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18 de agosto de 2021

É possível declarar uma lei formalmente inconstitucional sob o argumento de que, durante a tramitação do projeto, na Casa Legislativa, houve descumprimento das regras de tramitação previstas no Regimento Interno?

Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://www.dizerodireito.com.br/2021/08/e-possivel-declarar-uma-lei-formalmente.html


Irei tentar responder essa pergunta a partir de um caso concreto recentemente enfrentado pelo STF e que envolveu a Lei nº 13.654/2018.

                                                                            

Lei nº 13.654/2018

A Lei nº 13.654/2018, publicada no dia 24/04/2018, alterou os crimes de furto e roubo previstos no Código Penal.

Uma das mudanças promovidas foi no roubo circunstanciado por emprego de arma.

O art. 157 do Código Penal tipifica o crime de roubo nos seguintes termos:

Art. 157. Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência:

Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos, e multa.

 

O § 2º do art. 157, por sua vez, prevê causas de aumento de pena para o roubo.

Desse modo, se ocorre alguma dessas hipóteses, tem-se o chamado “roubo circunstanciado” (também conhecido como “roubo agravado” ou “roubo majorado”).

O inciso I do § 2º do art. 157 previa o seguinte:

Art. 157 (...)

§ 2º A pena aumenta-se de um terço até metade:

I - se a violência ou ameaça é exercida com emprego de arma;

 

O que fez a Lei nº 13.654/2018?

Revogou o inciso I do § 2º do art. 157 do CP.

 

Inconstitucionalidade formal

Vale ressaltar que o inciso I do § 2º do art. 157 do Código Penal foi revogado pelo art. 4º da Lei nº 13.654/2018:

Art. 4º Revoga-se o inciso I do § 2º do art. 157 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 dezembro de 1940 (Código Penal).

 

Os Ministérios Públicos de vários Estados começaram a alegar, em juízo, que este art. 4º da Lei nº 13.654/2018 seria formalmente inconstitucional.

O argumento era o de que o referido art. 4º teria sido retirado pelos Senadores na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania e posteriormente teria sido reinserido no projeto pela Coordenação de Redação Legislativa (CORELE), formada por servidores que prestam apoio ao processo legislativo, mas sem que esta reinserção tenha sido previamente aprovada pelos parlamentares.

Além disso, teria ocorrido erro na publicação do texto final do PLS nº 149/15 aprovado pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, que não permitiu o conhecimento da matéria pelos demais Senadores e

a eventual interposição de recurso para apreciação do Plenário.

Dessa maneira, teria havido descumprimento do processo legislativo com a aprovação de um artigo inserido indevidamente no projeto.

Diante desse cenário, vários Promotores de Justiça pediram, nos diversos processos em que atuaram, a declaração incidental da inconstitucionalidade do art. 4º da Lei nº 13.654/2018.

 

A questão chegou até o STF. O que decidiu a Corte? O art. 4º da Lei nº 13.654/2018 foi declarado formalmente inconstitucional?

NÃO.

O argumento para se sustentar que o art. 4º da Lei nº 13.654/2018 seria formalmente inconstitucional está no fato de que, durante a tramitação do projeto de lei, teria sido violado o art. 91 do Regimento Interno do Senado Federal.

Logo, não há, no caso concreto, nenhuma alegação de ofensa direta às normas da Constituição Federal que tratam sobre o processo legislativo (arts. 59 a 69 da CF/88).

O STF entende que não cabe a declaração de inconstitucionalidade formal de lei por ofensa apenas às normas regimentais das Casas Legislativas. Isso porque a intepretação do regimento interno do Poder Legislativo é considerado assunto interna corporis, não sujeito, portanto, ao controle judicial, sob pena de violação ao princípio da independência dos poderes:

A interpretação e a aplicação do Regimento Interno da Câmara dos Deputados constituem matéria interna corporis, insuscetível de apreciação pelo Poder Judiciário.

STF. Plenário. MS 26.062/DF-AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 4/4/2008.

 

Não é possível o controle jurisdicional em relação à interpretação de normas regimentais das Casas Legislativas, sendo vedado ao Poder Judiciário, substituindo-se ao próprio Legislativo, dizer qual o verdadeiro significado da previsão regimental, por tratar-se de assunto interna corporis, sob pena de ostensivo desrespeito à Separação de Poderes, por intromissão política do Judiciário no Legislativo.

A proteção ao princípio fundamental inserido no art. 2º da CF/1988, segundo o qual, são Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário, afasta a possibilidade de ingerência do Poder Judiciário nas questões de conflitos de interpretação, aplicação e alcance de normas meramente regimentais.

STF. Plenário. MS 36.662 AgR, Rel. Min. Alexandre de Moraes, DJe de 7/11/2019.

 

Em suma:

O controle judicial de atos “interna corporis” das Casas Legislativas só é cabível nos casos em que haja desrespeito às normas constitucionais pertinentes ao processo legislativo (CF, arts. 59 a 69).

Tese fixada pelo STF:

“Em respeito ao princípio da separação dos poderes, previsto no art. 2º da Constituição Federal, quando não caracterizado o desrespeito às normas constitucionais pertinentes ao processo legislativo, é defeso ao Poder Judiciário exercer o controle jurisdicional em relação à interpretação do sentido e do alcance de normas meramente regimentais das Casas Legislativas, por se tratar de matéria ‘interna corporis’.”

STF. Plenário. RE 1297884/DF, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 11/6/2021 (Repercussão Geral – Tema 1120) (Info 1021).


Logo, o art. 4º da Lei nº 13.654/2018, que revogou o inciso I do § 2º do art. 157 do CP, não possui vício de inconstitucionalidade formal.


10 de abril de 2021

Informativo 1009/STF: PROCESSO LEGISLATIVO - Não há inconstitucionalidade formal no fato de a lei ter sido aprovada pelo Congresso Nacional por meio de votação virtual em razão da pandemia da Covid-19

Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/04/info-1009-stf.pdf

PROCESSO LEGISLATIVO - Não há inconstitucionalidade formal no fato de a lei ter sido aprovada pelo Congresso Nacional por meio de votação virtual em razão da pandemia da Covid-19 

A tramitação de projeto de lei por meio de sistema de deliberação remota não viola as normas do processo legislativo. Isso porque o fato de as sessões deliberativas do Senado Federal e da Câmara dos Deputados terem acontecido por meio virtual não afasta a participação e o acompanhamento da população em geral. Ambas as Casas Legislativas fornecem meios de comunicação de amplo e fácil acesso, em tempo real, em relação ao exercício da atividade legislativa. Ademais, a circunstância de se estar diante de uma pandemia, cujo vírus se revelou altamente contagioso, justifica a prudente opção do Congresso Nacional em prosseguir com suas atividades por meio eletrônico. STF. Plenário. ADI 6442/DF, ADI 6447/DF, ADI 6450/DF e ADI 6525/DF, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 13/3/2021 (Info 1009). 

O caso concreto foi o seguinte: 

Em 28/05/2020, foi publicada a Lei Complementar 173/2020, que estabeleceu o Programa Federativo de Enfrentamento ao Coronavírus (Covid-19). Vale ressaltar que, quando essa lei foi aprovada, o Congresso Nacional não estava funcionando em regime presencial. Os Deputados Federais e Senadores estavam trabalhando por meio de reuniões virtuais. Diante disso, foi proposta a ADI 6447 contra a LC 173/2020 na qual uma das alegações foi a de inconstitucionalidade formal. Argumentou-se que a lei seria inconstitucional por ter sido promulgada por votação realizada em meio eletrônico, “sem o acesso da população e sem a possibilidade de participação dos interessados no processo decisório”, o que teria violado a necessidade de participação democrática na atividade legislativa. 

O STF acolheu o argumento do autor da ADI? 

NÃO. O trâmite do projeto de lei que culminou na promulgação da LC 173/2020, no tocante ao processo legislativo realizado em meio virtual, não violou o texto constitucional. Em decorrência da pandemia do coronavírus, diversas medidas sanitárias e de distanciamento social foram recomendadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como forma de evitar e/ou diminuir a disseminação da Covid-19. O Senado Federal, atento às recomendações sanitárias, editou o Ato da Comissão Diretora 7/2020, pelo qual instituiu o Sistema de Deliberação Remota no âmbito daquela Casa. Vale ressaltar que a deliberação por meio eletrônico segue a mesma lógica e medidas das presenciais, permitindo aos parlamentares tanto o debate da matéria quanto a sua votação. Cada parlamentar recebe senhas de acesso para a votação, que são certificadas por meio de reconhecimento, sendo impositivo aos senadores e às senadoras a utilização de dispositivo eletrônico com câmera frontal. O Presidente da sessão comanda toda a votação de uma sala no Senado Federal. Todas as sessões virtuais são transmitidas ao vivo pela Rádio Senado, pela TV Senado e pelo canal da TV Senado no YouTube, Facebook e Twitter. Assim, o simples fato de as sessões deliberativas do Senado Federal e da Câmara dos Deputados, a respeito da então vindoura LC 173/2020, terem acontecido por meio virtual não afasta a participação e o acompanhamento da população em geral. Como visto, ambas as Casas Legislativas fornecem meios de comunicação de amplo e fácil acesso, em tempo real, em relação ao exercício da atividade legislativa. Não há se falar, portanto, em violação ao processo legislativo em razão de as deliberações terem ocorrido por meio do Sistema de Deliberação Remota, sobretudo quando se está diante de uma pandemia, cujo vírus se revelou altamente contagioso, o que justifica, ainda mais, a prudente opção do Congresso Nacional em prosseguir com suas atividades por meio eletrônico. 

Em suma: 

A tramitação de projeto de lei por meio de sistema de deliberação remota não viola as normas do processo legislativo. Isso porque o fato de as sessões deliberativas do Senado Federal e da Câmara dos Deputados terem acontecido por meio virtual não afasta a participação e o acompanhamento da população em geral. Ambas as Casas Legislativas fornecem meios de comunicação de amplo e fácil acesso, em tempo real, em relação ao exercício da atividade legislativa. Ademais, a circunstância de se estar diante de uma pandemia, cujo vírus se revelou altamente contagioso, justifica a prudente opção do Congresso Nacional em prosseguir com suas atividades por meio eletrônico. STF. Plenário. ADI 6442/DF, ADI 6447/DF, ADI 6450/DF e ADI 6525/DF, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 13/3/2021 (Info 1009).