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6 de janeiro de 2022

COMODATO É desnecessária a notificação prévia do comodatário para fins de comprovação do esbulho possessório quando verificada a ciência inequívoca do intuito de reaver o imóvel

 Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/11/info-713-stj.pdf


COMODATO É desnecessária a notificação prévia do comodatário para fins de comprovação do esbulho possessório quando verificada a ciência inequívoca do intuito de reaver o imóvel 

Nos contratos de comodato firmados por prazo determinado, mostra-se desnecessária a promoção de notificação prévia - seja extrajudicial ou judicial - do comodatário, pois, logicamente, a mora constituir-se-á de pleno direito na data em que não devolvida a coisa emprestada, conforme estipulado contratualmente. Por outro lado, no caso de comodato por prazo indeterminado, é indispensável a prévia notificação para rescindir o contrato, pois, somente após o término do prazo previsto na notificação premonitória, a posse exercida pelo comodatário, anteriormente tida como justa, tornar-se-á injusta, de modo a configurar o esbulho possessório. No caso concreto, todavia, a despeito de o comodato ter-se dado por tempo indeterminado e de não ter havido a prévia notificação do comodatário, não se pode conceber que este detinha a posse legítima do bem. Isso porque foi ajuizada uma outra ação antes da propositura da própria ação possessória e nessa primeira ação já se demonstrou o intuito de retomar o bem, mostrando-se a notificação premonitória uma mera formalidade, inócua aos fins propriamente pretendidos. Assim, verificada a ciência inequívoca do comodatário para que providenciasse a devolução do imóvel cuja posse detinha em função de comodato com a falecida proprietária, configurado está o esbulho possessório, hábil a justificar a procedência da lide. STJ. 3ª Turma. REsp 1.947.697-SC, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 28/09/2021 (Info 713). 

O julgado comentado envolve o tema comodato. Antes de explicar o que foi decidido, acho interessante fazer uma revisão sobre o assunto. Se estiver sem tempo, pode ir diretamente para a explicação do julgado. 

NOÇÕES GERAIS SOBRE COMODATO 

Comodato 

O comodato é o empréstimo gratuito de coisas não fungíveis (art. 579 do CC). O comodato pode ser de bens móveis ou imóveis. 

Ex1: Henrique, rico empresário, empresta um pequeno apartamento para que seu primo, Mário, lá more com sua família. 

Ex2: José empresta um trator para Joaquim fazer a colheita de soja em sua fazenda. 

Partes 

Comodante: é a pessoa que empresta.

 Comodatário: é a pessoa que recebe a coisa em empréstimo. 

O comodante precisa ser o dono da coisa? 

Não necessariamente. O comodato é apenas a cessão do uso, não transferindo domínio. Assim, para ser comodante basta que a pessoa tenha o direito de uso sobre a coisa e que não haja nenhuma vedação legal ou contratual quanto ao empréstimo. 

Exemplo de quem não pode fazer comodato sob os bens confiados à sua guarda: 

Os tutores, curadores e em geral todos os administradores de bens alheios não poderão dar em comodato, sem autorização especial, os bens confiados à sua guarda (art. 580). 

Características do comodato 

a) Gratuito 

O comodato é gratuito (art. 579). Se fosse oneroso, iria se confundir com a locação. Vale ressaltar que o comodante pode impor algum encargo ao comodatário sem que isso descaracterize a existência do comodato. Ex: é possível que o comodatário se comprometa a pagar algumas pequenas despesas relativas ao bem, como cotas condominiais e impostos, sem que isso faça com que o contrato deixe de ser um comodato. A doutrina chama isso de “comodato modal” ou “comodato com encargo”. Caso arque com tais despesas, o comodatário não poderá jamais recobrar (pedir de volta) do comodante as despesas feitas com o uso e gozo da coisa emprestada (art. 584). 

b) Seu objeto é infungível e inconsumível. 

Isso significa que o comodatário deverá, ao final do contrato, devolver a mesma coisa que recebeu em empréstimo. Se a coisa emprestada for fungível ou consumível, o contrato não será de comodato, mas sim de mútuo (art. 586). O comodato de bens fungíveis ou consumíveis só é admitido em uma única hipótese: quando destinado à ornamentação, como o de um arranjo de flores para decoração, por exemplo. É conhecido como comodatum ad pompam vel ostentationem. 

c) Somente se aperfeiçoa com a tradição do objeto (contrato real)

 O comodato é um contrato real, ou seja, é necessária a tradição (entrega) da coisa para que se aperfeiçoe. Antes da tradição não existe comodato. 

d) Unilateral 

Em regra, gera obrigações apenas para o comodatário. Só por exceção o comodante pode assumir obrigações, posteriormente. 

e) Temporário 

O comodato é sempre temporário tendo em vista que é um mero empréstimo. Se não fosse temporário, seria, na verdade, uma doação. Não se admite comodato vitalício. 

Prazo determinado ou indeterminado 

O comodato pode ser fixado: 

• por prazo determinado; 

• por prazo indeterminado (também chamado de comodato precário). 

Prazo determinado 

Se for por prazo determinado, quando chegar o dia estipulado, o comodatário deverá automaticamente devolver a coisa emprestada. Não é necessário que o comodante interpele o comodatário para que este restitua o bem. No caso de comodato por prazo determinado: a mora é ex re (mora ex re é aquela que se verifica automaticamente pelo não cumprimento da obrigação no dia certo do vencimento. Ocorre de pleno direito, independentemente de notificação). 

Prazo indeterminado 

Se for por prazo indeterminado (não se combinou um dia exato para a devolução), entende-se que o comodato irá durar pelo tempo necessário para que o comodatário use a coisa para cumprir a finalidade que motivou o empréstimo. Exemplos de Silvio Rodrigues: se alguém empresta um trator para ser utilizado na colheita, presume-se que o prazo do comodato se estende até o final desta; se alguém empresta um barco para que seu amigo realize uma pesca, presume-se que o comodato foi pelo prazo necessário para essa pesca. É possível também que o comodato seja fixado com prazo indeterminado para uso mais prolongado. É o caso, por exemplo, do rico empresário que empresta um de seus apartamentos para que o primo more com a família. O comodato por prazo indeterminado é também chamado de comodato precário. No caso de comodato por prazo indeterminado: a mora é ex persona (a mora ex persona ocorre quando se exige a interpelação judicial ou extrajudicial do devedor para que este possa ser considerado em mora). 

O comodante pode pedir de volta a coisa emprestada antes do fim do prazo? 

Como regra geral, o comodante não pode pedir de volta a coisa emprestada antes de terminar o prazo combinado ou antes do comodatário usar a coisa para a finalidade que motivou o empréstimo. Exceção: o comodante poderá requerer a devolução antes do prazo se conseguir provar, em ação judicial, que precisa do bem em virtude de necessidade imprevista e urgente. Essa é a redação do CC: 

Art. 581. Se o comodato não tiver prazo convencional, presumir-se-lhe-á o necessário para o uso concedido; não podendo o comodante, salvo necessidade imprevista e urgente, reconhecida pelo juiz, suspender o uso e gozo da coisa emprestada, antes de findo o prazo convencional, ou o que se determine pelo uso outorgado. 

f) Informal: 

A lei não exige forma especial para a sua validade. Pode ser até mesmo verbal. 

g) Personalíssimo (intuitu personae): 

Em regra, o comodato é um contrato personalíssimo, considerando que é celebrado levando-se em consideração a pessoa do comodatário. Excepcionalmente, contudo, é possível que se encontrem comodatos sem essa característica. 

Obrigações do comodatário 

a) Conservar a coisa emprestada como se fosse sua 

O comodatário é obrigado a conservar, como se sua própria fora a coisa emprestada, sob pena de responder por perdas e danos (art. 582). Em caso de uma situação de perigo, se o comodatário preferir salvar as suas coisas, abandonando o bem do comodante, responderá pelo dano ocorrido, ainda que se possa atribuir o evento a caso fortuito, ou força maior (art. 583). 

b) Arcar com as despesas ordinárias de conservação e utilização da coisa 

As despesas ordinárias de conservação e utilização da coisa são de responsabilidade do comodatário, não tendo ele direito de pedir ressarcimento do comodante. Exs: alimentação de um cavalo emprestado; despesas de luz de um apartamento emprestado; combustível e óleo do trator emprestado. 

Art. 584. O comodatário não poderá jamais recobrar do comodante as despesas feitas com o uso e gozo da coisa emprestada. 

E as despesas extraordinárias? 

Devem ser comunicadas ao comodante, para que ele as faça ou então autorize a fazê-las. Ex: reforma no apartamento por conta de uma infiltração. 

c) Usar a coisa de acordo com o contrato ou com a natureza dela 

O comodatário não pode usar a coisa senão de acordo com o contrato, ou a natureza dela, sob pena de responder por perdas e danos. O uso inadequado da coisa constitui causa de resolução do contrato. Ex: Mário recebeu, em comodato, o apartamento de seu primo para que nele morasse com sua família. Ao invés disso, aluga o imóvel para um terceiro.

 d) Restituir a coisa no prazo ajustado ou quando terminar o uso a que ela se destinava 

A coisa deve ser restituída no prazo convencionado. Se não foi fixado prazo, a coisa deve ser restituída após chegar ao fim o tempo necessário ao uso concedido. 

Extinção do comodato 

Extingue-se o comodato: 

a) pelo advento do termo convencionado ou, não havendo estipulação nesse sentido, pela utilização da coisa de acordo com a finalidade para que foi emprestada; 

b) em caso de descumprimento, pelo comodatário, de suas obrigações; 

c) pela retomada do bem, por meio de sentença, a pedido do comodante, desde que provada a necessidade imprevista e urgente; 

d) pela morte do comodatário, se o contrato foi celebrado intuitu personae. Se não foi personalíssimo, o comodato pode prosseguir com os herdeiros do comodatário. Obs: a morte do comodante não é causa de extinção do contrato; 

e) pelo perecimento ou deterioração da coisa. 

Comodatário que se nega a restituir a coisa: 

O comodatário que se negar a restituir a coisa pratica esbulho. Logo, o comodante deverá ingressar com ação de reintegração de posse para reaver a coisa. Se o contrato era por prazo determinado, com o fim do prazo e a não devolução do bem, o comodante pode propor a ação de reintegração imediatamente (mora ex re). Se o contrato era por prazo indeterminado, será necessária a interpelação do comodatário para que se constitua a sua mora (mora ex persona). 

O comodatário sofrerá duas penalidades por não restituir a coisa: 

• responderá pelos danos que ocorrerem na coisa se esta perecer ou se deteriorar, ainda que decorrentes de caso fortuito; e 

• terá de pagar aluguel durante o tempo do atraso. 

Aluguel pelo tempo do atraso 

Se o comodatário não devolver a coisa emprestada, o comodante poderá arbitrar um valor (chamado pela lei de “aluguel”) a ser pago pelo comodatário, pelo uso da coisa além do tempo permitido. Veja a redação do CC: 

Art. 582. (...) O comodatário constituído em mora, além de por ela responder, pagará, até restituíla, o aluguel da coisa que for arbitrado pelo comodante. 

O STJ entendeu que a natureza desse “aluguel” é de uma autêntica pena privada, tendo por objetivo coagir o comodatário a restituir, o mais rapidamente possível, a coisa emprestada, que indevidamente não foi devolvida no prazo legal. Por isso, o Min. Paulo de Tarso Sanseverino chama de “aluguel-pena”. STJ. 3ª Turma. REsp 1.175.848-PR, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 18/9/2012. 

Se o comodatário se nega a restituir o bem, o contrato altera sua natureza e deixa de ser comodato, passando a ser um contrato de locação? 

NÃO. O contrato continua sendo de comodato. Esse aluguel, como já explicado, é de natureza indenizatória, por conta do uso indevido da coisa e não tem o condão de transformar o negócio em locação. Tanto isso é verdade que a ação para retomar o bem é a ação de reintegração de posse e não a ação de despejo. 

Quem estipula o valor desse aluguel-pena? 

Esse valor é arbitrado pelo próprio comodante. Normalmente, o valor do aluguel-pena é fixado pelo comodante na petição inicial da ação de reintegração de posse. 

O valor desse aluguel-pena arbitrado pelo comodante pode ser superior ao valor do aluguel que seria pago pelo comodatário como média no mercado caso fosse realmente uma locação (e não um comodato)? 

SIM. O montante arbitrado poderá ser superior ao valor de mercado do aluguel locatício, pois a sua finalidade não é transmudar o comodato em locação, mas coagir o comodatário a restituir o mais rapidamente possível a coisa emprestada (Min. Paulo de Tarso Sanseverino). 

Mas há um limite? 

SIM. Esse valor não pode ser exagerado, abusivo, sob pena de ser reduzido pelo juiz. Segundo entendeu o Ministro Relator, o aluguel-pena do comodato não deve ultrapassar o dobro do preço de mercado dos alugueis correspondentes ao imóvel emprestado. Em suma, o aluguel-pena pode ser até o dobro do valor que o proprietário conseguiria caso fosse oferecer seu imóvel para alugar no mercado. Explica-se, mais uma vez, que esse valor do aluguel-pena é maior que o valor do mercado porque seu objetivo é “forçar” o comodatário a devolver o bem e não transformar o contrato em uma locação. Logo, a situação tem que ficar desvantajosa para que o comodatário se sinta compelido a restituir a coisa. 

EXPLICAÇÃO DO JULGADO 

Imagine a seguinte situação hipotética: 

Regina cedeu, em comodato, um imóvel rural em favor de João. Passado algum tempo, Regina faleceu. Pedro, herdeiro de Regina, foi até o local e avisou João verbalmente que desejava retomar o imóvel, tendo o comodatário afirmado que iria organizar a saída. Logo depois, contudo, contraditoriamente, João iniciou uma pequena construção no local. Pedro ajuizou ação inibitória para que João ficasse proibido de continuar a construção. João foi citado e interrompeu a construção, contudo, não saiu do imóvel. Diante disso, Pedro ajuizou uma ação de reintegração de posse contra João alegando que não mais desejava manter o comodato e pedindo a retomada do imóvel. João contestou a demanda afirmando que o autor não poderia ter ajuizado a ação sem que, antes, tivesse feito a notificação do comodatário. Sem essa prévia notificação, não há que se falar em esbulho por parte do comodatário. Pedro contra-argumentou afirmando que essa prévia notificação pode ser suprida por outros meios que demonstrem a ciência do comodatário. 

O argumento de Pedro foi acolhido pelo STJ? A ausência dessa notificação pode ser suprida pela inequívoca ciência do comodatário acerca do intuito do autor de reaver o imóvel? 

SIM. O art. 1.210 do CC/2002 prevê que “o possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação, restituído no de esbulho, e segurado de violência iminente, se tiver justo receio de ser molestado”. Entretanto, para fins de deferimento da tutela possessória, incumbe ao autor da ação provar: 

a) a sua posse; 

b) a turbação ou o esbulho praticado pelo réu; 

c) a data da turbação ou do esbulho; e 

d) a continuação da posse, embora turbada, na ação de manutenção, ou a perda da posse, na ação de reintegração (art. 561 do CPC/2015). 

Nos contratos de comodato firmados por prazo determinado, mostra-se desnecessária a promoção de notificação prévia -seja extrajudicial ou judicial - do comodatário, pois, logicamente, a mora constituir-seá de pleno direito na data em que não devolvida a coisa emprestada, conforme estipulado contratualmente. Por outro lado, no caso de comodato por prazo indeterminado, é indispensável a prévia notificação para rescindir o contrato, pois, somente após o término do prazo previsto na notificação premonitória, a posse exercida pelo comodatário, anteriormente tida como justa, tornar-se-á injusta, de modo a configurar o esbulho possessório. No caso concreto, todavia, a despeito de o comodato ter-se dado por tempo indeterminado e de não ter havido a prévia notificação do comodatário, não se pode conceber que este detinha a posse legítima do bem. Isso porque foi ajuizada uma outra ação antes da propositura da própria ação possessória e nessa primeira ação já se demonstrou o intuito de retomar o bem, mostrando-se a notificação premonitória uma mera formalidade, inócua aos fins propriamente pretendidos. Assim, verificada a ciência inequívoca do comodatário para que providenciasse a devolução do imóvel cuja posse detinha em função de comodato com a falecida proprietária, configurado está o esbulho possessório, hábil a justificar a procedência da lide. 

Em suma: É desnecessária a notificação prévia do comodatário para fins de comprovação do esbulho possessório quando verificada a ciência inequívoca do intuito de reaver o imóvel. STJ. 3ª Turma. REsp 1.947.697-SC, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 28/09/2021 (Info 713).

19 de outubro de 2021

É desnecessária a notificação prévia do comodatário para fins de comprovação do esbulho possessório quando verificada a ciência inequívoca do intuito de reaver o imóvel

Processo

REsp 1.947.697-SC, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 28/09/2021, DJe 01/10/2021.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL

  • Paz, Justiça e Instituições Eficazes
Tema

Reintegração de posse. Comodato verbal. Comprovação do esbulho. Ciência inequívoca do intuito de reaver o imóvel. Notificação prévia do comodatário. Desnecessidade.

 

DESTAQUE

É desnecessária a notificação prévia do comodatário para fins de comprovação do esbulho possessório quando verificada a ciência inequívoca do intuito de reaver o imóvel.


INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Dispõe o art. 1.210 do CC/2002 que o possuidor tem direito a ser mantido na posse do bem em caso de turbação; restituído, no caso de esbulho; e segurado de violência iminente, se tiver justo receio de ser molestado.

Entretanto, para fins de deferimento da tutela possessória, incumbe ao autor da ação provar i) a sua posse; ii) a turbação ou o esbulho praticado pelo réu; iii) a data da turbação ou do esbulho; e iv) a continuação da posse, embora turbada, na ação de manutenção, ou a perda da posse, na ação de reintegração (art. 561 do CPC/2015).

Nos contratos de comodato firmados por prazo determinado, mostra-se desnecessária a promoção de notificação prévia - seja extrajudicial ou judicial - do comodatário, pois, logicamente, a mora constituir-se-á de pleno direito na data em que não devolvida a coisa emprestada, conforme estipulado contratualmente.

Ao revés, tem-se como essencial a prévia notificação para rescindir o contrato verbal de comodato, quando firmado por prazo indeterminado, pois, somente após o término do prazo previsto na notificação premonitória, a posse exercida pelo comodatário, anteriormente tida como justa, tornar-se-á injusta, de modo a configurar o esbulho possessório.

No caso, todavia, a despeito de o comodato ter-se dado por tempo indeterminado e de não ter havido a prévia notificação dos comodatários, não se pode conceber que estes detinham a posse legítima do bem. Isso porque o próprio ajuizamento de ação cautelar inominada por parte do espólio - que se deu anteriormente à propositura da própria ação possessória - já demonstrava esse intuito, mostrando-se a notificação premonitória uma mera formalidade, inócua aos fins propriamente pretendidos.

Destarte, verificada a ciência inequívoca dos comodatários para que providenciassem a devolução do imóvel cuja posse detinham em função de comodato verbal com a falecida proprietária, configurado está o esbulho possessório, hábil a justificar a procedência da lide.

18 de outubro de 2021

É possível o ajuizamento de ação possessória, fundada em cláusula resolutiva expressa, decorrente de inadimplemento contratual do promitente comprador, sendo desnecessária a prévia propositura de ação para resolução do contrato

Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/10/info-704-stj.pdf


CONTRATOS - É possível o ajuizamento de ação possessória, fundada em cláusula resolutiva expressa, decorrente de inadimplemento contratual do promitente comprador, sendo desnecessária a prévia propositura de ação para resolução do contrato

Não se pode impor à parte já prejudicada pelo inadimplemento ter o ônus de ajuizar demanda judicial para obter a resolução do contrato quando já existe uma cláusula resolutória expressa em seu favor. Exigir isso seria impor ônus demasiado e obrigação contrária ao texto expresso da lei, desprestigiando o princípio da autonomia da vontade, da não intervenção do Estado nas relações negociais, criando obrigação que refoge à verdadeira intenção legislativa.

Fundamento legal: Código Civil / Art. 474. A cláusula resolutiva expressa opera de pleno direito; a tácita depende de interpelação judicial. A cláusula resolutiva expressa é aquela expressamente estipulada pelas partes no momento da celebração do negócio jurídico ou em oportunidade posterior (por meio de aditivo contratual), porém, sempre antes da verificação da situação de inadimplência nela prevista, que constitui o suporte fático para a resolução do ajuste firmado. Nesta cláusula, as partes indicam as hipóteses que geram a extinção do contrato. 

STJ. 4ª Turma. REsp 1.789.863-MS, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 10/08/2021 (Info 704). 

Imagine a seguinte situação hipotética: 

João, proprietário de uma fazenda, celebrou com Pedro, compromisso de compra e venda do imóvel. Assim, João se comprometeu a vender a fazenda para Pedro, que ficou de pagar R$ 700 mil divididos em 7 prestações de R$ 100 mil. No momento da assinatura do contrato, João já transferiu a posse para Pedro, que passou a ocupar a fazenda, ali vivendo e trabalhando. Ocorre que Pedro pagou apenas duas prestações, tornando-se, a partir daí, inadimplente. João fez uma notificação extrajudicial do devedor conferindo o prazo de 10 dias para purgar a mora, sob pena de resolução do contrato, nos termos da cláusula 4.3 do contrato celebrado. Passou o prazo e Pedro não pagou a dívida nem desocupou o imóvel, caracterizando, assim, o esbulho, dada a posse precária exercida. Diante desse cenário, João ajuizou ação de reintegração de posse contra Pedro. O juiz concedeu a liminar determinando que o réu desocupasse o imóvel. O requerido recorreu e o Tribunal de Justiça extinguiu o processo, sem resolução de mérito, sob o argumento de que o correto seria o prévio ajuizamento de ação para rescisão do contrato. Desse modo, o Tribunal entendeu pela inadequação da via eleita (reintegração de posse sem pedido de rescisão do compromisso de compra e venda do imóvel). 

Agiu corretamente o Tribunal de Justiça? NÃO. 

Cláusula resolutiva 

O art. 474 do Código Civil trata sobre as cláusulas resolutivas expressa e tácita: 

Art. 474. A cláusula resolutiva expressa opera de pleno direito; a tácita depende de interpelação judicial. 

 (PGM Curitiba) A cláusula resolutiva expressa opera de pleno direito; a tácita depende de interpelação judicial. (certo) 

 (Defensor DPE-RN 2015 CESPE) A extinção do contrato decorrente de cláusula resolutiva expressa configura exercício do direito potestativo de uma das partes do contrato de impor à outra sua extinção e depende de interpelação judicial. (errado) 


CLÁUSULA RESOLUTIVA 

EXPRESSA 

Trata-se de uma cláusula expressamente estipulada pelas partes no momento da celebração do negócio jurídico ou em oportunidade posterior (por meio de aditivo contratual), porém, sempre antes da verificação da situação de inadimplência nela prevista, que constitui o suporte fático para a resolução do ajuste firmado. Nesta cláusula, as partes indicam as hipóteses que geram a extinção do contrato. Importante mencionar que a cláusula resolutiva expressa não extingue automaticamente o contrato, mas apenas permite ao credor exercer o direito de optar entre: • a execução da prestação; ou • a resolução do ajuste. 

A vantagem de se estipular uma cláusula resolutiva expressa é que, se ocorrer a situação ali prevista, haverá resolução da relação negocial independentemente de pronunciamento judicial. 


TÁCITA 

É aquela prevista pelo próprio texto legal, e se aplica em situações nas quais as partes não estipulam mediante cláusula expressa. Nessa modalidade de extinção, ocorrendo determinada circunstância ensejadora de descumprimento obrigacional, está a parte prejudicada autorizada a buscar o rompimento do vínculo contratual, nos termos do art. 395, parágrafo único, do CC: Art. 395 (...) Parágrafo único. Se a prestação, devido à mora, se tornar inútil ao credor, este poderá enjeitá-la, e exigir a satisfação das perdas e danos. 

Para que haja a resolução da relação negocial exige-se pronunciamento judicial. 


Interpretação tradicional do STJ para o art. 474 do CC 

Mesmo com a previsão legal do art. 474 do Código Civil, que dispensa as partes da ida ao Judiciário quando existente a cláusula resolutiva expressa por se operar de pleno direito, o STJ, ao interpretar esse dispositivo, entendia ser “imprescindível a prévia manifestação judicial na hipótese de rescisão de compromisso de compra e venda de imóvel para que seja consumada a resolução do contrato, ainda que existente cláusula resolutória expressa, diante da necessidade de observância do princípio da boa-fé objetiva a nortear os contratos” (STJ. 4ª Turma. REsp 620.787/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe 27/04/2009). 

Desse modo, se, no caso concreto acima narrado, fosse aplicada a jurisprudência sedimentada no STJ, sem uma análise mais criteriosa e específica, a solução seria, realmente, reconhecer a falta de interesse de agir do autor (João) por conta da “inadequação da via eleita” já que ele teria que, previamente, pleitear em juízo a resolução do contrato. 

STJ alterou seu entendimento 

Ocorre que o STJ afirmou que, casos como o narrado acima exigem uma solução diferente daquela que era tradicionalmente adotada pela jurisprudência. É necessária uma mudança para se adotar um entendimento mais condizente com as expectativas da sociedade hodierna, voltadas à mínima intervenção estatal no mercado e nas relações particulares, com foco na desjudicialização, simplificação de formas e ritos e, portanto, na primazia da autonomia privada. 

Cláusula resolutiva expressa + interpelação + concessão de prazo 

Após a necessária interpelação para constituição em mora, deve haver um período no qual o contrato não pode ser extinto e que o compromissário comprador tem possibilidade de purgar. Após o decurso do prazo in albis, isto é, sem a purgação da mora, nada impede que o compromitente vendedor exerça o direito potestativo concedido pela cláusula resolutiva expressa para a resolução da relação jurídica extrajudicialmente. Cumprida a necessidade de comprovação da mora e comunicado o devedor acerca da intenção da parte prejudicada de não mais prosseguir com a avença, ultrapassado o prazo para a purgação da mora, o contrato se resolve de pleno direito, sem interferência judicial. Essa resolução, como já mencionado, dáse de modo automático, pelo só fato do inadimplemento do promitente comprador, independentemente de qualquer outra providência. 

Em alguns casos será necessária intervenção judicial (ex: em casos de inadimplemento substancial) 

Não se nega a existência de casos nos quais, em razão de outros institutos, esteja a parte credora impedida de pôr fim à relação negocial, como, por exemplo, quando evidenciado o adimplemento substancial*. Porém, essas hipóteses não podem transformar a excepcionalidade em regra, principalmente caso as partes estipulem cláusula resolutiva expressa e o credor demonstre os requisitos para a comprovação da mora, aguarde a apresentação de justificativa plausível pelo inadimplemento ou a purga e comunique a intenção de desfazimento do ajuste, informação que pode constar da própria notificação. Nessas hipóteses excepcionais, quando sobressaírem motivos plausíveis e justificáveis para a não resolução do contrato, a parte devedora sempre poderá socorrer-se da via judicial a fim de alcançar a declaração de manutenção do ajuste, transformando o inadimplemento absoluto em parcial, oferecendo, na oportunidade, todas as defesas que considerar adequadas a fim de obter a declaração de prosseguimento do contrato. O que não se pode é exigir que a parte credora – já prejudicada pelo inadimplemento – tenha que propor demanda judicial para obter a resolução do contrato quando já existe uma cláusula resolutória expressa em seu favor. Exigir isso seria impor ônus demasiado e obrigação contrária ao texto expresso da lei, desprestigiando o princípio da autonomia da vontade, da não intervenção do Estado nas relações negociais, criando obrigação que refoge à verdadeira intenção legislativa. 

Exigências da notificação extrajudicial 

Ressalte-se que a notificação deve conter o valor do crédito em aberto, o cálculo dos encargos contratuais cobrados, o prazo e local de pagamento e, principalmente, a explícita advertência de que a não purgação da mora no prazo acarretará a gravíssima consequência da extinção do contrato por resolução, fazendo nascer uma nova relação entre as partes - de liquidação. Dito isso, afirma-se que a alteração jurisprudencial é necessária para tornar prescindível o intento de demanda/ação judicial nas hipóteses em que existir cláusula resolutória expressa e tenha a parte cumprido os requisitos para a resolução da avença. 

Em suma: É possível o manejo de ação possessória, fundada em cláusula resolutiva expressa, decorrente de inadimplemento contratual do promitente comprador, sendo desnecessário o ajuizamento de ação para resolução do contrato. STJ. 4ª Turma. REsp 1.789.863-MS, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 10/08/2021 (Info 704). 

* DOD PÉDIA 

Antes de verificar o que decidiu o STJ, vamos relembrar o que é a teoria do adimplemento substancial

Por meio da teoria do adimplemento substancial, defende-se que, se o adimplemento da obrigação foi muito próximo ao resultado final, a parte credora não terá direito de pedir a resolução do contrato porque isso violaria a boa-fé objetiva, já que seria exagerado, desproporcional, iníquo. No caso do adimplemento substancial, a parte devedora não cumpriu tudo, mas quase tudo, de modo que o credor terá que se contentar em pedir o cumprimento da parte que ficou inadimplida ou então pleitear indenização pelos prejuízos que sofreu (art. 475, CC). Veja o clássico conceito de Clóvis do Couto e Silva: 

Adimplemento substancial “constitui um adimplemento tão próximo ao resultado final, que, tendo-se em vista a conduta das partes, exclui-se o direito de resolução, permitindo-se tão somente o pedido de indenização e/ou adimplemento, de vez que a primeira pretensão viria a ferir o princípio da boa-fé (objetiva)" (O Princípio da Boa-Fé no Direito Brasileiro e Português in Estudos de Direito Civil Brasileiro e Português. São Paulo: RT, 1980, p. 56). 

Sua origem está no Direito Inglês, por volta do séc. XVIII, tendo lá recebido o nome de substancial performance. 

Esta teoria é prevista expressamente no ordenamento jurídico brasileiro? 

NÃO. Não existe uma previsão expressa dessa teoria. Apesar disso, ela encontra fundamento em diversos princípios, dentre eles: • a função social do contrato (art. 421 do CC); • a boa-fé objetiva (art. 422); • a equivalência das obrigações • a vedação ao abuso de direito (art. 187); • a eticidade • a razoabilidade e • a vedação ao enriquecimento sem causa (art. 884). 

Segundo o Min. Paulo de Tarso Sanseverino, atualmente, o fundamento para a aplicação da teoria do adimplemento substancial no Direito brasileiro é a cláusula geral do art. 187 do Código Civil, que permite a limitação do exercício de um direito subjetivo pelo seu titular quando se colocar em confronto com o princípio da boa-fé objetiva. Desse modo, esta teoria está baseada no princípio da boa-fé objetiva. Apontase também como outro fundamento o princípio da função social dos contratos. 

A teoria do adimplemento substancial já foi acolhida pelo STJ? 

SIM. Existem julgados adotando expressamente a teoria. Vale ressaltar, no entanto, que seu uso não pode ser banalizado a ponto de inverter a lógica jurídica de extinção das obrigações. O “normal” que as partes esperam legitimamente é que os contratos sejam cumpridos de forma integral e regular. Diante disso, a fim de que haja critérios, o STJ afirma que são necessários três requisitos para a aplicação da teoria: 

a) a existência de expectativas legítimas geradas pelo comportamento das partes; 

b) o pagamento faltante há de ser ínfimo em se considerando o total do negócio; 

c) deve ser possível a conservação da eficácia do negócio sem prejuízo ao direito do credor de pleitear a quantia devida pelos meios ordinários. 

STJ. 4ª Turma. REsp 1581505/SC, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 18/08/2016. 

Na Inglaterra, onde surgiu a teoria, “os autores ingleses formularam três requisitos para admitir a substantial performance: (a) insignificância do inadimplemento; (b) satisfação do interesse creditório; (c) diligência por parte do devedor no desempenho de sua prestação, ainda que a mesma se tenha operado imperfeitamente” (RODRIGUES JR., Otavio Luiz. Revisão judicial dos contratos: autonomia da vontade e teoria da imprevisão. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2006). 

Importante destacar que o STJ considera que essa teoria não deve ser aplicada nos casos envolvendo alienação fiduciária em garantia: 

Não se aplica a teoria do adimplemento substancial aos contratos de alienação fiduciária em garantia regidos pelo Decreto-Lei 911/69. STJ. 2ª Seção. REsp 1622555-MG, Rel. Min. Marco Buzzi, Rel. para acórdão Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 22/2/2017 (Info 599).



21 de agosto de 2021

Compete à Justiça Federal processar e julgar o crime de esbulho possessório de imóvel vinculado ao Programa Minha Casa Minha Vida

 Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/08/info-700-stj.pdf

 

COMPETÊNCIA - Compete à Justiça Federal processar e julgar o crime de esbulho possessório de imóvel vinculado ao Programa Minha Casa Minha Vida 

O art. 161, § 1º, inciso II, do Código Penal, incrimina a conduta de invadir terreno ou edifício alheio, para o fim de esbulho possessório, com violência a pessoa ou grave ameaça, ou mediante concurso de mais de duas pessoas. A vítima do crime de esbulho possessório, tipificado no art. 161, § 1º, II, do Código Penal é o possuidor direto, pois é quem exercia o direito de uso e fruição do bem. Na hipótese de imóvel alienado fiduciariamente, é o devedor fiduciário que ostenta essa condição, pois o credor fiduciário possui tão-somente a posse indireta. A Caixa Econômica Federal, enquanto credora fiduciária e, portanto, possuidora indireta, não é a vítima do referido delito. Contudo, no âmbito cível, a empresa pública federal possui legitimidade concorrente para propor eventual ação de reintegração de posse, diante do esbulho ocorrido. A sua legitimação ativa para a ação possessória demonstra a existência de interesse jurídico na apuração do crime, o que é suficiente para fixar a competência penal federal, nos termos do art. 109, IV, da CF/88. Os imóveis que integram o Programa Minha Casa Minha Vida são adquiridos, em parte, com recursos orçamentários federais. Tal fato evidencia o interesse jurídico da União na apuração do crime de esbulho possessório em relação a esse bem, ao menos enquanto for ele vinculado ao mencionado Programa, ou seja, quando ainda em vigência o contrato por meio do qual houve a compra do bem e no qual houve o subsídio federal, o que é a situação dos autos. 

STJ. 3ª Seção. CC 179.467-RJ, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 09/06/2021 (Info 700). 

Imagine a seguinte situação hipotética: 

João reside em um imóvel vinculado ao Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV), que adquiriu por meio de contrato de alienação fiduciária com a Caixa Econômica Federal. Determinado dia, três indivíduos invadiram o imóvel de João para o fim de esbulho possessório, o que configurou o crime previsto no art. 161, § 1º, II, do CP: 

Art. 161. Suprimir ou deslocar tapume, marco, ou qualquer outro sinal indicativo de linha divisória, para apropriar-se, no todo ou em parte, de coisa imóvel alheia: Pena - detenção, de um a seis meses, e multa. 

§ 1º - Na mesma pena incorre quem: (...) 

Esbulho possessório 

II - invade, com violência a pessoa ou grave ameaça, ou mediante concurso de mais de duas pessoas, terreno ou edifício alheio, para o fim de esbulho possessório. 

§ 2º - Se o agente usa de violência, incorre também na pena a esta cominada. 

§ 3º - Se a propriedade é particular, e não há emprego de violência, somente se procede mediante queixa. 

A exordial acusatória foi oferecida perante a Justiça Estadual, entretanto, o Juiz declinou sua competência para a Justiça Federal, tendo em vista que o imóvel é vinculado ao Programa Minha Casa Minha Vida. 

A questão chegou até o STJ. A competência para julgar este crime será da Justiça Federal pelo fato de o imóvel ser vinculado ao Programa Minha Casa Minha Vida? SIM. 

Compete à Justiça Federal processar e julgar o crime de esbulho possessório de imóvel vinculado ao Programa Minha Casa Minha Vida. 

STJ. 3ª Seção. CC 179.467-RJ, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 09/06/2021 (Info 700). 

O art. 161, § 1º, II, do CP, incrimina a conduta de invadir terreno ou edifício alheio, para o fim de esbulho possessório, com violência a pessoa ou grave ameaça, ou mediante concurso de mais de duas pessoas. O crime de esbulho possessório pressupõe uma ação física de invadir um terreno ou edifício alheio, no intuito de impedir a utilização do bem pelo seu possuidor. Portanto, tão-somente aquele que tem a posse direta do imóvel pode ser a vítima, pois é quem exercia o direito de uso e fruição do bem. 

Posse direta x posse indireta 

POSSE DIRETA: é exercida pelo possuidor que tem contato material e físico com a coisa (Ex.: locatário); 

POSSE INDIRETA: é exercida por aquele que não tem contato direto com a coisa, mas aufere vantagens e tem poderes sobre ela (Ex.: locador). 

Alienação fiduciária 

“O contrato de alienação fiduciária em garantia é um contrato instrumental em que uma das partes, em confiança, aliena a outra a propriedade de determinado bem, móvel ou imóvel, ficando esta parte (uma instituição financeira, em regra) obrigada a devolver àquela o bem que lhe foi alienado quando verificada a ocorrência de determinado fato.” (RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Manual de Direito Empresarial - Volume Único. 11 ed. Salvador: Editora Juspodivm, 2021, p. 827). 

Veja o que determina o art. 23, parágrafo único, da Lei 9.514/1997: 

Art. 23. Constitui-se a propriedade fiduciária de coisa imóvel mediante registro, no competente Registro de Imóveis, do contrato que lhe serve de título. 

Parágrafo único. Com a constituição da propriedade fiduciária, dá-se o desdobramento da posse, tornando-se o fiduciante possuidor direto e o fiduciário possuidor indireto da coisa imóvel. 

Portanto, no caso hipotético, João é o possuidor direto e a Caixa Econômica Federal é a possuidora indireta do imóvel. 

Quem é o sujeito passivo no caso de crime de esbulho possessório de imóvel alienado fiduciariamente? 

É o devedor fiduciário, pois somente ele pode ser vítima do crime de esbulho possessório enquanto permanecer na posse direta do bem. Apenas se, por alguma razão, passar o credor fiduciário a ter a posse direta do bem é que será ele a vítima. Entretanto, o fato de o credor fiduciário não ser a vítima do crime, não retira o seu interesse jurídico no afastamento do esbulho ocorrido. 

Competência da Justiça Federal 

Além da vítima do crime de esbulho possessório, ou seja, o possuidor direto e devedor fiduciário, a Caixa Econômica Federal, enquanto credora fiduciária e possuidora indireta, também possui legitimidade para, no âmbito cível, propor eventual ação de reintegração de posse do imóvel esbulhado. Essa legitimação ativa concorrente da empresa pública federal, embora seja na esfera civil, é suficiente para evidenciar a existência do seu interesse jurídico na apuração do referido delito. E, nos termos do art. 109, inciso IV, da CF, a existência de interesse dos entes nele mencionados, é suficiente para fixar a competência penal da Justiça Federal: 

Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: (...) 

IV - os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral; 

Há, ainda, outro aspecto que evidencia a existência de interesse jurídico, agora da União, e que também instaura a competência da Justiça Federal. O imóvel objeto do esbulho foi adquirido pela vítima, no âmbito do Programa governamental Minha Casa Minha Vida, criado pela Lei 11.977/2009. Nele, nos termos do arts. 2º, I, e 6º da referida Lei, os imóveis são subsidiados pela União, a qual efetiva parte do pagamento do bem, com recursos orçamentários, no momento da assinatura do contrato com o agente financeiro: 

Art. 2º Para a implementação do PMCMV, a União, observada a disponibilidade orçamentária e financeira: I - concederá subvenção econômica ao beneficiário pessoa física no ato da contratação de financiamento habitacional; 

Art. 6º A subvenção econômica de que trata o inciso I do art. 2º será concedida no ato da contratação da operação de financiamento, com o objetivo de: I - facilitar a aquisição, produção e requalificação do imóvel residencial; ou II – complementar o valor necessário a assegurar o equilíbrio econômico-financeiro das operações de financiamento realizadas pelas entidades integrantes do Sistema Financeiro da Habitação - SFH, compreendendo as despesas de contratação, de administração e cobrança e de custos de alocação, remuneração e perda de capital. 

A competência da Justiça Federal permanece ad aeternum quando se tratar de imóvel esbulhado adquirido pelo PMCMV? 

NÃO. O fato de o bem ter sido adquirido, em parte, com recursos orçamentários federais, não leva à permanência do interesse da União, ad aeternum, na apuração do crime de esbulho possessório em que o imóvel esbulhado tenha sido adquirido pelo Programa Minha Casa Minha Vida. Contudo, ao menos enquanto estiver o imóvel vinculado ao mencionado Programa, ou seja, quando ainda em vigência o contrato por meio do qual houve a sua compra e no qual houve o subsídio federal, persiste o interesse da União.

24 de junho de 2021

Compete à Justiça Federal processar e julgar o crime de esbulho possessório de imóvel vinculado ao Programa Minha Casa Minha Vida

Processo

CC 179.467-RJ, Rel. Min. Laurita Vaz, Terceira Seção, por unanimidade, julgado em 09/06/2021.

Ramo do Direito

DIREITO CONSTITUCIONAL, DIREITO PROCESSUAL PENAL

Tema

Crime de esbulho possessório. Art. 161, II, do Código Penal. Imóvel do Programa Minha Casa Minha vida. Vítima. Possuidor direto. Alienação fiduciária. Caixa Econômica Federal. Possuidora indireta. Reintegração de posse. Legitimação ativa concorrente. Art. 109, IX, da CF. Recursos orçamentários Federais. Interesse da União. Competência da Justiça Federal.


Destaque

Compete à Justiça Federal processar e julgar o crime de esbulho possessório de imóvel vinculado ao Programa Minha Casa Minha Vida.

Informações do Inteiro Teor

O art. 161, inciso II, do Código Penal, incrimina a conduta de invadir terreno ou edifício alheio, para o fim de esbulho possessório, com violência a pessoa ou grave ameaça, ou mediante concurso de mais de duas pessoas. O crime de esbulho possessório pressupõe uma ação física de invadir um terreno ou edifício alheio, no intuito de impedir a utilização do bem pelo seu possuidor. Portanto, tão-somente aquele que tem a posse direta do imóvel pode ser a vítima, pois é quem exercia o direito de uso e fruição do bem.

No que diz respeito ao contrato de alienação fiduciária, o art. 23, parágrafo único, da Lei n. 9.514/1997, estabelece que "[c]om a constituição da propriedade fiduciária, dá-se o desdobramento da posse, tornando-se o fiduciante possuidor direto e o fiduciário possuidor indireto da coisa imóvel."

Assim, na hipótese de imóvel alienado fiduciariamente, enquanto o devedor fiduciário permanecer na posse direta do bem, tão-somente ele pode ser vítima do crime de esbulho possessório. Apenas se, por alguma razão, passar o credor fiduciário a ter a posse direta do bem é que será ele a vítima.

Entretanto, o fato de o credor fiduciário não ser a vítima do crime, não retira o seu interesse jurídico no afastamento do esbulho ocorrido, uma vez que o possuidor indireto, no âmbito cível, da mesma forma que o possuidor direto, possui legitimidade para propor a ação de reintegração de posse, prevista no art. 560 do atual Código de Processo Civil, cuidando-se de hipótese de legitimação ativa concorrente.

No caso, além da vítima do crime de esbulho possessório, ou seja, a possuidora direta e devedora fiduciária, a Caixa Econômica Federal, enquanto credora fiduciária e possuidora indireta, também possui legitimidade para, no âmbito cível, propor eventual ação de reintegração de posse do imóvel esbulhado. Essa legitimação ativa concorrente da empresa pública federal, embora seja na esfera civil, é suficiente para evidenciar a existência do seu interesse jurídico na apuração do referido delito. E, nos termos do art. 109, inciso IV, da Constituição da República, a existência de interesse dos entes nele mencionados, é suficiente para fixar a competência penal da Justiça Federal.

Há, ainda, outro aspecto da situação em exame, que evidencia a existência de interesse jurídico, agora da União, e que também instaura a competência federal, nos termos do artigo mencionado.

Com efeito, o imóvel objeto do esbulho foi adquirido pela vítima, no âmbito do programa governamental "Minha Casa Minha Vida", criado pela Lei n. 11.977/2009. Nele, nos termos do arts. 2.º, inciso I, e 6.º da referida Lei, os imóveis são subsidiados pela União, a qual efetiva parte do pagamento do bem, com recursos orçamentários, no momento da assinatura do contrato com o agente financeiro.

Saliente-se que o fato de o bem ter sido adquirido, em parte, com recursos orçamentários federais, não leva à permanência do interesse da União, ad aeternum, na apuração do crime de esbulho possessório em que o imóvel esbulhado tenha sido adquirido pelo Programa Minha Casa Minha Vida. Contudo, ao menos enquanto estiver o imóvel vinculado ao mencionado Programa, ou seja, quando ainda em vigência o contrato por meio do qual houve a sua compra e no qual houve o subsídio federal, persiste o interesse da União.