foi emprestada; 

b) em caso de descumprimento, pelo comodatário, de suas obrigações; 

c) pela retomada do bem, por meio de sentença, a pedido do comodante, desde que provada a necessidade imprevista e urgente; 

d) pela morte do comodatário, se o contrato foi celebrado intuitu personae. Se não foi personalíssimo, o comodato pode prosseguir com os herdeiros do comodatário. Obs: a morte do comodante não é causa de extinção do contrato; 

e) pelo perecimento ou deterioração da coisa. 

Comodatário que se nega a restituir a coisa: 

O comodatário que se negar a restituir a coisa pratica esbulho. Logo, o comodante deverá ingressar com ação de reintegração de posse para reaver a coisa. Se o contrato era por prazo determinado, com o fim do prazo e a não devolução do bem, o comodante pode propor a ação de reintegração imediatamente (mora ex re). Se o contrato era por prazo indeterminado, será necessária a interpelação do comodatário para que se constitua a sua mora (mora ex persona). 

O comodatário sofrerá duas penalidades por não restituir a coisa: 

• responderá pelos danos que ocorrerem na coisa se esta perecer ou se deteriorar, ainda que decorrentes de caso fortuito; e 

• terá de pagar aluguel durante o tempo do atraso. 

Aluguel pelo tempo do atraso 

Se o comodatário não devolver a coisa emprestada, o comodante poderá arbitrar um valor (chamado pela lei de “aluguel”) a ser pago pelo comodatário, pelo uso da coisa além do tempo permitido. Veja a redação do CC: 

Art. 582. (...) O comodatário constituído em mora, além de por ela responder, pagará, até restituíla, o aluguel da coisa que for arbitrado pelo comodante. 

O STJ entendeu que a natureza desse “aluguel” é de uma autêntica pena privada, tendo por objetivo coagir o comodatário a restituir, o mais rapidamente possível, a coisa emprestada, que indevidamente não foi devolvida no prazo legal. Por isso, o Min. Paulo de Tarso Sanseverino chama de “aluguel-pena”. STJ. 3ª Turma. REsp 1.175.848-PR, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 18/9/2012. 

Se o comodatário se nega a restituir o bem, o contrato altera sua natureza e deixa de ser comodato, passando a ser um contrato de locação? 

NÃO. O contrato continua sendo de comodato. Esse aluguel, como já explicado, é de natureza indenizatória, por conta do uso indevido da coisa e não tem o condão de transformar o negócio em locação. Tanto isso é verdade que a ação para retomar o bem é a ação de reintegração de posse e não a ação de despejo. 

Quem estipula o valor desse aluguel-pena? 

Esse valor é arbitrado pelo próprio comodante. Normalmente, o valor do aluguel-pena é fixado pelo comodante na petição inicial da ação de reintegração de posse. 

O valor desse aluguel-pena arbitrado pelo comodante pode ser superior ao valor do aluguel que seria pago pelo comodatário como média no mercado caso fosse realmente uma locação (e não um comodato)? 

SIM. O montante arbitrado poderá ser superior ao valor de mercado do aluguel locatício, pois a sua finalidade não é transmudar o comodato em locação, mas coagir o comodatário a restituir o mais rapidamente possível a coisa emprestada (Min. Paulo de Tarso Sanseverino). 

Mas há um limite? 

SIM. Esse valor não pode ser exagerado, abusivo, sob pena de ser reduzido pelo juiz. Segundo entendeu o Ministro Relator, o aluguel-pena do comodato não deve ultrapassar o dobro do preço de mercado dos alugueis correspondentes ao imóvel emprestado. Em suma, o aluguel-pena pode ser até o dobro do valor que o proprietário conseguiria caso fosse oferecer seu imóvel para alugar no mercado. Explica-se, mais uma vez, que esse valor do aluguel-pena é maior que o valor do mercado porque seu objetivo é “forçar” o comodatário a devolver o bem e não transformar o contrato em uma locação. Logo, a situação tem que ficar desvantajosa para que o comodatário se sinta compelido a restituir a coisa. 

EXPLICAÇÃO DO JULGADO 

Imagine a seguinte situação hipotética: 

Regina cedeu, em comodato, um imóvel rural em favor de João. Passado algum tempo, Regina faleceu. Pedro, herdeiro de Regina, foi até o local e avisou João verbalmente que desejava retomar o imóvel, tendo o comodatário afirmado que iria organizar a saída. Logo depois, contudo, contraditoriamente, João iniciou uma pequena construção no local. Pedro ajuizou ação inibitória para que João ficasse proibido de continuar a construção. João foi citado e interrompeu a construção, contudo, não saiu do imóvel. Diante disso, Pedro ajuizou uma ação de reintegração de posse contra João alegando que não mais desejava manter o comodato e pedindo a retomada do imóvel. João contestou a demanda afirmando que o autor não poderia ter ajuizado a ação sem que, antes, tivesse feito a notificação do comodatário. Sem essa prévia notificação, não há que se falar em esbulho por parte do comodatário. Pedro contra-argumentou afirmando que essa prévia notificação pode ser suprida por outros meios que demonstrem a ciência do comodatário. 

O argumento de Pedro foi acolhido pelo STJ? A ausência dessa notificação pode ser suprida pela inequívoca ciência do comodatário acerca do intuito do autor de reaver o imóvel? 

SIM. O art. 1.210 do CC/2002 prevê que “o possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação, restituído no de esbulho, e segurado de violência iminente, se tiver justo receio de ser molestado”. Entretanto, para fins de deferimento da tutela possessória, incumbe ao autor da ação provar: 

a) a sua posse; 

b) a turbação ou o esbulho praticado pelo réu; 

c) a data da turbação ou do esbulho; e 

d) a continuação da posse, embora turbada, na ação de manutenção, ou a perda da posse, na ação de reintegração (art. 561 do CPC/2015). 

Nos contratos de comodato firmados por prazo determinado, mostra-se desnecessária a promoção de notificação prévia -seja extrajudicial ou judicial - do comodatário, pois, logicamente, a mora constituir-seá de pleno direito na data em que não devolvida a coisa emprestada, conforme estipulado contratualmente. Por outro lado, no caso de comodato por prazo indeterminado, é indispensável a prévia notificação para rescindir o contrato, pois, somente após o término do prazo previsto na notificação premonitória, a posse exercida pelo comodatário, anteriormente tida como justa, tornar-se-á injusta, de modo a configurar o esbulho possessório. No caso concreto, todavia, a despeito de o comodato ter-se dado por tempo indeterminado e de não ter havido a prévia notificação do comodatário, não se pode conceber que este detinha a posse legítima do bem. Isso porque foi ajuizada uma outra ação antes da propositura da própria ação possessória e nessa primeira ação já se demonstrou o intuito de retomar o bem, mostrando-se a notificação premonitória uma mera formalidade, inócua aos fins propriamente pretendidos. Assim, verificada a ciência inequívoca do comodatário para que providenciasse a devolução do imóvel cuja posse detinha em função de comodato com a falecida proprietária, configurado está o esbulho possessório, hábil a justificar a procedência da lide. 

Em suma: É desnecessária a notificação prévia do comodatário para fins de comprovação do esbulho possessório quando verificada a ciência inequívoca do intuito de reaver o imóvel. STJ. 3ª Turma. REsp 1.947.697-SC, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 28/09/2021 (Info 713).

19 de outubro de 2021

É desnecessária a notificação prévia do comodatário para fins de comprovação do esbulho possessório quando verificada a ciência inequívoca do intuito de reaver o imóvel

Processo

REsp 1.947.697-SC, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 28/09/2021, DJe 01/10/2021.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL

  • Paz, Justiça e Instituições Eficazes
Tema

Reintegração de posse. Comodato verbal. Comprovação do esbulho. Ciência inequívoca do intuito de reaver o imóvel. Notificação prévia do comodatário. Desnecessidade.

 

DESTAQUE

É desnecessária a notificação prévia do comodatário para fins de comprovação do esbulho possessório quando verificada a ciência inequívoca do intuito de reaver o imóvel.


INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Dispõe o art. 1.210 do CC/2002 que o possuidor tem direito a ser mantido na posse do bem em caso de turbação; restituído, no caso de esbulho; e segurado de violência iminente, se tiver justo receio de ser molestado.

Entretanto, para fins de deferimento da tutela possessória, incumbe ao autor da ação provar i) a sua posse; ii) a turbação ou o esbulho praticado pelo réu; iii) a data da turbação ou do esbulho; e iv) a continuação da posse, embora turbada, na ação de manutenção, ou a perda da posse, na ação de reintegração (art. 561 do CPC/2015).

Nos contratos de comodato firmados por prazo determinado, mostra-se desnecessária a promoção de notificação prévia - seja extrajudicial ou judicial - do comodatário, pois, logicamente, a mora constituir-se-á de pleno direito na data em que não devolvida a coisa emprestada, conforme estipulado contratualmente.

Ao revés, tem-se como essencial a prévia notificação para rescindir o contrato verbal de comodato, quando firmado por prazo indeterminado, pois, somente após o término do prazo previsto na notificação premonitória, a posse exercida pelo comodatário, anteriormente tida como justa, tornar-se-á injusta, de modo a configurar o esbulho possessório.

No caso, todavia, a despeito de o comodato ter-se dado por tempo indeterminado e de não ter havido a prévia notificação dos comodatários, não se pode conceber que estes detinham a posse legítima do bem. Isso porque o próprio ajuizamento de ação cautelar inominada por parte do espólio - que se deu anteriormente à propositura da própria ação possessória - já demonstrava esse intuito, mostrando-se a notificação premonitória uma mera formalidade, inócua aos fins propriamente pretendidos.

Destarte, verificada a ciência inequívoca dos comodatários para que providenciassem a devolução do imóvel cuja posse detinham em função de comodato verbal com a falecida proprietária, configurado está o esbulho possessório, hábil a justificar a procedência da lide.

18 de outubro de 2021

É possível o ajuizamento de ação possessória, fundada em cláusula resolutiva expressa, decorrente de inadimplemento contratual do promitente comprador, sendo desnecessária a prévia propositura de ação para resolução do contrato

Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/10/info-704-stj.pdf


CONTRATOS - É possível o ajuizamento de ação possessória, fundada em cláusula resolutiva expressa, decorrente de inadimplemento contratual do promitente comprador, sendo desnecessária a prévia propositura de ação para resolução do contrato

Não se pode impor à parte já prejudicada pelo inadimplemento ter o ônus de ajuizar demanda judicial para obter a resolução do contrato quando já existe uma cláusula resolutória expressa em seu favor. Exigir isso seria impor ônus demasiado e obrigação contrária ao texto expresso da lei, desprestigiando o princípio da autonomia da vontade, da não intervenção do Estado nas relações negociais, criando obrigação que refoge à verdadeira intenção legislativa.

Fundamento legal: Código Civil / Art. 474. A cláusula resolutiva expressa opera de pleno direito; a tácita depende de interpelação judicial. A cláusula resolutiva expressa é aquela expressamente estipulada pelas partes no momento da celebração do negócio jurídico ou em oportunidade posterior (por meio de aditivo contratual), porém, sempre antes da verificação da situação de inadimplência nela prevista, que constitui o suporte fático para a resolução do ajuste firmado. Nesta cláusula, as partes indicam as hipóteses que geram a extinção do contrato. 

STJ. 4ª Turma. REsp 1.789.863-MS, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 10/08/2021 (Info 704). 

Imagine a seguinte situação hipotética: 

João, proprietário de uma fazenda, celebrou com Pedro, compromisso de compra e venda do imóvel. Assim, João se comprometeu a vender a fazenda para Pedro, que ficou de pagar R$ 700 mil divididos em 7 prestações de R$ 100 mil. No momento da assinatura do contrato, João já transferiu a posse para Pedro, que passou a ocupar a fazenda, ali vivendo e trabalhando. Ocorre que Pedro pagou apenas duas prestações, tornando-se, a partir daí, inadimplente. João fez uma notificação extrajudicial do devedor conferindo o prazo de 10 dias para purgar a mora, sob pena de resolução do contrato, nos termos da cláusula 4.3 do contrato celebrado. Passou o prazo e Pedro não pagou a dívida nem desocupou o imóvel, caracterizando, assim, o esbulho, dada a posse precária exercida. Diante desse cenário, João ajuizou ação de reintegração de posse contra Pedro. O juiz concedeu a liminar determinando que o réu desocupasse o imóvel. O requerido recorreu e o Tribunal de Justiça extinguiu o processo, sem resolução de mérito, sob o argumento de que o correto seria o prévio ajuizamento de ação para rescisão do contrato. Desse modo, o Tribunal entendeu pela inadequação da via eleita (reintegração de posse sem pedido de rescisão do compromisso de compra e venda do imóvel). 

Agiu corretamente o Tribunal de Justiça? NÃO. 

Cláusula resolutiva 

O art. 474 do Código Civil trata sobre as cláusulas resolutivas expressa e tácita: 

Art. 474. A cláusula resolutiva expressa opera de pleno direito; a tácita depende de interpelação judicial. 

 (PGM Curitiba) A cláusula resolutiva expressa opera de pleno direito; a tácita depende de interpelação judicial. (certo) 

 (Defensor DPE-RN 2015 CESPE) A extinção do contrato decorrente de cláusula resolutiva expressa configura exercício do direito potestativo de uma das partes do contrato de impor à outra sua extinção e depende de interpelação judicial. (errado) 


CLÁUSULA RESOLUTIVA 

EXPRESSA 

Trata-se de uma cláusula expressamente estipulada pelas partes no momento da celebração do negócio jurídico ou em oportunidade posterior (por meio de aditivo contratual), porém, sempre antes da verificação da situação de inadimplência nela prevista, que constitui o suporte fático para a resolução do ajuste firmado. Nesta cláusula, as partes indicam as hipóteses que geram a extinção do contrato. Importante mencionar que a cláusula resolutiva expressa não extingue automaticamente o contrato, mas apenas permite ao credor exercer o direito de optar entre: • a execução da prestação; ou • a resolução do ajuste. 

A vantagem de se estipular uma cláusula resolutiva expressa é que, se ocorrer a situação ali prevista, haverá resolução da relação negocial independentemente de pronunciamento judicial. 


TÁCITA 

É aquela prevista pelo próprio texto legal, e se aplica em situações nas quais as partes não estipulam mediante cláusula expressa. Nessa modalidade de extinção, ocorrendo determinada circunstância ensejadora de descumprimento obrigacional, está a parte prejudicada autorizada a buscar o rompimento do vínculo contratual, nos termos do art. 395, parágrafo único, do CC: Art. 395 (...) Parágrafo único. Se a prestação, devido à mora, se tornar inútil ao credor, este poderá enjeitá-la, e exigir a satisfação das perdas e danos. 

Para que haja a resolução da relação negocial exige-se pronunciamento judicial. 


Interpretação tradicional do STJ para o art. 474 do CC 

Mesmo com a previsão legal do art. 474 do Código Civil, que dispensa as partes da ida ao Judiciário quando existente a cláusula resolutiva expressa por se operar de pleno direito, o STJ, ao interpretar esse dispositivo, entendia ser “imprescindível a prévia manifestação judicial na hipótese de rescisão de compromisso de compra e venda de imóvel para que seja consumada a resolução do contrato, ainda que existente cláusula resolutória expressa, diante da necessidade de observância do princípio da boa-fé objetiva a nortear os contratos” (STJ. 4ª Turma. REsp 620.787/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe 27/04/2009). 

Desse modo, se, no caso concreto acima narrado, fosse aplicada a jurisprudência sedimentada no STJ, sem uma análise mais criteriosa e específica, a solução seria, realmente, reconhecer a falta de interesse de agir do autor (João) por conta da “inadequação da via eleita” já que ele teria que, previamente, pleitear em juízo a resolução do contrato. 

STJ alterou seu entendimento 

Ocorre que o STJ afirmou que, casos como o narrado acima exigem uma solução diferente daquela que era tradicionalmente adotada pela jurisprudência. É necessária uma mudança para se adotar um entendimento mais condizente com as expectativas da sociedade hodierna, voltadas à mínima intervenção estatal no mercado e nas relações particulares, com foco na desjudicialização, simplificação de formas e ritos e, portanto, na primazia da autonomia privada. 

Cláusula resolutiva expressa + interpelação + concessão de prazo 

Após a necessária interpelação para constituição em mora, deve haver um período no qual o contrato não pode ser extinto e que o compromissário comprador tem possibilidade de purgar. Após o decurso do prazo in albis, isto é, sem a purgação da mora, nada impede que o compromitente vendedor exerça o direito potestativo concedido pela cláusula resolutiva expressa para a resolução da relação jurídica extrajudicialmente. Cumprida a necessidade de comprovação da mora e comunicado o devedor acerca da intenção da parte prejudicada de não mais prosseguir com a avença, ultrapassado o prazo para a purgação da mora, o contrato se resolve de pleno direito, sem interferência judicial. Essa resolução, como já mencionado, dáse de modo automático, pelo só fato do inadimplemento do promitente comprador, independentemente de qualquer outra providência. 

Em alguns casos será necessária intervenção judicial (ex: em casos de inadimplemento substancial) 

Não se nega a existência de casos nos quais, em razão de outros institutos, esteja a parte credora impedida de pôr fim à relação negocial, como, por exemplo, quando evidenciado o adimplemento substancial*. Porém, essas hipóteses não podem transformar a excepcionalidade em regra, principalmente caso as partes estipulem cláusula resolutiva expressa e o credor demonstre os requisitos para a comprovação da mora, aguarde a apresentação de justificativa plausível pelo inadimplemento ou a purga e comunique a intenção de desfazimento do ajuste, informação que pode constar da própria notificação. Nessas hipóteses excepcionais, quando sobressaírem motivos plausíveis e justificáveis para a não resolução do contrato, a parte devedora sempre poderá socorrer-se da via judicial a fim de alcançar a declaração de manutenção do ajuste, transformando o inadimplemento absoluto em parcial, oferecendo, na oportunidade, todas as defesas que considerar adequadas a fim de obter a declaração de prosseguimento do contrato. O que não se pode é exigir que a parte credora – já prejudicada pelo inadimplemento – tenha que propor demanda judicial para obter a resolução do contrato quando já existe uma cláusula resolutória expressa em seu favor. Exigir isso seria impor ônus demasiado e obrigação contrária ao texto expresso da lei, desprestigiando o princípio da autonomia da vontade, da não intervenção do Estado nas relações negociais, criando obrigação que refoge à verdadeira intenção legislativa. 

Exigências da notificação extrajudicial 

Ressalte-se que a notificação deve conter o valor do crédito em aberto, o cálculo dos encargos contratuais cobrados, o prazo e local de pagamento e, principalmente, a explícita advertência de que a não purgação da mora no prazo acarretará a gravíssima consequência da extinção do contrato por resolução, fazendo nascer uma nova relação entre as partes - de liquidação. Dito isso, afirma-se que a alteração jurisprudencial é necessária para tornar prescindível o intento de demanda/ação judicial nas hipóteses em que existir cláusula resolutória expressa e tenha a parte cumprido os requisitos para a resolução da avença. 

Em suma: É possível o manejo de ação possessória, fundada em cláusula resolutiva expressa, decorrente de inadimplemento contratual do promitente comprador, sendo desnecessário o ajuizamento de ação para resolução do contrato. STJ. 4ª Turma. REsp 1.789.863-MS, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 10/08/2021 (Info 704). 

* DOD PÉDIA 

Antes de verificar o que decidiu o STJ, vamos relembrar o que é a teoria do adimplemento substancial

Por meio da teoria do adimplemento substancial, defende-se que, se o adimplemento da obrigação foi muito próximo ao resultado final, a parte credora não terá direito de pedir a resolução do contrato porque isso violaria a boa-fé objetiva, já que seria exagerado, desproporcional, iníquo. No caso do adimplemento substancial, a parte devedora não cumpriu tudo, mas quase tudo, de modo que o credor terá que se contentar em pedir o cumprimento da parte que ficou inadimplida ou então pleitear indenização pelos prejuízos que sofreu (art. 475, CC). Veja o clássico conceito de Clóvis do Couto e Silva: 

Adimplemento substancial “constitui um adimplemento tão próximo ao resultado final, que, tendo-se em vista a conduta das partes, exclui-se o direito de resolução, permitindo-se tão somente o pedido de indenização e/ou adimplemento, de vez que a primeira pretensão viria a ferir o princípio da boa-fé (objetiva)" (O Princípio da Boa-Fé no Direito Brasileiro e Português in Estudos de Direito Civil Brasileiro e Português. São Paulo: RT, 1980, p. 56). 

Sua origem está no Direito Inglês, por volta do séc. XVIII, tendo lá recebido o nome de substancial performance. 

Esta teoria é prevista expressamente no ordenamento jurídico brasileiro? 

NÃO. Não existe uma previsão expressa dessa teoria. Apesar disso, ela encontra fundamento em diversos princípios, dentre eles: • a função social do contrato (art. 421 do CC); • a boa-fé objetiva (art. 422); • a equivalência das obrigações • a vedação ao abuso de direito (art. 187); • a eticidade • a razoabilidade e • a vedação ao enriquecimento sem causa (art. 884). 

Segundo o Min. Paulo de Tarso Sanseverino, atualmente, o fundamento para a aplicação da teoria do adimplemento substancial no Direito brasileiro é a cláusula geral do art. 187 do Código Civil, que permite a limitação do exercício de um direito subjetivo pelo seu titular quando se colocar em confronto com o princípio da boa-fé objetiva. Desse modo, esta teoria está baseada no princípio da boa-fé objetiva. Apontase também como outro fundamento o princípio da função social dos contratos. 

A teoria do adimplemento substancial já foi acolhida pelo STJ? 

SIM. Existem julgados adotando expressamente a teoria. Vale ressaltar, no entanto, que seu uso não pode ser banalizado a ponto de inverter a lógica jurídica de extinção das obrigações. O “normal” que as partes esperam legitimamente é que os contratos sejam cumpridos de forma integral e regular. Diante disso, a fim de que haja critérios, o STJ afirma que são necessários três requisitos para a aplicação da teoria: 

a) a existência de expectativas legítimas geradas pelo comportamento das partes; 

b) o pagamento faltante há de ser ínfimo em se considerando o total do negócio; 

c) deve ser possível a conservação da eficácia do negócio sem prejuízo ao direito do credor de pleitear a quantia devida pelos meios ordinários. 

STJ. 4ª Turma. REsp 1581505/SC, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 18/08/2016. 

Na Inglaterra, onde surgiu a teoria, “os autores ingleses formularam três requisitos para admitir a substantial performance: (a) insignificância do inadimplemento; (b) satisfação do interesse creditório; (c) diligência por parte do devedor no desempenho de sua prestação, ainda que a mesma se tenha operado imperfeitamente” (RODRIGUES JR., Otavio Luiz. Revisão judicial dos contratos: autonomia da vontade e teoria da imprevisão. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2006). 

Importante destacar que o STJ considera que essa teoria não deve ser aplicada nos casos envolvendo alienação fiduciária em garantia: 

Não se aplica a teoria do adimplemento substancial aos contratos de alienação fiduciária em garantia regidos pelo Decreto-Lei 911/69. STJ. 2ª Seção. REsp 1622555-MG, Rel. Min. Marco Buzzi, Rel. para acórdão Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 22/2/2017 (Info 599).



15 de outubro de 2021

É possível o ajuizamento de ação possessória, fundada em cláusula resolutiva expressa, decorrente de inadimplemento contratual do promitente comprador, sendo desnecessária a prévia propositura de ação para resolução do contrato

Fonte: Dizer o Direito

Referência:  

É possível o ajuizamento de ação possessória, fundada em cláusula resolutiva expressa, decorrente de inadimplemento contratual do promitente comprador, sendo desnecessária a prévia propositura de ação para resolução do contrato

 Imagine a seguinte situação hipotética:

João, proprietário de uma fazenda, celebrou com Pedro, compromisso de compra e venda do imóvel.

Assim, João se comprometeu a vender a fazenda para Pedro, que ficou de pagar R$ 700 mil divididos em 7 prestações de R$ 100 mil.

No momento da assinatura do contrato, João já transferiu a posse para Pedro, que passou a ocupar a fazenda, ali vivendo e trabalhando.

Ocorre que Pedro pagou apenas duas prestações, tornando-se, a partir daí, inadimplente.

João fez uma notificação extrajudicial do devedor conferindo o prazo de 10 dias para purgar a mora, sob pena de resolução do contrato, nos termos da cláusula 4.3 do contrato celebrado.

Passou o prazo e Pedro não pagou a dívida nem desocupou o imóvel, caracterizando, assim, o esbulho, dada a posse precária exercida.

Diante desse cenário, João ajuizou ação de reintegração de posse contra Pedro.

O juiz concedeu a liminar determinando que o réu desocupasse o imóvel.

O requerido recorreu e o Tribunal de Justiça extinguiu o processo, sem resolução de mérito, sob o argumento de que o correto seria o prévio ajuizamento de ação para rescisão do contrato.

Desse modo, o Tribunal entendeu pela inadequação da via eleita (reintegração de posse sem pedido de rescisão do compromisso de compra e venda do imóvel).

 

Agiu corretamente o Tribunal de Justiça?

NÃO.

 

Cláusula resolutiva

O art. 474 do Código Civil trata sobre as cláusulas resolutivas expressa e tácita:

Art. 474. A cláusula resolutiva expressa opera de pleno direito; a tácita depende de interpelação judicial.

 

þ(PGM Curitiba) A cláusula resolutiva expressa opera de pleno direito; a tácita depende de interpelação judicial. (certo)

ý (Defensor DPE-RN 2015 CESPE) A extinção do contrato decorrente de cláusula resolutiva expressa configura exercício do direito potestativo de uma das partes do contrato de impor à outra sua extinção e depende de interpelação judicial. (errado)

 

CLÁUSULA RESOLUTIVA

EXPRESSA

TÁCITA

Trata-se de uma cláusula expressamente estipulada pelas partes no momento da celebração do negócio jurídico ou em oportunidade posterior (por meio de aditivo contratual), porém, sempre antes da verificação da situação de inadimplência nela prevista, que constitui o suporte fático para a resolução do ajuste firmado.

                                                            

Nesta cláusula, as partes indicam as hipóteses que geram a extinção do contrato.

Importante mencionar que a cláusula resolutiva expressa não extingue automaticamente o contrato, mas apenas permite ao credor exercer o direito de optar entre:

· a execução da prestação; ou

· a resolução do ajuste.

É aquela prevista pelo próprio texto legal, e se aplica em situações nas quais as partes não estipulam mediante cláusula expressa.

Nessa modalidade de extinção, ocorrendo determinada circunstância ensejadora de descumprimento obrigacional, está a parte prejudicada autorizada a buscar o rompimento do vínculo contratual, nos termos do art. 395, parágrafo único, do CC:

 

Art. 395 (...)

Parágrafo único. Se a prestação, devido à mora, se tornar inútil ao credor, este poderá enjeitá-la, e exigir a satisfação das perdas e danos.

 

 

A vantagem de se estipular uma cláusula resolutiva expressa é que, se ocorrer a situação ali prevista, haverá resolução da relação negocial independentemente de pronunciamento judicial.

Para que haja a resolução da relação negocial exige-se pronunciamento judicial.

 

Interpretação tradicional do STJ para o art. 474 do CC

Mesmo com a previsão legal do art. 474 do Código Civil, que dispensa as partes da ida ao Judiciário quando existente a cláusula resolutiva expressa por se operar de pleno direito, o STJ, ao interpretar esse dispositivo, entendia ser “imprescindível a prévia manifestação judicial na hipótese de rescisão de compromisso de compra e venda de imóvel para que seja consumada a resolução do contrato, ainda que existente cláusula resolutória expressa, diante da necessidade de observância do princípio da boa-fé objetiva a nortear os contratos” (STJ. 4ª Turma. REsp 620.787/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe 27/04/2009).

Desse modo, se, no caso concreto acima narrado, fosse aplicada a jurisprudência sedimentada no STJ, sem uma análise mais criteriosa e específica, a solução seria, realmente, reconhecer a falta de interesse de agir do autor (João) por conta da “inadequação da via eleita” já que ele teria que, previamente, pleitear em juízo a resolução do contrato.

 

STJ alterou seu entendimento

Ocorre que o STJ afirmou que, casos como o narrado acima exigem uma solução diferente daquela que era tradicionalmente adotada pela jurisprudência. É necessária uma mudança para se adotar um entendimento mais condizente com as expectativas da sociedade hodierna, voltadas à mínima intervenção estatal no mercado e nas relações particulares, com foco na desjudicialização, simplificação de formas e ritos e, portanto, na primazia da autonomia privada.

 

Cláusula resolutiva expressa + interpelação + concessão de prazo

Após a necessária interpelação para constituição em mora, deve haver um período no qual o contrato não pode ser extinto e que o compromissário comprador tem possibilidade de purgar.

Após o decurso do prazo in albis, isto é, sem a purgação da mora, nada impede que o compromitente vendedor exerça o direito potestativo concedido pela cláusula resolutiva expressa para a resolução da relação jurídica extrajudicialmente.

Cumprida a necessidade de comprovação da mora e comunicado o devedor acerca da intenção da parte prejudicada de não mais prosseguir com a avença, ultrapassado o prazo para a purgação da mora, o contrato se resolve de pleno direito, sem interferência judicial. Essa resolução, como já mencionado, dá-se de modo automático, pelo só fato do inadimplemento do promitente comprador, independentemente de qualquer outra providência.

 

 

Em alguns casos será necessária intervenção judicial (ex: em casos de inadimplemento substancial)

Não se nega a existência de casos nos quais, em razão de outros institutos, esteja a parte credora impedida de pôr fim à relação negocial, como, por exemplo, quando evidenciado o adimplemento substancial*. Porém, essas hipóteses não podem transformar a excepcionalidade em regra, principalmente caso as partes estipulem cláusula resolutiva expressa e o credor demonstre os requisitos para a comprovação da mora, aguarde a apresentação de justificativa plausível pelo inadimplemento ou a purga e comunique a intenção de desfazimento do ajuste, informação que pode constar da própria notificação.

Nessas hipóteses excepcionais, quando sobressaírem motivos plausíveis e justificáveis para a não resolução do contrato, a parte devedora sempre poderá socorrer-se da via judicial a fim de alcançar a declaração de manutenção do ajuste, transformando o inadimplemento absoluto em parcial, oferecendo, na oportunidade, todas as defesas que considerar adequadas a fim de obter a declaração de prosseguimento do contrato.

O que não se pode é exigir que a parte credora – já prejudicada pelo inadimplemento – tenha que propor demanda judicial para obter a resolução do contrato quando já existe uma cláusula resolutória expressa em seu favor. Exigir isso seria impor ônus demasiado e obrigação contrária ao texto expresso da lei, desprestigiando o princípio da autonomia da vontade, da não intervenção do Estado nas relações negociais, criando obrigação que refoge à verdadeira intenção legislativa.

 

Exigências da notificação extrajudicial

Ressalte-se que a notificação deve conter o valor do crédito em aberto, o cálculo dos encargos contratuais cobrados, o prazo e local de pagamento e, principalmente, a explícita advertência de que a não purgação da mora no prazo acarretará a gravíssima consequência da extinção do contrato por resolução, fazendo nascer uma nova relação entre as partes - de liquidação.

Dito isso, afirma-se que a alteração jurisprudencial é necessária para tornar prescindível o intento de demanda/ação judicial nas hipóteses em que existir cláusula resolutória expressa e tenha a parte cumprido os requisitos para a resolução da avença.

 

Em suma:

É possível o manejo de ação possessória, fundada em cláusula resolutiva expressa, decorrente de inadimplemento contratual do promitente comprador, sendo desnecessário o ajuizamento de ação para resolução do contrato.

STJ. 4ª Turma. REsp 1.789.863-MS, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 10/08/2021 (Info 704).

 

* DOD Pédia

Antes de verificar o que decidiu o STJ, vamos relembrar o que é a teoria do adimplemento substancial

Por meio da teoria do adimplemento substancial, defende-se que, se o adimplemento da obrigação foi muito próximo ao resultado final, a parte credora não terá direito de pedir a resolução do contrato porque isso violaria a boa-fé objetiva, já que seria exagerado, desproporcional, iníquo.

No caso do adimplemento substancial, a parte devedora não cumpriu tudo, mas quase tudo, de modo que o credor terá que se contentar em pedir o cumprimento da parte que ficou inadimplida ou então pleitear indenização pelos prejuízos que sofreu (art. 475, CC).

Veja o clássico conceito de Clóvis do Couto e Silva:

Adimplemento substancial “constitui um adimplemento tão próximo ao resultado final, que, tendo-se em vista a conduta das partes, exclui-se o direito de resolução, permitindo-se tão somente o pedido de indenização e/ou adimplemento, de vez que a primeira pretensão viria a ferir o princípio da boa-fé (objetiva)" (O Princípio da Boa-Fé no Direito Brasileiro e Português in Estudos de Direito Civil Brasileiro e Português. São Paulo: RT, 1980, p. 56).

 

Sua origem está no Direito Inglês, por volta do séc. XVIII, tendo lá recebido o nome de substancial performance.

 

Esta teoria é prevista expressamente no ordenamento jurídico brasileiro?

NÃO. Não existe uma previsão expressa dessa teoria. Apesar disso, ela encontra fundamento em diversos princípios, dentre eles:

• a função social do contrato (art. 421 do CC);

• a boa-fé objetiva (art. 422);

• a equivalência das obrigações

• a vedação ao abuso de direito (art. 187);

• a eticidade

• a razoabilidade e

• a vedação ao enriquecimento sem causa (art. 884).

 

Segundo o Min. Paulo de Tarso Sanseverino, atualmente, o fundamento para a aplicação da teoria do adimplemento substancial no Direito brasileiro é a cláusula geral do art. 187 do Código Civil, que permite a limitação do exercício de um direito subjetivo pelo seu titular quando se colocar em confronto com o princípio da boa-fé objetiva. Desse modo, esta teoria está baseada no princípio da boa-fé objetiva. Aponta-se também como outro fundamento o princípio da função social dos contratos.

 

A teoria do adimplemento substancial já foi acolhida pelo STJ?

SIM. Existem julgados adotando expressamente a teoria.

Vale ressaltar, no entanto, que seu uso não pode ser banalizado a ponto de inverter a lógica jurídica de extinção das obrigações. O “normal” que as partes esperam legitimamente é que os contratos sejam cumpridos de forma integral e regular.

Diante disso, a fim de que haja critérios, o STJ afirma que são necessários três requisitos para a aplicação da teoria:

a) a existência de expectativas legítimas geradas pelo comportamento das partes;

b) o pagamento faltante há de ser ínfimo em se considerando o total do negócio;

c) deve ser possível a conservação da eficácia do negócio sem prejuízo ao direito do credor de pleitear a quantia devida pelos meios ordinários.

STJ. 4ª Turma. REsp 1581505/SC, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 18/08/2016.

 

Na Inglaterra, onde surgiu a teoria, “os autores ingleses formularam três requisitos para admitir a substantial performance: (a) insignificância do inadimplemento; (b) satisfação do interesse creditório; (c) diligência por parte do devedor no desempenho de sua prestação, ainda que a mesma se tenha operado imperfeitamente” (RODRIGUES JR., Otavio Luiz. Revisão judicial dos contratos: autonomia da vontade e teoria da imprevisão. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2006).

 

Importante destacar que o STJ considera que essa teoria não deve ser aplicada nos casos envolvendo alienação fiduciária em garantia:

Não se aplica a teoria do adimplemento substancial aos contratos de alienação fiduciária em garantia regidos pelo Decreto-Lei 911/69.

STJ. 2ª Seção. REsp 1622555-MG, Rel. Min. Marco Buzzi, Rel. para acórdão Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 22/2/2017 (Info 599). 

17 de agosto de 2021

É possível o manejo de ação possessória, fundada em cláusula resolutiva expressa, decorrente de inadimplemento contratual do promitente comprador, sendo desnecessário o ajuizamento de ação para resolução do contrato.

Processo

REsp 1.789.863-MS, Rel. Min. Marco Buzzi, Quarta Turma, por maioria, julgado em 10/08/2021.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL

  • Paz, Justiça e Instituições Eficazes
Tema

Ação de reintegração de posse. Compromisso de compra e venda de imóvel com cláusula de resolução expressa. Inadimplência do compromissário comprador. Mora comprovada por notificação e decurso do prazo para a purgação. Prévio ajuizamento de demanda judicial para a resolução contratual. Desnecessidade.

 

DESTAQUE

É possível o manejo de ação possessória, fundada em cláusula resolutiva expressa, decorrente de inadimplemento contratual do promitente comprador, sendo desnecessário o ajuizamento de ação para resolução do contrato.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

A cláusula resolutiva expressa, como o nome sugere, constitui-se uma cláusula efetiva e expressamente estipulada pelas partes, seja no momento da celebração do negócio jurídico, ou em oportunidade posterior (via aditivo contratual), porém, sempre antes da verificação da situação de inadimplência nela prevista, que constitui o suporte fático para a resolução do ajuste firmado.

Evidentemente, a vantagem da estipulação expressa é que, ocorrendo a hipótese específica prevista no ajuste, o efeito resolutório da relação negocial disfuncional subsistirá independentemente de manifestação judicial, sendo o procedimento para o rompimento do vínculo mais rápido e simples, em prestígio à autonomia privada e às soluções já previstas pelas próprias partes para solução dos percalços negociais.

Neste ponto, ressalte-se que inobstante a previsão legal (art. 474 do Código Civil) que dispensa as partes da ida ao Judiciário quando existente a cláusula resolutiva expressa por se operar de pleno direito, esta Corte Superior, ao interpretar a norma aludida, delineou a sua jurisprudência, até então, no sentido de ser "imprescindível a prévia manifestação judicial na hipótese de rescisão de compromisso de compra e venda de imóvel para que seja consumada a resolução do contrato, ainda que existente cláusula resolutória expressa, diante da necessidade de observância do princípio da boa-fé objetiva a nortear os contratos" (REsp 620.787/SP, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe 27.04.2009).

Na situação em exame, revela-se incontroverso que: (i) há cláusula resolutiva expressa no bojo do compromisso de compra e venda de imóvel firmado entre as partes; (ii) a autora procedeu à notificação extrajudicial do réu, considerando, a partir do prazo para a purga da mora, extinto o contrato decorrente de inadimplemento nos termos de cláusula contratual específica entabulada pelas partes, sem ajuizar prévia ação de rescisão do pacto; e (iii) a pretensão deduzida na inicial (reintegração na posse do imóvel) não foi cumulada com o pedido de rescisão do compromisso de compra e venda.

Desse modo, caso aplicada a jurisprudência sedimentada nesta Corte Superior, sem uma análise categórica dos institutos a ela relacionados e das condições sobre as quais ancorada a compreensão do STJ acerca da questão envolvendo a reintegração de posse e a rescisão de contrato com cláusula resolutória expressa, sobressairia a falta de interesse de agir da autora (na modalidade inadequação da via eleita), por advir a posse do imóvel da celebração do compromisso de compra e venda cuja rescisão supostamente deveria ter sido pleiteada em juízo próprio.

Entende-se, todavia, que casos como o presente reclamam solução distinta, mais condizente com as expectativas da sociedade hodierna, voltadas à mínima intervenção estatal no mercado e nas relações particulares, com foco na desjudicialização, simplificação de formas e ritos e, portanto, na primazia da autonomia privada.

Note-se que a mudança de entendimento que se pretende não encerra posicionamento contralegem. Sequer é, pois, de ordem legislativa, visto que, como já dito, a lei não determina que o compromisso de compra e venda deva, em todo e qualquer caso, ser resolvido judicialmente, mas pelo contrário, admite expressamente o desfazimento de modo extrajudicial, exigindo, apenas, a constituição em mora ex persona e o decurso do prazo legal conferido ao compromissário comprador poder purgar sua mora.

Em outras palavras, após a necessária interpelação para constituição em mora, deve haver um período no qual o contrato não pode ser extinto e que o compromissário comprador tem possibilidade de purgar. Entretanto, não há óbice para a aplicação da cláusula resolutiva expressa, porquanto após o decurso do prazo in albis, isto é, sem a purgação da mora, nada impede que o compromitente vendedor exerça o direito potestativo concedido pela cláusula resolutiva expressa para a resolução da relação jurídica extrajudicialmente.

Evidentemente, compreender a exigência de interpelação para constituição em mora como necessidade de se resolver o compromisso de compra e venda apenas judicialmente enseja confusão e imposição que refogem a intenção do legislador ordinário, por extrapolar o que determina a legislação específica sobre o compromisso de compra e venda de imóvel.

A eventual necessidade do interessado recorrer ao Poder Judiciário para pedir a restituição da prestação já cumprida, ou devolução da coisa entregue, ou perdas e danos, não tem efeito desconstitutivo do contrato, mas meramente declaratório de relação evidentemente já extinta por força da própria convenção das partes.

Isso porque, cumprida a necessidade de comprovação da mora e comunicado o devedor acerca da intenção da parte prejudicada de não mais prosseguir com a avença ultrapassado o prazo para a purgação da mora, o contrato se resolve de pleno direito, sem interferência judicial. Essa resolução, como já mencionado, dá-se de modo automático, pelo só fato do inadimplemento do promitente comprador, independentemente de qualquer outra providência.

Não se nega a existência de casos nos quais, em razão de outros institutos, esteja a parte credora impedida de pôr fim à relação negocial, como, por exemplo, quando evidenciado o adimplemento substancial. Porém, essas hipóteses não podem transformar a excepcionalidade em regra, principalmente caso as partes estipulem cláusula resolutiva expressa e o credor demonstre os requisitos para a comprovação da mora, aguarde a apresentação de justificativa plausível pelo inadimplemento ou a purga e comunique a intenção de desfazimento do ajuste, informação que pode constar da própria notificação.

Ressalte-se que a notificação deve conter o valor do crédito em aberto, o cálculo dos encargos contratuais cobrados, o prazo e local de pagamento e, principalmente, a explícita advertência de que a não purgação da mora no prazo acarretará a gravíssima consequência da extinção do contrato por resolução, fazendo nascer uma nova relação entre as partes - de liquidação.

Dito isso, afirma-se que a alteração jurisprudencial é necessária para tornar prescindível o intento de demanda/ação judicial nas hipóteses em que existir cláusula resolutória expressa e tenha a parte cumprido os requisitos para a resolução da avença.

Necessário referir, ainda, que em hipóteses excepcionais, quando sobressaírem motivos plausíveis e justificáveis para a não resolução do contrato, sempre poderá a parte devedora socorrer-se da via judicial a fim de alcançar a declaração de manutenção do ajuste, transformando o inadimplemento absoluto em parcial, oferecendo, na oportunidade, todas as defesas que considerar adequadas a fim de obter a declaração de prosseguimento do contrato.

Frise-se que impor à parte prejudicada o ajuizamento de demanda judicial para obter a resolução do contrato quando esse estabelece em seu favor a garantia de cláusula resolutória expressa, é impingir-lhe ônus demasiado e obrigação contrária ao texto expresso da lei, desprestigiando o princípio da autonomia da vontade, da não intervenção do Estado nas relações negociais, criando obrigação que refoge à verdadeira intenção legislativa.

24 de junho de 2021

É vedado o ajuizamento de ação de imissão na posse de imóvel na pendência de ação possessória envolvendo o mesmo bem.

Processo

REsp 1.909.196-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 15/06/2021, DJe 17/06/2021.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL

  • Paz, Justiça e Instituições Eficazes
Tema

Ação de manutenção de posse de imóvel. Pendência. Ajuizamento de ação de imissão na posse pelo proprietário. Inadmissibilidade. Natureza petitória. Art. 557 do CPC/15.

 

Destaque

É vedado o ajuizamento de ação de imissão na posse de imóvel na pendência de ação possessória envolvendo o mesmo bem.

Informações do Inteiro Teor

Nos termos do art. 557 do CPC/15, "na pendência de ação possessória é vedado, tanto ao autor quanto ao réu, propor ação de reconhecimento do domínio, exceto se a pretensão for deduzida em face de terceira pessoa".

O mencionado dispositivo legal estabelece a impossibilidade de debater-se o domínio enquanto pende discussão acerca da posse, deixando evidente, assim, a clássica concepção de que a posse é direito autônomo em relação à propriedade e, portanto, deve ser objeto de tutela jurisdicional específica.

Cabe salientar que a proibição do ajuizamento de ação petitória enquanto pendente ação possessória não limita o exercício dos direitos constitucionais de propriedade e de ação, mas vem ao propósito da garantia constitucional e legal de que a propriedade deve cumprir a sua função social, representando uma mera condição suspensiva do exercício do direito de ação fundada na propriedade.

Apesar de seu nomen iuris, a ação de imissão na posse é ação do domínio, por meio da qual o proprietário, ou o titular de outro direito real sobre a coisa, pretende obter a posse nunca exercida. Semelhantemente à ação reivindicatória, a ação de imissão funda-se no direito à posse que decorre da propriedade ou de outro direito real (jus possidendi), e não na posse em si mesmo considerada, como uma situação de fato a ser protegida juridicamente contra atentados praticados por terceiros (jus possessionis).

Assim, a ação petitória ajuizada na pendência da lide possessória deve ser extinta sem resolução do mérito, por lhe faltar pressuposto negativo de constituição e de desenvolvimento válido do processo.


https://youtu.be/cKO4hWuDULM?t=12507



8 de maio de 2021

INDENIZAÇÃO POR BENFEITORIAS EM AÇÃO POSSESSÓRIA. NECESSIDADE DE FORMULAÇÃO DE PEDIDO AINDA QUE APÓS A CONTESTAÇÃO. PROVA DA EXISTÊNCIA E DISCRIMINAÇÃO DAS BENFEITORIAS. NECESSIDADE.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.836.846 - PR (2019/0267690-5) 

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI 

 RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. APLICAÇÃO DO CPC/15. AÇÃO DE RESOLUÇÃO DE CONTRATO C/C REINTEGRAÇÃO DE POSSE COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. VIOLAÇÃO DO ART. 489 DO CPC/15. NÃO OCORRÊNCIA. INDENIZAÇÃO POR BENFEITORIAS EM AÇÃO POSSESSÓRIA. NECESSIDADE DE FORMULAÇÃO DE PEDIDO AINDA QUE APÓS A CONTESTAÇÃO. PROVA DA EXISTÊNCIA E DISCRIMINAÇÃO DAS BENFEITORIAS. NECESSIDADE. 

1. Ação de resolução de contrato c/c reintegração de posse com pedido de antecipação de tutela c/c indenização por danos materiais, ajuizada em 09/08/2016. Autos conclusos para esta Relatora em 12/09/2019. Julgamento sob a égide do CPC/15. 

2. Ausentes os vícios do art. 1.022 do CPC/15, rejeitam-se os embargos de declaração. 

3. Devidamente analisadas e discutidas as questões de mérito, e fundamentado corretamente o acórdão recorrido, de modo a esgotar a prestação jurisdicional, não há que se falar em violação do art. 489 do CPC/15. 

4. Nas ações possessórias e considerando a natureza dúplice dessas, não é possível afastar a ocorrência de julgamento extra petita (fora do pedido) da indenização por benfeitorias, em benefício do réu revel, ante a não apresentação de contestação ou da ausência de formulação de pedido indenizatório em momento posterior. 

5. O deferimento do pleito de indenização por benfeitorias pressupõe a necessidade de comprovação da existência delas e da discriminação de forma correta. A fase de liquidação de sentença não é momento processual adequado para o reconhecimento da existência de benfeitorias a serem indenizadas, tendo o objetivo - apenas - de especificar o quantum debeatur (apuração do valor da indenização). 

6. Recurso especial conhecido e parcialmente provido. 

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, conhecer do recurso especial e dar-lhe parcial provimento, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora. 

Brasília (DF), 22 de setembro de 2020(Data do Julgamento) 

RELATÓRIO 

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora): Cuida-se de recurso especial interposto por COMPANHIA DE HABITAÇÃO POPULAR DE CURITIBA, fundamentado nas alíneas "a" e "c" do permissivo constitucional. 

Recurso Especial interposto em: 27/08/2018. Concluso para o gabinete em: 12/09/2019. 

Ação: de resolução de contrato c/c reintegração de posse com pedido de antecipação de tutela c/c indenização por danos materiais, ajuizada pela recorrente, em face de ESTELA APARECIDA DOS SANTOS, na qual alega - em síntese - que firmou, segundo as normas do Sistema Financeiro de Habitação (SFH), “Contrato de Compromisso de Compra e Venda de Bem Imóvel” com a ré, a qual se comprometeu a pagar R$ 19.594,34 em 120 prestações mensais, a vencerem a partir de 10/01/2011. A promitente compradora - no entanto - se encontra inadimplente desde maio de 2011 (a partir da 5ª prestação do contrato) e não realizou nenhuma ação para quitar as prestações vencidas, não obstante a existência de notificação extrajudicial dessa - em novembro de 2014 - na tentativa amigável de saldar a dívida. Ademais, assevera que, nos termos da cláusula 4ª do aludido contrato, o inadimplemento das prestações nos prazos e valores acordados resulta na resolução do negócio jurídico. 

Dessa forma, em sede de antecipação de tutela, requer a demandante a resolução do contrato e a reintegração na posse do bem mencionado. Ao final, pleiteia: 

i) a resolução do contrato; 

ii) a reintegração de posse do imóvel objeto do negócio jurídico referenciado; 

iii) a condenação da ré ao pagamento de indenização em valor equivalente a um aluguel mensal, pelo período correspondente à indisponibilidade do bem (com os devidos reajustes moratórios) ou a perda integral dos valores já pagos, de modo que esses se revertam em benefício da autora; e 

iv) a condenação da ré ao pagamento de tributos, taxas condominiais e multas incidentes sobre o imóvel enquanto essa estiver na posse direta do bem. 

O pedido de antecipação de tutela foi indeferido, nos termos da decisão de fls. 63/65 (e-STJ). 

Sentença: julgou parcialmente procedentes os pedidos, para: i) resolver o Contrato de Compromisso de Compra e Venda celebrado entre as partes; ii) reintegrar a recorrente na posse do imóvel objeto do referido contrato; iii) condenar a recorrida ao pagamento de aluguel, bem como dos demais encargos relativos ao imóvel, desde a data em que tomou posse até sua efetiva desocupação, cujo valor será apurado em liquidação de sentença (arbitramento); e iv) determinar a retenção pela recorrente de 25 % dos valores pagos pela recorrida, com a restituição dos outros 75 %. 

Ademais, reconheceu - de ofício - o direito da recorrida/ré ao recebimento de indenização das benfeitorias, não obstante a ausência de pedido nesse sentido (sobretudo pela condição de réu revel), cujo valor será apurado em liquidação de sentença, na modalidade arbitramento. 

Acórdão: conheceu parcialmente da apelação interposta pela recorrente e, nessa extensão, deu parcial provimento, para ressalvar que - após a citação - apenas será assegurado o ressarcimento dos valores referentes às benfeitorias necessárias. 

Nesse sentir, é a ementa do julgado: Direito civil e processual civil. Apelação cível. Ação de resolução de contrato cumulada com indenização por perdas e danos e reintegração de posse. Ordem de reintegração de posse – Requerimento de atribuição de efeitos erga omnes – Concessão de forma expressa na sentença – Ausência de interesse recursal. Benfeitorias – Direito à indenização – Ressarcimento apenas das benfeitorias necessárias após a citação. Recurso parcialmente conhecido e parcialmente provido. (e-STJ, fl. 172) 

Embargos de declaração: opostos pela recorrente, foram rejeitados. 

Recurso especial: alega a violação dos arts. 141, 373, II, 492, 489 e 1.022, todos, do CPC/15; 1.201, 1.202, 1.219 e 1.220, todos, do CC/02, bem como a existência de dissídio jurisprudencial. Além da negativa de prestação jurisdicional, sustenta: i) a existência de fundamentação deficiente no bojo do acórdão recorrido; ii) a ocorrência de julgamento fora dos limites do pedido, ao reconhecer a existência de indenização (pela realização de benfeitorias) em benefício da recorrida que não foi pleiteada nos autos; iii) a violação às regras de distribuição do ônus da prova; iv) a não comprovação da existência de benfeitorias no imóvel objeto do contrato em análise; e v) em razão do princípio da eventualidade, caso se reconheça o direito de indenização por realização de benfeitorias, a ocorrência de má-fé da recorrida em relação à posse do imóvel a partir de maio de 2011, isto é, a partir do manifesto inadimplemento contratual, devendo ser ressarcidas apenas as benfeitorias necessárias, sem o direito de retenção. 

Prévio juízo de admissibilidade: o TJ/PR admitiu o recurso especial interposto por COMPANHIA DE HABITAÇÃO POPULAR DE CURITIBA (e-STJ, fl. 344/345). 

É O RELATÓRIO. 

VOTO 

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora): O propósito recursal é verificar a existência de negativa de prestação jurisdicional e de fundamentação deficiente no âmbito do acórdão recorrido, bem como definir se é possível a condenação da autora - em ação de rescisão contratual de contrato de compra e venda de bem imóvel c/c reintegração de posse c/c indenização por danos materiais - ao pagamento de benfeitoria útil ou necessária em benefício da ré, não obstante a ausência de provas da existência das referidas benfeitorias ou de pedido nesse sentido, em razão da decretação da revelia. 

Aplicação do Código de Processo Civil de 2015, pelo Enunciado Administrativo n. 3/STJ. 

1. MÉRITO: DA NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL (Art. 1.022 do CPC/15) 

1. É firme a jurisprudência do STJ no sentido de que não há ofensa ao art. 1.022 do CPC/15 quando o Tribunal de origem, aplicando o direito que entende cabível à hipótese, soluciona integralmente a controvérsia submetida à sua apreciação, ainda que de forma diversa daquela pretendida pela parte. A propósito, confira-se: AgInt nos EDcl no AREsp 1.094.857/SC (3ª Turma, DJe de 02/02/2018) e AgInt no AREsp 1.089.677/AM (4ª Turma, DJe de 16/02/2018). 

2. No particular, verifica-se que o acórdão recorrido decidiu, fundamentada e expressamente, acerca da desnecessidade de requerimento expresso de indenização decorrente da realização benfeitorias no imóvel objeto desta ação, de maneira que os embargos de declaração opostos pela recorrente, de fato, não comportavam acolhimento. 

3. Assim, observado o entendimento dominante desta Corte acerca do tema, não há que se falar em violação do art. 1.022 do CPC/2015, incidindo, quanto ao ponto, a Súmula 568/STJ. 2. MÉRITO: DA AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE (Art. 489 do CPC/2015) 

4. Devidamente analisadas e discutidas as questões de mérito, e fundamentado suficientemente o acórdão recorrido, de modo a esgotar a prestação jurisdicional, não há que se falar em violação do art. 489 do CPC/2015, nos termos da Súmula 568/STJ (AgInt no AREsp 1.121.206/RS, 3ª Turma, DJe 01/12/2017; AgInt no AREsp 1.151.690/GO, 4ª Turma, DJe 04/12/2017). 

5. Nesse sentir, seguem trechos do acórdão que julgou os embargos de declaração opostos pela recorrente: 

Presentes os requisitos de admissibilidade do presente recurso, seu conhecimento se impõe. Os embargos declaratórios têm cabimento para (I) esclarecer obscuridade ou eliminar contradição, (II) suprir omissão de ponto ou questão sobre o qual devia se pronunciar o juiz de ofício ou a requerimento, (III) corrigir erro material, nos termos do art. 1.022 do Novo Código de Processo Civil. No presente caso, a omissão e contradição indicadas inexistem, porquanto o acórdão embargado foi bastante claro ao expor os fundamentos que levaram ao reconhecimento de que somente cessa a boa-fé após a citação do possuidor, bem como da desnecessidade de requerimento expresso de indenização por benfeitorias, conforme se lê abaixo: No tocante à determinação de indenização por benfeitorias, em apertada síntese, argui a requerente, ora apelante, que não se mostra possível reconhecer a boa-fé na atitude do requerido, bem como o seu direito de indenização. Aduz que não houve sequer requerimento de indenização pelas benfeitorias realizadas, diante da decretação de revelia. Pois bem. Cumpre destacar que, no caso de benfeitorias, é desnecessária até mesmo a formulação de pedido expresso, como se verifica da recente orientação da jurisprudência deste Tribunal: "APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE RESOLUÇÃO DE CONTRATO DE COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA C/C REINTEGRAÇÃO DE POSSE - INADIMPLEMENTO CONTRATUAL. PRIMEIRO APELO - BENFEITORIAS - PEDIDO QUE PODE SER FEITO EM CONTESTAÇÃO - DEMONSTRAÇÃO DE REGULARIZAÇÃO DA EDIFICAÇÃO - VALOR A SER APURADO EM LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA - PERDAS E DANOS - ALUGUERES DEVIDOS NA FORMA ESTABELECIDA - RESTITUIÇÃO DA COMISSÃO DE CORRETAGEM QUE NÃO SE MOSTRA DEVIDA - RECURSO NÃO PROVIDO. O direito à indenização das benfeitorias, bem como a retenção do imóvel até o seu efetivo pagamento é consequência lógica da rescisão do contrato celebrado entre as partes ante a procedência do pedido respectivo e, com a reintegração de posse da autora no imóvel, independente da existência de pedido neste sentido, quanto mais quando feito, mesmo que em contestação. SEGUNDO APELO - LEGITIMIDADE ATIVA - PROMITENTE VENDEDORA DO IMÓVEL - INOCORRÊNCIA DE CERCEAMENTO DE DEFESA - MAGISTRADO COMO DESTINATÁRIO DA PROVA - RECURSO NÃO PROVIDO. Desnecessária a dilação probatória, ao contrário do alegado pela autora/apelante para o deslinde do feito. lnexistência de cerceamento de defesa." (...) Esclareça-se que o fato de a compromissária-compradora se encontrar inadimplente com o contrato de compromisso de compra e venda não afasta automaticamente sua presunção de boa-fé. Ainda que pendente o cumprimento da obrigação de pagamento, a posse tinha como amparo justo título, consistente no referido contrato. Muito embora tenha sido mencionada a data da notificação extrajudicial, aparentemente tal momento não serve com o intuito de caracterizar a má-fé, uma vez que, diante da revelia, não se pode asseverar que a parte agiu a partir daí com ciência de que possuía o bem indevidamente. Assim, a data da citação se mostra como marco adequado para fins de delimitar o momento em que o exercício da posse deixou de ser de boa-fé, pois desse momento em diante se pode presumir que o compromissário comprador passou a ter ciência de que sua posse deixou de ser de boa-fé, nos termos do art. 1.202 do Código Civil. No mais, de se notar que o reconhecimento ao direito de indenização por benfeitorias, mesmo sem pedido expresso, tem como amparo o referido art. 1.219 do Código Civil e precedentes desta Corte. (e-STJ, fls. 207/211) (grifo nosso) 

3. MÉRITO: DA POSSIBILIDADE OU NÃO DE INDENIZAÇÃO PELA REALIZAÇÃO DE BENFEITORIAS APESAR DA AUSÊNCIA DE PROVAS OU DE PEDIDO NESSE SENTIDO EM RAZÃO DA DECRETAÇÃO DA REVELIA DA RÉ (Arts. 141 e 492, ambos, do CPC/15; 1.201, 1.202, 1.219 e 1.220, todos, do CC/02) 

6. Inicialmente, é imperioso ressaltar que os arts. 1.219 e 1.220, ambos, do CC/02 versam sobre o direito à indenização das benfeitorias, bem como de eventual exercício do direito de retenção. A legislação dispõe que o possuidor de boa-fé tem direito à indenização das benfeitorias necessárias e úteis, bem como tem a faculdade de levantar as benfeitorias voluptuárias se não lhe forem pagas, desde que o faça sem deteriorar a coisa. A configuração da boa-fé ainda permite o exercício do direito de retenção pelo valor das benfeitorias úteis ou necessárias. 

7. Por outro lado, a configuração da má-fé na posse permite - tão somente - o ressarcimento das benfeitorias necessárias, sendo vedado o direito de retenção, bem como o de levantamento das benfeitorias voluptuárias. 

8. Prosseguindo, os arts. 141 e 492, ambos, do CPC/15, se reportam ao princípio dispositivo (ou da congruência ou da adstrição), segundo o qual o juiz irá julgar o mérito da ação nos limites propostos, sendo proibido conhecer de questões não alegadas a cujo respeito a legislação exigir iniciativa da parte. 

A esse propósito, segue o entendimento doutrinário acerca do tema: Conclui-se que o princípio dispositivo é, em última análise, o responsável por oferecer ao juiz os limites da sua resposta como decisão da causa, não lhe sendo permitido extrapolar o pedido do autor ou deixar de decidi-lo sob pena de denegação de justiça por violação do dever de julgar. Sua importância é salientada por muitos como o mais relevante princípio do processo civil contemporâneo de todo sistema, “pois é a expressão da própria base e a espinha dorsal do processo civil brasileiro, no sistema do Código, eis que traça, inflexivelmente, os próprios limites da atividade jurisdicional legitimamente exercida, e, portanto, representa o mais valioso e certo elemento auxiliar da interpretação dos limites objetivos da coisa julgada” (Arruda Alvim; Araken de Assis; Eduardo Arruda Alvim. Comentários ao Código de Processo Civil. 2. ed. São Paulo: Ed. RT, 2012, p.353) (WAMBIER, T. et al [Coord.]. Breves comentários ao novo código de processo civil: de acordo com as alterações da Lei 13.256/16. 2 ed. São Paulo: RT, 2016, pág. 490). (grifo nosso) 

9. Ademais, o referido princípio se encontra umbilicalmente ligado ao dever de tratamento isonômico das partes pelo juiz (art. 139, I, do CPC/15), de maneira que esse não pode agir de ofício para sanar ou corrigir eventual omissão de qualquer das partes na prática de ato processual de incumbência exclusiva. 

10. A violação ao princípio dispositivo (ou da congruência ou da adstrição) culmina na ocorrência de julgamento ultra petita (além do pedido), extra petita (fora do pedido) ou citra petita (a quem do pedido), acarretando a nulidade do que fora decidido além ou fora dos limites da postulação da parte, bem como da decisão que deixa de apreciar a pretensão material que integra o pedido formulado na inicial (REsp 1.169.755/RJ, 3ª Turma, DJe 26/05/2010; REsp 180.442/SP, 4ª Turma, DJ 13/11/2000, p. 145; AgRg no REsp 736.996/RJ, 4ª Turma, DJe 29/06/2009). 

11. Por outro lado, não configura julgamento ultra petita (além do pedido) ou extra petita (fora do pedido), com violação ao princípio da congruência ou da adstrição, o provimento jurisdicional proferido nos limites do pedido, o qual deve ser interpretado lógica e sistematicamente a partir de toda a petição inicial. Nesse sentir: AgInt no AREsp 1.565.936/SP (3ª Turma, DJe 27/04/2020) e AgInt no AREsp 1.565.416/DF (4ª Turma, DJe 05/06/2020). 

12. Em uma interpretação conjunta dos arts. 141 e 492, ambos, do CPC/15, e 1.219 e 1.220, ambos, do CC/02, é possível depreender que a pretensão indenizatória atinente à realização de benfeitorias deve ser instrumentalizada mediante pedido em ação própria ou até mesmo em sede de contestação em ação possessória, ante o caráter dúplice dessas demandas (AgInt no AREsp 1.3141.58/SC, 3ª Turma, DJe 24/04/2020). 

13. Na hipótese, o TJ/PR - não obstante o reconhecimento de ausência de requerimento da recorrida/ré de indenização de benfeitorias em sede de contestação, em razão da decretação da revelia dessa - manteve a sentença, de modo a decidir pela desnecessidade de formulação de pedido nessa situação. A Corte de origem afirmou que o direito à indenização das benfeitorias é consequência lógica da rescisão do contrato celebrado entre as partes ante a procedência do pedido respectivo, com a reintegração de posse da recorrente no imóvel. 

14. Sem razão o TJ/PR, tendo em vista a ocorrência de violação ao princípio dispositivo. Frisa-se não ser possível, na hipótese, afastar a ocorrência de julgamento extra petita (fora do pedido) da indenização por benfeitorias ainda que por meio de interpretação lógica e sistemática a partir da defesa formulada pela recorrida, pois, nos termos do próprio acórdão recorrido, não houve apresentação de contestação (em razão da revelia da recorrida), bem como não ocorreu a formulação de pedido posterior nesse sentido. 

15. Não se desconhece a existência de flexibilização da jurisprudência do STJ em relação ao tema. Em um primeiro momento, ao julgar o REsp 97.236/SP (2ª Turma, DJ 20/11/2000, p. 284), essa Corte Superior já decidiu que o reconhecimento à indenização por benfeitorias, à míngua de pedido expresso em sede de contestação e sem a mensuração do seu valor, deve ser reconhecido em ação posterior. No mesmo sentido: AgRg no Ag 274.923/SP (3ª Turma, DJ 04/02/2002, p. 348). Posteriormente, entendeu que o pedido de indenização por benfeitorias, ainda que formulado após a contestação, é consequência lógica da procedência do pedido de resolução do contrato, cujo resultado prático é o retorno das partes ao "status quo ante" (REsp 764.529/RS, 3ª Turma, DJe 09/11/2010). 

16. Nota-se que, apesar do entendimento de que a indenização por benfeitorias passou a ser consequência lógica da resolução do contrato de compra e venda, a formulação de pedido não restou afastada. Esta Corte Superior, ao julgar o REsp 764.529/RS (3ª Turma, DJe 09/11/2010), apenas afastou o instituto da preclusão, de modo a possibilitar a formulação de pedido após a contestação. 

17. A jurisprudência do STJ, portanto, não excepciona a formulação de pedido referente à indenização das benfeitorias, somente o momento do requerimento e a forma como esse é realizado. 

18. Ademais, o entendimento da ocorrência de julgamento extra petita (fora do pedido) na situação em comento não está a afastar a recorrida de pleitear indenização por eventual realizações de benfeitorias, pois o prazo prescricional da referida pretensão indenizatória apenas tem início com o trânsito em julgado da ação de rescisão do contrato de compra e venda do imóvel (AgRg no AREsp 726.491/MS, 3ª Turma, DJe 09/11/2016). 

19. Além disso, ainda que existisse a simples formulação de pedido, a manutenção do acórdão do TJ/PR quanto à questão do reconhecimento da indenização em análise acabaria por criar a situação inusitada de condenação ao ressarcimento por benfeitorias sem nem mesmo a produção de provas ou a apresentação de indícios da existência delas. Ressalta-se que a fase de liquidação de sentença não é momento processual adequado para o reconhecimento de um direito (existência de benfeitorias a serem indenizadas), tendo o objetivo - apenas - de especificar o quantum debeatur (apuração do valor da indenização). 

20. Ao discorrer sobre o tema, ANA CAROLINA DE AZEVEDO versa sobre a necessidade de comprovação da existência das benfeitorias, devendo o réu, em sede de contestação, discriminá-las de forma correta: 

Outrossim, observa-se que é na contestação que o réu tem o momento próprio para alegar tudo aquilo que pretende que a sentença reconheça, como dispõe o art. 336 do CPC/15. Se o sujeito não alega e não faz prova cabal durante a instrução do processo, não é possível que pela sentença, sob pena de nulidade – por apreciar matéria extra petita – sejam apreciadas e julgadas benfeitorias que não ficaram devidamente provadas, inclusive quanto a seu custo e valor atual. No entanto, não basta a simples alegação do réu na contestação de que tem direito às benfeitorias, pois a ele compete descrevê-las e discriminá-las, vez que a simples menção genérica e sem conteúdo probatório é insuficiente para a indenização da retenção. (Embargos de retenção em razão de benfeitorias úteis e necessárias realizadas pelo demandado de boa-fé. Revista Fórum de Direito Civil: RFDC, Belo Horizonte, v. 5, n. 13, p. 175-199, set./dez. 2016. Disponível em: https://bdjur.stj.jus.br/jspui/handle/2011/117927) (grifo nosso) 

21. Inadequado, portanto, o reconhecimento de ofício - por parte do TJ/PR - do direito da recorrida ao recebimento de indenização por benfeitorias na presente ação. 

22. Por derradeiro, em razão da constatação da violação do princípio dispositivo, com o consequente reconhecimento da existência de julgamento extra petita (fora do pedido) no que tange à indenização das benfeitorias, se encontra prejudicada a análise referente ao momento em que cessou a boa-fé da recorrida em relação à posse do imóvel, de forma reverberar na modalidade de benfeitoria a ser indenizada (útil ou necessária). 

Forte nessas razões, CONHEÇO do recurso especial e DOU-LHE PARCIAL PROVIMENTO, a fim de constatar a existência de julgamento extra petita (fora do pedido) em relação ao reconhecimento de indenização por benfeitorias, com a consequente declaração de nulidade desta parte do julgado, mantendo-se inalteradas as demais conclusões constantes no acórdão recorrido.